Language of document : ECLI:EU:C:2018:1005

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de dezembro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Regulamento (CE) n.o 562/2006 — Código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) — Artigos 20.o e 21.o — Supressão dos controlos nas fronteiras internas do espaço Schengen — Controlos no interior do território de um Estado‑Membro — Medidas que têm um efeito equivalente a um controlo de fronteira — Regulamentação de um Estado‑Membro que impõe, a um operador de viagens de autocarro que explore linhas de autocarros que atravessam as fronteiras internas do espaço Schengen, a obrigação de controlar os passaportes e os títulos de residência dos passageiros — Sanção — Cominação de uma sanção pecuniária compulsória»

Nos processos apensos C‑412/17 e C‑474/17,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), por decisões de 1 de junho de 2017, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 10 de julho de 2017 (C‑412/17) e em 8 de agosto de 2017 (C‑474/17), nos processos

Bundesrepublik Deutschland

contra

Touring Tours und Travel GmbH (C‑412/17),

Sociedad de Transportes SA (C‑474/17),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, A. Prechal (relatora), C. Toader, A. Rosas e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Bundesrepublik Deutschland, por W. Roth, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por S. Eisenberg e T. Henze, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de setembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 562/2006»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑412/17, a Touring Tours und Travel GmbH e, no processo C‑474/17, a Sociedad de Transportes SA, dois operadores de viagens em autocarros cujas sedes se situam, respetivamente, na Alemanha e em Espanha (a seguir, em conjunto, «transportadoras em causa»), à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), representada pela Bundespolizeipräsidium (Direção da Polícia Federal, Alemanha), a respeito da legalidade de decisões tomadas por esta última que proibiram as transportadoras em causa, sob pena de sanção pecuniária compulsória, de proceder ao transporte para o território da República Federal da Alemanha de nacionais de países terceiros que não sejam portadores de passaporte e dos títulos de residência exigidos.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, que completa a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, foi assinado pela Comunidade Europeia, em 12 de dezembro de 2000, conforme autorizado pela Decisão 2001/87/CE do Conselho, de 8 de dezembro de 2000 (JO 2001, L 30, p. 44, a seguir «Protocolo adicional»). Este protocolo foi aprovado pela Decisão 2006/616/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006 (JO 2006, L 262, p. 24), por as disposições do Protocolo adicional serem abrangidas pelos artigos 179.o e 181.o‑A CE, bem como pela Decisão 2006/617/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006 (JO 2006, L 262, p. 34), por estas disposições serem abrangidas pelo título IV da parte III do Tratado CE.

4        Nos termos do artigo 3.o do Protocolo adicional:

«Para efeitos do presente protocolo:

a)      Por “introdução clandestina de migrantes” entende‑se o facilitar da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não é nacional ou residente permanente com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material;

b)      Por “entrada ilegal” entende‑se a passagem de fronteiras sem preencher as condições necessárias para a entrada legal no Estado de acolhimento;

[…]»

5        O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), deste protocolo estipula:

«Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que considere necessárias para estabelecer como infrações penais, quando praticadas intencionalmente e de forma a obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material:

a)      A introdução clandestina de migrantes».

6        Nos termos do artigo 11.o do referido protocolo, que tem por epígrafe «Medidas nas fronteiras»:

«[…]

2.      Cada Estado Parte deverá adotar as medidas legislativas ou outras medidas apropriadas para prevenir, na medida do possível, a utilização de meios de transporte explorados por transportadores comerciais para a prática da infração estabelecida em conformidade com a alínea a) do n.o 1 do artigo 6.o do presente Protocolo.

3.      Quando se considere apropriado e sem prejuízo das convenções internacionais aplicáveis, tais medidas deverão consistir, designadamente, em estabelecer a obrigação para os transportadores comerciais, incluindo qualquer empresa de transportes, proprietário ou operador de qualquer meio de transporte, de verificar se todos os passageiros são portadores dos documentos de viagem exigidos para a entrada no Estado de acolhimento.

4.      Cada Estado Parte deverá tomar as medidas necessárias, em conformidade com o seu direito interno, para prever sanções em caso de incumprimento da obrigação constante do n.o 3 do presente artigo.

[…]»

 Direito da União

 CAAS

7        O artigo 26.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19), que foi assinada em Schengen, em 19 de junho de 1990, e que entrou em vigor em 26 de março de 1995 (a seguir «CAAS»), estipula:

«1.      Sem prejuízo dos compromissos decorrentes da sua adesão à Convenção de Genebra, de 28 de julho de 1951, relativa ao estatuto dos refugiados, tal como alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de janeiro de 1967, as partes contratantes comprometem‑se a introduzir na sua legislação nacional as seguintes regras:

a)      Se a entrada no território de uma das partes contratantes for recusada a um estrangeiro, o transportador que o conduziu à fronteira externa por via aérea, marítima ou terrestre deve imediatamente retomá‑lo a seu cargo. […]

b)      O transportador deve tomar as medidas necessárias para se assegurar de que o estrangeiro transportado por via aérea ou marítima se encontra na posse dos documentos de viagem exigidos para a entrada nos territórios das partes contratantes.

2.      As Partes Contratantes comprometem‑se, sem prejuízo dos compromissos decorrentes da sua adesão à Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, tal como alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de janeiro de 1967, e em conformidade com o seu direito constitucional, a prever sanções contra os transportadores que conduzam por via aérea ou marítima, de um Estado terceiro para o seu território, estrangeiros que não possuam os documentos de viagem exigidos.

3.      O disposto na alínea b) do n.o 1 e no n.o 2 é aplicável aos transportadores de grupos que assegurem ligações rodoviárias internacionais de autocarro, com exceção do tráfego fronteiriço.»

8        O artigo 27.o da CAAS, revogado pelo artigo 5.o da Diretiva 2002/90/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares (JO 2002, L 328, p. 17), tinha a seguinte redação:

«1.      As Partes Contratantes comprometem‑se a prever sanções adequadas contra quem fomente ou tente fomentar, com fins lucrativos, um estrangeiro a entrar ou a permanecer no território de uma parte contratante violando a legislação desta parte contratante em matéria de entrada e residência de estrangeiros.

2      Se uma Parte Contratante for informada de factos a que se refere o n.o 1, e que constituem uma violação da legislação de uma outra parte contratante, informará desse facto esta última.

3.      A Parte Contratante que solicitar a outra parte contratante para agir judicialmente, por violação da sua própria legislação, com fundamento nos factos referidos no n.o 1, deve justificar, através de uma participação oficial ou de uma declaração das autoridades competentes, as disposições legislativas que foram violadas.»

 Diretiva 2001/51/CE

9        Os considerandos 2 e 4 da Diretiva 2001/51/CE do Conselho, de 28 de junho de 2001, que completa as disposições do artigo 26.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen de 14 de junho de 1985 (JO 2001, L 187, p. 45), enunciam:

«(2)      A presente medida insere‑se num dispositivo global de controlo dos fluxos migratórios e de luta contra a imigração clandestina.

[…]

(4)      A liberdade de os Estados‑Membros manterem ou instituírem medidas ou sanções suplementares em relação às transportadoras, contempladas ou não na presente diretiva, não deve ser afetada.»

 Diretiva 2002/90

10      Os considerandos 1 a 4 da Diretiva 2002/90 enunciam:

«(1)      Um dos objetivos da União Europeia é a criação progressiva de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, o que implica nomeadamente a necessidade de combater a imigração clandestina.

(2)      Por conseguinte, há que combater o auxílio à imigração clandestina, não só no caso de esse auxílio se traduzir na passagem irregular da fronteira stricto sensu, mas também quando for praticado com o objetivo de alimentar redes de exploração de seres humanos.

(3)      Nesta perspetiva, é essencial aproximar as disposições legais existentes, em especial, por um lado, a definição exata da infração em causa e dos casos de isenção, objeto da presente diretiva, e, por outro, as normas mínimas em matéria de sanções, responsabilidade das pessoas coletivas e competência judiciária, objeto da Decisão‑Quadro 2002/946/JAI, de 28 de novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a prevenção do auxílio à entrada ao trânsito e à residência irregulares [(JO 2002, L 328, p. 1)].

(4)      O objeto da presente diretiva é a definição do auxílio à imigração clandestina e tornar por conseguinte mais eficaz a aplicação da Decisão‑Quadro [2002/946] na prevenção dessas infrações.»

11      O artigo 1.o da Diretiva 2002/90, sob a epígrafe «Infração geral», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem adotar sanções adequadas:

a)      Contra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros;

b)      Contra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros.»

12      O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Incitamento, participação e tentativa», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as sanções a que se refere o artigo 1.o sejam igualmente aplicáveis a quem:

a)      Incite a; ou

b)      Seja cúmplice de […] uma das infrações referidas nas alíneas a) ou b) do n.o 1 do artigo 1.o

[…]»

13      O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Sanções», prevê que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações a que se referem os artigos 1.o e 2.o desta diretiva sejam sujeitas a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

 DecisãoQuadro 2002/946

14      O artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2002/946 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações definidas nos artigos 1.o e 2.o da Diretiva [2002/90] sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas, suscetíveis de conduzir à extradição.

2.      As sanções penais referidas no n.o 1 podem, se necessário, ser acompanhadas das seguintes medidas:

–        a perda do meio de transporte que serviu para a prática da infração,

–        a proibição do exercício, direto ou por interposta pessoa, da atividade profissional exercida no momento da prática da infração,

[…]»

15      O artigo 2.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Responsabilidade das pessoas coletivas», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas coletivas possam ser responsabilizadas pelas infrações referidas no n.o 1 do artigo 1.o e praticadas em seu benefício por qualquer pessoa ao seu serviço, atuando individualmente ou enquanto membro de um órgão dessa pessoa coletiva, que nela exerça poderes de direção, […]

2.      Além dos casos já previstos no n.o 1, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que uma pessoa coletiva possa ser responsabilizada sempre que a falta de supervisão ou de controlo pela pessoa referida no n.o 1 tiver tornado possível a prática das infrações referidas no n.o 1 do artigo 1.o em seu benefício por uma pessoa sob a sua autoridade.

3.      A responsabilidade da pessoa coletiva nos termos dos n.os 1 e 2 não exclui o procedimento penal contra pessoas singulares autoras, instigadoras ou cúmplices das infrações referidas no n.o 1.»

16      Nos termos do artigo 3.o da referida decisão‑quadro, que tem por epígrafe «Sanções aplicáveis a pessoas coletivas»:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que uma pessoa coletiva declarada responsável na aceção do n.o 1 do artigo 2.o, seja passível de sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas, que incluam multas ou coimas e eventualmente outras sanções […]

2.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que uma pessoa coletiva declarada responsável na aceção do n.o 2 do artigo 2.o seja passível de sanções ou de medidas efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

 Regulamento n.o 562/2006

17      O Regulamento n.o 562/2006, aplicável à data dos factos nos processos principais, foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1).

18      Nos termos do artigo 2.o, pontos 9 a 11 e 14, do Regulamento n.o 562/2006:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

9)      “Controlo fronteiriço”, a atividade que é exercida numa fronteira, nos termos e para efeitos do presente regulamento, unicamente com base na intenção ou no ato de passar essa fronteira, independentemente de qualquer outro motivo, e que consiste nos controlos de fronteira e a vigilância de fronteiras;

10)      “Controlos de fronteira”, os controlos efetuados nos pontos de passagem de fronteira, a fim de assegurar que as pessoas, incluindo os seus meios de transporte e objetos na sua posse, podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo;

11)      “Vigilância de fronteiras”, a vigilância das fronteiras entre os pontos de passagem de fronteira e a vigilância dos pontos de passagem de fronteira fora dos horários de abertura fixados, de modo a impedir as pessoas de iludir os controlos de fronteira;

[…]

14)      “Transportador”, qualquer pessoa singular ou coletiva que assegure, a título profissional, o transporte de pessoas.»

19      O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Condições de entrada para os nacionais de países terceiros», previa, no seu n.o 1:

«Para uma estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a 90 dias em qualquer período de 180 dias, o que implica ter em conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada, as condições de entrada para os nacionais de países terceiros são as seguintes:

a)      Estar na posse de um documento de viagem válido que autorize o titular a passar a fronteira e que preencha os seguintes critérios:

i)      ser válido pelo menos para os três meses seguintes à data prevista de partida do território dos Estados‑Membros. Todavia, em caso de emergência devidamente justificada, esta obrigação pode ser dispensada,

ii)      ter sido emitido há menos de 10 anos;

b)      Estar na posse de um visto válido, se tal for exigido […], exceto se for detentor de um título de residência válido ou de um visto de longa duração válido;

[…]»

20      O artigo 20.o do Regulamento n.o 562/2006, sob a epígrafe «Passagem das fronteiras internas», dispunha:

«As fronteiras internas podem ser transpostas em qualquer local sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionalidade.»

21      O artigo 21.o deste regulamento, sob a epígrafe «Controlos no interior do território», tinha a seguinte redação:

«A supressão do controlo nas fronteiras internas não prejudica:

a)      O exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Na aceção do primeiro período, o exercício das competências de polícia não pode considerar‑se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que essas medidas policiais:

i)      não tiverem como objetivo o controlo fronteiriço;

ii)      se basearem em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública e se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras;

iii)      forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas;

iv)      forem aplicadas com base em controlos por amostragem;

b)      Os controlos de segurança sobre as pessoas efetuados nos portos ou aeroportos pelas autoridades competentes, por força do direito de cada Estado‑Membro, pelos responsáveis portuários ou aeroportuários ou pelos transportadores, desde que estes controlos sejam igualmente efetuados sobre as pessoas que realizam viagens no interior de um Estado‑Membro;

c)      A possibilidade de um Estado‑Membro prever por lei a obrigação de posse ou porte de títulos e documentos;

d)      A possibilidade de um Estado‑Membro prever por lei a obrigação imposta aos nacionais de países terceiros de assinalarem a sua presença no respetivo território, nos termos do artigo 22.o da [CAAS].»

 Direito alemão

22      O § 13 da Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei relativa à residência, ao trabalho e à integração dos estrangeiros no território federal), de 30 de julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1950), na sua versão aplicável aos factos nos processos principais (a seguir «AufenthG»), sob a epígrafe «Passagem das fronteiras», prevê, no seu n.o 1, a obrigação de os estrangeiros estarem munidos de passaporte reconhecido e válido ou de documento que substitua o passaporte no momento da entrada ou da saída do território nacional e se submeterem ao controlo policial do tráfego transfronteiriço.

23      O § 63 da AufenthG, sob a epígrafe «Obrigações das empresas de transporte», dispõe:

«1.      Um transportador só pode transportar estrangeiros para o território da República Federal da Alemanha quando estes estiverem munidos de passaporte e do título de residência exigido.

2.      O Ministério Federal da Administração Interna, ou a autoridade por ele determinada, pode, de comum acordo com o Ministério Federal dos Transportes e das Infraestruturas Digitais, proibir a um transportador o transporte de estrangeiros para o território da República Federal da Alemanha em violação do n.o 1 e cominar‑lhe sanções pecuniárias compulsórias em caso de infração. […]

3.      O montante das sanções pecuniárias compulsórias aplicadas ao transportador é de 1 000 euros, no mínimo, e de 5 000 euros, no máximo, por cada estrangeiro que transporte em violação de uma decisão adotada nos termos do n.o 2. […]

4.      O Ministério Federal da Administração Interna ou a autoridade por ele determinada podem acordar com os transportadores regras destinadas a implementar a obrigação referida no n.o 1.»

24      O ponto 63, n.os 1 e 2, da Allgemeine Verwaltungsvorschrift zum Aufenthaltsgesetz (Disposições administrativas gerais relativas à Lei relativa à residência dos estrangeiros), de 26 de outubro de 2009 (GMBl. 2009, p. 878), tem a seguinte redação:

«63.1      Obrigações de controlo e segurança

63.1.1      [O § 63 da AufenthG] proíbe os transportadores de transportar para o território da República Federal da Alemanha estrangeiros que não estejam munidos dos documentos de viagem exigidos. A proibição abrange tanto os transportes por via aérea e marítima como os transportes por via terrestre, com exceção do tráfego ferroviário transfronteiriço. […] A proibição legal de transportar estrangeiros para o território da República Federal da Alemanha quando estes não estiverem munidos do passaporte ou do visto exigido devido à sua nacionalidade acarreta simultaneamente a obrigação do transportador de controlar adequadamente o passaporte e o visto. A obrigação de controlo destina‑se a garantir que o estrangeiro preenche as condições previstas no § 13, n.o 1, para a passagem da fronteira. […]

[…]

63.1.3.1 A obrigação de controlo prevista no § 63, n.o 1, impõe ao transportador que verifique se o estrangeiro está munido dos documentos exigidos […]

63.2      Proibição de transporte e sanções pecuniárias compulsórias

63.2.0      A proibição de transporte, bem como a cominação, a fixação e a execução de sanções pecuniárias compulsórias, visam obrigar o transportador a controlar, em todos os casos, o cumprimento da obrigação de ser portador de um passaporte e de um visto.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

25      As transportadoras em causa prestam serviços de viagens de autocarro e exploram, nomeadamente, linhas de autocarros com destino à Alemanha que atravessam as fronteiras germano‑neerlandesa e germano‑belga.

26      Por considerarem que estas empresas tinham transportado para a Alemanha um número significativo de nacionais de países terceiros que não eram portadores dos documentos de viagem exigidos, em violação do § 63, n.o 1, da AufenthG, a Direção da Polícia Federal começou por lhes dirigir uma «advertência», nos meses de novembro de 2013 e de março de 2014, respetivamente, em que enumerava os casos de transporte não autorizado e informava que, em caso de continuação da infração, seria adotada uma decisão de proibição, em aplicação do § 63, n.o 2, da AufenthG.

27      Posteriormente, tendo constatado que o comportamento ilícito das transportadoras em causa subsistia, a Direção da Polícia Federal acabou por adotar as referidas decisões de proibição, em 26 de setembro de 2014 e 18 de novembro de 2014, respetivamente, as quais eram acompanhadas de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 1 000 euros por cada nova infração.

28      Nos termos destas decisões, as transportadoras em causa estavam obrigadas, por força do § 63, n.o 1, da AufenthG, a fazer tudo o que fosse possível para impedir a entrada no território alemão de estrangeiros que não fossem portadores dos documentos de viagem exigidos. Para o efeito, estas transportadoras estavam obrigadas a verificar esses documentos no momento em que controlavam os bilhetes quando da entrada dos passageiros para o autocarro e a recusar o respetivo acesso aos nacionais de países terceiros que não fossem portadores dos documentos de viagem exigidos.

29      Tendo as transportadoras em causa interposto recursos das referidas decisões, o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo, Alemanha) anulou‑as, por considerar, em substância, que, devido ao primado do direito da União, o § 63, n.o 2, da AufenthG não devia ser aplicado, uma vez que a sua aplicação às empresas que transportam nacionais de países terceiros cujo destino seja a Alemanha através da passagem de uma fronteira interna do espaço Schengen era contrária ao artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como aos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006. Com efeito, os controlos impostos às mencionadas empresas deviam ser qualificados de medidas que têm um «efeito equivalente a um controlo de fronteira», na aceção do artigo 21.o do Regulamento n.o 562/2006, devido, nomeadamente, à sua natureza sistemática e ao facto de deverem ser efetuados antes de a fronteira ser atravessada.

30      A República Federal da Alemanha interpôs recurso de «Revision» dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), alegando, designadamente, que o direito da União, e, em especial, a Diretiva 2002/90 assim como a Decisão‑Quadro 2002/946, as quais são disposições especiais face às previstas no Regulamento n.o 562/2006, impõe a obrigação de punir as infrações a proibições de transporte, como as previstas no § 63 da AufenthG.

31      Em todo o caso, segundo a República Federal da Alemanha, o controlo dos documentos de viagem exigido por esta disposição de direito nacional não pode ser qualificado de medida «de efeito equivalente a um controlo de fronteira», na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006. Com efeito, o objetivo prosseguido não é o de controlar a passagem das fronteiras, mas o de fazer respeitar as disposições relativas à entrada no território. Além disso, não sendo estes controlos efetuados por agentes públicos, mas por funcionários de sociedades privadas, os controlos não são tão extensos como os que são efetuados nas fronteiras. Desta forma, estes funcionários não têm possibilidade de recorrer a medidas de coação ou de investigação no caso de os interessados se recusarem a serem submetidos a este tipo de controlo.

32      Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos nos processos C‑412/17 e 474/17:

«1)      O artigo 67.o, n.o 2, TFUE e os artigos [20.o e 21.o] do Regulamento [n.o 562/2006] opõem‑se ao regime nacional de um Estado‑Membro que tem por efeito obrigar as empresas de autocarros cujas carreiras atravessam uma fronteira interna Schengen a controlar os documentos de viagem dos seus passageiros antes de atravessar uma fronteira interna, para impedir o transporte para o território da República Federal da Alemanha de estrangeiros sem passaporte nem título de residência?

Em especial:

a)      A obrigação geral, resultante da lei, ou a obrigação imposta pelas autoridades aos transportadores individuais de não transportar para o território federal estrangeiros não munidos, como exigido, de passaporte ou título de residência, que só pode ser cumprida pelos transportadores através de um controlo dos documentos de viagem de todos os passageiros antes de atravessar a fronteira interna, constitui um controlo das pessoas nas fronteiras internas na aceção do artigo [20.o] do [Regulamento n.o 562/2006] ou é equivalente a este?

b)      Deve a imposição das obrigações referidas na [primeira questão] ser apreciada à luz do artigo [21.o], alínea a), do [Regulamento n.o 562/2006], embora os transportadores não exerçam “competências de polícia” na aceção desta norma e, apesar da obrigação de controlo imposta pelo Estado, também não estejam formalmente investidos de poderes de autoridade pública?

c)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão, alínea b)]: atendendo aos critérios do artigo [21.o], alínea a), segundo período, do [Regulamento n.o 562/2006], o controlo exigido dos transportadores constitui uma medida ilegal, de efeito equivalente a um controlo nas fronteiras?

d)      Deve a imposição das obrigações referidas na [primeira questão], na medida em que se aplica a empresas que operam carreiras de autocarros, ser apreciada à luz do artigo [21.o], alínea b), do [Regulamento n.o 562/2006], nos termos do qual a ausência do controlo nas fronteiras internas não prejudica a faculdade de os transportadores efetuarem controlos de segurança sobre as pessoas em portos ou aeroportos? Deve assim concluir‑se que os controlos referidos na [primeira questão] realizados igualmente fora de portos e aeroportos são ilegais, quando não constituem controlos de segurança e não são igualmente efetuados sobre pessoas que viajam no interior de um Estado‑Membro?

2)      Os artigos [20.o] e [21.o] do [Regulamento n.o 562/2006] permitem disposições nacionais que, para garantir o cumprimento da obrigação [de controlo prevista na primeira questão], preveem que pode ser adotada uma decisão de proibição, com cominação de sanções pecuniárias, contra uma empresa de autocarros quando, por não terem sido efetuados controlos, foram transportados para o território da República Federal da Alemanha estrangeiros sem passaporte nem título de residência?»

33      Por Decisão de 24 de abril de 2018, o Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C‑412/17 e C‑474/17 para efeitos das fases escrita e oral do processo, bem como do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

34      Com as suas duas questões que submeteu em cada um dos processos apensos, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 67.o, n.o 2, TFUE e os artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa nos processos principais, que obriga as empresas de transporte em autocarro cujas carreiras atravessam uma fronteira interna do espaço Schengen com destino ao território desse Estado‑Membro a controlarem o passaporte e o título de residência dos passageiros antes da passagem de uma fronteira interna, com o objetivo de impedir o transporte de nacionais de países terceiros que não sejam portadores desses documentos de viagem para o território nacional, e que permite, de forma a fazer cumprir esta obrigação de controlo, que as autoridades de polícia adotem uma decisão de proibição de tais transportes com cominação de sanções pecuniárias compulsórias contra empresas de transporte, quando se tenha constatado que conduziram a esse território nacionais de países terceiros que não eram portadores dos referidos documentos de viagem.

35      A título preliminar, no que se refere ao alcance das questões prejudiciais, há que observar que estas se limitam a um exame do dispositivo do § 63 da AufenthG à luz do artigo 67.o, n.o 2, TFUE, bem como dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006.

36      Ora, há que salientar que a República Federal da Alemanha, enquanto parte nos litígios nos processos principais, sustentou, tanto nas suas observações escritas como na audiência no Tribunal de Justiça, que a obrigação de controlo, sob pena de sanção pecuniária compulsória, que é imposta aos transportadores nos termos do § 63 da AufenthG não é contrária ao direito da União. Com efeito, certas disposições da Diretiva 2002/90, da Decisão‑Quadro 2002/946, do Protocolo adicional e da Diretiva 2001/51 obrigam os Estados‑Membros a impor aos transportadores de pessoas obrigações de controlo, como as previstas no § 63 da AufenthG, bem como sanções adequadas contra os transportadores que ajudem intencionalmente um nacional de um país terceiro a entrar no território de um Estado‑Membro, a transitar pelo território desse Estado ou a residir ilegalmente nesse território.

37      Todavia, resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio, em resposta a esta argumentação, a qual já fora aduzida perante si pela República Federal da Alemanha em apoio do seu recurso de «Revision», referiu expressamente que não necessitava de esclarecimentos sobre o eventual impacto da Diretiva 2002/90, da Decisão‑Quadro 2002/946 e da Diretiva 2001/51 para efeitos da resposta a dar às questões submetidas, tendo em simultâneo precisado as razões pelas quais era dessa opinião.

38      Consequentemente, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não se referiu, nas suas questões prejudiciais, a nenhum destes três atos do direito da União nem, aliás, ao Protocolo adicional.

39      A este respeito, cabe recordar que é competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio determinar e formular as questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União que são necessárias para a resolução do litígio no processo principal (Acórdão de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 31).

40      Assim, embora o referido órgão jurisdicional possa convidar as partes no litígio que lhe foi submetido a sugerirem formulações suscetíveis de serem aceites para o enunciado das questões prejudiciais, não é menos verdade que só a esse órgão jurisdicional incumbe decidir em última instância tanto da forma como do conteúdo dessas questões (Acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly, C‑104/10, EU:C:2011:506, n.o 65).

41      Decorre também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se o órgão jurisdicional de reenvio tiver referido expressamente na sua decisão de reenvio que considera não ser necessário submeter uma questão ou se tiver implicitamente recusado submeter ao Tribunal de Justiça uma questão suscitada por uma das partes, o Tribunal de Justiça não pode responder a essa questão nem pode tomá‑la em consideração no âmbito do reenvio prejudicial (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 1988, Alsatel, 247/86, EU:C:1988:469, n.o 8; de 2 de junho de 1994, AC‑ATEL Electronics Vertriebs, C‑30/93, EU:C:1994:224, n.o 19; e de 26 de setembro de 2000, Engelbrecht, C‑262/97, EU:C:2000:492, n.os 21 e 22).

42      Nestas condições, o Tribunal de Justiça não pode, no caso em apreço, alargar o objeto das questões submetidas examinando‑as à luz não apenas dos artigos 20.o e 21.o do Regulamento n.o 562/2006 mas também das disposições da Diretiva 2002/90, da Decisão‑Quadro 2002/946 e da Diretiva 2001/51.

43      Por outro lado, pode indicar‑se que, ainda que se admita que, em princípio, em certas condições, um Estado‑Membro possa estar obrigado, por força de determinadas disposições destes três atos ou de disposições do Protocolo adicional, a impor, sob pena de sanções, nomeadamente penais, às empresas de transporte em autocarro, uma obrigação de controlo dos documentos de viagem de que devem ser portadores os nacionais de países terceiros que são transportados para o território desse Estado‑Membro, tal obrigação deve ser cumprida no âmbito do Código das Fronteiras Schengen, na sua versão resultante do Regulamento n.o 562/2006.

44      No que respeita ao mérito das questões submetidas e, por conseguinte, à compatibilidade de uma disposição de direito nacional, como o § 63 da AufenthG, com as disposições do Regulamento n.o 562/2006, há que constatar que esta não deve ser examinada à luz do artigo 20.o do Regulamento n.o 562/2006.

45      Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, por os controlos em causa nos processos principais não serem efetuados «nas fronteiras» ou «no momento da passagem da fronteira», mas, em princípio, no interior do território de um Estado‑Membro, no presente caso no momento em que os viajantes entram no autocarro no início da viagem transfronteiriça, estes controlos não constituem controlos de fronteiras, proibidos pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 562/2006, mas controlos no interior do território de um Estado‑Membro, previstos no artigo 21.o do referido regulamento (v., por analogia, Acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 68, e de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 56).

46      Há assim que examinar se controlos no interior do território de um Estado‑Membro, como os que foram idealizados e levados a cabo nos termos do § 63 da AufenthG, são proibidos por força do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006. Tal verificar‑se‑ia se os referidos controlos tivessem, na realidade, um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira, na aceção desta última disposição (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 57).

47      Todavia, antes de proceder a este exame, coloca‑se a questão preliminar da aplicabilidade do artigo 21.o alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 a controlos como os que estão em causa nos processos principais, na medida em que estes não devem ser efetuados por autoridades de polícia ou equiparadas, mas pelos trabalhadores das transportadoras de direito privado que não dispõem de prerrogativas de poder público, referindo‑se contudo o citado artigo 21.o, alínea a), ao «exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, ao abrigo do direito nacional» e às «medidas policiais».

48      A este respeito, importa notar que, no caso em apreço, o controlo dos documentos de viagem que incumbe às transportadoras em causa é imposto simultaneamente a título da obrigação legal geral prevista no § 63, n.o 1, da AufenthG e da obrigação legal específica decorrente das decisões, sob pena de sanção pecuniária compulsória, tomadas contra aquelas transportadoras pela Direção da Polícia Federal com base no § 63, n.o 2, da AufenthG.

49      Assim, são as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa que, por força do direito nacional, impõem às empresas de transporte que efetuem, se for caso disso sob pena de sanção pecuniária compulsória, os controlos de documentos de viagem que são normalmente efetuados por autoridades de polícia ou equiparadas. Desta forma, mesmo que estas empresas não disponham de prerrogativas de poder público, efetuam esses controlos sob a ordem e sob o controlo das autoridades dotadas de tais prerrogativas.

50      Esses controlos, ainda que sejam efetuados por transportadoras, são, desta forma, abrangidos pelo artigo 21.o alínea a), do Regulamento n.o 562/2006. Se assim não fosse, essa disposição poderia, de resto, ser facilmente elidida, ficando comprometido o seu efeito útil.

51      Relativamente ao citado artigo 21.o, alínea a), importa recordar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que comporta um requisito de que os controlos de polícia numa zona fronteiriça sejam idênticos, no que respeita às suas modalidades e aos objetivos, aos controlos efetuados em todo o território nacional. Esta interpretação é corroborada pelo facto, por um lado, de a proposta da Comissão Europeia que visava instaurar tal condição não ter sido acolhida pelo legislador da União e, por outro, de estar, em contrapartida, expressamente prevista no artigo 21.o, alínea b), deste regulamento, relativamente aos controlos de segurança efetuados nos portos e nos aeroportos, que só são autorizados se também forem efetuados em relação a pessoas que viajem no interior de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 73).

52      Daqui resulta também, em resposta à primeira questão, alínea d), submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, embora o artigo 21.o, alínea b), do Regulamento n.o 562/2006 vise expressamente os «transportadores», não se pode deduzir de uma leitura a contrario desta disposição que controlos como os efetuados ao abrigo do § 63 da AufenthG sejam proibidos pelo simples facto de não obedecerem aos requisitos previstos nesta disposição e que não são, por conseguinte, controlos de segurança efetuados em portos ou em aeroportos nem controlos sobre pessoas que viajam no interior do Estado‑Membro em causa.

53      Com efeito, conforme decorre nomeadamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 51 do presente acórdão, as disposições do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 e as do artigo 21.o, alínea b), deste regulamento têm um âmbito de aplicação e requisitos de aplicação próprios.

54      Em segundo lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os indícios enumerados no artigo 21.o, alínea a), segundo período, do Regulamento n.o 562/2006 também constituem indícios da existência de um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira. Perante alguns destes indícios, os controlos em causa só são autorizados se a sua execução estiver delimitada, na legislação nacional que os impõe, por precisões e limitações, suficientemente precisas e detalhadas, quanto à intensidade, à frequência e à seletividade desses controlos. Assim, quanto mais numerosos forem os indícios previstos na legislação nacional, relativos ao objetivo prosseguido pelos controlos efetuados numa zona fronteiriça, ao âmbito de aplicação territorial desses controlos e à existência de uma distinção entre o fundamento dos referidos controlos, e ao dos controlos efetuados na restante parte do território do Estado‑Membro em causa, mais estritas e estritamente respeitadas deverão essas precisões e limitações ser (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.os 38 a 41).

55      No que diz respeito, no caso em apreço, à análise do § 63, n.o 2, da AufenthG à luz, em primeiro lugar, do indício constante do artigo 21.o, alínea a), segundo período, i), do Regulamento n.o 562/2006, segundo o qual o exercício das competências de polícia não pode ser considerado «equivalente ao exercício de controlos de fronteira», nomeadamente nos casos em que os controlos previstos nessa regulamentação nacional «não [têm] como objetivo o controlo fronteiriço», o Tribunal de Justiça já declarou que resulta do artigo 2.o, pontos 9 a 11, do referido regulamento que este objetivo visa, por um lado, garantir que as pessoas possam ser autorizadas a entrar no território do Estado‑Membro ou a abandoná‑lo e, por outro, impedir as pessoas de se subtraírem aos controlos de fronteira. Trata‑se de controlos que podem ser efetuados de modo sistemático (Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil, C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 61).

56      Ora, decorre das disposições administrativas gerais relativas à Lei relativa à residência dos estrangeiros que a obrigação de controlo dos documentos de viagem decorrente do § 63, n.o 1, da AufenthG visa assegurar que o nacional de país terceiro em causa «preench[a] as condições previstas no § 13, n.o 1, [da AufenthG], para a passagem da fronteira».

57      Este § 13, que tem por epígrafe «Passagem das fronteiras», prevê, no seu n.o 1, a obrigação de os estrangeiros nacionais de um país terceiro estarem munidos de passaporte reconhecido e válido ou de documento que substitua o passaporte no momento da entrada ou da saída do território nacional e se submeterem ao controlo policial do tráfego transfronteiriço.

58      Há assim que constatar que os controlos em causa nos processos principais têm por objetivo o «controlo fronteiriço», na aceção do artigo 21.o, alínea a), segundo período, i), do Regulamento n.o 562/2006, dado que se destinam a verificar que estão preenchidos os requisitos de entrada nos Estados‑Membros que compõem o espaço Schengen, enumerados no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 562/2006, no que respeita aos documentos de viagem exigidos, disposição que é reproduzida no § 13, n.o 1, da AufenthG.

59      Conforme assinalou o advogado‑geral no n.o 85 das suas conclusões, os controlos que devam ser efetuados ao abrigo do § 63 da AufenthG têm assim por único objetivo garantir que as pessoas a bordo do autocarro em causa, que tencionem atravessar a fronteira do Estado‑Membro de destino, possam efetivamente ser autorizadas a entrar no território deste último. Os controlos têm assim por objetivo impedir que os passageiros cheguem ao território desse Estado se não dispuserem dos documentos de viagem exigidos, à semelhança do objetivo que é prosseguido quando são os guardas de fronteira que efetuam controlos no momento em que ocorre a passagem das fronteiras externas.

60      Em segundo lugar, quanto à análise do § 63, n.o 2, da AufenthG à luz do indício referido no artigo 21.o, alínea a), segundo período, ii), do Regulamento n.o 562/2006, pode considerar‑se que os controlos impostos, pelas decisões adotadas nos termos do § 63, n.o 2, da AufenthG, às transportadoras que exploram certas linhas de autocarro transfronteiriças se baseiam em informações gerais e na experiência dos serviços de polícia relativas a eventuais ameaças para a ordem pública, na medida em que essas decisões são tomadas depois de ser formulada uma advertência às transportadoras em causa por ter sido constatado que estrangeiros entraram sem os documentos de viagem exigidos no território alemão, tendo para o efeito utilizado certas linhas de autocarros operadas por aquelas transportadoras.

61      Em contrapartida, não é o que sucede com os controlos impostos com base na obrigação prevista no § 63, n.o 1, da AufenthG, visto que esta obrigação reveste caráter geral, que visa todas as linhas de autocarros transfronteiriças, independentemente do comportamento das pessoas em causa e de circunstâncias que demonstrem um risco de perturbação da ordem pública (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.o 55).

62      Em terceiro lugar, no que se refere ao indício que consta do artigo 21.o, alínea a), segundo período, iii) e iv), do Regulamento n.o 562/2006, é certo que o controlo dos documentos de viagem efetuado pelos trabalhadores das transportadoras ao abrigo do § 63 da AufenthG é, pela sua própria natureza, menos aprofundado do que aquele que é realizado pela polícia, quanto mais não seja devido ao facto de os trabalhadores não disporem das competências, dos recursos, por exemplo, o acesso a bases de dados, nem das prerrogativas de poder público da polícia ou de outras autoridades equiparadas. Assim, só as falsificações manifestas de passaportes podem ser identificadas pelos trabalhadores em questão.

63      Não deixa de ser certo, como também salientou o órgão jurisdicional de reenvio, que resulta da regulamentação nacional em causa nos processos principais que tal controlo dos documentos de viagem deve ser efetuado de forma sistemática em relação a todas as pessoas que viajam em todas as linhas de autocarros transfronteiriças.

64      Com efeito, o § 63, n.o 1, da AufenthG não contém precisões nem limitações quanto à intensidade, à frequência e à seletividade dos controlos que devem ser efetuados com esta base jurídica (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2017, A, C‑9/16, EU:C:2017:483, n.os 57 e 59).

65      Neste contexto, é igualmente facto assente que os controlos em causa nos processo principais não são realizados com base em controlos por amostragem.

66      Em quarto lugar, no que se refere aos elementos que, conforme foi recordado no n.o 54 do presente acórdão, podem servir de indícios da existência de um efeito equivalente ao dos controlos de fronteira, especialmente os que dizem respeito ao âmbito de aplicação territorial destes controlos e à distinção entre o fundamento dos referidos controlos e o dos controlos efetuados no resto do território alemão, há que constatar, como sustentou a Comissão nas suas observações escritas, sem ser contraditada neste ponto na audiência no Tribunal de Justiça, que os controlos que devem ser efetuados nos termos do § 63 da AufenthG se caracterizam pela circunstância de o respetivo facto gerador ser precisamente a passagem de uma fronteira interna.

67      Esta característica essencial dos controlos em causa nos processos principais, também salientada pelo advogado‑geral no n.o 85 das suas conclusões, distingue‑os dos que estão em causa noutros processos que deram origem aos acórdãos do Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006, em especial os Acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363), de 19 de julho de 2012, Adil (C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508), e de 21 de junho de 2017, A (C‑9/16, EU:C:2017:483), nos quais estavam em causa controlos policiais em zonas fronteiriças que não ficavam a mais de 20 quilómetros, ou mesmo de 30 quilómetros, de uma fronteira interna do espaço Schengen.

68      Ora, a circunstância de, no caso em apreço, os controlos em causa nos processos principais se caracterizarem pelo nexo particularmente estreito que têm com a passagem de uma fronteira interna, na medida em que se trata precisamente do facto gerador destes controlos, é particularmente reveladora da existência de um «efeito equivalente a um controlo de fronteira», na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006.

69      Tanto mais assim é que os controlos exigidos por força do § 63 da AufenthG e os controlos efetuados no restante território alemão assentam em bases jurídicas distintas, podendo o segundo tipo de controlo incluir linhas de autocarros internas que cubram uma distância comparável aos trajetos transfronteiriços que são objeto do primeiro tipo de controlo. Em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 54 do presente acórdão, tal circunstância deve ser tida em conta no âmbito da apreciação de conjunto que implica a qualificação de um dispositivo de controlo de medida que tenha um «efeito equivalente a um controlo de fronteira», na aceção do artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006.

70      Com efeito, como também observou o órgão jurisdicional de reenvio, o § 63 da AufenthG só é aplicável às linhas de autocarros que atravessam uma fronteira interna do espaço Schengen e não abrange as que estão confinadas apenas ao território alemão, as quais podem, contudo, ter uma distância igual, ou inclusivamente superior, à distância das referidas linhas de autocarros transfronteiriças.

71      Nestas condições, atendendo à presença de vários dos indícios enumerados no artigo 21.o, alínea a), segundo período, do Regulamento n.o 562/2006, à apreciação do peso relativo dos mesmos e à inexistência, na legislação nacional em causa nos processos principais, de precisões e de limitações suficientes quanto à intensidade, à frequência e à seletividade dos controlos exigidos nos termos do § 63, n.o 1, da AufenthG, tais controlos devem ser qualificados de medida de «efeito equivalente a um controlo de fronteira», proibida pelo artigo 21.o, alínea a), primeiro período, deste regulamento.

72      Daqui resulta igualmente que o artigo 21.o, alínea a), do Regulamento n.o 562/2006 se opõe ao dispositivo previsto no § 63, n.o 2, da AufenthG, na medida em que este visa punir um incumprimento da obrigação geral de controlo prevista no § 63, n.o 1, da AufenthG sob a forma de uma decisão de proibição de transporte sob cominação de uma sanção pecuniária compulsória. Com efeito, tal dispositivo sancionatório é incompatível com o referido artigo 21.o, alínea a), porquanto é imposto para assegurar o cumprimento de uma obrigação de controlo, a qual não é, ela própria, desconforme com esta disposição.

73      Atendendo a tudo o que precede, há que responder às questões submetidas que o artigo 67.o, n.o 2, TFUE e o artigo 21.o do Regulamento n.o 562/2006 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa nos processos principais, que obriga as empresas de transporte em autocarro cujas carreiras atravessam uma fronteira interna do espaço Schengen com destino ao território desse Estado‑Membro a controlarem o passaporte e o título de residência dos passageiros antes da passagem de uma fronteira interna, com o objetivo de impedir o transporte de nacionais de países terceiros que não sejam portadores desses documentos de viagem para o território nacional, e que permite, de forma a fazer cumprir esta obrigação de controlo, que as autoridades de polícia adotem uma decisão de proibição de tais transportes com cominação de sanções pecuniárias compulsórias contra empresas de transporte em relação às quais tenha sido constatado que conduziram para esse território nacionais de países terceiros que não eram portadores dos referidos documentos de viagem.

 Quanto às despesas

74      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 67.o, n.o 2, TFUE e o artigo 21.o do Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EstadoMembro, como a que está em causa nos processos principais, que obriga as empresas de transporte em autocarro cujas carreiras atravessam uma fronteira interna do espaço Schengen com destino ao território desse EstadoMembro a controlarem o passaporte e o título de residência dos passageiros antes da passagem de uma fronteira interna, com o objetivo de impedir o transporte de nacionais de países terceiros que não sejam portadores desses documentos de viagem para o território nacional, e que permite, de forma a fazer cumprir esta obrigação de controlo, que as autoridades de polícia adotem uma decisão de proibição de tais transportes com cominação de sanções pecuniárias compulsórias contra empresas de transporte em relação às quais tenha sido constatado que conduziram para esse território nacionais de países terceiros que não eram portadores dos referidos documentos de viagem.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.