Language of document : ECLI:EU:C:2024:123

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Âmbito de aplicação — Artigo 25.o — Pacto atributivo de jurisdição — Partes num contrato estabelecidas no mesmo Estado‑Membro — Atribuição aos tribunais de outro Estado‑Membro de competência para dirimirem litígios resultantes deste contrato — Elemento de estraneidade»

No processo C‑566/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa), por Decisão de 14 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2022, no processo

Inkreal s. r. o.

contra

Dúha reality s. r. o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin (relator) e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Dúha reality s. r. o., por J. Mráz, advokát,

–        em representação do Governo Checo, por M. Smolek, A. Edelmannová e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Suíço, por M. Kähr e L. Lanzrein, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Noë e K. Walkerová, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Inkreal s. r. o. à Dúha reality s. r. o. a respeito da designação do órgão jurisdicional territorialmente competente para conhecer de um pedido de pagamento apresentado com fundamento na assunção a título sub‑rogatório, pela Inkreal, de dois créditos detidos por FD sobre a Dúha reality.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 3, 15, 19, 21, 22 e 26 do Regulamento n.o 1215/2012:

«(3)      A União [Europeia] atribuiu‑se como objetivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente facilitando o acesso à justiça, em especial através do princípio do reconhecimento mútuo de decisões judiciais e extrajudiciais em matéria civil. A fim de criar gradualmente esse espaço, a União deve adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham incidência transfronteiriça, nomeadamente quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno.

[…]

(15)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. […]

[…]

(19)      A autonomia das partes num contrato que não seja de seguro, de consumo ou de trabalho quanto à escolha do tribunal competente, no caso de apenas ser permitida uma autonomia limitada de escolha do tribunal, deverá ser respeitada sem prejuízo das competências exclusivas definidas pelo presente regulamento.

[…]

(21)      O funcionamento harmonioso da justiça obriga a minimizar a possibilidade de intentar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em Estados‑Membros diferentes. Importa prever um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência e de conexão e para obviar aos problemas resultantes das divergências nacionais quanto à determinação do momento a partir do qual os processos são considerados pendentes. […]

(22)      Todavia, a fim de reforçar a eficácia dos acordos exclusivos de eleição do foro competente e de evitar táticas de litigação abusivas, é necessário prever uma exceção à regra geral de litispendência, a fim de lidar de forma satisfatória com uma situação particular no âmbito da qual poderão ocorrer processos concorrentes. Trata‑se da situação em que é demandado um tribunal não designado num acordo exclusivo de eleição do foro competente, e o tribunal designado é demandado subsequentemente num processo com a mesma causa de pedir e com as mesmas partes. […]

[…]

(26)      A confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado‑Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados‑Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico. Além disso, o objetivo de tornar a litigância transfronteiriça menos morosa e dispendiosa justifica a supressão da declaração de executoriedade antes da execução no Estado‑Membro requerida. Assim, as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado‑Membro requerido.»

4        O artigo 25.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)      Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b)      De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c)      No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.»

 Direito checo

5        O artigo 11.o, n.o 3, da zákon č. 99/1963 Sb., občanský soudní řád (Lei n.o 99/1963 que aprova o Código de Processo Civil; a seguir «Código de Processo Civil») tem a seguinte redação:

«Se no processo tiverem competência judiciária os tribunais da República Checa, mas faltem ou não possam ser estabelecidos os fundamentos para a competência territorial, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa) designa o tribunal que deverá apreciar e decidir o processo.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

6        FD, residente na Eslováquia, e a Dúha reality, sociedade de direito eslovaco estabelecida na Eslováquia, aquele na qualidade de mutuante e esta na qualidade de mutuária, celebraram dois contratos de mútuo, respetivamente, em 29 de junho de 2016 e 11 de março de 2017.

7        Cada um destes dois contratos compreende um pacto atributivo de jurisdição de conteúdo idêntico, segundo o qual, em caso de litígio que não possa ser resolvido por negociação, o mesmo «será resolvido pelo órgão jurisdicional checo material e territorialmente competente».

8        Por contrato de cessão de créditos de 8 de dezembro de 2021, FD cedeu os créditos decorrentes dos dois contratos de mútuo, no montante total de 153 740 euros, à Inkreal, uma sociedade de direito eslovaco estabelecida na Eslováquia.

9        Uma vez que a Dúha reality não reembolsou os mútuos, a Inkreal intentou, em 30 de dezembro de 2021, no Nejvyšší soud (Supremo Tribunal), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um pedido destinado a obter, por um lado, o pagamento dos créditos devidos pela Dúha reality e, por outro, a designação do órgão jurisdicional checo territorialmente competente para conhecer do mérito nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, com base no pacto atributivo de jurisdição constante dos dois contratos de mútuo.

10      A Inkreal sustenta que se trata de um pacto atributivo de jurisdição válido, em conformidade com o disposto no artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 e que não existe aliás nenhuma outra competência especial ou exclusiva de um órgão jurisdicional ao abrigo deste regulamento.

11      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a aplicabilidade do Regulamento n.o 1215/2012 está subordinada à existência de um elemento de estraneidade. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se este regulamento é aplicável à situação em causa no processo principal, em que o elemento de estraneidade se limita a um pacto atributivo de jurisdição que visa os tribunais de um Estado‑Membro diferente daquele em que estão estabelecidas as partes contratantes. Tanto a doutrina como a jurisprudência nacional dos Estados‑Membros adotaram soluções divergentes a este respeito.

12      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora a aplicabilidade do Regulamento n.o 1215/2012 se possa justificar, nomeadamente, pela necessidade de uma interpretação uniforme deste e pela vontade, expressa pelo legislador da União, de respeitar a autonomia contratual das partes, não é menos verdade que uma situação como a que está em causa no processo principal pode ser qualificada de puramente interna pelo facto de a simples vontade das partes não ser suficiente para conferir um caráter internacional à sua relação contratual.

13      Nestas condições, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode a aplicação do Regulamento [n.o 1215/2012] basear‑se somente no facto de que duas partes, com sede no mesmo Estado‑Membro, acordaram atribuir competência a um [tribunal] de outro Estado‑Membro da União, na perspetiva da existência de um elemento de estraneidade, que é um requisito essencial para a aplicabilidade do referido regulamento?»

 Quanto à questão prejudicial

14      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que está abrangido por esta disposição um pacto atributivo de jurisdição através do qual as partes num contrato estabelecidas num mesmo Estado‑Membro acordam atribuir competência aos tribunais de outro Estado‑Membro para dirimirem litígios resultantes deste contrato, ainda que o referido contrato não comporte nenhuma outra conexão com esse outro Estado‑Membro.

15      Para responder a esta questão, há que recordar, a título preliminar, que a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos, mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte (Acórdão de 22 de junho de 2023, Pankki S, C‑579/21, EU:C:2023:501, n.o 38 e jurisprudência referida).

16      No que diz respeito aos termos do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, resulta desta disposição, antes de mais, que se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Em seguida, a referida disposição prevê que essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. Por último, esta mesma disposição especifica, nas suas alíneas a) a c), o modo como o pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado.

17      A este respeito, há que constatar que a redação do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não se opõe a que um pacto atributivo de jurisdição através do qual as partes num contrato estabelecidas no mesmo Estado‑Membro acordam atribuir competência a um tribunal de outro Estado‑Membro para dirimirem litígios resultantes deste contrato seja abrangido por esta disposição, mesmo que o referido contrato não comporte nenhuma outra conexão com esse outro Estado‑Membro.

18      No que se refere ao contexto em que se inscreve o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, é jurisprudência constante que a aplicação das regras de competência deste regulamento exige a existência de um elemento de estraneidade (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de março de 2005, Owusu, C‑281/02, EU:C:2005:120, n.o 25, e de 8 de setembro de 2022, IRnova, C‑399/21, EU:C:2022:648, n.os 27 e 29).

19      A este respeito, há que salientar que o Regulamento n.o 1215/2012, embora utilize, respetivamente, nos seus considerandos 3 e 26, os conceitos de «matéria civil que tenham incidência transfronteiriça» e «litigância transfronteiriça», não contém nenhuma definição do elemento de estraneidade cuja existência condiciona a aplicabilidade deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Generalno konsulstvo na Republika Bulgaria, C‑280/20, EU:C:2021:443, n.o 30).

20      Ora, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO 2006, L 399, p. 1), define o conceito equivalente de «caso transfronteiriço» como «aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro do tribunal demandado» (Acórdão de 3 de junho de 2021, Generalno konsulstvo na Republika Bulgaria, C‑280/20, EU:C:2021:443, n.o 31 e jurisprudência referida).

21      Uma vez que os dois regulamentos se inserem no domínio da cooperação judiciária em matéria civil com incidência transfronteiriça, importa harmonizar a interpretação dos conceitos equivalentes a que o legislador da União recorreu nesses regulamentos (Acórdão de 3 de junho de 2021, Generalno konsulstvo na Republika Bulgaria, C‑280/20, EU:C:2021:443, n.o 32 e jurisprudência referida).

22      Além disso, importa salientar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que também existe um elemento de estraneidade quando a situação do litígio em causa possa suscitar questões relativas à determinação da competência dos tribunais na ordem internacional (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2022, IRnova, C‑399/21, EU:C:2022:648, n.o 28 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, há que constatar, por um lado, que o litígio no processo principal corresponde à definição do conceito de «caso transfronteiriço», conforme indicado no n.o 20 do presente acórdão, uma vez que as partes nesse litígio estão estabelecidas num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se com base no pacto atributivo de jurisdição em causa.

24      Por outro lado, como alegaram o Governo Checo e a Comissão Europeia, o litígio no processo principal suscita uma questão relativa à determinação da competência internacional, mais precisamente a de saber se os tribunais competentes para conhecer deste litígio são os da República Checa ou os da República Eslovaca enquanto Estado‑Membro no qual as duas partes contratantes estão estabelecidas.

25      Nestas condições, uma situação jurídica como a que está em causa no processo principal apresenta um elemento de estraneidade na aceção da jurisprudência recordada no n.o 18 do presente acórdão, uma vez que a existência de um pacto atributivo de jurisdição a favor dos tribunais de um Estado‑Membro diferente daquele em que as partes contratantes estão estabelecidas demonstra, por si só, a incidência transfronteiriça do litígio no processo principal.

26      Por outro lado, a interpretação do artigo 25.o do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser efetuada à luz dos objetivos de respeito da autonomia das partes e de reforço da eficácia dos acordos exclusivos de eleição do foro, referidos nos considerandos 15, 19 e 22 deste regulamento.

27      Além disso, no que respeita à finalidade do Regulamento n.o 1215/2012, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que este visa unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, por meio de regras de competência que apresentem um elevado grau de certeza jurídica e prossegue, assim, um objetivo de segurança jurídica que consiste em reforçar a proteção jurídica das pessoas estabelecidas na União Europeia, permitindo simultaneamente ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele em que pode ser demandado (Acórdão de 14 de setembro de 2023, EXTÉRIA, C‑393/22, EU:C:2023:675, n.o 26 e jurisprudência referida). Neste contexto, o objetivo de segurança jurídica exige que o juiz nacional ao qual a questão foi submetida a questão possa facilmente pronunciar‑se sobre a sua própria competência, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Kolassa, C‑375/13, EU:C:2015:37, n.o 61 e jurisprudência referida).

28      A este respeito, há que salientar que a interpretação do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, segundo a qual um pacto atributivo de jurisdição como o que está em causa no processo principal está abrangido por esta disposição responde ao objetivo de segurança jurídica prosseguido por este regulamento.

29      Com efeito, por um lado, na medida em que partes num contrato, estabelecidas no mesmo Estado‑Membro, podem validamente acordar atribuir competência aos tribunais de outro Estado‑Membro para dirimirem litígios resultantes deste contrato, e isto sem que seja necessário que o referido contrato apresente conexões adicionais com esse outro Estado‑Membro, tal possibilidade contribui para assegurar que o requerente conheça o órgão jurisdicional a que se pode dirigir, que o requerido preveja aquele em que pode ser demandado e que o juiz chamado a pronunciar‑se esteja em condições de decidir facilmente sobre a sua própria competência.

30      Por outro lado, a aplicabilidade do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 a um pacto atributivo de jurisdição como o que está em causa no processo principal reduz a possibilidade de processos concorrentes e evita que sejam proferidas decisões inconciliáveis em diferentes Estados‑Membros, como exige o objetivo de um funcionamento harmonioso da justiça, referido no considerando 21 deste regulamento.

31      Com efeito, se, no caso em apreço, o órgão jurisdicional competente não fosse determinado ao abrigo das disposições do Regulamento n.o 1215/2012, mas das regras nacionais de direito internacional privado dos Estados‑Membros em causa, existiria um risco acrescido de conflitos de competência prejudiciais à segurança jurídica, sendo a aplicação dessas regras nacionais suscetível de conduzir a soluções divergentes.

32      Importa acrescentar que o objetivo de segurança jurídica ficaria igualmente comprometido se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 só fosse aplicável na condição de existirem, além do pacto atributivo de jurisdição a favor dos tribunais de outro Estado‑Membro, elementos adicionais suscetíveis de demonstrar a incidência transfronteiriça do litígio em causa.

33      Com efeito, uma vez que tal condição implica que o juiz chamado a pronunciar‑se tem de verificar se existem semelhantes elementos adicionais e apreciar a respetiva pertinência, não só é reduzida a previsibilidade para as partes contratantes do órgão jurisdicional competente para conhecer do seu litígio, como a análise, pelo juiz chamado a pronunciar‑se, da sua própria competência tornar‑se‑ia mais complexa.

34      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, neste contexto, que a escolha do órgão jurisdicional designado num pacto atributivo de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações relacionadas com as exigências estabelecidas no artigo 25.o do Regulamento n.o 1215/2012, uma vez que as considerações relativas aos elementos de conexão entre o órgão jurisdicional designado e a relação controvertida ou ao mérito do pacto atributivo de jurisdição são alheias a estas exigências (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 1999, Castelletti, C‑159/97, EU:C:1999:142, n.o 5 do dispositivo).

35      Por outro lado, há que sublinhar que a aplicabilidade do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 a um pacto atributivo de jurisdição como o que está em causa no processo principal reflete a confiança mútua na administração da justiça na União, referida no considerando 26 deste regulamento, e contribui assim para manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente facilitando o acesso à justiça, na aceção do considerando 3 do referido regulamento.

36      Por último, a regra enunciada no artigo 1.o, n.o 2, da Convenção de Haia, de 30 de junho de 2005, sobre os Acordos de Eleição do Foro, que figura no anexo I da Decisão 2009/397/CE do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à assinatura, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro (JO 2009, L 133, p. 1), e aprovada pela Decisão 2014/887/UE do Conselho, de 4 de dezembro de 2014 (JO 2014, L 353, p. 5), não invalida esta interpretação. Nos termos desta disposição, «um processo tem natureza internacional exceto se as partes residirem no mesmo Estado Contratante e a sua relação e todos os elementos pertinentes da causa, independentemente da localização do tribunal eleito, estiverem associados unicamente a esse Estado».

37      A este respeito, há que salientar que, como alegou a Comissão, a regra enunciada no artigo 1.o, n.o 2, desta convenção reflete uma escolha própria dos seus autores, efetuada tendo em conta a necessidade de fornecer uma solução suscetível de conduzir a uma ampla adesão a nível internacional.

38      Ora, ao contrário dos autores da referida convenção, o legislador da União optou por não inserir uma regra semelhante no Regulamento n.o 1215/2012, sublinhando, no considerando 3 deste regulamento, o objetivo de manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça através da adoção de medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham incidência transfronteiriça.

39      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que um pacto atributivo de jurisdição através do qual as partes num contrato estabelecidas num mesmo Estado‑Membro acordam atribuir competência aos tribunais de outro Estado‑Membro para dirimirem litígios resultantes deste contrato está abrangido por esta disposição, ainda que o referido contrato não comporte nenhuma outra conexão com esse outro Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

deve ser interpretado no sentido de que:

um pacto atributivo de jurisdição através do qual as partes num contrato estabelecidas num mesmo EstadoMembro acordam atribuir competência aos tribunais de outro EstadoMembro para dirimirem litígios resultantes deste contrato está abrangido por esta disposição, ainda que o referido contrato não comporte nenhuma outra conexão com esse outro EstadoMembro.

Assinaturas


*      Língua do processo: checo.