Language of document : ECLI:EU:C:2010:819

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

22 de Dezembro de 2010 (*)

«Política social – Directiva 1999/70/CE – Artigo 4.° do acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo – Princípio da não discriminação – Aplicação do acordo‑quadro aos funcionários interinos de uma comunidade autónoma – Regulamentação nacional que institui uma diferença de tratamento em matéria de atribuição de um prémio de antiguidade, baseada unicamente na natureza temporária do contrato – Obrigação de reconhecer o direito ao prémio de antiguidade com efeito retroactivo»

Nos processos apensos C‑444/09 e C‑456/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n° 3 de A Coruña (Espanha) e o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n° 3 de Pontevedra (Espanha), por decisões de 30 de Outubro e 12 de Novembro de 2009, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 16 e 23 de Novembro de 2009, no processo

Rosa María Gavieiro Gavieiro (C‑444/09),

Ana María Iglesias Torres (C‑456/09)

contra

Consellería de Educación e Ordenación Universitaria de la Xunta de Galicia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de A. M. Iglesias Torres, por M. Costas Otero, abogada,

–        em representação da Consellería de Educación e Ordenación Universitaria de la Xunta de Galicia, por A. López Miño, abogado,

–        em representação do Governo espanhol, por J. Rodríguez Cárcamo, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e G. Valero Jordana, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do artigo 4.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem R. Gavieiro Gavieiro e A. M. Iglesias Torres à Consellería de Educación e Ordenación de la Xunta de Galicia (Ministério da Educação e das Universidades do Governo da Comunidade Autónoma da Galiza, a seguir «Consellería»), por esta não lhes ter concedido, com efeitos retroactivos, prémios trienais de antiguidade.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        Nos termos do artigo 1.° da Directiva 1999/70, esta tem como objectivo «a aplicação do acordo‑quadro […] celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

4        Nos termos do artigo 2.°, primeiro e terceiro parágrafos, desta directiva:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 10 de Julho de 2001 ou devem certificar‑se, até esta data, de que os parceiros sociais puseram em prática as disposições necessárias por via de acordo, devendo os Estados‑Membros tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente directiva. Devem informar imediatamente a Comissão do facto.

[…]

Quando os Estados‑Membros aprovarem as disposições referidas no primeiro parágrafo, estas devem incluir uma referência à presente directiva ou ser acompanhadas dessa referência quando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência serão aprovadas pelos Estados‑Membros.»

5        Por força do seu artigo 3.°, a Directiva 1999/70 entrou em vigor em 10 de Julho de 1999, data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

6        Nos termos do artigo 1.° do acordo‑quadro:

«O objectivo do presente acordo‑quadro […] consiste em:

a)      melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

b)      estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

7        O artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro tem a seguinte redacção:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

8        Um trabalhador contratado a termo é definido no artigo 3.°, n.° 1, do acordo‑quadro como «o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído directamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objectivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento».

9        O artigo 4.° do acordo‑quadro, intitulado «Princípio da não discriminação», dispõe, nos seus n.os 1 e 4:

«1.      No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente.

[…]

4.      O período de qualificação de serviço relativo a condições particulares de trabalho, deverá ser o mesmo para os trabalhadores contratados sem termo e para os trabalhadores contratados a termo, salvo quando razões objectivas justifiquem que sejam considerados diferentes períodos de qualificação.»

 Regulamentação nacional

10      O artigo 149.°, n.° 1, ponto 18, da Constituição espanhola (a seguir «Constituição») confere ao Estado espanhol competência exclusiva relativamente às bases do regime jurídico das Administrações Públicas e do regime estatutário dos seus funcionários.

11      Nos termos do artigo 4.° da Lei dos Funcionários Públicos do Estado, aprovada pelo Decreto 315/1964 (Decreto 315/1964, por el que se aprueba la Ley articulada de funcionarios civiles del Estado), de 7 de Fevereiro de 1964 (BOE n.° 40, de 15 de Fevereiro de 1964, p. 2045, a seguir «LFCE»), são funcionários estatutários aqueles que, por força de uma nomeação legal, ocupam lugares permanentes, figuram entre os efectivos correspondentes e auferem remunerações ou prestações fixas do Orçamento Geral do Estado a favor do pessoal.

12      O artigo 5.°, n.° 2, da LFCE dispõe que são funcionários interinos aqueles que, por razões de necessidade ou urgência, ocupam lugares do quadro até estes serem preenchidos por funcionários estatutários.

13      Nos termos do artigo 104.°, n.° 3, da LFCE, os funcionários interinos auferem uma remuneração correspondente ao grupo a que a vaga pertence.

14      O artigo 105.° da LFCE dispunha que a esses funcionários interinos se aplica, por analogia e na medida em que seja adequado à natureza das suas condições de trabalho, o regime geral dos funcionários estatutários, com excepção do direito à permanência na função, a determinados níveis de remuneração e do regime de pensões da função pública.

15      As disposições da LFCE foram reproduzidas nas Leis das Finanças da Comunidade Autónoma da Galiza para os anos de 2003 a 2007, nas quais se previa que os funcionários interinos não tinham direito a receber prémios trienais, contrariamente aos funcionários estatutários. Estes prémios são concedidos por cada período de três anos de serviço cumprido.

16      Com base na competência exclusiva que lhe é conferida pelo artigo 149.°, n.° 1, ponto 18, da Constituição, o Estado espanhol aprovou a Lei 7/2007 relativa ao Estatuto dos Funcionários Públicos (Ley 7/2007 del Estatuto básico del empleado público), de 12 de Abril de 2007 (BOE n.° 89, de 13 de Abril de 2007, p. 16270, a seguir «LEBEP»).

17      Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, a LEBEP aplica‑se aos funcionários estatutários e, na medida em que se justifique, aos trabalhadores contratados, ao serviço, nomeadamente, das Administrações das Comunidades Autónomas.

18      O artigo 8.° da LEBEP tem a seguinte redacção:

«1.      São funcionários públicos aqueles que desempenham funções remuneradas nas Administrações Públicas ao serviço dos interesses gerais.

2.      Os funcionários públicos classificam‑se como:

a)      Funcionários estatutários.

b)      Funcionários interinos.

c)      Trabalhadores contratados por tempo indeterminado, a termo certo ou incerto.

d)      Trabalhadores eventuais.»

19      Os funcionários estatutários e os interinos são definidos nos artigos 9.° e 10.° da LEBEP da mesma forma que na LFCE.

20      O artigo 25.° da LEBEP, intitulado «Remunerações dos funcionários interinos», altera o regime relativo aos prémios trienais em vigor até então, ao dispor, no seu n.° 2, que «são reconhecidos os triénios [de antiguidade] correspondentes aos serviços prestados antes da entrada em vigor [da referida lei], que terão efeitos retributivos unicamente a partir da entrada em vigor [dessa lei]».

21      A LEBEP, que revogou os artigos 5.°, n.° 2, 104.° e 105.° da LFCE, entrou em vigor em 13 de Maio de 2007.

22      Em aplicação do artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP, a Consellería estabeleceu as regras relativas ao reconhecimento automático dos triénios de antiguidade aos funcionários interinos com a qualidade de professores da Comunidade Autónoma da Galiza.

23      O artigo 27.°, n.° 1, alínea a), da Lei das Finanças e do Orçamento da Galiza, aprovada pelo Decreto Legislativo 1/1999 (Decreto Legislativo 1/1999, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley de Régimen Financiero y presupuestario de Galicia), de 7 de Outubro de 1999 (BOE n.° 293, de 8 de Dezembro de 1999, p. 42303), dispõe que os direitos que envolvam uma obrigação pecuniária prescrevem no prazo de cinco anos.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑444/09

24      R. Gavieiro Gavieiro, que, à data da interposição do seu recurso no processo principal, prestava serviços para a Consellería como funcionária estagiária, trabalhou, entre 1994 e 2007, como professora interina em diversos estabelecimentos de ensino na Galiza, durante um período total de 9 anos, 2 meses e 17 dias.

25      Na sequência da entrada em vigor da LEBEP, a Consellería reconheceu a R. Gavieiro Gavieiro o direito a receber, a partir de 13 de Maio de 2007, os prémios trienais de antiguidade, uma vez que exercia as suas funções há nove anos na Comunidade Autónoma da Galiza.

26      Em 14 de Novembro de 2008, a recorrente no processo principal requereu à Consellería o reconhecimento dos triénios de antiguidade que não tinham prescrito, isto é, os triénios relativos ao período compreendido entre Novembro de 2003 e 12 de Maio de 2007, e que lhe pagasse os prémios trienais correspondentes. Este pedido baseou‑se no seu direito a receber um tratamento não discriminatório previsto no artigo 4.° do acordo‑quadro, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 13 de Setembro de 2007, Del Cerro Alonso (C‑307/05, Colect., p. I‑7109).

27      Por decisão de 5 de Março de 2009, a Consellería indeferiu o referido pedido, alegando que a LEBEP só reconhece triénios de antiguidade aos funcionários interinos a partir de 13 de Maio de 2007, data da entrada em vigor dessa lei.

28      R. Gavieiro Gavieiro interpôs recurso da referida decisão de indeferimento para o órgão jurisdicional de reenvio, com vista à sua anulação e ao reconhecimento, com efeitos retroactivos, dos triénios de antiguidade que alega ter adquirido.

29      Por considerar que a resolução do litígio que lhe foi submetido requer uma interpretação do acordo‑quadro, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n° 3 de A Coruña decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Qual é o significado da expressão ‘diferentes períodos de qualificação’ utilizada no artigo 4.°, n.° 4, do acordo‑quadro anexo à Directiva 1999/70, e pode a mera natureza temporária da relação de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública constituir uma ‘razão objectiva’ susceptível de justificar uma diferença de tratamento na atribuição [dos prémios de antiguidade]?»

 Processo C‑456/99

30      A. M. Iglesias Torres, actualmente funcionária estatutária do corpo de professores das escolas oficiais de línguas da Comunidade Autónoma da Galiza, trabalhou, entre 1994 e 13 de Maio de 2007, como professora interina para a Consellería, em diversos estabelecimentos de ensino na Galiza, durante um período total de 9 anos.

31      Em 23 de Abril de 2009, na sequência da entrada em vigor da LEBEP, A. M. Iglesias Torres requereu o reconhecimento do direito a receber a diferença entre a remuneração que recebeu e aquela que lhe deveria ter sido paga a título dos triénios de antiguidade que adquirira no período anterior a essa entrada em vigor.

32      Por decisão de 13 de Maio de 2009, adoptada por delegação de poderes do Conselleiro, o director do Departamento Territorial da Educação e das Universidades de Lugo indeferiu o referido pedido.

33      A. M. Iglesias Torres interpôs recurso desta decisão de indeferimento para o órgão jurisdicional de reenvio, com vista à sua anulação e ao reconhecimento, com efeitos retroactivos, dos triénios de antiguidade que alega ter adquirido. A este respeito, baseou‑se no artigo 4.°, n.° 4, do acordo‑quadro, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Del Cerro Alonso, já referido.

34      Por ter dúvidas sobre a interpretação do acordo‑quadro à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n° 3 de Pontevedra decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Directiva 1999/70/CE é aplicável aos funcionários interinos da [Comunidade Autónoma da Galiza]?

2)      O artigo 25.°, n.° 2, da [LEBEP] pode ser considerado uma norma nacional de transposição da referida directiva, quando nessa lei não é feita nenhuma referência à legislação comunitária?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, deve o artigo 25.°, n.° 2, d[a] [L]EBEP ser necessariamente considerado a norma nacional de transposição a que faz referência o n.° 4 do dispositivo do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2008 [Impact (C‑268/06, Colect., p. I‑2483)] ou o Estado espanhol é obrigado a conferir efeito[s] retroactivo[s] unicamente aos efeitos remuneratórios decorrentes dos [triénios de antiguidade] que reconhece em aplicação da directiva?

4)      Em caso de resposta negativa à segunda questão, a Directiva 1999/70/CE é directamente aplicável no caso em apreço nos termos referidos no acórdão […] Del Cerro [Alonso, já referido]?»

35      Tendo em conta a conexão existente entre os dois processos principais, convém apensá‑los para efeitos do presente acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão no processo C‑456/09

36      Com a sua primeira questão no processo C‑456/99, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um funcionário interino da Comunidade Autónoma da Galiza, como a recorrente no processo principal, está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 1999/70 e do acordo‑quadro.

37      Todos os interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça consideram que deve ser dada uma resposta afirmativa a esta questão.

38      A este respeito, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que decorre tanto da redacção da Directiva 1999/70 e da do acordo‑quadro como da sua economia e finalidade que os seus preceitos se destinam a regular os contratos e relações de trabalho a termo celebrados com os órgãos da Administração e outras entidades do sector público (acórdão de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.os 54 a 57; acórdãos de 7 de Setembro de 2006, Marrosu e Sardino, C‑53/04, Colect., p. I‑7213, n.os 40 a 43, e Vassallo, C‑180/04, Colect., p. I‑7251, n.os 32 a 35; e acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 25).

39      Com efeito, como decorre do artigo 2.°, n.° 1, do acordo‑quadro, o seu âmbito de aplicação pessoal é concebido de modo amplo, abrangendo de forma geral os «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro» (v. acórdãos Adeneler e o., já referido, n.° 56, de 23 de Abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, Colect., p. I‑3071, n.° 114, e de 24 de Junho de 2010, Sorge, C‑98/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).

40      O conceito de «trabalhador contratado a termo», na acepção do acordo‑quadro, enunciado no seu artigo 3.°, n.° 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção consoante a qualidade pública ou privada da sua entidade patronal (acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 56).

41      Além disso, tendo em conta a importância dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, que se contam entre os princípios gerais do direito da União, deve ser reconhecido um alcance geral às disposições previstas pela Directiva 1999/70 e pelo acordo‑quadro a fim de garantir aos trabalhadores contratados a termo as mesmas vantagens que são reservadas aos trabalhadores permanentes em situação comparável, salvo se razões objectivas justificarem um tratamento diferente, pois constituem normas do direito social da União que revestem especial importância e das quais deve beneficiar cada trabalhador enquanto prescrições mínimas de protecção (acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 27).

42      Em consequência, a Directiva 1999/70 e o acordo‑quadro são aplicáveis a todos os trabalhadores que fornecem prestações remuneradas no quadro de uma relação laboral a termo que os liga à sua entidade patronal (acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 28).

43       A simples circunstância de um emprego ser qualificado de «estatutário» nos termos do direito nacional ou apresentar certos aspectos que caracterizam a função pública do Estado‑Membro em questão não assume relevância a este respeito, sob pena de se pôr seriamente em causa o efeito útil da Directiva 1999/70 e o do acordo‑quadro assim como a respectiva aplicação uniforme nos Estados‑Membros, reservando a estes últimos a possibilidade de afastarem a seu belo prazer certas categorias de pessoas do benefício da protecção pretendida pelos referidos instrumentos do direito da União (v. acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 29).

44      Uma vez que é pacífico que A. M. Iglesias Torres trabalhou durante mais de nove anos, como funcionária interina, em diversos estabelecimentos de ensino da Comunidade Autónoma da Galiza, e que, além disso, o processo principal versa sobre a situação dos funcionários estatutários comparada com a dos funcionários interinos, está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 1999/70 e do acordo‑quadro.

45      Consequentemente, há que responder à primeira questão colocada no processo C‑456/09 que um funcionário interino da Comunidade Autónoma da Galiza, como a recorrente no processo principal, está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 1999/70 e do acordo‑quadro.

 Quanto à única questão colocada no processo C‑444/09

46      Com a sua única questão no processo C‑444/09, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta como deve ser interpretada a expressão «diferentes períodos de qualificação», utilizada no artigo 4.°, n.° 4, do acordo‑quadro, e se a natureza temporária da relação de trabalho de determinados funcionários públicos constitui, por si só, uma «razão objectiva», na acepção desta disposição, susceptível de justificar a diferença de tratamento na atribuição dos prémios de antiguidade.

47      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 1.°, alínea a), do acordo‑quadro, um dos seus objectivos é melhorar a qualidade do trabalho a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação. Do mesmo modo, no seu terceiro parágrafo, o preâmbulo deste acordo‑quadro precisa que este «[a]firma ainda a vontade dos parceiros sociais [de] estabelecerem um quadro‑geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendo‑os contra discriminações». O décimo quarto considerando da Directiva 1999/70 indica, para este efeito, que o objectivo desse acordo‑quadro consiste, nomeadamente, em melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, fixando prescrições mínimas susceptíveis de garantir a aplicação do princípio da não discriminação.

48      O acordo‑quadro, em particular o artigo 4.°, destina‑se a aplicar o referido princípio aos trabalhadores contratados a termo, com vista a impedir que uma relação laboral desta natureza seja utilizada por um empregador para privar estes trabalhadores dos direitos que são reconhecidos aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado (acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 37).

49      Na opinião do Tribunal de Justiça, tendo em conta os objectivos prosseguidos pelo acordo‑quadro recordados nos dois números anteriores, o artigo 4.° do acordo‑quadro deve ser entendido no sentido de que exprime um princípio de direito social da União que não pode ser interpretado de modo restritivo (v. acórdãos, já referidos, Del Cerro Alonso, n.° 38, e Impact, n.° 114).

50      Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio solicita, no âmbito de um litígio relativo ao direito dos funcionários interinos a um prémio de antiguidade, a interpretação da expressão «diferentes períodos de qualificação», utilizada no artigo 4.°, n.° 4, do acordo‑quadro, importa observar que o Tribunal de Justiça já declarou que um prémio de antiguidade idêntico ao que está em causa no processo principal, cuja atribuição estava reservada pelo direito nacional aos funcionários dos serviços de saúde contratados por tempo indeterminado, com exclusão dos funcionários interinos, está abrangido pelo conceito de «condições de emprego» a que se refere o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro (acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 47 e 48).

51      Como decorre das decisões de reenvio, até à entrada em vigor da LEBEP, em 13 de Maio de 2007, a legislação aplicável aos funcionários que trabalhavam nos serviços da Administração Pública da Comunidade Autónoma da Galiza, adoptada em conformidade com as disposições da LFCE, instituía uma diferença de tratamento relativamente ao pagamento dos prémios trienais entre os membros do pessoal desta Comunidade Autónoma. Esta diferença de tratamento não era determinada em função da antiguidade desses membros do pessoal, mas em razão da duração da relação laboral que os ligava à entidade patronal. Contrariamente aos funcionários estatutários, os funcionários interinos não beneficiavam dos prémios relativos aos triénios de antiguidade, independentemente da duração dos períodos de serviço cumpridos.

52      Nestas circunstâncias, como alega acertadamente a Comissão, uma diferença de tratamento como a instituída pela legislação espanhola em causa no processo principal deve ser analisada à luz do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro.

53      Como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos prémios de antiguidade como os que estão em causa no processo principal, os trabalhadores contratados a termo não devem ser tratados, sem razão objectiva alguma, de forma menos favorável que os trabalhadores permanentes em situação comparável (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Del Cerro Alonso, n.os 42 e 47, e Impact, n.° 126).

54      Quanto a saber se a natureza temporária do serviço de determinados funcionários públicos é susceptível de constituir, por si só, uma razão objectiva na acepção do artigo 4.° do acordo‑quadro, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de razões objectivas constante do n.° 1 desse artigo deve ser entendido no sentido de que não permite justificar uma diferença de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, pelo facto de esta diferença estar prevista numa norma nacional geral e abstracta, como uma lei ou uma convenção colectiva (acórdão, já referido, Del Cerro Alonso, n.° 57).

55      O referido conceito exige que a desigualdade de tratamento em causa seja justificada pela existência de elementos precisos e concretos, que caracterizem a condição de emprego em questão, no contexto específico no qual esta se insere e com base em critérios objectivos e transparentes, a fim de verificar se esta desigualdade responde a uma real necessidade e é apta e necessária para atingir o objectivo prosseguido (v. acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.° 58). Os referidos elementos podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos a termo foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, eventualmente, da prossecução de um objectivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (v., relativamente ao artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, acórdão Del Cerro Alonso, já referido, n.os 53 e 58; relativamente ao conceito de «razões objectivas» constante do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do mesmo acordo‑quadro, acórdão Adeneler e o., já referido, n.os 69 e 70, e despacho de 24 de Abril de 2009, Koukou, C‑519/08, n.° 45).

56      Em contrapartida, o recurso à mera natureza temporária do trabalho do pessoal da Administração Pública não corresponde a estas exigências e, consequentemente, não é susceptível de constituir uma razão objectiva na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro.

57      Com efeito, uma diferença de tratamento no que se refere às condições de trabalho entre trabalhadores contratados a termo e trabalhadores com contrato de duração indeterminada não pode ser justificada por um critério que, de forma geral e abstracta, se refere à própria duração do tempo de trabalho. Reconhecer que a mera natureza temporária de uma relação laboral basta para justificar essa diferença esvaziaria de conteúdo os objectivos da Directiva 1999/70 e do acordo‑quadro, recordados nos n.os 47 e 48 do presente acórdão. Em vez de melhorar as condições do trabalho a termo e de promover a igualdade de tratamento prosseguidas tanto pela Directiva 1999/70 como pelo acordo‑quadro, o recurso a esse critério equivaleria a perpetuar a manutenção de uma situação desfavorável aos trabalhadores contratados a termo.

58      Nestas circunstâncias, há que responder à única questão colocada no processo C‑444/09 que um prémio de antiguidade como o que está em causa no processo principal está abrangido, na medida em que constitui uma condição de emprego, pelo artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, de forma que os trabalhadores contratados a termo se podem opor a um tratamento que, no que se refere à atribuição desse prémio, é, sem justificação objectiva alguma, menos favorável do que aquele de que beneficiam os trabalhadores permanentes que se encontram numa situação comparável. A natureza temporária da relação laboral de determinados funcionários públicos não é susceptível de constituir, por si só, uma razão objectiva na acepção deste artigo do acordo‑quadro.

 Quanto à segunda questão no processo C‑456/09

59      Com a sua segunda questão no processo C‑456/09, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a mera circunstância de uma disposição nacional como o artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP não conter nenhuma referência à Directiva 1999/70 impede que essa disposição possa ser considerada uma norma de transposição dessa directiva.

60      A Consellería, o Governo espanhol e a Comissão alegam, contrariamente a A. M. Iglesias Torres, que o artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP deve ser considerado uma norma nacional de transposição da Directiva 1999/70, ainda que não seja feita referência a esta directiva nem a nenhuma regulamentação da União na exposição de motivos desta lei.

61      A este respeito, deve recordar‑se que o artigo 2.°, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/70 prevê que quando os Estados‑Membros adoptam as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta directiva, essas disposições devem incluir uma referência à referida directiva ou ser acompanhadas dessa referência quando da sua publicação oficial.

62      Quando uma directiva prevê expressamente que as disposições de transposição dessa directiva incluam uma referência a essa directiva ou sejam acompanhadas dessa referência quando da sua publicação oficial, é, de qualquer modo, necessário adoptar um acto positivo de transposição (v. acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Comissão/Espanha, C‑351/95, Colect., p. I‑7351, n.° 15, e de 29 de Outubro de 2009, Comissão/Polónia, C‑551/08, n.° 23).

63      Embora seja verdade que os Estados‑Membros podem, no âmbito de uma acção por incumprimento intentada nos termos do artigo 258.° TFUE, ser condenados por não terem cumprido as obrigações decorrentes do artigo 2.°, terceiro parágrafo, da Directiva 1999/70, tal não implica necessariamente, como alega acertadamente a Comissão, que uma medida nacional que, na exposição dos seus motivos, não faz referência à directiva em causa não possa ser considerada uma medida válida de transposição dessa directiva.

64      Uma vez que cabe aos Estados‑Membros não só transpor formalmente as directivas da União para a sua ordem jurídica como também assegurar que as obrigações que lhes incumbem por força dessas directivas sejam plena e permanentemente respeitadas, não se pode excluir que um Estado‑Membro, que, numa primeira fase, tentou transpor uma directiva e cumprir as suas obrigações nos termos do direito da União, verifique, em particular na sequência de recursos interpostos nos órgãos jurisdicionais nacionais ou de uma acção intentada pela Comissão ao abrigo do artigo 258.° TFUE, que as disposições do seu direito interno não transpuseram correctamente ou de maneira completa o direito da União e devem, nestas circunstâncias, ser alteradas.

65      No caso em apreço, é pacífico que a alteração da regulamentação nacional introduzida pela LEBEP ocorreu quando o processo que deu origem ao acórdão Del Cerro Alonso, já referido, relativo ao mesmo prémio trienal de antiguidade que o que está em causa no processo principal, pôs em evidência a diferença de tratamento, relativamente ao direito ao pagamento desse prémio, entre os funcionários estatutários e os funcionários interinos contratados por uma entidade da Administração Pública de uma Comunidade Autónoma espanhola.

66      Embora caiba ao órgão jurisdicional nacional, único competente para interpretar o direito nacional, verificar, no caso em apreço, se, à luz da redacção do artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP, do objectivo prosseguido por este artigo e das circunstâncias da sua adopção, esta disposição constitui uma medida de transposição da Directiva 1999/70, a mera circunstância de não conter nenhuma referência a esta directiva não exclui que possa ser considerada como tal.

67      Nestas condições, há que responder à segunda questão no processo C‑456/09 que a mera circunstância de uma disposição nacional como a do artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP não conter nenhuma referência à Directiva 1999/70 não exclui que essa disposição possa ser considerada uma medida nacional de transposição desta directiva.

 Quanto à quarta questão no processo C‑456/09

68      Dado que, como decorre da resposta à questão colocada no processo C‑444/09, um prémio de antiguidade como o que está em causa no processo principal está abrangido, na medida em que constitui uma condição de emprego, pelo artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro, há que reformular a quarta questão no processo C‑456/09, de modo a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio

69      Com efeito, o referido órgão jurisdicional pergunta, no essencial, se, num litígio como o que está em causa no processo principal, o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro pode ser invocado por particulares num órgão jurisdicional nacional, a fim de lhes ser reconhecido o direito aos prémios trienais de antiguidade no período compreendido entre o termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição da Directiva 1999/70 e a data da entrada em vigor da lei nacional que transpõe esta directiva para o direito interno do Estado‑Membro em causa.

70      Tanto a Consellería como o Governo espanhol insistiram, nas observações que apresentaram nos processos C‑444/09 e C‑456/09, na impossibilidade de um particular invocar o efeito directo de uma disposição de uma directiva, quando esta foi objecto de uma medida nacional de transposição para o direito interno do Estado‑Membro em causa. Na opinião do Governo espanhol, quando as recorrentes nos processos principais deduziram a sua reclamação, a Directiva 1999/70 já tinha sido transposta para o direito espanhol relativo ao pagamento dos prémios trienais, de forma que os seus direitos têm o seu fundamento no artigo 25.° da LEBEP, e não nesta directiva. A manutenção do efeito directo da referida directiva em circunstâncias como as dos processos principais equivaleria a pôr em causa, sem qualquer limite no tempo, a eficácia das regras dos Estados‑Membros, as quais, apesar de já terem transposto correctamente o conteúdo de uma directiva para o direito interno, foram adoptadas depois do termo do prazo para a transposição.

71      Todavia, estes argumentos parecem ignorar a natureza dos recursos interpostos pelas recorrentes nos processos principais perante o juiz nacional e, consequentemente, a pertinência, para os litígios nos processos principais, da quarta questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑456/09, relativa ao efeito directo do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro.

72      A obrigação, decorrente de uma directiva, de os Estados‑Membros atingirem o resultado nela previsto assim como o dever que aos mesmos incumbe, por força do artigo 4.°, n.° 3, TFUE, de tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades jurisdicionais. Tais obrigações pesam sobre estas autoridades, incluindo, sendo caso disso, na sua qualidade de empregador público (acórdão Impact, já referido, n.os 41 e 85 e jurisprudência citada).

73      Não sendo possível efectuar uma interpretação e uma aplicação da regulamentação nacional conformes com as exigências do direito da União, os tribunais nacionais e os órgãos da administração têm o dever de o aplicar integralmente e de proteger os direitos que ele confere aos particulares, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno (v., neste sentido, acórdãos de 22 de Junho de 1989, Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.° 33, e de 14 de Outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 63).

74      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que se determine se o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro tem efeito directo no âmbito de dois litígios relativos a professores interinos que trabalham para a Comunidade Autónoma da Galiza, que, até à entrada em vigor da LEBEP e à sua alteração pela LFCE, não beneficiaram do direito aos prémios trienais pagos por esta Comunidade Autónoma e tentam obter, com efeito retroactivo, o reconhecimento desse direito para o período compreendido entre a data do termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição da Directiva 1999/70 e a entrada em vigor da LEBEP, sem prejuízo do respeito das disposições pertinentes do direito nacional relativas à prescrição.

75      Constituindo o princípio da protecção jurisdicional efectiva um princípio geral do direito da União reconhecido, de resto, no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, na falta de uma medida que transponha correctamente a Directiva 1999/70 para o direito espanhol durante o referido período, assegurar a protecção jurídica que para os sujeitos de direito decorre das disposições do direito da União e garantir a plena eficácia destas (v., neste sentido, acórdão Impact, já referido, n.os 42 e 43 e jurisprudência citada).

76      Resulta de jurisprudência assente que, sempre que as disposições de uma directiva, atento o seu conteúdo, sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar contra o Estado, designadamente, na sua qualidade de empregador (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n.os 46 e 49, e de 20 de Março de 2003, Kutz‑Bauer, C‑187/00, Colect., p. I‑2741, n.os 69 e 71; e acórdão Impact, já referido, n.° 57)

77      O Tribunal de Justiça já declarou que é possível aplicar essa jurisprudência aos acordos que, tal como o acordo‑quadro, tiveram origem num diálogo realizado, com base no artigo 155.°, n.° 1, TFUE, entre parceiros sociais a nível da União e que foram executados, em conformidade com o n.° 2 desse mesmo artigo, por uma directiva do Conselho da União Europeia, de que fazem, portanto, parte integrante (acórdão Impact, já referido, n.° 58).

78      O artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro proíbe, de maneira geral e em termos inequívocos, qualquer diferença de tratamento não objectivamente justificada em relação aos trabalhadores contratados a termo, no que respeita às condições de emprego. Assim, o seu conteúdo é suficientemente preciso para que possa ser invocado por um sujeito de direito e aplicado pelo juiz (acórdãos, Impact, já referido, n.° 60, e de 22 de Abril de 2010, Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols, C‑486/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

79      Além disso, a proibição precisa introduzida pelo artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro não necessita da intervenção de nenhum acto das instituições da União e não confere, de modo nenhum, aos Estados‑Membros a faculdade de, no momento da sua transposição para o direito interno, condicionarem ou restringirem o alcance da proibição nela prevista em matéria de condições de emprego (acórdão Impact, já referido, n.° 62).

80      É certo que a referida disposição comporta, relativamente ao princípio da não discriminação que enuncia, uma reserva relativa às justificações fundadas em razões objectivas.

81      Todavia, a aplicação dessa reserva é susceptível de fiscalização jurisdicional, pelo que a possibilidade de a invocar não impede que se considere que a disposição examinada confere aos particulares direitos que podem invocar em juízo e que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar (acórdão Impact, já referido, n.° 64).

82      Importa também recordar que, quando os sujeitos de direito estão em condições de invocar uma directiva contra o Estado, podem fazê‑lo qualquer que seja a qualidade em que este último age, como empregador ou como autoridade pública. Num e noutro caso, deve evitar‑se que o Estado possa tirar proveito da sua inobservância do direito da União (v., neste sentido, acórdão Marshall, já referido, n.° 49, e acórdão de 12 de Julho de 1990, Foster e o., C‑188/89, Colect., p. I‑3313, n.° 17).

83      Daqui resulta que o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado contra o Estado, por particulares, perante um juiz nacional.

84      No processo principal, a Consellería alega também que não é possível invocar contra si o efeito directo do referido artigo, uma vez que estava obrigada a respeitar as disposições da LFCE e da LEBEP, que são leis estatais da competência exclusiva do Estado. Relativamente a uma eventual responsabilidade patrimonial do Estado por violação da Directiva 1999/70, sustenta que a repartição efectuada pela Constituição entre a legislação estatal de base e a regulamentação de execução adoptada pelas Comunidades Autónomas não permite a estas quebrar ou interromper o nexo de causalidade entre a transposição insatisfatória desta directiva pelo Estado e o prejuízo causados aos particulares.

85      O Governo espanhol afirma também que a Comunidade Autónoma da Galiza não é competente para alterar a LEBEP nem para afastar a sua aplicação. Se esta Comunidade tivesse decidido reconhecer o direito ao pagamento retroactivo dos prémios trienais, na sua qualidade de empregador, com base no efeito directo da Directiva 1999/70, teria violado de modo flagrante a norma estatal de transposição. Quanto à eventual responsabilidade do Estado por violação da Directiva 1999/70, este governo mantém, nas observações que apresentou no processo C‑444/09, que não estão reunidos os requisitos exigidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para apreciar a existência de uma violação suficientemente caracterizada da referida directiva.

86      Atendendo a estes argumentos, importa recordar que, como resulta das decisões de reenvio e dos próprios termos das questões colocadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, não foram submetidas a estes órgãos acções destinadas a estabelecer a responsabilidade do Estado por violação da Directiva 1999/70, mas sim pedidos, baseados directamente nesta directiva, de pagamento de prémios trienais de antiguidade relativamente a um período durante o qual a directiva não tinha sido correctamente transposta para o direito interno.

87      Uma vez que o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado contra o Estado, por particulares, perante um juiz nacional, as recorrentes nos processos principais podem validamente fazer valer os seus pedidos de pagamento dos prémios trienais de antiguidade a que têm direito de forma retroactiva, baseando‑se directamente nas disposições deste artigo. Uma acção de indemnização com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à responsabilidade dos Estados‑Membros por violação do direito da União não parece, assim, à primeira vista, necessária (v., neste sentido, acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C‑150/99, Colect., p. I‑493, n.° 35).

88      Além disso, como reconheceu o próprio Governo espanhol nas suas observações no processo C‑444/09, a questão da responsabilidade do Estado por violação do direito da União nunca foi suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio no referido processo. O mesmo se diga do processo C‑456/09, no qual o órgão jurisdicional de reenvio baseou o seu raciocínio nas consequências decorrentes de um eventual efeito directo do artigo pertinente do acordo‑quadro. No que se refere às questões relativas à responsabilidade do Estado, parece resultar da decisão de reenvio no processo C‑456/09 e das observações submetidas ao Tribunal de Justiça que o órgão jurisdicional de reenvio não é competente para se pronunciar sobre elas.

89      No processo principal, que, como resulta dos n.os 86 e 87 do presente acórdão, visa a aplicação retroactiva de uma disposição de uma directiva com efeito directo, as consequências decorrentes da repartição efectuada pela Constituição entre a legislação estatal de base relativa ao estatuto dos funcionários e a regulamentação de execução adoptada pelas Comunidades Autónomas é uma questão de direito interno.

90      Face ao exposto, há que responder à quarta questão no processo C‑456/09 que o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado contra o Estado, por funcionários interinos, num órgão jurisdicional nacional, a fim de lhes ser reconhecido o direito a prémios de antiguidade, como os prémios trienais em causa no processo principal, relativamente ao período compreendido entre o termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição da Directiva 1999/70 e a data da entrada em vigor da lei nacional que transpõe essa directiva para o direito interno do Estado‑Membro em causa, sem prejuízo do respeito das disposições pertinentes do direito nacional relativas à prescrição.

 Quanto à terceira questão no processo C‑456/09

91      Com a sua terceira questão no processo C‑456/09, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, atendendo ao facto de a regulamentação nacional em causa no processo principal reconhecer o direito dos funcionários interinos ao pagamento dos prémios relativos ao triénios de antiguidade, mas conter uma cláusula que exclui a aplicação retroactiva desse direito, as autoridades competentes espanholas podem recusar o benefício desse direito ou se, pelo contrário, estão obrigadas, por força do direito da União, a conferir a esse direito ao pagamento dos prémios efeitos retroactivos a contar da data do termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição desta directiva.

92      A título preliminar, importa recordar que os termos utilizados no artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP excluem, de forma explícita, a atribuição de efeito retroactivo a esta disposição.

93      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre as consequências, relativamente ao processo principal, do quarto ponto do dispositivo do acórdão Impact, já referido, no qual o Tribunal declarou que, na medida em que o direito nacional aplicável contém uma regra que exclui a aplicação retroactiva de uma lei na falta de indicação clara e inequívoca em sentido contrário, um órgão jurisdicional nacional, chamado a decidir de um pedido baseado numa violação de uma disposição da lei nacional que transpõe a Directiva 1999/70, só é obrigado, por força do direito da União, a conferir a essa disposição efeito retroactivo à data do termo do prazo de transposição da referida directiva, se, nesse direito nacional, houver uma indicação dessa natureza, susceptível de conferir a essa disposição tal efeito retroactivo.

94      Contudo, deve recordar‑se que, no processo que deu origem ao acórdão Impact, já referido, foi colocada a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio, a saber, um tribunal especializado ao qual a lei nacional que garante a transposição da Directiva 1999/70 tinha atribuído a competência exigida para conhecer dos pedidos baseados nessa lei, estava obrigado, por força do direito da União, a declarar‑se competente para conhecer também de pedidos directamente fundados nessa mesma directiva, apesar de tais pedidos respeitarem a um período posterior à data do termo do prazo de transposição desta directiva, mas anterior à data de entrada em vigor da lei nacional de transposição.

95      A resposta do Tribunal de Justiça à quarta questão colocada no processo que deu origem ao dito acórdão Impact assentava na hipótese segundo a qual o órgão jurisdicional de reenvio apenas era competente para decidir dos pedidos no processo principal na medida em que estes se baseassem numa violação da lei nacional que assegurava a transposição da Directiva 1999/70 (acórdão Impact, já referido, n.° 96). Só nesta hipótese e na medida em que a lei nacional de transposição tivesse excluído a atribuição de efeito retroactivo às suas disposições é que o Tribunal de Justiça indicou, como resulta do n.° 93 do presente acórdão, que o direito da União, em particular a exigência de interpretação conforme, não pode, sob pena de obrigar o órgão jurisdicional de reenvio a fazer uma aplicação contra legem do direito nacional, ser interpretado no sentido de que impõe a esse órgão jurisdicional que confira à lei nacional de transposição em causa efeito retroactivo à data do termo do prazo de transposição da referida directiva.

96      Contudo, contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Impact, já referido, resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, no processo principal, não se põe nenhuma dificuldade quanto à competência deste órgão jurisdicional para conhecer das pretensões da recorrente no processo principal relativas ao pagamento dos prémios trienais de antiguidade na medida em que o pedido da recorrente se baseia directamente nas disposições da Directiva 1999/70.

97      Tendo o artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro efeito directo, a recorrente no processo principal pode validamente invocar contra a Consellería, na qualidade de entidade patronal, o seu pedido de pagamento dos prémios de antiguidade a que tem direito, de forma retroactiva, baseando‑se directamente nas disposições deste artigo.

98      No caso em apreço, a recorrente no processo principal esteve, durante o período compreendido entre o termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição da Directiva 1999/70 e a adopção do artigo 25.°, n.° 2, da LEBEP, privada, de forma discriminatória, de um prémio de antiguidade incluído nas condições de emprego na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro. Nestas circunstâncias, a recorrente baseia‑se numa disposição com efeito directo, para sanar uma lacuna que a transposição incorrecta da Directiva 1999/70 deixou subsistir no direito interno espanhol.

99      Nestas circunstâncias, há que responder à terceira questão no processo C‑456/09 que, apesar da existência, na regulamentação nacional que transpõe a Directiva 1999/70, de uma disposição que reconhece o direito dos funcionários interinos ao pagamento dos prémios relativos aos triénios de antiguidade, mas que exclui a aplicação retroactiva desse direito, as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa devem, por força do direito da União e visto tratar‑se de uma disposição do acordo‑quadro com efeito directo, conferir a esse direito ao pagamento dos prémios efeito retroactivo a contar da data do termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição desta directiva.

 Quanto às despesas

100    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Um funcionário interino da Comunidade Autónoma da Galiza, como a recorrente no processo principal, está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, e do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de Março de 1999, anexo a esta directiva.

2)      Um prémio de antiguidade como o que está em causa no processo principal está abrangido, na medida em que constitui uma condição de emprego, pelo artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, anexo à Directiva 1999/70, de forma que os trabalhadores contratados a termo se podem opor a um tratamento que, no que se refere à atribuição desse prémio, é, sem justificação objectiva alguma, menos favorável do que aquele de que beneficiam os trabalhadores permanentes que se encontram numa situação comparável. A natureza temporária da relação laboral de determinados funcionários públicos não é susceptível de constituir, por si só, uma razão objectiva na acepção deste artigo do acordo‑quadro.

3)      A mera circunstância de uma disposição nacional como a do artigo 25.°, n.° 2, da Lei 7/2007 relativa ao Estatuto dos Funcionários Públicos (Ley 7/2007 del Estatuto básico del empleado público), de 12 de Abril de 2007, não conter nenhuma referência à Directiva 1999/70 não exclui que essa disposição possa ser considerada uma medida nacional de transposição desta directiva.

4)      O artigo 4.°, n.° 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, anexo à Directiva 1999/70, é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado contra o Estado, por funcionários interinos, num órgão jurisdicional nacional, a fim de lhes ser reconhecido o direito a prémios de antiguidade, como os prémios trienais em causa no processo principal, relativamente ao período compreendido entre o termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição da Directiva 1999/70 e a data da entrada em vigor da lei nacional que transpõe essa directiva para o direito interno do Estado‑Membro em causa, sem prejuízo do respeito das disposições pertinentes do direito nacional relativas à prescrição.

5)      Apesar da existência, na regulamentação nacional que transpõe a Directiva 1999/70, de uma disposição que reconhece o direito dos funcionários interinos ao pagamento dos prémios relativos aos triénios de antiguidade, mas que exclui a aplicação retroactiva desse direito, as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa devem, por força do direito da União e visto tratar‑se de uma disposição do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, anexo à Directiva 1999/70, com efeito directo, conferir a esse direito ao pagamento dos prémios efeito retroactivo a contar da data do termo do prazo imposto aos Estados‑Membros para a transposição desta directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.