Language of document : ECLI:EU:T:2011:166

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

13 de Abril de 2011 (*)

«Agricultura – Organização comum dos mercados – Distribuição de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção a favor das pessoas mais necessitadas – Regulamento (CE) n.° 983/2008 – Plano de atribuição de recursos aos Estados‑Membros, a imputar ao exercício de 2009, para o programa de distribuição – Mobilizações no mercado – Recurso de anulação»

No processo T‑576/08,

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por M. Lumma e B. Klein e, em seguida, por M. Lumma, B. Klein, T. Henze e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Reino da Suécia, representado por A. Falk, K. Petkovska, S. Johannesson e A. Engman, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Erlbacher e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por B. Plaza Cruz, na qualidade de agente,

por

República Francesa, representada por G. de Bergues e B. Cabouat, na qualidade de agentes,

por

República Italiana, representada inicialmente por I. Bruni, na qualidade de agente e, em seguida, por P. Gentili, avvocato dello Stato,

e por

República da Polónia, representada inicialmente por M. Dowgielewicz, em seguida, por M. Szpunar e, por último, por M. Szpunar, B. Majczyna e M. Drwiecki, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 983/2008 da Comissão, de 3 de Outubro de 2008, que adopta um plano de atribuição de recursos aos Estados‑Membros, a imputar ao exercício de 2009, para o fornecimento de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade (JO L 268, p. 3),

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Prek (relator), exercendo funções de presidente, S. Soldevila Fragoso e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O considerando 10 do Regulamento (CE) n.° 1234/2007 do Conselho, de 22 de Outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM única») (JO L 299, p. 1), tem a seguinte redacção:

«A fim de estabilizar os mercados e assegurar um nível de vida equitativo para a população agrícola, foi desenvolvido um sistema diferenciado de apoio aos preços nos diversos sectores […]. Estas medidas assumem a forma de intervenção pública ou pagamento de ajuda à armazenagem privada de produtos dos sectores dos cereais, do arroz, do açúcar, do azeite e da azeitona de mesa, da carne de bovino, do leite e produtos lácteos, da carne de suíno e da carne de ovino e caprino. Dados os objectivos do presente regulamento, é, por conseguinte, necessário manter as medidas de apoio aos preços previstas nos instrumentos tal como desenvolvidos no passado, sem proceder a alterações substanciais em relação à situação jurídica anterior.»

2        O considerando 18 do mesmo regulamento tem a seguinte redacção:

«Através das existências de intervenção de vários produtos agrícolas, a Comunidade tem ao seu dispor meios para contribuir de modo significativo para o bem‑estar dos seus cidadãos mais necessitados. É do interesse da Comunidade explorar este potencial numa base duradoura, até as existências serem reduzidas a um nível normal pela introdução de medidas adequadas. À luz destas considerações, o Regulamento (CEE) n.° 3730/87 do Conselho, de 10 de Dezembro de 1987, que estabelece as regras gerais para o fornecimento a determinadas organizações de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção para distribuição às pessoas mais necessitadas na Comunidade tem regido até agora a distribuição de alimentos por organizações caritativas. Esta importante medida social, que pode ser de valor considerável para os mais desfavorecidos, deverá ser mantida e integrada no quadro do presente regulamento.»

3        A subsecção IV, intitulada «Escoamento das existências de intervenção», da secção II do capítulo I do título I da parte II do regulamento OCM única reúne os artigos 25.° a 27.°

4        Nos termos do artigo 25.° do regulamento OCM única, «[o] escoamento dos produtos comprados no quadro da intervenção pública é realizado de forma a evitar qualquer perturbação do mercado e assegurar a igualdade de acesso às mercadorias e a igualdade de tratamento dos compradores […]».

5        O artigo 27.° do mesmo regulamento, intitulado «Distribuição às pessoas mais necessitadas da Comunidade», dispõe:

«1.      São postos à disposição de determinadas organizações designadas, de acordo com um plano anual, produtos que fazem parte das existências de intervenção, a fim de permitir a distribuição de géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas da Comunidade.

A distribuição é efectuada:

a)      Gratuitamente; ou

b)      A um preço que não pode, de modo algum, ser superior ao justificado pelos custos suportados na execução da acção pelas organizações designadas.

2.      Um produto pode ser mobilizado no mercado comunitário sempre que:

a)      Não esteja temporariamente disponível nas existências de intervenção da Comunidade no decurso da realização do plano anual previsto no n.° 1, e na medida necessária à realização do plano num ou em diversos Estados‑Membros, desde que as despesas permaneçam dentro dos limites das despesas previstas no orçamento comunitário para esse efeito; ou

b)      A realização do plano implique o recurso a uma transferência intracomunitária que incida em pequenas quantidades de produtos de intervenção num Estado‑Membro que não aquele ou aqueles em que o produto é necessário.

3.      Os Estados‑Membros em causa designam as organizações referidas no n.° 1 e informam anualmente a Comissão, em tempo útil, se desejarem aplicar a acção.

4.      Os produtos referidos nos n.os 1 e 2 são entregues gratuitamente às organizações designadas. O valor contabilístico dos produtos será igual ao preço de intervenção, corrigido, se for caso disso, por coeficientes que tenham em conta as diferenças de qualidade.

5.      Sem prejuízo do artigo 190.°, os produtos postos à disposição ao abrigo dos n.os 1 e 2 do presente artigo são financiados através de dotações incluídas na rubrica pertinente do FEAGA do orçamento das Comunidades Europeias […]»

6        O artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 3149/92 da Comissão, de 29 de Outubro de 1992, que estabelece as normas de execução para o fornecimento de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade (JO L 313, p. 50), dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros que desejarem realizar a acção a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade instituída pelo Regulamento […] n.° 3730/87 informarão anualmente desse facto a Comissão, o mais tardar até 15 de Fevereiro que precede o período de execução do plano anual referido no artigo 2.°

2.      Os Estados‑Membros em causa comunicarão à Comissão, o mais tardar até 31 de Maio:

a)      As quantidades de cada tipo de produto […] necessárias para executar o plano no respectivo território em relação ao exercício em causa;

[…]»

7        Nos termos do artigo 2.° do mesmo regulamento:

«1.      A Comissão adoptará anualmente, antes de 1 de Outubro, um plano anual de distribuição de géneros alimentícios a favor das pessoas mais necessitadas, discriminado por Estado‑Membro em causa. Para efeitos da repartição dos recursos entre os Estados‑Membros, a Comissão tomará em consideração as melhores estimativas do número de pessoas mais necessitadas nos Estados‑Membros em causa. Terá igualmente em conta a execução e as utilizações registadas nos exercícios anteriores […]

2.      Antes de elaborar o plano anual, a Comissão consultará as principais organizações familiarizadas com os problemas das pessoas mais necessitadas da Comunidade.

3.      O plano determinará, nomeadamente:

1)      Para cada Estado‑Membro que aplique a acção, os seguintes elementos:

a)      Meios financeiros colocados à disposição para a execução da respectiva parte do plano;

b)      Quantidade de cada tipo de produto a retirar das existências na posse dos organismos de intervenção;

c)      Dotação colocada à sua disposição, por produto, para aquisição no mercado comunitário, em caso de indisponibilidade temporária do referido produto nas existências na posse dos organismos de intervenção, verificada no momento da adopção do plano anual.

A dotação será determinada, em relação a cada produto, tendo em conta a quantidade constante da comunicação a que se refere o n.° 2 do artigo 1.°, as quantidades de produtos necessários indisponíveis nas existências de intervenção, os produtos pedidos e atribuídos no decurso dos exercícios anteriores, bem como a utilização efectiva dos mesmos.

[…]»

8        O artigo 3.° do mesmo regulamento dispõe que o período de execução do plano começa em 1 de Outubro e termina a 30 de Setembro do ano seguinte.

9        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1‑A, quarto parágrafo, desse regulamento:

«A mobilização no mercado, relativamente a um determinado produto, só pode ser efectuada se os fornecimentos a realizar, com recurso a todas as quantidades do produto do mesmo grupo a retirar das existências de intervenção em aplicação do n.° 3, alínea b) do ponto 1, do artigo 2.°, incluindo as quantidades a transferir em aplicação do artigo 7.°, tiverem sido previamente atribuídos. A autoridade nacional competente informará a Comissão do início dos procedimentos de mobilização no mercado.»

 Regulamento impugnado

10      O plano anual de atribuição de recursos aos Estados‑Membros, a imputar ao exercício de 2009, para o fornecimento de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade foi aprovado pelo Regulamento (CE) n.° 983/2008 da Comissão, de 3 de Outubro de 2008 (JO L 268, p. 3, a seguir «regulamento impugnado»).

11      O considerando 4 do regulamento impugnado tem a seguinte redacção:

«O n.° 3, alínea c), do ponto 1 do artigo 2.° do Regulamento […] n.° 3149/92 prevê a atribuição de dotações para a aquisição no mercado de produtos temporariamente indisponíveis nas existências de intervenção. As existências de cereais próprios para a alimentação humana actualmente na posse dos organismos de intervenção são muito reduzidas, tendo já sido adoptadas medidas para a sua venda no mercado. Além disso, os organismos de intervenção não detêm, presentemente, quaisquer existências de arroz nem de leite em pó desnatado, não estando prevista qualquer proposta destes produtos agrícolas para intervenção em 2008. Por conseguinte, é necessário fixar as dotações que permitam adquirir no mercado os cereais, o leite em pó desnatado e o arroz necessários para a execução do plano para o exercício de 2009.»

12      O artigo 1.° do regulamento impugnado dispõe:

«Em 2009, a distribuição de géneros alimentícios, ao abrigo do artigo 27.° do [r]egulamento [OCM única], em benefício das pessoas mais necessitadas da Comunidade, será efectuada em conformidade com o plano anual de distribuição constante do Anexo I do presente regulamento.»

13      Nos termos do artigo 2.° do regulamento impugnado, «[a]s dotações dos Estados‑Membros para a aquisição no mercado dos cereais, do leite em pó desnatado e do arroz necessários de acordo com o plano referido no artigo 1.° são fixadas no Anexo II» deste mesmo regulamento.

14      O Anexo I, alínea a), do regulamento impugnado fixa os meios financeiros postos à disposição para a execução do plano em cada Estado‑Membro, num montante global de 496 milhões de euros.

15      O Anexo II do regulamento impugnado fixa as dotações dos Estados‑Membros para a aquisição de produtos no mercado comunitário, até ao limite dos montantes referidos na alínea a) do Anexo I deste regulamento, no montante total de 431 420 891 euros.

16      O orçamento geral da União Europeia para o exercício de 2009 foi adoptado em 18 de Dezembro de 2008 (JO L 2009, L 69, p. 1). Este orçamento previa dotações no montante de 500 milhões de euros destinados a programas alimentares a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade Europeia.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de Dezembro de 2008, a República Federal da Alemanha interpôs o presente recurso.

18      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de Abril de 2009, a República Italiana pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão das Comunidades Europeias.

19      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de Abril de 2009, a República Francesa pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

20      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de Abril de 2009, o Reino da Suécia pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha.

21      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de Abril de 2009, a República da Polónia pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

22      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de Maio de 2009, o Reino de Espanha pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

23      Por despacho de 3 de Junho de 2009, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu as intervenções da República Francesa, da República Italiana, da República da Polónia e do Reino da Suécia. Estes intervenientes apresentaram as suas observações nos prazos fixados.

24      Embora o pedido de intervenção do Reino de Espanha tenha sido apresentado após o termo do prazo de seis semanas estabelecido no artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, por despacho do presidente da Quinta Secção de 8 de Setembro de 2009, foi admitida a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos da Comissão e a apresentação das suas observações na fase oral.

25      Por decisão do presidente do Tribunal Geral, a composição da Quinta Secção do Tribunal foi alterada para efeitos do presente processo.

26      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu proceder à abertura da fase oral.

27      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal Geral na audiência de 9 de Setembro de 2010.

28      A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–         anular o regulamento impugnado;

–        limitar os efeitos da anulação ao artigo 2.° e ao Anexo II do regulamento impugnado e «suspendê‑los»;

–        condenar a Comissão nas despesas.

29      O Reino da Suécia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        dar provimento ao recurso interposto pela República Federal da Alemanha;

–        «manter em vigor» os efeitos do regulamento anulado.

30      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        «ignorar» todas as referências feitas ao parecer do Serviço Jurídico do Conselho, de 17 de Outubro de 2008;

–        negar provimento ao recurso;

–        a título subsidiário, limitar e «suspender» os efeitos da anulação do regulamento impugnado;

–        condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

31      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

32      A República Italiana conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

–        no caso de o regulamento impugnado ser anulado, declarar que todos os seus efeitos devem ser considerados definitivos;

–        condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

33      O Reino de Espanha e a República da Polónia concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

 Quanto aos fundamentos de inadmissibilidade invocados pela República Italiana e pela República da Polónia

 Argumentos das partes

34      A República Italiana e a República da Polónia sustentam que o recurso é inadmissível.

35      Em especial, a República Italiana sustenta que a República Federal da Alemanha devia ter impugnado o orçamento comunitário para o exercício de 2009, na parte relativa às dotações destinadas às aquisições nos mercados agrícolas. Na medida em que o regulamento impugnado apenas reparte essas dotações, um recurso contra este é extemporâneo e, portanto, inadmissível.

36      Por seu turno, a República da Polónia alega que o presente recurso visa pôr em causa as regras fundamentais do mecanismo de distribuição previstas no regulamento OCM única, com base no qual o regulamento impugnado foi adoptado, bem como o procedimento de elaboração dos planos anuais de distribuição, definido no Regulamento n.° 3149/92.

37      A República Federal da Alemanha alega que estas duas intervenientes não têm legitimidade para invocar estas questões prévias de inadmissibilidade, dado que, nos termos da jurisprudência, os intervenientes não podem invocar uma questão prévia de inadmissibilidade, quando a parte principal não o fez.

 Apreciação do Tribunal Geral

38      O Tribunal Geral verifica que a Comissão não alegou a inadmissibilidade do recurso e se limitou a pedir que lhe seja negado provimento. Ora, há que recordar que, segundo o artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, desse estatuto, os pedidos da petição de intervenção não podem ter outro objecto que não seja apoiar os pedidos de uma das partes. Além disso, nos termos do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o litígio no estado em que este se encontre no momento da sua intervenção.

39      Daqui resulta que a República Italiana e a República da Polónia não podem suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade do recurso e que o Tribunal Geral não é, portanto, obrigado a examinar os fundamentos de inadmissibilidade que elas invocam (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.os 20 a 22, e acórdão do Tribunal Geral de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, Colect., p. II‑2137, n.° 76). Há, assim, que julgar improcedentes as questões prévias de inadmissibilidade invocadas pela República Italiana e pela República da Polónia.

 Quanto ao pedido da Comissão no sentido de o Tribunal Geral não ter em conta as referências, efectuadas na petição inicial, ao parecer do Serviço Jurídico do Conselho da União Europeia de 17 de Outubro de 2008

40      A Comissão alega que a apresentação do parecer em causa, que diz respeito à proposta da Comissão de alteração do regulamento OCM única, não foi autorizada pelo Conselho nem ordenada pelo Tribunal Geral. Consequentemente, nenhuma das referências feitas na petição inicial a seu respeito deve, segundo jurisprudência assente, ser tida em conta pelo Tribunal Geral.

41      A República Federal da Alemanha precisa que este parecer, que não tem uma importância primordial para a decisão da presente lide, já foi objecto de um relatório oficial e que foi invocado, na petição inicial, de forma muito geral.

42      Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, seria contrário ao interesse público, que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico, proferidos com total independência, admitir que tais documentos internos possam ser apresentados em juízo por outros que não os serviços a pedido dos quais foram redigidos, sem que a sua apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada pelo órgão jurisdicional (despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2002, Áustria/Conselho, C‑445/00, Colect., p. I‑9151, n.° 12; acórdão do Tribunal Geral de 8 de Novembro de 2000, Ghignone e o./Conselho, T‑44/97, ColectFP, pp. I‑A‑223 e II‑1023, n.° 48; e despacho do Tribunal Geral de 10 de Janeiro de 2005, Gollnisch e o./Parlamento, T‑357/03, Colect., p. II‑l, n.° 34).

43      Consequentemente, importa deferir o pedido da Comissão no sentido de não serem tidas em conta as referências, efectuadas na petição inicial, ao parecer do Serviço Jurídico do Conselho, de 17 de Outubro de 2008.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

44      A República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino da Suécia, invoca um único fundamento, segundo o qual o regulamento impugnado foi adoptado em violação do artigo 27.° do regulamento OCM única, lido à luz do seu considerando 18, que enuncia o interesse da Comunidade em explorar numa base duradoura os produtos agrícolas, até as existências serem reduzidas a um nível normal, e dos artigos 33.° CE e 37.° CE. O regulamento impugnado «perdeu qualquer relação» com a política agrícola comum (PAC) e, na realidade, constitui um elemento da política social.

45      Em primeiro lugar, o artigo 27.° do regulamento OCM única, que faz parte da subsecção IV, intitulada «Escoamento das existências de intervenção», da secção II do capítulo I do título I da parte II do regulamento OCM única, autoriza a aquisição suplementar nos mercados de géneros alimentícios apenas quando um produto está temporariamente indisponível nas existências de intervenção no decurso da realização do plano anual, na medida necessária à realização desse plano num ou em diversos Estados‑Membros.

46      Ora, em primeiro lugar, o regulamento impugnado não diz respeito à aquisição de produtos que apenas estão «temporariamente indisponí[veis] nas existências de intervenção». Com efeito, enquanto esse requisito exige que as existências de intervenção sejam distribuídas em primeiro lugar e que as aquisições suplementares sejam de natureza provisória e excepcional, a relação entre os géneros alimentícios provenientes de existências de intervenção e os adquiridos em suplemento inverteu‑se, dado que a proporção destes últimos relativamente ao volume total do plano passou de 18,06%, em 2006, para 85,35%, em 2008, e 86,98%, em 2009. Além disso, de acordo com as previsões da Comissão sobre a evolução das existências de intervenção, esta situação tende a manter‑se.

47      Quanto ao orçamento atribuído à realização do plano de 2009, este foi aumentado em 500 milhões de euros, sem que esse aumento, em relação aos anos anteriores, se possa justificar pelo aumento dos preços dos produtos abrangidos pelo plano. A República Federal da Alemanha questiona também a conformidade do procedimento de adopção do plano com o Regulamento n.° 3149/92, alegando que, com base no aumento anunciado do orçamento afecto ao plano, a Comissão tinha convidado os Estados‑Membros, depois da data‑limite prevista para o efeito, a reconsiderarem os seus pedidos de produtos necessários para executar o plano.

48      Em segundo lugar, a indisponibilidade dos produtos nas existências de intervenção deve ocorrer «no decurso da realização do plano anual». Na opinião da República Federal da Alemanha, este requisito deve ser interpretado no sentido de que a aquisição pode ser prevista quando os produtos faltarem durante o exercício anual do plano, ou se se verificar, durante o seu estabelecimento, que as existências de intervenção, provavelmente ou indubitavelmente, não são suficientes. Ora, o regulamento impugnado afectou fundos para a aquisição de produtos para os quais, desde o estabelecimento do plano, não foi prevista nenhuma existência de intervenção durante o ano.

49      Em terceiro lugar, o plano instituído não se baseou nos volumes das existências de intervenção disponíveis ou expectáveis, mas tão‑só nas necessidades declaradas pelos Estados‑Membros participantes e, consequentemente, não corresponde ao que é «necessário» à sua realização. Na opinião da República Federal da Alemanha, o volume do plano deve estar relacionado com as existências de intervenção. Assim, o artigo 43.°, alínea g), do regulamento OCM única apenas habilita a Comissão a elaborar um plano anual em conformidade com o seu artigo 27.°, n.° 1, que prevê a distribuição dos produtos das existências de intervenção.

50      Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha sustenta que o plano adoptado pelo regulamento impugnado não prossegue nenhum dos objectivos do artigo 33.° CE. Recorda a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos, susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do acto. Na sua opinião, a regulamentação em causa não é relativa à produção e à comercialização de produtos agrícolas e não é uma medida adoptada no âmbito da PAC.

51      Com efeito, contrariamente à apreciação da Comissão, o plano em causa «perdeu qualquer relação» com a PAC, nomeadamente, com o objectivo de estabilizar os mercados na acepção do artigo 33.° , n.° 1, alínea c), CE. Na medida em que se verificou uma diminuição tão forte das existências de intervenção e que o plano se baseia essencialmente na aquisição de géneros alimentícios, esta medida já não faz parte do mercado agrícola, mas situa‑se a jusante deste. O plano controvertido só está relacionado com os artigos 33.° CE e 37.° CE enquanto elemento acessório do mecanismo de intervenção, sendo o seu principal objectivo de índole social. Ora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o domínio de aplicação da PAC é limitado quando um acto jurídico produz determinados efeitos na agricultura, que apenas são acessórios face ao objectivo principal.

52      Do mesmo modo, contrariamente à afirmação da Comissão, o programa de ajuda alimentar comunitário também não contribui para assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores, na acepção do artigo 33.°, n.° 1, alínea e), CE. Com efeito, dado que os géneros alimentícios são oferecidos às pessoas mais necessitadas, o objectivo de um preço razoável não é de forma alguma alcançável. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o carácter razoável do preço não se pode identificar com os preços mais baixos possível.

53      Na opinião da República Federal da Alemanha, as suas conclusões são confirmadas pelo projecto da Comissão, de 17 de Setembro de 2008, de alteração do regulamento OCM única, que prevê, nomeadamente, suprimir a limitação das aquisições às situações de indisponibilidade temporária das existências de intervenção. Esta alteração responde a uma necessidade de adaptar o direito derivado à realidade, o que a Comissão confirmou.

54      Quanto ao Regulamento n.° 3149/92, este não é, em si mesmo, contrário ao direito da União, mas deve ser lido à luz das normas superiores de direito, sem as poder derrogar em nenhum caso.

55      Relativamente ao Reino da Suécia, em primeiro lugar, este Estado‑Membro acrescenta que o regulamento OCM única prevê, em princípio, unicamente, a utilização das existências de intervenção e que a aquisição notável de produtos no mercado comunitário constitui um «desvio» a esse regulamento. Os requisitos para a aquisição dos produtos, estabelecidos no artigo 27.°, n.° 2, deste regulamento, devem ser interpretados de forma estrita, uma vez que se trata de excepções.

56      No que se refere ao momento em que é possível proceder às aquisições, o Reino da Suécia evoca a possibilidade de haver uma certa diferença de redacção entre as diferentes versões linguísticas do artigo 27.° do regulamento OCM única. Nos termos da versão sueca, a indisponibilidade de um produto deve ocorrer no decurso da realização do plano, caso em que seria suficiente adoptar emendas ao plano anual. Esta interpretação decorre do contexto e da finalidade desta disposição, que consiste em utilizar utilmente as existências de intervenção, e não, em primeiro lugar, ajudar as pessoas mais necessitadas. Acresce que, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 3149/92, só se pode proceder à aquisição de um determinado produto no mercado se os alimentos de primeira necessidade que devem ser fornecidos já tiverem sido distribuídos a partir das existências de intervenção e através de transferências intracomunitárias.

57      O legislador da União nunca quis instituir um programa permanente de ajuda. Pelo contrário, com base no considerando 18 do regulamento OCM única, a diminuição das existências de intervenção conduz a uma diminuição do alcance do plano. Em contrapartida, os objectivos de política social resultam claramente dos artigos 1.° e 2.° do Regulamento n.° 3149/92.

58      Em segundo lugar, o Reino da Suécia sustenta que o artigo 27.° do regulamento OCM única não visa assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores, tal como previsto no artigo 33.°, n.° 1, CE. Quanto ao objectivo de estabilização dos mercados, o Reino da Suécia recorda que resulta de jurisprudência constante que este envolve também uma vontade de reduzir os excedentes na Comunidade. Ora, a repartição dos produtos estabelecida pelo regulamento impugnado não apresenta o nexo necessário com as compras de intervenção com esse fim. Uma interpretação em sentido contrário pode levar a recorrer ao artigo 37.° CE como base jurídica de qualquer legislação destinada a subvencionar a aquisição de géneros alimentícios.

59      Além disso, segundo jurisprudência assente, se o exame de um acto comunitário demonstrar que esse acto prossegue uma dupla finalidade ou que tem duas componentes, e se uma destas for identificável como principal ou preponderante, o acto deve ter por fundamento esta última. O Reino da Suécia considera que um acto como o regulamento impugnado podia ser adoptado com base no artigo 308.° CE.

60      Apoiada pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela República Italiana e pela República da Polónia, a Comissão alega que o regulamento impugnado é conforme com o regulamento OCM única e com o Regulamento n.° 3149/92.

61      Em primeiro lugar, a Comissão alega que a argumentação da República Federal da Alemanha relativa à interpretação do artigo 33.° CE não é pertinente. Contudo, para responder à crítica de que o regulamento impugnado não prossegue os objectivos deste artigo, a Comissão recorda a jurisprudência segundo a qual uma regulamentação deve estar ligada ao domínio da agricultura e, por isso, ao artigo 37.° CE, quando os produtos em causa nessa regulamentação estiverem enumerados no Anexo I do Tratado CE e quando a regulamentação em causa contribuir para a realização de um ou vários objectivos da PAC, que é o caso dos produtos previstos no artigo 27.° do regulamento OCM única.

62      Com efeito, o artigo 33.° CE tem por finalidade estabilizar os mercados através do escoamento e da aquisição temporária de produtos no mercado comunitário e visa assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores, entre os quais as pessoas mais necessitadas, oferecendo‑lhes produtos agrícolas a preços acessíveis. A Comissão acrescenta que o objectivo social do plano de distribuição esteve sempre claramente presente nas disposições de base e nos artigos 2.° CE e 3.° CE, à luz dos quais a PAC deve ser interpretada. Este plano manteve a sua ligação com a PAC.

63      Em segundo lugar, no que se refere à alegada violação do artigo 27.° do regulamento OCM única, a Comissão sustenta que o requisito da indisponibilidade das existências «no decurso da realização do plano anual» está preenchido quando as existências de intervenção não estão disponíveis durante a realização do plano anual. Além disso, resulta do Regulamento n.° 3149/92 e do contexto e da finalidade do artigo 27.° do regulamento OCM única que a disponibilidade das existências deve ser verificada no momento da adopção do plano anual. Nos termos do Regulamento n.° 3149/92, a programação da distribuição efectua‑se a partir do mês de Maio do ano anterior (mediante comunicação, pelos Estados‑Membros, das suas necessidades), com vista à adopção do plano antes de 1 de Outubro, data em que este começa a ser executado. Com efeito, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, ponto 1, alínea c), do referido regulamento, a dotação é posta à disposição dos Estados‑Membros em caso de indisponibilidade temporária de um produto, verificada no momento da adopção do plano anual. Por outro lado, os argumentos da República Federal da Alemanha expostos sobre este ponto na réplica parecem ir no sentido desta argumentação.

64      Relativamente à «indisponibilidade temporária» das existências de intervenção, a Comissão partilha do ponto de vista da República Federal da Alemanha, no que se refere ao carácter subsidiário das aquisições face às existências de intervenção. Contudo, alega que, na falta de precisão deste requisito, este deve ser interpretado à luz da finalidade do regulamento OCM única, tendo em conta o facto de as intervenções públicas no mercado constituírem um instrumento permanente no âmbito da PAC, que necessita de possibilidades de escoamento adequadas, o que não é impugnado pela República Federal da Alemanha. Para manter essas possibilidades, as aquisições em causa não são apenas admissíveis, mas sim indispensáveis. Assim, enquanto a constituição das existências de intervenção de determinados produtos for juridicamente possível e, de facto, suficientemente provável, a Comissão tem a obrigação de prever a aquisição suplementar desses produtos.

65      Além disso, o conceito de «indisponibilidade temporária» deve ser entendido no contexto de um exame global efectuado ao longo de vários anos. Assim, em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento n.° 3149/92, a Comissão tem a obrigação de, no momento da adopção do plano, ter em conta a utilização dos recursos durante os exercícios anteriores. Com efeito, atento o amplo poder de apreciação de que a Comissão dispõe sobre esta questão, as aquisições em causa só são proibidas em caso de supressão ou de suspensão a longo prazo do mecanismo de intervenção relativo a um produto.

66      Ora, não é isso que acontece relativamente ao regulamento impugnado. Com efeito, para satisfazer a exigência do artigo 27.° do regulamento OCM única, a Comissão está obrigada a efectuar o controlo da disponibilidade para cada produto, separadamente, e não de todas as existências de intervenção. Ora, em primeiro lugar, por força desse regulamento, os produtos abrangidos pelo plano podem ser alvo de aquisições suplementares para efeitos de intervenção. Em segundo lugar, os níveis das existências de intervenção dos diferentes produtos não são constantes, variando ao longo dos anos. Em terceiro lugar, os produtos que devem ser mobilizados em 2009 só estiveram indisponíveis durante um curto período. Além disso, as novas existências de intervenção que estão em vias de se constituir podem cobrir uma grande parte do plano anual para o exercício de 2010. Daqui resulta que a Comissão considera correctamente que a indisponibilidade dessas intervenções é apenas temporária e que podia prever a mobilização desses produtos no mercado comunitário.

67      A Comissão considera que a argumentação da República Federal da Alemanha sobre este ponto é contraditória e não responde à questão de saber a partir de que patamar de existências de intervenção pode ordenar aquisições suplementares. O elemento quantitativo avançado pela República Federal da Alemanha não decorre da disposição em causa do regulamento OCM única. Além disso, é contrário à sua finalidade e conduziria a uma insegurança jurídica na sua aplicação. Em qualquer caso, os seus argumentos não são susceptíveis de refutar a interpretação desta disposição dada pela Comissão ou de pôr em causa a legalidade do regulamento impugnado, baseado nessa interpretação. O documento semestral apresentado pela República Federal da Alemanha diz respeito a previsões a longo prazo que não devem servir de fundamento à decisão da Comissão relativa à execução dos planos anuais. De qualquer forma, para efeitos de apreciação da legalidade do regulamento impugnado, só é pertinente a situação jurídica existente no momento da sua adopção.

68      Quanto à condição da necessidade, a Comissão recorda que o plano anual para o exercício de 2009 se limita às despesas previstas para o efeito no orçamento da União, como previsto no artigo 27.°, n.° 2, alínea a), do regulamento OCM única. Em conformidade com esta disposição, a necessidade não deve ser apreciada com base na relação entre o volume do plano e as existências de intervenção, mas sim com base nas mobilizações necessárias para assegurar a execução do plano nos Estados‑Membros participantes. Assim, sustenta que, nos exercícios em que o volume das existências de intervenção era muito importante, o plano só tinha escoado uma pequena parte dessas existências. Com efeito, o plano anual tem por objectivo cobrir – no âmbito dos recursos orçamentais atribuídos – as necessidades declaradas pelos Estados‑Membros tendo em conta as suas melhores estimativas relativas ao número de pessoas mais necessitadas.

69      A este respeito, a Comissão contesta o argumento da República Federal da Alemanha relativo ao aumento do orçamento e sustenta que este aumento não foi fixado numa base abstracta, mas sim com base nos custos de aquisição de uma determinada quantidade de produtos aos preços do mercado, que sofreram um forte aumento em 2008 e que foram claramente superiores aos preços de intervenção.

70      Na opinião da Comissão, uma redução ou uma supressão do plano a curto prazo, devido a uma diminuição temporária das existências de intervenção, em geral, e à indisponibilidade de determinados produtos, em particular, é contrária à sua finalidade. Com efeito, isso levaria a que as organizações caritativas que dependem do plano fossem excluídas do mesmo e à supressão da infra‑estrutura relacionada com o instrumento de escoamento das existências nos anos seguintes, que se caracterizariam por um aumento dessas existências. Esta situação poria em causa os objectivos de estabilização do mercado e de garantia de um nível de protecção social elevado prosseguidos pelo plano.

71      Por último, a Comissão alega que a sua proposta de alteração do regulamento OCM única não produz efeitos jurídicos obrigatórios e que, portanto, não pode ser objecto do recurso.

72      Nas suas observações sobre as alegações de intervenção do Reino Unido, a Comissão contesta a interpretação segundo a qual as aquisições suplementares só são possíveis quando a indisponibilidade dos produtos nas existências de intervenção ocorra durante a execução do plano. A grande maioria das versões linguísticas do artigo 27.° do regulamento OCM única vai mais no sentido da interpretação dada pela Comissão. Além disso, sustenta que não resulta de forma alguma do considerando 18 deste regulamento que o legislador tenha previsto uma diminuição do alcance do plano em caso de diminuição dos volumes das existências de intervenção disponíveis.

73      A República Italiana considera, além disso, que o acórdão de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho (C‑296/97, Colect., p. I‑2257), no qual o Tribunal de Justiça concluiu que os artigos 33.° CE e 37.° CE podiam servir de base jurídica à adopção de uma medida que tem também como objectivo, e talvez principalmente, a protecção da saúde pública, é transponível para o caso em apreço. Decorre também das disposições dos artigos 2.° CE, 136.° CE e 137.° CE que os artigos 33.° CE e 37.° CE podem constituir a base jurídica exclusiva da adopção de medidas que têm também uma finalidade social, ainda que predominante, desde que utilizem os dispositivos associados à regulamentação e à intervenção nos mercados agrícolas, o que se verifica com o regulamento impugnado.

74      A República Italiana recorda que o Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1), prevê que o Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) financia a estabilização dos mercados agrícolas. Uma vez que o artigo 27.° do regulamento OCM única atribui ao FEAGA a tarefa de financiar as aquisições em questão, estas constituem também despesas de regularização dos mercados agrícolas, em conformidade com o artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 3730/87 do Conselho, de 10 de Dezembro de 1987, que estabelece as regras gerais para o fornecimento a determinadas organizações de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção para distribuição às pessoas mais necessitadas na Comunidade (JO L 352, p. 1), dentro dos limites das despesas elegíveis a este título pela autoridade orçamental.

75      Resulta do primeiro considerando do Regulamento (CE) n.° 2535/95 do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, que altera o Regulamento n.° 3730/87 (JO L 260, p. 3), que, apesar da redução progressiva do regime das existências de intervenção, o legislador da União quis manter o plano em causa, ao prever a aquisição no mercado como «medidas‑etapas», isto é, equivalente e não subsidiária, nem acessória, relativamente ao escoamento das existências, que permanece conforme aos objectivos da PAC. Com base na verificação da indisponibilidade de um produto, a liberdade de manobra entre o escoamento das existências e as aquisições no mercado está unicamente limitada pela obrigação de utilizar as existências antes de proceder às aquisições. Esta conclusão é confirmada pelo segundo considerando do Regulamento n.° 3730/87, pelo terceiro considerando e pelo artigo 4.° do Regulamento n.° 3149/92, pelo terceiro e quarto considerandos do Regulamento (CE) n.° 267/96 da Comissão, de 13 de Fevereiro de 1996, que altera o Regulamento n.° 3149/92 (JO L 36, p. 2), e pelo quinto considerando do Regulamento (CE) n.° 1127/2007 da Comissão, de 28 de Setembro de 2007, que altera o Regulamento n.° 3149/92 (JO L 255, p. 18).

76      A República Italiana considera necessárias todas as aquisições destinadas a cobrir as necessidades, previstas pelo plano, que não podem ser satisfeitas, em primeiro lugar, pela utilização das existências de intervenção. Este requisito não está, contudo, relacionado com a disponibilidade de um mínimo de existências utilizáveis e, ainda menos, com o facto de esse mínimo ser superior ao adquirido no mercado.

77      Relativamente à indisponibilidade de um produto no decurso da realização do plano, a República Italiana sustenta que o artigo 27.° do regulamento OCM única tem essa redacção, porque é só nesse momento que se devem fazer as aquisições necessárias no mercado, o que está também em conformidade com o artigo 3.° do Regulamento n.° 3149/92. As aquisições são, portanto, efectuadas unicamente se a indisponibilidade das existências se confirmar no decurso da realização do plano. Esta referência ao período da realização do plano não impede que se avalie previamente a insuficiência das existências, dado que isso é indispensável para determinar a dotação orçamental afectada às aquisições. Isto mesmo é confirmado pelo primeiro considerando do Regulamento n.° 267/96.

78      Por seu turno, a República Francesa insiste em que o objectivo do regulamento impugnado é garantir preços razoáveis aos consumidores, o que é contestado pela República Federal da Alemanha. Com efeito, quer seja mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro quer a título gratuito, este regulamento visa, precisamente, garantir o único preço que pode ser considerado razoável para as pessoas mais necessitadas, em especial quando comparado com os preços que essas pessoas pagam pelos géneros alimentícios comprados no circuito normal de distribuição.

79      A República Francesa acrescenta que a PAC faz parte das acções da Comunidade, enumeradas no artigo 3.°, n.° 1, CE, cuja execução deve, nomeadamente, permitir, em conformidade com o artigo 2.° CE, promover em toda a Comunidade um elevado nível de protecção social. O Tribunal de Justiça reconheceu que a prossecução dos objectivos da PAC, nomeadamente no âmbito das organizações comuns de mercado, não pode ignorar exigências de interesse geral, como a protecção dos consumidores ou da saúde e da vida das pessoas e dos animais. A ajuda às pessoas mais necessitadas é também uma exigência de interesse geral.

80      Relativamente ao carácter temporário da indisponibilidade das existências de intervenção, a República Francesa sustenta que a diminuição do recurso a essas intervenções só foi especialmente importante nos últimos dois anos, a saber, a partir de 2008.

81      A República da Polónia alega que, na medida em que as expressões contidas no artigo 27.° do regulamento OCM única têm um carácter vago e muito geral, a Comissão goza de uma margem de apreciação importante relativamente aos requisitos para a aquisição de géneros alimentícios no mercado. Em qualquer caso, a única interpretação correcta deste artigo é a feita pelo Regulamento n.° 3149/92. Em contrapartida, se fosse aceite a argumentação da República Federal da Alemanha relativa à parte das aquisições no mercado estabelecida pelo regulamento impugnado, isso introduziria um novo requisito no mecanismo de distribuição, que o regulamento OCM única não prevê actualmente. Além disso, no âmbito do amplo poder de apreciação de que a Comissão dispõe em matéria da PAC, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio poderia afectar a sua legalidade.

82      No que se refere, mais especialmente, ao requisito da indisponibilidade temporária dos produtos, este não visa o passado da medida em causa, mas sim o «seu futuro previsível». Assim, não havendo a certeza de que as existências não se constituirão num «futuro previsível», este requisito permanece preenchido.

83      Quanto aos objectivos da PAC, a República da Polónia sustenta que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a sua interpretação deve ser feita tendo em conta os objectivos sociais e económicos gerais da União, tal como definidos no artigo 2.° CE, bem como a situação económica e social actual e as circunstâncias em permanente evolução. Ora, a interpretação proposta pela República Federal da Alemanha não cumpre estes critérios. Em especial, não tem em conta a alteração fundamental da situação da agricultura depois dos últimos alargamentos da União.

84      Segundo a República da Polónia, os objectivos da PAC, enunciados no artigo 33.°, n.° 1, CE, podem ser divididos em dois grupos equivalentes: o primeiro, que visa garantir o desenvolvimento da agricultura e a manutenção de um nível de vida adequado para a população rural, e o segundo, que tem por objectivo garantir a segurança dos abastecimentos e assegurar preços razoáveis, tendo como alvo principal os consumidores de géneros alimentícios. A este respeito, considera que a República Federal da Alemanha equipara, erradamente, o conceito de preço razoável ao de preço do mercado, pois o primeiro deve ser interpretado tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, não sendo, portanto, sempre equivalente ao segundo. Além disso, a República Federal da Alemanha interpretou mal a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de preço razoável, uma vez que este não visa a categoria específica de consumidores constituída pelas pessoas mais necessitadas.

85      Por último, a República da Polónia sustenta que, independentemente da sua proveniência, os produtos agrícolas utilizados no âmbito do mecanismo de distribuição reduzem o excedente dos produtos presentes no mercado, o que contribui para a sua estabilização e para a melhoria dos rendimentos das pessoas que trabalham no sector agrícola.

86      Na audiência, o Reino de Espanha insistiu na exigência de estabilidade da medida de distribuição dos géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas, salientando que as aquisições suplementares eram indispensáveis para a manutenção do bom funcionamento desta medida ao longo de vários anos. Com efeito, a constituição dos recursos materiais e humanos para a aplicação do plano unicamente em anos caracterizados por existências excedentárias seria muito mais pesada do ponto de vista financeiro e funcional. Além disso, esta medida não tem apenas carácter social, dado que beneficia não só as pessoas mais necessitadas mas também o mercado agro‑alimentar na sua totalidade.

87      A República Federal da Alemanha considera que, contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Comissão/Conselho, acima referido no n.° 73, a que a República Italiana faz referência, no caso vertente, o regulamento impugnado não tem por objectivo a produção e a comercialização de produtos agrícolas, dizendo respeito, em 90%, às aquisições de produtos agrícolas que são efectuadas de forma totalmente independente relativamente aos instrumentos da PAC. Contesta o argumento da República Italiana de que a ajuda alimentar se tornou um objectivo estável da PAC, uma vez que isso é incompatível com as regras de delimitação das competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros. Além disso, não é possível justificar a qualificação de uma medida como abrangida pela PAC, sustentando que resulta de jure da imputação dos recursos correspondentes ao FEAGA.

88      A República Federal da Alemanha salienta também que o Regulamento n.° 2535/95 não é pertinente no caso vertente e que a conclusão da República Italiana não diz respeito à última parte do primeiro considerando deste regulamento. Relativamente ao Regulamento n.° 1127/2007, este não afecta a interpretação das normas jurídicas de nível superior. Por último, o Regulamento n.° 3730/87 não deve ser interpretado no sentido de que já prevê um alargamento das medidas no âmbito do programa alimentar.

89      Quanto aos argumentos da República Francesa relativos à prossecução dos objectivos da PAC no regulamento impugnado, a República Federal da Alemanha salienta que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o objectivo de estabilizar o mercado corresponde ao estabelecimento de um equilíbrio do mercado entre a oferta e a procura, de modo que as medidas em causa devem contribuir para o funcionamento do mercado comum, o que não é o caso das aquisições previstas no regulamento impugnado. Além disso, o preço máximo que pode ser exigido para o fornecimento de géneros alimentícios é calculado unicamente em função dos custos suportados e, portanto, também não pode realizar o objectivo de assegurar preços razoáveis. Por outro lado, este objectivo não é referido nem explícita nem implicitamente em nenhum dos actos que constituem a base jurídica do regulamento impugnado.

90      A República Federal da Alemanha impugna também a análise que a República Francesa faz do carácter temporário da indisponibilidade das existências e sustenta que 20% a 30% de aquisições no mercado já deve ser considerado importante e, que, por conseguinte, as dificuldades de aprovisionamento existiriam pelo menos, há quatro anos.

91      Quanto ao amplo poder de apreciação da Comissão que resulta da jurisprudência a que a República da Polónia faz referência, não diz respeito, na opinião da República Federal da Alemanha, à interpretação dos objectivos de uma medida e, portanto, ao caso em apreço.

92      Quanto ao critério da indisponibilidade temporária dos produtos, a República Federal da Alemanha considera que há uma relação entre essa indisponibilidade e o valor das aquisições suplementares, uma vez que tal programa não pode assentar em aquisições em crescimento durante um longo período de tempo, constituindo a quase totalidade dos fornecimentos dos dois últimos anos. Na apreciação desse carácter, é totalmente adequado ter em conta o passado.

93      A República Federal da Alemanha evoca o Relatório Especial n.° 6/2009 do Tribunal de Contas das Comunidades Europeias, intitulado «Ajuda alimentar fornecida pela União Europeia às pessoas mais necessitadas: avaliação dos objectivos, dos meios e dos métodos utilizados», no qual este considerou que um programa de ajuda alimentar era, é certo, desejável como medida social, mas não era compatível com as disposições da PAC e o seu financiamento. O Tribunal de Contas manisfestou, assim, dúvidas quanto à contribuição desse programa para a regularização do mercado.

 Apreciação do Tribunal Geral

94      A título preliminar, deve‑se precisar o que liga o regulamento OCM única, o Regulamento n.° 3149/92 e o regulamento impugnado.

95      Em primeiro lugar, resulta dos considerandos do regulamento impugnado que este foi adoptado com base no regulamento OCM única, nomeadamente no seu artigo 43.°, alínea g), conjugado com o artigo 4.° do mesmo regulamento. Estes artigos fazem referência à adopção pela Comissão das regras de execução para a aprovação do plano anual referido no n.° 1 do artigo 27.° do regulamento OCM única e ao procedimento a ser observado.

96      Além disso, resulta do artigo 1.° do regulamento impugnado que a distribuição de géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas da Comunidade, nos termos do artigo 27.° do regulamento OCM única, é efectuada em conformidade com o plano anual.

97      Em segundo lugar, relativamente àquilo que liga o regulamento impugnado ao Regulamento n.° 3149/92, importa salientar que, através deste último, a Comissão impôs a si própria um determinado número de regras que condicionam o exercício dos poderes que o regulamento OCM única lhe confere.

98      Assim, no momento da adopção do plano anual, a Comissão estava obrigada a respeitar o Regulamento n.° 3149/92. A este respeito, deve recordar‑se que o considerando 1 do regulamento impugnado tem a seguinte redacção:

«Em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento […] n.° 3149/92 […], a Comissão deve adoptar um plano de distribuição a financiar através das dotações disponíveis a título do exercício de 2009. O plano deve determinar, em particular, para cada Estado‑Membro que aplique a medida, os meios financeiros máximos colocados à disposição para a execução da respectiva parte do plano, bem como a quantidade de cada tipo de produto a retirar das existências na posse dos organismos de intervenção.»

99      Daqui resulta que o regulamento impugnado deve ser apreciado à luz, por um lado, do regulamento OCM única, que constitui a sua base jurídica, e, por outro, do Regulamento n.° 3149/92.

100    Na hipótese de um conflito entre as disposições destes últimos regulamentos, cabe recordar que, por força do princípio do respeito da hierarquia das normas, um regulamento de execução não pode derrogar as disposições contidas no acto a que dá execução (v. acórdão do Tribunal Geral de 3 de Maio de 2007, Espanha/Comissão, T‑219/04, Colect., p. II‑1323, n.° 66 e jurisprudência aí referida).

101    Contudo, importa observar que, no caso em apreço, as partes não sustentam que haja uma qualquer incompatibilidade entre o regulamento OCM única e o Regulamento n.° 3149/92, mas cada uma delas defende uma interpretação diferente do artigo 27.° do regulamento OCM única.

102    A decisão da causa depende, portanto, da interpretação do artigo 27.° do regulamento OCM única, que importa privilegiar.

103    Segundo jurisprudência constante, quando um texto de direito derivado da União necessita de interpretação, deve, na medida do possível, ser interpretado num sentido conforme com as disposições do Tratado. Um regulamento de execução deve também, se possível, ser objecto de interpretação conforme com as disposições do regulamento de base (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1993, Dr Tretter, C‑90/92, Colect., p. I‑3569, n.° 11, e de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑61/94, Colect., p.  ‑3989, n.° 52).

104    Por conseguinte, o regulamento OCM única deve ser interpretado no sentido da sua conformidade com as disposições do Tratado relativas à PAC, na qual se insere.

105    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, para interpretar uma disposição de direito da União, se deve atender não só aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objectivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, Colect., p. I‑4983, n.° 41 e jurisprudência aí referida).

106    Além disso, dado que as interpretações literal e histórica de um regulamento, e em especial de uma das suas disposições, não permitem apreciar o seu alcance exacto, a regulamentação em causa deve ser interpretada com base tanto na respectiva finalidade como na sistemática geral (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.° 168, e acórdão do Tribunal Geral de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 148).

107    É à luz destes princípios que deve ser examinada a legalidade do regulamento impugnado.

–       Quanto ao fundamento único relativo à alegada adopção do regulamento impugnado em violação do regulamento OCM única, nomeadamente, do seu artigo 27.°

108    Como resulta do considerando 10 do regulamento OCM única, as aquisições de intervenção constituem um instrumento da PAC para estabilizar os mercados agrícolas e assegurar um nível de vida equitativo para a população agrícola. A intervenção pública é actualmente regulada pelas disposições do capítulo I do título I da parte II do regulamento OCM única. Uma das formas de escoamento das existências de intervenção assim constituídas é, nos termos do artigo 27.° deste regulamento, a sua distribuição às pessoas mais necessitadas.

109    A este respeito, deve recordar‑se o contexto histórico em que esta disposição se insere.

110    A medida de distribuição de géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas da Comunidade foi instituída pelo Regulamento n.° 3730/87. Resultava, nomeadamente, do terceiro considerando deste regulamento que «a Comunidade tem, através das existências de intervenção de vários produtos agrícolas, os meios potenciais para contribuir de modo significativo para o bem‑estar das pessoas mais necessitadas» e que «é do interesse da Comunidade, e conforme aos objectivos da [PAC], explorar este potencial numa base duradoura até à redução das existências a um nível normal através da introdução de medidas apropriadas».

111    Na sequência de diversas reformas da PAC, as existências de intervenção foram sendo progressivamente reduzidas e os períodos em que essas existências eram fracas ou inexistentes multiplicaram‑se. Assim, o Regulamento n.° 3730/87 foi alterado pelo Regulamento n.° 2535/95. Este regulamento introduziu a possibilidade de, mediante certas condições, mobilizar determinados produtos no mercado.

112    O primeiro considerando do Regulamento n.° 2535/95 tem a seguinte redacção:

«Considerando que o regime estabelecido pelo Regulamento […] n.° 3730/87 […] se baseia na presença de existências públicas disponíveis na sequência de medidas de compra pelos organismos de intervenção […]; que se verificou que a adopção e a execução do plano anual de fornecimento de géneros alimentícios podem ser dificultadas pela falta de disponibilidade temporária de determinados produtos de base nas existências de intervenção ao longo do ano; que esse risco é susceptível de aumentar, tendo em conta as medidas tomadas para favorecer um controlo mais eficaz dos mercados e uma melhor adaptação da produção às necessidades existentes; que parece adequado, a título de medidas‑etapas neste tipo de circunstâncias, a fim de não comprometer a adopção e a realização dos programas de fornecimento, prever a possibilidade de mobilizar os produtos em causa no mercado comunitário, em condições, no entanto, que não ponham em causa o princípio do fornecimento de produtos provenientes das existências de intervenção nem o quadro de créditos inscritos para o efeito no orçamento comunitário.»

113    A disposição prevista nos Regulamentos n.os 3730/87 e 2535/95 foi reproduzida no artigo 27.° do regulamento OCM única, cujo considerando 18 recorda que, «[a]través das existências de intervenção de vários produtos agrícolas, a Comunidade tem ao seu dispor meios para contribuir de modo significativo para o bem‑estar dos seus cidadãos mais necessitados», ao precisar que «[é] do interesse da Comunidade explorar este potencial numa base duradoura, até as existências serem reduzidas a um nível normal pela introdução de medidas adequadas». Resulta do mesmo considerando que foi com este espírito que o Regulamento n.° 3730/87 introduziu a «medida social» de distribuição de alimentos às pessoas mais necessitadas da Comunidade e que esta devia ser mantida e integrada no regulamento OCM única.

114    Como recordado no n.° 3, supra, o artigo 27.° do regulamento OCM única integra a subsecção IV, intitulada «Escoamento das existências de intervenção», da secção II do capítulo I do título I da parte II do referido regulamento. Este artigo, intitulado «Distribuição às pessoas mais necessitadas da Comunidade», dispõe, no seu n.° 1, que os produtos que fazem parte das existências de intervenção são postos à disposição de determinadas organizações designadas de acordo com um plano anual. O n.° 2, alínea a), do mesmo artigo prevê que um produto pode ser mobilizado no mercado comunitário, sempre que, nomeadamente, não esteja «temporariamente disponível nas existências de intervenção da Comunidade no decurso da realização do plano anual previsto no n.° 1, e na medida necessária à realização do plano num ou em diversos Estados‑Membros, desde que as despesas permaneçam dentro dos limites das despesas previstas no orçamento comunitário para esse efeito».

115    Consequentemente, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que prevê uma medida de exploração útil das existências de intervenção.

116    Há que reconhecer que o caso em apreço se inscreve no âmbito de aplicação de uma regulamentação que prevê duas fases. A principal, a de intervenção pública no mercado, prossegue claramente os objectivos da PAC, precisados no artigo 33.°, n.° 1, CE, e nomeadamente o de estabilizar os mercados. A fase subsequente é a de escoamento das existências de intervenção assim constituídas, da qual a distribuição dos produtos às pessoas mais necessitadas constitui uma das modalidades. Esta distribuição realiza um objectivo social que só pode ser secundário e, de uma certa forma, acessório relativamente aos objectivos primários da PAC e pode, portanto, em princípio, efectuar‑se unicamente nos limites das existências excedentárias e tendo em conta o que é «conforme aos objectivos da [PAC] de explorar duradouramente esse potencial até à redução das existências a um nível normal».

117    Relativamente à possibilidade de aquisições suplementares, resulta do primeiro considerando do Regulamento n.° 2535/95 que esta medida foi adoptada porque se «verificou que a adopção e a execução do plano anual de fornecimento de géneros alimentícios [podiam] ser dificultadas pela falta de disponibilidade temporária de determinados produtos de base nas existências de intervenção ao longo do ano» e que era necessário, «a título de medidas‑etapas neste tipo de circunstâncias, a fim de não comprometer a adopção e a realização dos programas de fornecimento, prever a possibilidade de mobilizar os produtos em causa no mercado comunitário». Em contrapartida, o mesmo considerando precisa que isto deve ser efectuado «em condições […] que não ponham em causa o princípio do fornecimento de produtos provenientes das existências de intervenção nem o quadro de créditos inscritos para o efeito no orçamento comunitário».

118    Resulta, portanto, claramente do que antecede que esta medida tem a sua razão de ser nas existências de intervenção e no plano anual da sua distribuição às pessoas mais necessitadas. Consequentemente, o objectivo do plano anual e das aquisições suplementares que ele determina não é, como a Comissão afirma, o de cobrir as necessidades declaradas pelos Estados‑Membros que participam do plano, mas, sim, distribuir às pessoas mais necessitadas os volumes das existências de intervenção disponíveis.

119    Assim, o artigo 27.°, n.° 1, do regulamento OCM única dispõe que são postos à disposição os «produtos que fazem parte das existências de intervenção», ao passo que, nos termos do seu n.° 2, alínea a), um produto pode ser mobilizado no mercado sempre que não esteja «temporariamente disponível nas existências de intervenção […] no decurso da realização do plano anual». Isto indica que a aquisição suplementar desses produtos está prevista como excepção ao princípio da distribuição dos produtos que fazem parte das existências de intervenção. Esta medida, enquanto excepção, deve, portanto, ser objecto de interpretação estrita. Não pode, em caso algum, ser elevada ao nível de regra.

120    A interpretação estrita do conceito de «não [estar] temporariamente disponível […] no decurso da realização do plano anual» é também imposta pela precisão suplementar que consta do artigo 27.°, n.° 2, alínea a), do regulamento OCM única, segundo a qual um produto só pode ser mobilizado no mercado «na medida necessária à realização do plano [anual] […], desde que as despesas permaneçam dentro dos limites das despesas previstas no orçamento comunitário para esse efeito».

121    Resulta desta disposição que só quando se verifica a indisponibilidade temporária de um produto no decurso da realização do plano anual é que o referido produto pode ser comprado no mercado. Parte também do princípio de que um plano anual e o orçamento previsto para a sua execução foram adoptados antes de uma eventual mobilização.

122    É verdade que, como afirma a Comissão, por razões práticas de aplicação e a fim de, precisamente, poder adoptar o plano e o orçamento previsto para a sua execução, é no momento da adopção do plano que a Comissão deve ter a possibilidade de conhecer os volumes dos produtos que devem ser comprados a título suplementar, por não estarem disponíveis nas existências de intervenção. Esta maneira de actuar é, com efeito, a única possível e conforme às disposições pertinentes do Regulamento n.° 3149/92.

123    Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 3149/92, os Estados‑Membros participantes comunicam as suas necessidades à Comissão, o mais tardar, até 31 de Maio que precede o período de execução do plano. Nos termos do artigo 2.° do referido regulamento, é antes de 1 de Outubro do mesmo ano que a Comissão adopta o plano anual que determina, nomeadamente, a «[d]otação colocada à disposição [dos Estados‑Membros], por produto, para aquisição no mercado comunitário, em caso de indisponibilidade temporária do referido produto nas existências na posse dos organismos de intervenção, verificada no momento da adopção do plano anual».

124    No entanto, estas disposições não podem de forma alguma ser entendidas no sentido de conferirem à Comissão o poder de determinar o plano independentemente dos volumes de existências de intervenção disponíveis e/ou estimados para o ano em causa. Assim, embora a Comissão deva ter em conta, para determinar as dotações, as quantidades solicitadas pelos Estados‑Membros, as quantidades de produtos necessários indisponíveis nas existências de intervenção bem como a utilização efectiva dos mesmos produtos pedidos e atribuídos no decurso dos exercícios anteriores [artigo 2.°, n.° 3, alínea c), segundo período, do Regulamento n.° 3149/92], não pode, contudo ultrapassar os limites fixados pela norma superior de direito, a saber o regulamento OCM única.

125    Com efeito, é no momento da adopção do plano que cabe à Comissão a responsabilidade de adaptar o seu volume aos volumes das existências de intervenção. Neste âmbito, é verdade que dispõe de uma margem de manobra, conferida pelo artigo 27.°, n.° 2, do regulamento OCM única, mas isso não deve fazer com que seja ignorada a natureza excepcional desta disposição. Com efeito, devendo as existências de intervenção ser entendidas como uma instituição permanente, de que apenas se altera o volume em função das flutuações do mercado e das intervenções públicas, a expressão «não [estar] temporariamente disponível» não pode ser interpretada no sentido de que se refere a um número de meses ou de anos, mas no sentido de que designa uma excepção ao princípio da distribuição dos produtos das existências de intervenção. As proporções do volume das aquisições suplementares devem, assim, reflectir a natureza excepcional desta medida em relação aos volumes totais do plano anual, a qual tem apenas por objectivo suprir as insuficiências que, conforme o estado das existências, se deveriam verificar durante a execução do plano. A não ser assim, resultaria daí uma inversão entre a regra e a excepção.

126    Esta conclusão não contraria nenhuma das disposições do Regulamento n.° 3149/92. Por outro lado, é conforme à redacção do primeiro considerando do Regulamento n.° 2535/95 que introduziu a possibilidade das aquisições suplementares, nos termos do qual esta possibilidade deve ser prevista a fim de não comprometer a adopção e a realização dos programas de fornecimento.

127    No caso em apreço, com o regulamento impugnado, a Comissão fixou, para o exercício de 2009, o plano anual de distribuição de géneros alimentícios destinados às pessoas mais necessitadas, no âmbito do qual previu, no Anexo II, as dotações a atribuir aos Estados‑Membros, destinadas à aquisição de produtos no mercado, no montante global de 431 420 891 euros, isto é, aproximadamente 89,98% do volume total do plano, que era de 496 milhões de euros [Anexo I, alínea a), do regulamento impugnado].

128    Impõe‑se, portanto, concluir que o objectivo principal do plano anual contido no regulamento impugnado não era o escoamento das existências de intervenção, mas sim cobrir as necessidades declaradas pelos Estados‑Membros que participaram no plano.

129    Por outro lado, resulta dos anexos da réplica que, na sequência da declaração do presidente da Comissão relativa ao aumento de dois terços do orçamento previsto para os programas de distribuição de géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas, a Comissão convidou os Estados participantes a reverem as necessidades declaradas para o exercício de 2009 e a comunicar‑lhe as novas necessidades antes do fim do mês de Agosto de 2008, isto é, depois da data‑limite prevista no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3149/92.

130    Nestas circunstâncias, o plano anual para o exercício de 2009 não pode ser considerado conforme com o artigo 27.° do regulamento OCM única, tal como foi interpretado acima.

131    Esta conclusão não pode ser posta em causa por nenhum dos argumentos da Comissão, do Reino de Espanha, da República Francesa, da República Italiana ou da República da Polónia.

132    A Comissão, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia afirmam, nomeadamente, que uma redução ou uma supressão do plano a curto prazo, devido a uma diminuição temporária ou à indisponibilidade de determinados produtos nas existências de intervenção, seria contrário à sua finalidade, porquanto teria por efeito a exclusão desse plano de organizações caritativas que dele dependem e a supressão da infra‑estrutura ligada ao instrumento de escoamento das existências durante os anos seguintes, que se caracterizam por um aumento destas existências. Isto seria contrário aos objectivos da PAC e tornaria impossível a contribuição do plano para o objectivo de assegurar um nível elevado de protecção social.

133    Este argumento não colhe. Em primeiro lugar, importa observar que a própria instituição do plano anual de distribuição de géneros alimentícios às pessoas mais necessitadas não está em causa no âmbito do presente recurso. Ora, em conformidade com o artigo 27.° do regulamento OCM única, o objectivo principal deste plano é a distribuição dos produtos das existências de intervenção, e não a estabilidade da cobertura das necessidades das organizações caritativas que participam no programa. Em segundo lugar, resulta dos autos e das considerações que precedem que o plano para o exercício de 2009, estabelecido pelo regulamento impugnado, não só se abstraiu dos volumes das existências de intervenção disponíveis como previu dotações para as aquisições suplementares no âmbito de um orçamento muito mais importante que o dos três anos anteriores. Nestas circunstâncias, é impossível considerar que o regulamento impugnado tinha por objectivo garantir a estabilidade do programa em causa.

134    Os argumentos da Comissão, da República Francesa, da República Italiana e da República da Polónia, segundo os quais o artigo 27.° do regulamento OCM única e o regulamento impugnado prosseguem os diferentes objectivos da PAC, tal como definidos no artigo 33.°, n.° 1, CE, mesmo pressupondo que sejam exactos, não são susceptíveis de infirmar a conclusão de que o regulamento impugnado, como resulta das considerações acima expostas, viola o artigo 27.° do regulamento OCM única, artigo cuja legalidade não está, em qualquer caso, posta em causa no âmbito do presente recurso.

135    Neste contexto, a jurisprudência invocada pela Comissão, pela República Italiana, pela República da Polónia e pela República Federal da Alemanha, no que se refere à determinação da base jurídica adequada de uma medida em relação aos objectivos que esta prossegue, não é pertinente no caso vertente, Com efeito, o presente processo não diz respeito à escolha da base jurídica de um acto.

136    Por último, quanto às diferentes passagens dos considerandos dos regulamentos que não foram tidos em consideração na interpretação do artigo 27.° do regulamento OCM única acima efectuada, a saber, os Regulamentos n.os 267/96 e 1127/2007, que alteram o Regulamento n.° 3149/92, a que a República Italiana se refere, pelo facto de revelarem que a aquisição suplementar está apenas condicionada à indisponibilidade do produto nas existências de intervenção cujo volume está a diminuir, importa observar que estas passagens não são susceptíveis de pôr em causa a interpretação do artigo 27.° do regulamento OCM única feita pelo Tribunal Geral. Com efeito, a interpretação do artigo 27.° do regulamento OCM única não pode ser determinada por disposições de regulamentos de nível inferior, adoptados para efeitos da sua aplicação.

137    Face ao exposto, há que declarar que o regulamento impugnado foi adoptado em violação do artigo 27.° do regulamento OCM única.

–       Quanto às consequências da violação do artigo 27.° do regulamento OCM única

138    Na hipótese de ser dado provimento ao recurso, a República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino da Suécia, pede que o Tribunal Geral limite os efeitos da anulação ao artigo 2.° e ao Anexo II do regulamento impugnado e os «suspenda» para evitar que esta anulação possa afectar a execução do plano a favor de organizações caritativas durante o exercício de 2009 ou – no caso de o Tribunal Geral decidir depois do fim do exercício – a posteriori.

139    O mesmo pedido foi formulado pela Comissão, apoiada pela República Italiana e pela República da Polónia.

140    Em primeiro lugar, importa observar que, com esse pedido, a República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino da Suécia, pede, na realidade, uma anulação parcial do regulamento impugnado, a saber, a do seu artigo 2.° e a do seu Anexo II.

141    Com efeito, há que recordar que, no caso em apreço, não é a legalidade do próprio mecanismo de atribuição de recursos a favor das pessoas mais necessitadas que está em causa, mas sim o facto de o plano para o exercício de 2009, estabelecido pelo regulamento impugnado, assentar principalmente nas aquisições suplementares de produtos no mercado. À luz da conclusão exposta no n.° 137, supra, importa, por conseguinte, anular apenas as disposições que prevêem as dotações para essas aquisições, a saber, o artigo 2.° e o Anexo II do regulamento impugnado.

142    Em segundo lugar, há que precisar que a anulação parcial do regulamento impugnado ocorre num momento em que, em princípio, já foi paga a totalidade das dotações. Nestas circunstâncias, e para evitar que o efeito retroactivo da anulação crie uma obrigação de reembolso para os Estados‑Membros que beneficiaram dessas dotações, o Tribunal Geral deve indicar os efeitos do acto anulado que devem ser considerados definitivos.

143    Nas circunstâncias particulares do caso em apreço, há, portanto, que anular o artigo 2.° e o Anexo II do regulamento impugnado e decidir que esta anulação parcial não afecta a validade das dotações já efectuadas.

 Quanto às despesas

144    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que a condenar a suportar, além das suas próprias despesas, as da República Federal da Alemanha, em conformidade com os pedidos desta.

145    Por outro lado, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervieram no processo suportam as suas próprias despesas. O Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República da Polónia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      O artigo 2.° e o Anexo II do Regulamento (CE) n.° 983/2008 da Comissão, de 3 de Outubro de 2008, que adopta um plano de atribuição de recursos aos Estados‑Membros, a imputar ao exercício de 2009, para o fornecimento de géneros alimentícios provenientes das existências de intervenção a favor das pessoas mais necessitadas da Comunidade, são anulados.

2)      A anulação do artigo 2.° e do Anexo II do Regulamento n.° 983/2008 não afecta a validade das dotações já efectuadas.

3)      A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as efectuadas pela República Federal da Alemanha.

4)      O Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a República da Polónia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Prek

Soldevila Fragoso

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Abril de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.