Language of document : ECLI:EU:T:2003:241

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

23 de Setembro de 2003 (1)

«Marca comunitária - Regulamentos (CE) n.° 40/94 e (CE) n.° 2868/95 - Processo de oposição - Utilização séria da marca anterior - Extensão do exame efectuado pela Câmara de Recurso - Apreciação das provas apresentadas no processo na divisão de oposição»

No processo T-308/01,

Henkel KGaA, com sede em Düsseldorf (Alemanha), representada por C. Osterrieth, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por O. Waelbroeck, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos):

LHS (UK) Ltd, com sede em Cheadle Hulme (Reino Unido),

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 12 de Setembro de 2001 (processo R-738/2000-3), referente a um processo de oposição entre a Henkel KGaA e a LHS (UK) Ltd,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Janeiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Os artigos 43.°, 59.°, 61.°, 62.°, 74.° e 76.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado, dispõem:

«Artigo 43.°

Exame da oposição

[...]

2.    A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objecto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição [...]. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada [...]

3.    O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores [...], partindo-se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado-Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.

[...]

Artigo 59.°

Prazo e forma de recurso

[...] As alegações com os fundamentos do recurso devem ser apresentadas por escrito num prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão.

Artigo 61.°

Exame do recurso

1.    Se o recurso for admissível, a Câmara de Recurso verificará se lhe pode ser dado provimento.

[...]

Artigo 62.°

Decisão do recurso

1.    Depois de analisar o mérito do recurso, a Câmara de Recurso delibera sobre ele. A referida câmara pode exercer as competências da instância que tomou a decisão contestada, ou remeter o processo à referida instância, para lhe ser dado seguimento.

[...]

Artigo 74.°

Exame oficioso dos factos

1.    No decurso do processo, o Instituto procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar-se-á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.

2.    O Instituto pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil.

Artigo 76.°

Instrução

1.    Em qualquer processo no Instituto, podem ser tomadas nomeadamente as seguintes medidas de instrução:

[...]

f) Declarações escritas prestadas sob juramento ou solenemente, ou que tenham efeito equivalente segundo a legislação do Estado em que forem prestadas.

[...]»

2.
    As regras 22.° e 48.° do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), têm o seguinte teor:

«Regra 22

Prova de utilização

1.    No caso de, em conformidade com os n.os 2 ou 3 do artigo 43.° do regulamento [n.° 40/94], o opositor ter de provar a utilização [...] o Instituto convidá-lo-á a fornecer a necessária prova no prazo por ele fixado. Se o opositor não fornecer a prova dentro do prazo fixado, o Instituto rejeitará a oposição.

2.    As indicações e comprovativos para fornecimento da prova da utilização devem consistir em indicações relativas ao local, período, extensão e natureza da utilização da marca oponível em relação aos produtos e serviços para os quais se encontra registada e nos quais se baseia a oposição e em comprovativos dessas indicações, em conformidade com o disposto no n.° 3.

3.    Os comprovativos devem de preferência limitar-se à apresentação de documentos justificativos e de elementos como embalagens, rótulos, tabelas de preços, catálogos, facturas, fotografias, anúncios de jornais e declarações escritas referidas no n.° 1, alínea f), do artigo 76.° do regulamento [n.° 40/94].

[...]

Regra 48

Conteúdo do acto de recurso

1.    O acto de recurso deve incluir:

[...]

c) A indicação da decisão recorrida e em que medida é requerida a alteração ou revogação da mesma.

[...]»

Antecedentes do litígio

3.
    Em 1 de Abril de 1996, a outra parte no processo na Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), então denominada Laporte ESD Ltd, apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto.

4.
    A marca cujo registo foi pedido é o vocábulo KLEENCARE.

5.
    O registo da marca foi pedido, por um lado, para produtos que pertencem às classes 1 e 3 nos termos do acordo de Nice relativo à classificação internacional de produtos e serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, como revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição:

-    «Produtos químicos e preparações químicas; produtos detergentes, desinfectantes e para desengordurar destinados à indústria e a processos de fabrico» que pertencem à classe 1;

-    «Preparações para limpar, desengordurar, raspar, polir e lavar; detergentes; desengordurantes; produtos para retirar a ferrugem; sabões e produtos para os cuidados da pele», que pertencem à classe 3.

6.
    Por outro lado, o registo da marca foi pedido para certos outros produtos que pertencem às classes 1 e 5, bem como para certos serviços que pertencem à classe 42 nos termos do acordo de Nice.

7.
    Em 26 de Outubro de 1998, o pedido de marca foi publicado no Boletim das marcas comunitárias.

8.
    Em 26 de Janeiro de 1999, a recorrente deduziu oposição nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, no que respeita às categorias de produtos referidos no n.° 5 anterior. A oposição baseia-se na existência de uma marca registada na Alemanha em 11 de Janeiro de 1965. Esta marca (a seguir «marca anterior»), que consiste no vocábulo CARCLIN, está registada para alguns produtos que pertencem às classes 1 e 2 nos termos do acordo de Nice. Em apoio da oposição, a requerente invocou o motivo relativo de recusa do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

9.
    Em 24 de Maio de 1999, a outra parte no processo na Câmara de Recurso solicitou que a requerente fizesse a prova, em conformidade com o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, de que a marca anterior tinha sido objecto, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido, de utilização séria no Estado-Membro no qual a marca estava protegida. Por missiva de 27 de Julho de 1999, a divisão de oposição do Instituto (a seguir «divisão de oposição») convidou a requerente a fazer essa prova no prazo de dois meses.

10.
    Em anexo a uma missiva de 9 de Setembro de 1999, recebida pelo Instituto em 10 de Setembro de 1999, a requerente comunicou-lhe, em primeiro lugar, uma declaração, intitulada «Eidesstattliche Versicherung» (declaração ajuramentada), do seu director do departamento industrial, Sr. Blacha. Nesta, este último declara que a marca anterior é utilizada, desde há anos, pela requerente «para a limpeza de veículos automóveis», que o volume de negócios obtido das vendas feitas sob essa marca foi, para os anos de 1993 a 1995, de respectivamente 1 200 000, 1 400 000 e 1 500 000 marcos alemães (DEM) e que está bem consciente de que uma falsa declaração prestada sob juramento é punível. Em segundo lugar, a requerente apresentou três etiquetas, nas quais figura a marca anterior escrita em letras capitais estilizadas. Em terceiro lugar, apresentou cinco instruções de utilização, redigidas em alemão, que se referem a diferentes produtos de limpeza para veículos automóveis e nas quais figuram a marca anterior escrita em letras negras, bem como datas compreendidas entre 24 de Outubro de 1995 e 25 de Setembro de 1998.

11.
    Por decisão de 4 de Julho de 2000, a divisão de oposição rejeitou a oposição pelo facto de as provas apresentadas pela requerente serem insuficientes para demonstrar que a marca anterior tinha sido objecto de utilização séria. No essencial, a divisão de oposição considerou que as declarações provenientes de um empregado de uma parte no processo tinham menor força probatória do que as declarações provenientes de terceiros. Portanto, a divisão de oposição considerou que, no caso em apreço e não tendo, além do mais, a requerente apresentado facturas, a simples declaração do Sr. Blacha não bastava para provar a importância da utilização que tinha sido feita da marca anterior.

12.
    Em 7 de Julho de 2000, a requerente interpôs recurso para o Instituto, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Em 30 de Outubro de 2000, a requerente apresentou alegações em que expunha as razões do seu recurso. Estas alegações tinham a seguinte redacção: «[...] As the opposition division has rejected our opposition [...] due to an insufficient proof of the extent of use of our trade mark ‘CARCLIN’ we hereby submit invoices [...] with one of our CARCLIN customers for the relevant period. We are confident that these documents prove the extent of use and that the proof of use is sufficient to indicate the genuine use of the earlier mark. [...] We therefore request to overturn the opposition division's decision. [...]» («[...] Dado que a divisão de oposição rejeitou a nossa oposição [...] invocando que as provas da importância da utilização da nossa marca ‘CARCLIN’ eram insuficientes, apresentamos facturas [...] enviadas a um dos nossos clientes CARCLIN durante o período relevante. Estamos convencidos de que estes documentos provam a importância da utilização e de que a prova da utilização é bastante para indicar uma utilização séria da marca anterior. [...] Por estas razões, requeremos a revogação da decisão da divisão de oposição. [...]»). As facturas em questão constavam em anexo das alegações já referidas.

13.
    Por decisão de 12 de Setembro de 2001 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à requerente em 15 de Outubro de 2001, a Terceira Câmara de Recurso do Instituto (a seguir «Câmara de Recurso») negou provimento ao recurso. No essencial, a Câmara de Recurso entendeu que a requerente não tinha contestado a apreciação da divisão de oposição, nos termos da qual as provas que a requerente lhe tinha apresentado eram insuficientes para demonstrar que a marca anterior tinha sido objecto de uma utilização séria (n.° 12 da decisão impugnada). No que respeita às novas provas apresentadas pela requerente nas alegações que expõem a razão do seu recurso, a Câmara de Recurso entendeu que, nos processos inter partes, as partes devem apresentar todos os argumentos e provas quando para tal sejam convidadas pela unidade que decide em primeira instância no Instituto. Portanto, no caso em apreço, a Câmara de Recurso concluiu que estas novas provas não podiam ser tomadas em consideração, pois que não tinham sido apresentadas no processo na divisão de oposição (n.os 13 a 15 da decisão impugnada).

Tramitação processual e pedidos das partes

14.
    Por petição, redigida em inglês, apresentada na Secretaria do Tribunal em 10 de Dezembro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso. A outra parte no processo perante a Câmara de Recurso não se opôs, no prazo fixado para o efeito pela Secretaria do Tribunal, a que o inglês seja a língua do processo. O Instituto apresentou a sua contestação na Secretaria do Tribunal em 3 de Abril de 2000.

15.
    A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar o Instituto nas despesas.

16.
    O Instituto concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Matéria de direito

17.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos. O primeiro fundamento assenta na violação, pela Câmara de Recurso, da sua obrigação de examinar de forma exaustiva a decisão da divisão de oposição. O segundo fundamento assenta na violação, pela divisão de oposição, das disposições conjugadas do artigo 76.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento n.° 40/94 e da regra 22, n.° 3, do Regulamento n.° 2868/95. Os terceiro e quarto fundamentos, invocados a título subsidiário, assentam na violação, pela divisão de oposição, do direito à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios processuais geralmente admitidos nos Estados-Membros. O quinto fundamento, invocado também a título subsidiário, assenta na violação do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94. O Tribunal entende que há que começar por examinar o primeiro fundamento assente na violação, pela Câmara de Recurso, da sua obrigação de examinar de forma exaustiva a decisão da divisão de oposição.

Argumentos das partes

18.
    A recorrente censura à Câmara de Recurso ter cometido um erro de direito, ao considerar que não estava obrigada a examinar de forma exaustiva a decisão da divisão de oposição e, designadamente, a sua rejeição da declaração do Sr. Blacha. Segundo a recorrente, a ratio legis do processo de recurso previsto pelos artigos 57.° e seguintes do Regulamento n.° 40/94 consiste em garantir a legalidade das decisões do Instituto através de uma fiscalização assente na apreciação completa dos factos invocados pelas partes. A este respeito, a recorrente recorda que, por força do artigo 62.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso pode exercer as competências da instância que tomou a decisão contestada, ou remeter o processo à referida instância, para lhe ser dado seguimento.

19.
    A recorrente salienta ainda que, de um modo geral, a Câmara de Recurso não pode limitar nem a sua competência nem o seu dever de proceder a um exame exaustivo da decisão da divisão de oposição. Neste contexto, remete para a regra 48 do Regulamento n.° 2868/95, nos termos da qual o acto de recurso deve conter apenas uma indicação quanto à medida em que é requerida a alteração ou a revogação da decisão impugnada perante a Câmara de Recurso.

20.
    No caso em apreço, a recorrente afirma que o seu recurso interposto para o Instituto tinha por objectivo obter a anulação da decisão da divisão de oposição, sem ter limitado de um qualquer modo a competência da Câmara de Recurso no que toca à extensão da respectiva fiscalização. A este respeito, sustenta que foi apenas por precaução - para o caso da Câmara de Recurso partilhar da apreciação feita pela divisão de oposição das provas apresentadas perante esta última - que apresentou novas provas na fase de recurso. Portanto, segundo a recorrente, a Câmara de Recurso estava obrigada a proceder a um exame exaustivo da decisão da divisão de oposição.

21.
    O Instituto replica que, nas alegações que expõem as razões do recurso interposto para o Instituto, a recorrente se limitou a afirmar que, com base nas novas provas que apresentava, o facto de a marca anterior ter sido objecto de utilização séria deveria ser considerado provado. Além disso, o Instituto sustenta que as referidas alegações não contêm qualquer elemento que permita à Câmara de Recurso deduzir que a recorrente tinha a intenção de contestar a apreciação, feita pela divisão de oposição, da declaração do Sr. Blacha.

22.
    O Instituto sustenta ainda que também não resulta do artigo 62.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento n.° 40/94 que a Câmara de Recurso esteja obrigada a examinar a legalidade da decisão da divisão de oposição no que respeita à apreciação da declaração do Sr. Blacha. Segundo o Instituto, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de obrigar a Câmara de Recurso a exercer as competências da instância que tomou a decisão objecto de recurso no que toca a questões que não foram suscitadas nas alegações que expõem as razões do recurso.

23.
    O Instituto acrescenta que uma interpretação contrária também será incompatível com o princípio, consagrado no artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual, nos processos inter partes, este só examina os factos, as provas e os argumentos invocados pelas partes.

Apreciação do Tribunal

24.
    Como resulta do artigo 61.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso tem a obrigação de proceder a um exame do mérito do recurso, quando este for admissível. Além disso, por força do artigo 62.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a Câmara de Recurso pode exercer as competências da instância que tomou a decisão objecto de recurso, ou remeter o processo à referida instância, para lhe ser dado seguimento. Ora, esta última disposição contém uma indicação, não apenas quanto ao conteúdo que pode ter uma decisão da Câmara de Recurso, mas ainda quanto à extensão do exame que esta está obrigada a efectuar no que toca à decisão objecto do recurso.

25.
    A este respeito, resulta da jurisprudência que existe uma continuidade funcional entre o examinador e a Câmara de Recurso [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY-DRY), T-163/98, Colect., p. II-2383, n.os 38 a 44, e de 12 de Dezembro de 2002, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T-63/01, Colect., p. II-5255, n.° 21]. Ora, esta jurisprudência tem por vocação aplicar-se também à relação existente entre as outras unidades do Instituto que decidem em primeira instância, como as divisões de oposição e de anulação, e as Câmaras de Recurso.

26.
    Portanto, a competência das Câmaras de Recurso do Instituto implica o reexame das decisões tomadas pelas unidades do Instituto que decidem em primeira instância. No quadro deste reexame, a procedência do recurso depende da questão de saber se uma nova decisão com a mesma parte decisória que a decisão objecto de recurso pode ou não ser legalmente tomada no momento em que se pronunciam sobre o recurso. Assim, as Câmaras de Recurso podem, apenas com a ressalva da disposição do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, julgar o recurso procedente com base em novos factos invocados pela parte que interpôs recurso ou ainda com base nas novas provas por si apresentadas.

27.
    No caso em apreço, as partes debatem a questão de saber se, no processo perante a Câmara de Recurso, a recorrente pôs expressamente em causa a apreciação, pela divisão de oposição, das provas que tinha apresentado no processo tramitado nesta unidade e, designadamente, da declaração do Sr. Blacha. A este respeito, resulta do n.° 12 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso entendeu, tendo em conta a alegações do recorrente que expunham as razões do seu recurso, que tal não era o caso.

28.
    Todavia e mesmo supondo que a recorrente não tenha posto expressamente em causa a apreciação, pela divisão de oposição, das provas que tinha apresentado no processo perante esta unidade e, designadamente, da declaração do Sr. Blacha, como defende o Instituto, esta circunstância não é de natureza a dispensar a Câmara de Recurso da obrigação que lhe incumbe de proceder à apreciação destas provas.

29.
    Com efeito, à luz das considerações expostas nos n.os 25 e 26 anteriores, há que entender que, contrariamente ao que sustenta o Instituto, a extensão do exame que a Câmara de Recurso está obrigada a efectuar no que toca à decisão objecto de recurso não é, em princípio, determinada pelos fundamentos invocados pela parte que interpôs recurso. Por conseguinte, mesmo quando a parte que interpôs recurso não tenha suscitado um determinado fundamento específico, a Câmara de Recurso está ainda assim obrigada a examinar, à luz de todos os elementos jurídicos e de facto relevantes, se uma nova decisão com a mesma parte decisória que a decisão objecto de recurso pode ou não ser legalmente tomada no momento em que se pronuncia sobre o recurso.

30.
    A este propósito, há que referir, em primeiro lugar, que, por força da regra 48, alínea c), do Regulamento n.° 2868/95, que respeita à admissibilidade do acto de recurso como resulta da regra 49, n.° 1, do mesmo regulamento, o acto de recurso deve indicar apenas a decisão que é objecto de recurso e precisar em que medida esta decisão deve ser alterada ou revogada. Em contrapartida, esta disposição não exige que se faça menção, no acto de recurso, de fundamentos específicos. Portanto, é unicamente o objecto, mas não o alcance, do exame que a Câmara de Recurso está obrigada a efectuar que deve ser determinado pela parte que interpõe recurso.

31.
    Em segundo lugar, a interpretação enunciada no n.° 29 anterior não põe em causa o efeito útil do artigo 59.°, terceiro período, do Regulamento n.° 40/94, nos termos do qual as alegações com os fundamentos de recurso devem ser apresentadas por escrito num prazo de quatro meses a contar da data de notificação da decisão. Com efeito, a parte que interpõe recurso pode invocar, nessas alegações, elementos dos quais resulte que há que anular ou alterar a decisão objecto de recurso em razão duma nova decisão com a mesma parte decisória já não poder ser legalmente tomada no momento em que é julgado o recurso. A este respeito, a parte pode, além disso, ser levada, no âmbito da aplicação do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94 e apenas com a ressalva do disposto no n.° 2 deste artigo, a invocar novos factos ou a apresentar novas provas. Portanto, as alegações previstas no artigo 59.°, terceiro período, do Regulamento n.° 40/94 facilitam o bom andamento do processo de recurso, sem que, contudo, seja necessário entender que a extensão do exame que a Câmara de Recurso está obrigada a efectuar no que toca à decisão objecto de recurso é determinada ou limitada pelos fundamentos invocados pela parte que interpõe recurso.

32.
    Em terceiro lugar e contrariamente ao que sustenta o Instituto, a obrigação, para a Câmara de Recurso, de efectuar um exame da decisão objecto de recurso mesmo na falta de fundamentos específicos suscitados pela parte em causa não é contrária à regra, consagrada no artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, segundo a qual, nos processos inter partes, as instâncias do Instituto, incluídas as Câmaras de Recurso, só examinam as alegações de facto e os pedidos apresentados pelas partes. Vistas as diferentes versões linguísticas desta disposição, há que entender que esta limita o exame efectuado pelo Instituto numa dupla medida. Com efeito, visa, por um lado, a base factual das decisões do Instituto, ou seja, os factos e as provas nos quais estas podem validamente assentar [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Junho de 2002, Chef Revival USA/IHMI - Massagué Marín (Chef), T-232/00, Colect., p. II-2749, n.° 45] e, por outro lado, a base jurídica destas decisões, ou seja, as disposições que a instância chamada a decidir está obrigada a aplicar. Assim, a Câmara de Recurso, ao pronunciar-se sobre um recurso de uma decisão que põe termo a um processo de oposição, só pode fundamentar a sua decisão nos motivos relativos de recusa que a parte em questão tenha invocado, bem como nos factos e provas a estes referentes que essa parte tenha apresentado. Todavia, esta limitação da base jurídica e factual do exame efectuado pela Câmara de Recurso é compatível com o princípio de que a extensão do exame que a Câmara de Recurso está obrigada a efectuar no que toca à decisão objecto de recurso não depende do facto de a parte que interpôs recurso invocar determinado fundamento, criticando a interpretação ou a aplicação que a unidade que decidiu em primeira instância fez de uma disposição ou ainda a apreciação, por esta unidade, de um elemento de prova. Com efeito, decorre do princípio da continuidade funcional que, no âmbito de aplicação do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso está obrigada a fundamentar a sua decisão em todos os elementos de facto e de direito que a parte interessada tenha apresentado quer no processo perante a unidade que decidiu em primeira instância quer, unicamente com a ressalva do teor do n.° 2 desta disposição, no próprio processo de recurso.

33.
    Em quarto lugar, a interpretação enunciada no n.° 29 anterior é confortada pelo facto de, por força do artigo 88.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 e unicamente com a ressalva do n.° 2 do mesmo artigo, referente às pessoas singulares e colectivas que não tenham domicílio nem sede ou estabelecimento industrial ou comercial efectivo e sério na Comunidade, as partes nos processos perante o Instituto poderem actuar sem se fazerem representar profissionalmente nem, a fortiori, por um advogado.

34.
    Em último lugar, a interpretação enunciada no n.° 29 anterior não é infirmada pelo facto de o alcance do exame efectuado pelos tribunais comunitários, no quadro de um recurso directo, ser determinado, unicamente com a ressalva respeitante aos fundamentos de conhecimento oficioso, em função dos fundamentos invocados na petição. Com efeito, por um lado, o processo perante as Câmaras de Recurso não reveste natureza jurisdicional, mas sim administrativa (acórdão Forma de um sabão, já referido, n.os 21 a 23). Por outro lado e contrariamente à situação que prevalece perante os tribunais comunitários, o acto introdutório da instância na Câmara de Recurso não tem necessariamente que fazer menção de fundamentos específicos, como já foi recordado no n.° 30 anterior.

35.
    Donde resulta que, ao não ter apreciado as provas que a recorrente apresentou no processo na divisão de oposição e, designadamente, a declaração do Sr. Blacha, a Câmara de Recurso não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 61.°, n.° 1, e do artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento.

36.
    Há, portanto, que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário pronunciar-se sobre os demais fundamentos invocados pela recorrente.

Quanto às despesas

37.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrido sido vencido, há que condená-lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    A decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 12 de Setembro de 2001 (processo R-738/2000-3), é anulada.

2.
    O Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) é condenado nas despesas.

Forwood

Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

N. J. Forwood


1: Língua do processo: inglês.