Language of document : ECLI:EU:C:2021:115

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 11 de fevereiro de 2021 (1)

Processo C648/20 PPU

Svishtov Regional Prosecutor’s Office

contra

PI

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Westminster Magistrates’ Court (Tribunal de Primeira Instância de Westminster, Reino Unido)]

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção nacional e mandado de detenção europeu emitidos pelo Ministério Público de um Estado‑Membro — Proteção jurisdicional efetiva — Inexistência de fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes da entrega da pessoa procurada a esse Estado‑Membro — Direito à liberdade — Artigos 6.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»






I.      Introdução

1.        Os procedimentos relativos à emissão de um mandado de detenção europeu apresentam grandes diferenças entre os Estados‑Membros, nomeadamente no que se refere às autoridades designadas como «autoridade judiciária de emissão» e «autoridade judiciária de execução», na aceção do artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (3). Existem igualmente diferenças no que diz respeito às vias de recurso estabelecidas pelos Estados‑Membros a fim de permitir às pessoas objeto de um mandado de detenção europeu impugnar num órgão jurisdicional as condições de emissão desse mandado de detenção e a decisão nacional em que este se deve basear.

2.        Confrontado com a diversidade destes sistemas processuais, o Tribunal de Justiça empenhou‑se em elaborar uma jurisprudência que se centra na natureza judiciária das autoridades de emissão e de execução chamadas a cooperar no âmbito de um processo de entrega baseado na Decisão‑Quadro 2002/584 (4).

3.        Ao adotar uma interpretação segundo a qual essas autoridades judiciárias não são constituídas unicamente por juízes ou órgãos jurisdicionais, mas também, de forma mais ampla, por autoridades que, como os membros do Ministério Público, participam na administração da justiça penal no Estado‑Membro de emissão ou de execução, o Tribunal de Justiça reconheceu que a referida decisão‑quadro autoriza os Estados‑Membros a estabelecer procedimentos variados com vista à emissão ou à execução de um mandado de detenção europeu.

4.        Dito isto, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a margem de manobra de que assim dispõem os Estados‑Membros deve ser exercida no respeito das exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva das pessoas objeto de um mandado de detenção europeu, na medida em este que seja suscetível de prejudicar o direito à liberdade garantido pelo artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (5).

5.        Por conseguinte, em cada processo que lhe é submetido, o Tribunal de Justiça deve verificar se o sistema processual em causa estabelece uma conciliação equilibrada entre o direito a uma proteção jurisdicional efetiva das pessoas objeto de um mandado de detenção europeu e a eficácia do sistema de entrega instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584.

6.        O presente pedido de decisão prejudicial suscita, em substância, a questão da compatibilidade com essa decisão‑quadro de um sistema processual nos termos do qual, quando o mandado de detenção europeu e a decisão judiciária nacional em que esse mandado se baseia são adotados por um procurador do Ministério Público, na fase preliminar do processo penal, a única fiscalização jurisdicional dessas decisões suscetível de ser efetuada no Estado‑Membro de emissão só pode ter lugar depois da entrega da pessoa procurada a esse Estado‑Membro.

7.        Nas presentes conclusões exporei as razões pelas quais um sistema processual desse tipo não obedece, a meu ver, às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

II.    Quadro jurídico

A.      DecisãoQuadro 2002/584

8.        O artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2002/584, com a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

9.        O artigo 6.o, n.os 1 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê:

«1.      A autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.

[…]

3.      Cada Estado‑Membro informa o Secretariado‑Geral do Conselho da autoridade judiciária competente nos termos do respetivo direito nacional.»

10.      O artigo 8.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Conteúdo e formas do mandado de detenção europeu», dispõe, no seu n.o 1, alínea c):

«O mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo:

[…]

c)      Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o»

11.      A referida decisão‑quadro prevê, em anexo, um formulário específico que as autoridades judiciárias de emissão devem preencher, indicando as informações especificamente solicitadas (6). A rubrica b) deste formulário, relativa à «[d]ecisão que fundamenta o mandado de detenção», faz referência, no seu ponto 1, a um «[m]andado de detenção ou [a uma] decisão judicial com a mesma força executiva».

B.      Direito búlgaro

12.      A Decisão‑Quadro 2002/584 foi transposta para o direito búlgaro pela Zakon za ekstraditsiata i evropeiskata zapoved za arest (Lei Relativa à Extradição e ao Mandado de Detenção Europeu; a seguir «ZEEZA») (7), cujo artigo 37.o enuncia as disposições relativas à emissão de um mandado de detenção europeu em termos quase idênticos aos do artigo 8.o dessa decisão‑quadro.

13.      Nos termos do artigo 56.o, n.o 1, ponto 1, da ZEEZA, o Ministério Público é competente, na fase preliminar do processo penal, para emitir um mandado de detenção europeu contra o arguido. Durante esta fase do processo penal, a legislação búlgara não prevê a possibilidade de um órgão jurisdicional participar na emissão do mandado de detenção europeu ou de exercer uma fiscalização da validade desse mandado de detenção, nem antes nem depois da sua emissão (8).

14.      Em conformidade com o artigo 200.o do nakazatelno protsesualen kodeks (Código de Processo Penal; a seguir «NPK»), lido em conjugação com o artigo 66.o da ZEEZA, o mandado de detenção europeu só é suscetível de recurso para o Ministério Público da instância superior.

15.      A colocação em prisão preventiva de uma pessoa contra a qual seja exercida a ação penal é regida, na fase preliminar do processo penal, pelo artigo 64.o do NPK.

16.      Nos termos do artigo 64.o, n.o 1, do NPK, «[a] medida de prisão preventiva deverá ser adotada, a pedido do Ministério Público, pelo Tribunal de Primeira Instância competente durante a fase preliminar do processo».

17.      Em conformidade com o artigo 64.o, n.o 2, do NPK, o Ministério Público pode adotar uma medida que ordene a detenção do arguido por um período com a duração máxima de 72 horas a fim de permitir a sua comparência perante o órgão jurisdicional competente para adotar, se for caso disso, uma medida de prisão preventiva. É a medida adotada pelo Ministério Público ao abrigo desta disposição que serve de fundamento ao mandado de detenção europeu, o qual é igualmente emitido por este na fase preliminar do processo penal.

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

18.      O processo no Westminster Magistrates’ Court (Tribunal de Primeira Instância de Westminster, Reino Unido) tem por objeto um mandado de detenção europeu emitido pelo rayon prokuratura Svichtov (procurador da Procuradoria Regional de Svichtov, Bulgária) em 28 de janeiro de 2020 com vista à entrega de PI, um cidadão búlgaro, à República da Bulgária, para efeitos de procedimento penal por um furto que, alegadamente, praticou em 8 de dezembro de 2019. PI foi detido em 11 de março de 2020, no Reino Unido, com base nesse mandado de detenção europeu, e colocado em prisão preventiva enquanto aguarda a sua entrega.

19.      No processo principal, PI opõe‑se à execução do mandado de detenção europeu emitido contra ele, alegando que a regulamentação búlgara não assegura a proteção em dois níveis que deve ser garantida às pessoas objeto de um mandado de detenção europeu. A este respeito, baseia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos Acórdãos de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (9), e de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia) (10), seguidos dos Acórdãos de 12 de dezembro de 2019, Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (11), e de 12 de dezembro de 2019, Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (12).

20.      Segundo o direito búlgaro, o procurador pode, com base no artigo 64.o, n.o 2, do NPK, adotar uma medida de privação de liberdade válida por um período com a duração máxima de 72 horas, que poderá servir de fundamento à emissão por esse mesmo procurador de um mandado de detenção europeu. Segundo PI, em nenhum dos casos os direitos fundamentais e processuais da pessoa procurada são protegidos através de uma fiscalização jurisdicional, incluindo no que se refere à proporcionalidade da medida. Uma vez que a medida privativa de liberdade constitui um mandado de detenção nacional, este mandado não está sujeito a qualquer fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes da eventual entrega da pessoa procurada a esse Estado‑Membro. Além disso, o mandado de detenção europeu não está sujeito a qualquer fiscalização jurisdicional, nem antes nem depois da entrega.

21.      Em contrapartida, no órgão jurisdicional de reenvio, o procurador da Procuradoria Regional de Svichtov defendeu que os interesses da pessoa em causa eram sempre protegidos através da intervenção de um advogado que age em sua representação. A decisão de emitir o mandado de detenção europeu assenta na medida de privação de liberdade adotada nos termos do artigo 64.o, n.o 2, do NPK, que exige que, após a entrega da pessoa em causa, esta seja presente a um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão para confirmação ou substituição das medidas de detenção e de prisão. Após a entrega, a pessoa em causa ou o seu representante legal tem o direito de apresentar as suas objeções relativamente à manutenção da sua prisão junto desse órgão jurisdicional. O sistema búlgaro é, portanto, conforme com a Decisão‑Quadro 2002/584 e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma vez que assegura a proteção em dois níveis que esta exige.

22.      Perante as duas teses que lhe foram apresentadas, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a proteção em dois níveis dos direitos da pessoa procurada, como exigida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, está assegurada quando quer o mandado de detenção europeu quer o mandado de detenção nacional no qual aquele se baseia são emitidos por um procurador e quando, antes da entrega da pessoa procurada ao Estado‑Membro de emissão, não existe nenhuma possibilidade de fiscalização dessas decisões por um órgão jurisdicional. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo o direito búlgaro, nem a medida nacional privativa de liberdade nem o mandado de detenção europeu se baseiam numa decisão de um órgão jurisdicional e que nem um nem outro podem ser objeto de recurso judicial no Estado‑Membro de emissão antes da entrega da pessoa procurada a esse Estado‑Membro.

23.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a situação na Bulgária é diferente da dos outros casos submetidos anteriormente ao exame do Tribunal de Justiça, na medida em que não existe nenhuma possibilidade de intervenção de um órgão jurisdicional antes da entrega no que se refere ao mandado de detenção nacional ou ao mandado de detenção europeu, e na medida em que não existe nenhuma possibilidade de fiscalização jurisdicional da decisão do procurador de emitir um mandado de detenção europeu.

24.      Nessas circunstâncias, o Westminster Magistrates’ Court (Tribunal de Primeira Instância de Westminster) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quando é pedida a entrega de uma pessoa procurada para efeitos de exercício da ação penal e tanto a decisão de emitir um mandado de detenção nacional […] como a decisão de emitir um mandado de detenção europeu […] com base na primeira são adotadas por um procurador do Ministério Público, sem a intervenção de um tribunal antes da entrega, a pessoa procurada beneficia da proteção em dois níveis prevista no Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de junho de 2016, Bob Dogi, C‑241/15 (EU:C:2016:385), se:

a)      O efeito do [mandado de detenção nacional] se limitar à detenção da pessoa por um período máximo de 72 horas a fim de a fazer comparecer perante um juiz; e

b)      No momento da entrega, couber exclusivamente ao tribunal ordenar a libertação ou a manutenção da detenção, tendo em conta todas as circunstâncias do caso?»

25.      O Tribunal de Justiça deferiu o pedido do órgão jurisdicional de reenvio, de submeter o presente pedido de decisão prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

IV.    Análise

26.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva de que deve beneficiar uma pessoa objeto de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal estão satisfeitas quando, segundo a legislação nacional do Estado‑Membro de emissão, quer o mandado de detenção europeu quer a decisão judiciária nacional em que aquele se baseia são emitidos por uma autoridade que, embora participando na administração da justiça penal desse Estado‑Membro, não é, ela mesma, um órgão jurisdicional e não podem ser objeto de fiscalização jurisdicional no referido Estado‑Membro antes da entrega da pessoa em causa.

27.      Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio não põe em causa a qualificação do procurador búlgaro como «autoridade judiciária de emissão», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, tendo em conta os elementos extraídos pelo Tribunal de Justiça para poder considerar essa qualificação, a saber, por um lado, a sua participação na administração da justiça penal (13) e, por outro, a sua independência no exercício das funções inerentes à emissão de um mandado de detenção europeu (14).

28.      Cabe recordar que, segundo o Tribunal de Justiça, «a existência de fiscalização jurisdicional da decisão de emitir um mandado de detenção europeu tomada por uma autoridade que não seja um órgão jurisdicional não é uma condição para que [essa] autoridade possa ser qualificada de autoridade judiciária de emissão, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584. Tal exigência não é abrangida pelas regras estatutárias e organizacionais da referida autoridade, antes dizendo respeito ao procedimento de emissão desse mandado, o qual deve obedecer à exigência de uma proteção jurisdicional efetiva» (15).

29.      Uma vez que a qualidade de «autoridade judiciária de emissão», na aceção do n.o 1 do artigo 6.o da Decisão‑Quadro 2002/584, não está subordinada à existência de uma fiscalização jurisdicional da decisão de emissão do mandado de detenção europeu e da decisão nacional em que aquele se baseia, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se unicamente sobre a questão de saber se o procedimento búlgaro relativo à emissão de um mandado de detenção europeu respeita as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

30.      Recentemente, o Tribunal de Justiça apreciou o referido procedimento búlgaro, mas em circunstâncias e sob um ângulo diferentes.

31.      Assim, no processo que deu origem ao Acórdão MM, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a situação em que um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão, ao qual tinha sido submetido um pedido de impugnação da legalidade de uma medida de prisão preventiva nos termos do artigo 270.o do NPK, pretendia saber que consequências devia retirar da constatação de que um mandado de detenção europeu não se baseava num «mandado de detenção [nacional] ou [em] qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584, e era, portanto, inválido. A este respeito, o referido órgão jurisdicional indicou que, no âmbito dessa instância, não dispunha da faculdade de fiscalizar a título incidental a validade de um mandado de detenção nacional ou europeu, na medida em que afirmava que não tinha competência para se pronunciar sobre a decisão do procurador de emitir esse mandado, uma vez que esta última só podia ser objeto de recurso para o Ministério Público da instância superior.

32.      No seu Acórdão MM, o Tribunal de Justiça declarou que, «não existindo na legislação do Estado‑Membro de emissão disposições que prevejam um recurso judicial para fiscalizar as condições em que um mandado de detenção europeu foi emitido por uma autoridade que, embora participe na administração da justiça desse Estado‑Membro, não é, ela mesma, um órgão jurisdicional, a Decisão‑Quadro 2002/584, lida à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta, deve ser interpretada no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um recurso destinado a contestar a legalidade da manutenção em prisão preventiva de uma pessoa que foi objeto de uma entrega ao abrigo de um mandado de detenção europeu emitido com base num ato nacional que não pode ser qualificado de “mandado de detenção [nacional] ou [de] qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva”, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), desta decisão‑quadro, e no âmbito do qual é suscitado um fundamento relativo ao caráter inválido desse mandado de detenção europeu à luz do direito da União, declarar‑se competente para proceder a essa fiscalização da validade» (16). No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça também examinou as consequências que os órgãos jurisdicionais búlgaros podem retirar da invalidade de um mandado de detenção europeu quando este tiver sido executado.

33.      Em contrapartida, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou diretamente sobre a questão de saber se o procedimento búlgaro relativo à emissão de um mandado de detenção europeu por um procurador durante a fase preliminar do processo penal respeitava as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

34.      Com efeito, quando o Tribunal de Justiça declarou que a Decisão‑Quadro 2002/584, lida à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 47.o da Carta, possibilita que um órgão jurisdicional nacional do Estado‑Membro de emissão fiscalize, a título incidental, as condições de emissão de um mandado de detenção europeu quando a validade do mandado é contestada perante esse órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça limitou‑se a precisar que o direito da União lhe confere um título de competência na inexistência de uma via de recurso distinta no direito desse Estado‑Membro. Daí não se pode deduzir que, em virtude da competência que o artigo 47.o da Carta confere ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão, o procedimento nacional de emissão de um mandado de detenção europeu deve então ser considerado conforme com as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva. Assim, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça não pode ter como consequência a supressão da obrigação que recai sobre o Estado‑Membro de emissão de prever, no seu direito processual nacional, com total clareza e segurança jurídicas, as vias de recurso que permitem às pessoas objeto de um mandado de detenção nacional adotado por um procurador, com base no qual foi depois emitido um mandado de detenção europeu igualmente adotado por um procurador, fazer fiscalizar essas decisões por um órgão jurisdicional.

35.      Saliento ainda que, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão MM, é a autoridade judiciária de execução e não um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão que suscita uma questão prejudicial no presente processo. Além disso, no âmbito do litígio no processo principal, não se discute a existência de um «mandado de detenção [nacional] ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584.

36.      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o ato nacional em que deve assentar o mandado de detenção europeu, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584, constitui uma decisão judiciária. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, atendendo à necessidade de garantir a coerência entre as interpretações que são feitas das diferentes disposições dessa decisão‑quadro, a interpretação segundo a qual o conceito de «autoridade judiciária», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da mesma, deve ser entendido no sentido de que designa as autoridades que participam na administração da justiça penal dos Estados‑Membros parece ser, em princípio, transponível para o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da referida decisão‑quadro. Esta última disposição deve, portanto, ser interpretada no sentido de que o conceito de «decisão judiciária» se refere às decisões das autoridades que participam na administração da justiça penal dos Estados‑Membros (17).

37.      Por conseguinte, na medida em que decorre das explicações fornecidas ao Tribunal de Justiça pelo Governo búlgaro que o procurador é uma autoridade chamada a participar na administração da justiça penal na Bulgária, a decisão por ele tomada nos termos do artigo 64.o, n.o 2, do NPK deve ser considerada uma «decisão judiciária» na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584 (18).

38.      Considero, além disso, à luz da definição de «mandado de detenção ou de qualquer outra decisão [judiciária] com a mesma força executiva», na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), dessa decisão‑quadro, que foi dada pelo Tribunal no seu Acórdão MM (19), que esse conceito abarca uma medida, adotada pelo procurador com base no artigo 64.o, n.o 2, do NPK, que ordena a detenção da pessoa procurada, por um período com a duração máxima de 72 horas, a fim de permitir a sua comparência perante o órgão jurisdicional competente para adotar, se for caso disso, uma medida de prisão preventiva.

39.      Feitos estes esclarecimentos, cabe verificar se o sistema processual búlgaro no qual o procurador é a autoridade competente, durante a fase preliminar do processo penal, para emitir um mandado de detenção europeu com base numa decisão nacional que adota nos termos do artigo 64.o, n.o 2, do NPK, sem que nenhuma destas decisões possa ser submetida a fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes da entrega da pessoa procurada a esse Estado‑Membro, respeita a proteção em dois níveis dos direitos da pessoa objeto de um mandado de detenção europeu, como exigido pelo Tribunal de Justiça.

40.      Por outras palavras, o problema suscitado pelo presente reenvio prejudicial consiste em saber se, quando quer o mandado de detenção nacional quer o mandado de detenção europeu são adotados por um procurador e são, portanto, decisões judiciárias, a proteção em dois níveis dos direitos que deve ser garantida à pessoa procurada pressupõe igualmente que essas decisões possam ser submetidas a fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes da entrega dessa pessoa a esse Estado‑Membro.

41.      Para responder a esta questão, cabe recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à proteção em dois níveis dos direitos de que a pessoa objeto de um mandado de detenção europeu deve beneficiar no Estado‑Membro de emissão.

42.      Deste ponto de vista, importa sublinhar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, «no caso de um [procedimento] relativo a um mandado de detenção europeu, a garantia do respeito pelos direitos da pessoa cuja entrega é solicitada é, em primeira linha, da responsabilidade do EstadoMembro de emissão, o qual se deve presumir que respeita o direito da União e, em particular, os direitos fundamentais reconhecidos por este último» (20).

43.      Além disso, é jurisprudência constante que «o sistema do mandado de detenção europeu inclui uma proteção em dois níveis dos direitos em matéria processual e dos direitos fundamentais de que deve beneficiar a pessoa procurada, uma vez que, à proteção judiciária prevista no primeiro nível, no momento da adoção de uma decisão [nacional], como um mandado de detenção nacional, acresce a que deve ser garantida no segundo nível, no momento da emissão do mandado de detenção europeu, que pode ocorrer, se for caso disso, num curto prazo, após a adoção da referida decisão judiciária nacional» (21).

44.      Assim, segundo o Tribunal de Justiça, «no que se refere a uma medida que, como a emissão de um mandado de detenção europeu, pode afetar o direito à liberdade da pessoa em causa, [essa] proteção implica que uma decisão que cumpre as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva seja adotada, pelo menos, num dos dois níveis da referida proteção» (22).

45.      Daqui decorre que, «quando o direito do Estado‑Membro de emissão atribui a competência para emitir um mandado de detenção europeu a uma autoridade que, embora participando na administração da justiça [desse] Estado‑Membro, não é um juiz nem um órgão jurisdicional, a decisão judiciária nacional, como um mandado de detenção nacional, [na] qual se baseia o mandado de detenção europeu, deve, por sua vez, cumprir essas exigências» (23).

46.      Segundo o Tribunal de Justiça, «[o] cumprimento dessas exigências permite assim garantir à autoridade judiciária de execução que a decisão de emissão de um mandado de detenção europeu para efeitos de instauração de uma ação penal se baseia num [procedimento] nacional sujeito a [fiscalização jurisdicional] e que a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu beneficiou de todas as garantias próprias à adoção desse tipo de decisões, nomeadamente das decorrentes dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais referidos no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584» (24).

47.      Decorre assim desta jurisprudência que, num sistema processual que confere ao procurador a competência para emitir um mandado de detenção europeu, o primeiro nível de proteção exige a adoção prévia de uma decisão judiciária nacional, como um mandado de detenção nacional, que deve ser submetida a fiscalização jurisdicional.

48.      Além disso, «o segundo nível de proteção dos direitos da pessoa em causa implica que a autoridade judiciária de emissão fiscalize o cumprimento das condições necessárias à emissão de um mandado de detenção europeu e analise com objetividade, tendo em conta todos os elementos incriminatórios e ilibatórios, e sem correr o risco de estar sujeita a instruções externas, nomeadamente do poder executivo, se a referida emissão reveste caráter proporcionado» (25).

49.      Além disso, cabe recordar que, «quando o direito do Estado‑Membro de emissão atribui a competência para emitir um mandado de detenção europeu a uma autoridade que, embora participando na administração da justiça desse Estado‑Membro, não é, ela mesma, um órgão jurisdicional, a decisão de emitir esse mandado de detenção e, nomeadamente, o caráter proporcionado dessa decisão devem poder estar sujeitos, no referido Estado‑Membro, a um recurso judicial que cumpra plenamente as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva» (26).

50.      Segundo o Tribunal de Justiça, «[esse] recurso da decisão de emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal, adotada por uma autoridade que, embora participe na administração da justiça e goze da independência exigida em relação ao poder executivo, não é um órgão jurisdicional, visa garantir que a fiscalização jurisdicional [dessa] decisão e das condições necessárias à emissão [desse] mandado, nomeadamente do seu caráter proporcionado, respeita as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva» (27).

51.      Por conseguinte, incumbe aos Estados‑Membros «assegurar que as suas ordens jurídicas garantem efetivamente o nível de proteção jurisdicional exigido pela Decisão‑Quadro 2002/584, conforme interpretada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, através das vias de recurso que implementam e que podem diferir de um sistema para o outro» (28).

52.      Neste contexto, «a instituição de um direito de recurso distinto contra a decisão de emitir um mandado de detenção europeu adotada por uma autoridade judiciária que não seja um órgão jurisdicional constitui apenas uma possibilidade a este respeito» (29).

53.      Além disso, o Tribunal de Justiça reconheceu que «a existência, na ordem jurídica nacional, de regras processuais [nos termos] das quais as condições de emissão de um mandado de detenção europeu, nomeadamente o seu caráter proporcionado, podem ser objeto de fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão, antes da sua adoção ou em simultâneo, mas também posteriormente, obedece à exigência de uma proteção jurisdicional efetiva» (30).

54.      Esta jurisprudência revela uma certa flexibilidade por parte do Tribunal de Justiça, que respeita a autonomia processual dos Estados‑Membros (31) quanto às modalidades da fiscalização jurisdicional que deve ser efetuada no Estado‑Membro de emissão e ao momento em que essa fiscalização pode ter lugar.

55.      Além disso, resulta desta jurisprudência que, para se alcançar a proteção em dois níveis dos direitos da pessoa objeto de um mandado de detenção europeu, não basta que «todo o processo de entrega entre Estados‑Membros, previsto na [Decisão‑Quadro 2002/584], seja levado a cabo sob fiscalização judicial» (32). Com efeito, quando o mandado de detenção europeu é emitido por uma autoridade que, embora participando na administração da justiça do Estado‑Membro de emissão, não é um órgão jurisdicional, o procedimento nacional conducente à adoção desse mandado de detenção deve poder ser submetido a fiscalização jurisdicional.

56.      O presente processo convida o Tribunal de Justiça a precisar o momento em que essa fiscalização jurisdicional deve ter lugar para que a proteção jurisdicional possa ser considerada efetiva.

57.      Sublinho que, no direito búlgaro, nem a decisão nacional adotada pelo procurador com base no artigo 64.o, n.o 2, do NPK nem a decisão do mesmo procurador de emitir um mandado de detenção europeu podem ser objeto de recurso para um órgão jurisdicional. Além disso, decorre do processo que deu origem ao Acórdão MM uma certa incerteza quanto à própria possibilidade de, ao abrigo do direito búlgaro, o órgão jurisdicional perante o qual a pessoa objeto de um mandado de detenção europeu é presente, uma vez entregue, fiscalizar, a título incidental, as condições de emissão desse mandado de detenção.

58.      Admitindo, porém, que essa possibilidade de fiscalização jurisdicional a título incidental exista efetivamente no direito búlgaro, o Governo búlgaro e a Comissão Europeia sustentam, apoiando‑se, nomeadamente, nos ensinamentos retirados dos Acórdãos Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) e Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia), que o procedimento nacional conducente à emissão de um mandado de detenção europeu é compatível com a proteção em dois níveis dos direitos da pessoa procurada, como exigido pelo Tribunal de Justiça, porquanto, uma vez entregue, essa pessoa deve ser rapidamente presente ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão competente para decidir se deve pôr termo à sua prisão preventiva ou, pelo contrário, prorrogá‑la. Por conseguinte, segundo o Governo búlgaro e a Comissão, a existência, na ordem jurídica búlgara, de uma possibilidade de fiscalização jurisdicional das condições de emissão do mandado de detenção europeu após a entrega da pessoa procurada é suficiente para se considerar que o procedimento de emissão de um mandado de detenção europeu por um procurador na fase preliminar do processo penal obedece às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

59.      Considero, porém, à semelhança do que sustenta, em substância, PI, que a existência, no Estado‑Membro de emissão, de uma fiscalização jurisdicional do procedimento nacional conducente à emissão de um mandado de detenção europeu, que só pode ser efetuada após a entrega da pessoa em causa a esse Estado‑Membro, não obedece às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva, como definidas pelo Tribunal de Justiça e como resultam de uma interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584 à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta.

60.      Na minha opinião, a flexibilidade que o Tribunal de Justiça demonstrou até agora ao examinar a questão de saber se exigências inerentes à proteção jurisdicional estavam satisfeitas nos sistemas processuais que foram submetidos à sua apreciação não deve ir ao ponto de admitir que satisfaz essas exigências um sistema em que a única proteção jurisdicional no Estado‑Membro de emissão de que pode beneficiar uma pessoa objeto de um mandado de detenção europeu só pode ser assegurada após a entrega dessa pessoa a esse Estado.

61.      Uma vez que a responsabilidade pela garantia do respeito dos direitos da pessoa cuja entrega é solicitada cabe, como já indiquei, em primeiro lugar, ao Estado‑Membro de emissão, considero que, para a proteção jurisdicional da pessoa objeto de um mandado de detenção europeu ser plenamente efetiva, essa pessoa deve poder beneficiar dessa proteção antes da sua entrega a esse Estado‑Membro, e isso pelo menos num dos dois níveis de proteção exigidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

62.      Ao contrário do que o Governo búlgaro e a Comissão sustentam, não creio que se possa inferir dos Acórdãos Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) e Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) que um procedimento nacional como o que está em causa no processo principal satisfaz as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

63.      Com efeito, em cada um desses acórdãos, o Tribunal de Justiça procedeu a um exame global da legislação nacional em causa, e isto nos dois níveis de proteção de que deve beneficiar uma pessoa objeto de um mandado de detenção europeu, a fim de verificar se essa legislação nacional respeitava as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

64.      Assim, no seu Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours), o Tribunal de Justiça salientou que «a emissão de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal tem necessariamente por base, na ordem jurídica francesa, um mandado de detenção nacional emitido por um órgão jurisdicional, geralmente o juiz de instrução» (33). Além disso, o Tribunal de Justiça teve em conta o facto de que, «quando um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal é emitido pelo Ministério Público, o órgão jurisdicional que emitiu o mandado de detenção nacional com base no qual foi emitido o mandado de detenção europeu deve pedir simultaneamente ao Ministério Público para emitir um mandado de detenção europeu e apreciar os requisitos necessários à emissão de tal mandado de detenção europeu e, nomeadamente, o seu caráter proporcionado» (34).

65.      Além disso, o Tribunal de Justiça tomou em consideração a existência, na ordem jurídica francesa, de uma ação de nulidade com base no artigo 170.o do code de procédure pénale (Código de Processo Penal francês), que pode ser intentada contra a decisão do Ministério Público de emitir um mandado de detenção europeu, e isso após a entrega da pessoa procurada e a sua comparência perante o juiz de instrução, se o mandado de detenção europeu for emitido contra uma pessoa que ainda não é parte no processo (35).

66.      O Tribunal de Justiça deduziu destes elementos que «[a] existência, na ordem jurídica francesa, de tais regras processuais evidencia, assim, que o caráter proporcionado da decisão do Ministério Público de emitir um mandado de detenção europeu pode ser objeto de fiscalização jurisdicional prévia, ou até simultânea à sua emissão, e, em todo caso, após a emissão do mandado de detenção europeu, podendo esta apreciação ocorrer, consoante o caso, antes ou depois da entrega efetiva da pessoa procurada» (36).

67.      O Tribunal de Justiça concluiu, assim, que tal sistema obedecia às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva (37).

68.      Como resulta da abordagem defendida pelo Governo búlgaro e pela Comissão, esse acórdão pôde ser entendido no sentido de que significa que, para um procedimento nacional que prevê a emissão de um mandado de detenção europeu por um procurador obedecer às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva, é suficiente que as condições de emissão desse mandado de detenção possam ser objeto de fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão após a entrega da pessoa procurada.

69.      Não faço essa leitura do Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours). Com efeito, a meu ver, o Tribunal de Justiça procedeu a uma avaliação global dos dois níveis de proteção oferecidos pela legislação francesa e teve em consideração o facto de que as condições para a emissão de um mandado de detenção europeu pelo Ministério Público podiam ser objeto de fiscalização jurisdicional antes da entrega, e isso logo no primeiro nível de proteção, dado que, nos termos dessa legislação, o mandado de detenção europeu assenta num mandado de detenção nacional emitido por um juiz, que, além disso, procede a uma apreciação das condições necessárias à emissão de um mandado de detenção europeu e, nomeadamente, do seu caráter proporcionado.

70.      Assim, não estou convencido de que, para chegar à conclusão de que o sistema processual francês obedece às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva, o Tribunal de Justiça se tenha bastado com a existência, no direito francês, de um recurso judicial que, quando a pessoa procurada ainda não é parte no processo, só pode ser exercido depois de essa pessoa ter sido entregue. Com efeito, a constatação de que o procedimento nacional conducente à adoção de um mandado de detenção nacional que serve de fundamento à emissão de um mandado de detenção europeu está sujeito, em todos os casos, a fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes da entrega foi, a meu ver, determinante (38).

71.      Na minha opinião, este ponto de vista é apoiado pelo Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia), no qual o Tribunal de Justiça respondeu à questão de saber se a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que, quando a competência para emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal é atribuída a uma autoridade que, embora participando na administração da justiça desse Estado‑Membro, não é, ela mesma, um órgão jurisdicional, as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva estão satisfeitas se, antes da decisão efetiva dessa autoridade de emitir um mandado de detenção europeu, um juiz tiver apreciado as condições da sua emissão e, nomeadamente, a sua proporcionalidade.

72.      Para responder afirmativamente a esta questão, o Tribunal de Justiça procedeu, também aí, a uma avaliação global dos dois níveis de proteção oferecidos pela legislação sueca, a fim de verificar se esta última satisfazia as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

73.      Assim, o Tribunal sublinhou que «a emissão de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal tem necessariamente por base, na ordem jurídica sueca, uma decisão que ordena a prisão preventiva da pessoa em causa, a qual é proferida por um órgão jurisdicional» (39), esclarecendo que, «com vista a estabelecer a necessidade de ordenar a prisão preventiva, incumbe ao órgão jurisdicional competente avaliar igualmente a proporcionalidade de outras possíveis medidas, tais como a emissão de um mandado de detenção europeu» (40). Dos elementos de informação ao seu dispor, o Tribunal de Justiça concluiu que «a apreciação do caráter proporcionado que este órgão jurisdicional terá de efetuar no âmbito da apreciação da necessidade de ordenar a prisão preventiva incidirá igualmente sobre a emissão de um mandado de detenção europeu» (41).

74.      Além disso, o Tribunal de Justiça teve em conta o facto de que «a pessoa procurada com fundamento num mandado de detenção europeu tem, a todo o tempo, o direito de interpor recurso da decisão que ordena a prisão preventiva, mesmo após a emissão do mandado de detenção europeu e após a sua detenção no Estado‑Membro de execução. Se a decisão que ordena a prisão preventiva impugnada for anulada, a invalidação do mandado de detenção europeu é automática, uma vez que a sua emissão se baseia na existência desta decisão» (42).

75.      O Tribunal de Justiça retirou de todos estes elementos que «[a] presença destas regras processuais na ordem jurídica sueca permite concluir que, mesmo que não exista uma via de recurso autónoma contra a decisão do procurador de emitir um mandado de detenção europeu, as suas condições de emissão e, nomeadamente, o seu caráter proporcionado podem ser objeto de fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão, antes ou em simultâneo à sua adoção, mas também posteriormente» (43). Assim, segundo o Tribunal de Justiça, «tal sistema responde à exigência de uma proteção jurisdicional efetiva» (44).

76.      Importa sublinhar que, nos sistemas processuais examinados pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) e Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia), o mandado de detenção europeu emitido por um procurador assentava numa decisão judiciária nacional que satisfazia as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, essa decisão judiciária nacional era, em cada um desses sistemas, adotada por um juiz ou por um órgão jurisdicional.

77.      Além disso, em cada caso, o Tribunal de Justiça salientou o facto de que o juiz ou o órgão jurisdicional, que adotava a decisão nacional em que assentava o mandado de detenção europeu, fazia uma apreciação das condições necessárias à emissão desse mandado de detenção e, nomeadamente, da sua proporcionalidade.

78.      Consequentemente, decorre, a meu ver, dos Acórdãos Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) e Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) que o Tribunal de Justiça aceita que as exigências inerentes à proteção jurisdicional efetiva possam ser consideradas satisfeitas quando não existe uma via de recurso distinta contra a decisão do procurador de emitir um mandado de detenção europeu ou quando a decisão do Ministério Público de emitir um mandado de detenção europeu só pode ser objeto de recurso jurisdicional após a entrega da pessoa procurada, mas apenas na condição de o sistema processual do Estado‑Membro de emissão estabelecer um procedimento nacional de emissão de mandados de detenção europeus que seja, em qualquer caso, submetido a fiscalização jurisdicional antes da entrega da pessoa procurada, pelo menos no primeiro nível de proteção exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. A meu ver, a fórmula utilizada pelo Tribunal de Justiça segundo a qual a proteção em dois níveis dos direitos processuais e dos direitos fundamentais de que deve beneficiar a pessoa procurada «implica que uma decisão que cumpre as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva seja adotada, pelo menos, num dos dois níveis da referida proteção» (45) deve ser compreendida tendo em devida conta o caráter necessariamente prévio à entrega dessa fiscalização jurisdicional.

79.      Em suma, o facto de uma proteção jurisdicional ser possível no sistema processual do Estado‑Membro de emissão após a entrega a este último da pessoa procurada não dispensa esse Estado‑Membro de prever uma fiscalização jurisdicional, consoante o caso, do mandado de detenção europeu ou da decisão nacional em que esse mandado assenta, suscetível de ser exercida antes dessa entrega.

80.      Como exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a autoridade judiciária de execução tem assim a garantia de que «a decisão de emissão de um mandado de detenção europeu para efeitos de instauração de uma ação penal se baseia num [procedimento] nacional sujeito a [fiscalização jurisdicional] e que a pessoa sobre a qual recai o mandado de detenção europeu beneficiou de todas as garantias próprias à adoção desse tipo de decisões, nomeadamente das decorrentes dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais referidos no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584» (46).

81.      Dadas as características do procedimento búlgaro, a autoridade judiciária que tem de executar um mandado de detenção europeu emitido por um procurador búlgaro não dispõe dessa mesma garantia, uma vez que nem a decisão judiciária nacional que serve de fundamento ao mandado de detenção europeu nem o mandado de detenção europeu podem ser objeto de fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão antes de a pessoa em causa ser entregue a esse Estado‑Membro.

82.      Embora não seja de excluir que, num sistema processual em que a pessoa procurada deve ser rapidamente presente ao órgão jurisdicional competente para decidir da sua eventual prisão preventiva, a fiscalização, a título incidental, do mandado de detenção europeu emitido pelo procurador, suscetível de ser efetuada por aquele órgão jurisdicional após a entrega, possa obedecer às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva, tal seria, porém, na condição de o procedimento nacional conducente à emissão desse mandado de detenção poder ser submetido a fiscalização jurisdicional antes da entrega da pessoa em causa.

83.      Por conseguinte, a meu ver, não se pode deduzir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, num sistema processual em que tanto o mandado de detenção europeu como o mandado de detenção nacional em que o primeiro mandado assenta são emitidos por uma autoridade que não é um juiz nem um órgão jurisdicional, basta que tais decisões possam ser objeto de fiscalização jurisdicional, a título incidental, no Estado‑Membro de emissão, após a entrega da pessoa em causa a esse Estado‑Membro, para se considerar que esse sistema obedece às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

84.      Em minha opinião, uma interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584 à luz dos artigos 6.o e 47.o da Carta milita neste sentido.

85.      Com efeito, atendendo às consequências que a adoção de um mandado de detenção nacional e, posteriormente, a emissão de um mandado de detenção europeu podem ter no direito à liberdade da pessoa procurada, tal como este é garantido pelo artigo 6.o da Carta, parece‑me essencial que o procedimento nacional que conduz a essas medidas possa ser submetido a fiscalização jurisdicional antes da entrega dessa pessoa, pelo menos no primeiro nível de proteção, ou seja, no que diz respeito ao mandado de detenção nacional que serve de fundamento à emissão do mandado de detenção europeu.

86.      Importa recordar que o princípio do reconhecimento mútuo, no qual se baseia o sistema do mandado de detenção europeu, assenta na confiança recíproca entre os Estados‑Membros em que as respetivas ordens jurídicas nacionais estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais, reconhecidos ao nível da União, em particular na Carta (47).

87.      Importa igualmente recordar que o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê expressamente que esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE e refletidos na Carta, obrigação que, de resto, vincula todos os Estados‑Membros, nomeadamente, tanto o Estado‑Membro de emissão como o de execução (48).

88.      Por conseguinte, a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada em conformidade com o artigo 6.o da Carta, que prevê que todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança (49).

89.      Além disso, importa sublinhar que, como o Tribunal de Justiça indicou no seu Acórdão de 30 de maio de 2013, F (50), à semelhança do que sucede nos processos de extradição, no processo de entrega instituído por esta decisão‑quadro, o direito a um recurso efetivo, enunciado no artigo 13.o da CEDH e no artigo 47.o da Carta, reveste especial importância (51).

90.      Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH, respeitante aos processos de extradição, que apenas a ocorrência desse processo justifica a privação da liberdade baseada neste artigo (52). Além disso, o artigo 5.o, n.o 3, da CEDH prevê que «[q]ualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais» (53). Por último, de acordo com o artigo 5.o, n.o 4, da CEDH, qualquer pessoa presa ou detida tem direito a que um juiz examine o respeito das exigências processuais e materiais necessárias à «legalidade», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da CEDH, da sua privação de liberdade (54).

91.      De acordo com a posição defendida pela Comissão, essas garantias devem ser consideradas satisfeitas no presente caso, uma vez que, nos termos do direito búlgaro, a pessoa objeto de um mandado de detenção europeu deve ser rapidamente presente a um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão após a sua entrega a esse Estado.

92.      É verdade que, se a situação for analisada apenas numa perspetiva nacional, a pessoa objeto de uma decisão adotada pelo procurador com base no artigo 64.o, n.o 2, do NPK, deve ser rapidamente presente ao órgão jurisdicional que deverá decidir sobre a manutenção ou não da sua prisão até ao julgamento.

93.      No entanto, quando essa decisão nacional é acompanhada de um mandado de detenção europeu, a perspetiva é diferente. Com efeito, nessa situação, a fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro de emissão à qual essas decisões adotadas por um procurador devem ser submetidas por serem suscetíveis de violar o direito à liberdade garantido pelo artigo 6.o da Carta é necessariamente diferida para uma fase posterior à entrega da pessoa em causa a esse Estado‑Membro.

94.      Ora, considero que, devido ao próprio mecanismo de cooperação entre as autoridades judiciárias que o mandado de detenção europeu constitui, que implica um certo tempo para levar a bom termo o procedimento relativo à execução desse mandado, a pessoa procurada não pode ser imediatamente presente a um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão e, uma vez que o procedimento de execução de um mandado de detenção europeu é suscetível de acarretar, nas condições previstas no artigo 12.o da Decisão‑Quadro 2002/584, a detenção dessa pessoa no Estado‑Membro de execução durante um período que pode ser longo, é indispensável garantir, como exigência mínima, que a decisão nacional que ordena a procura e a detenção de uma pessoa, ou até a sua prisão, como acontece no caso presente, e que serve de base para a emissão de um mandado de detenção europeu por um procurador, seja submetida a fiscalização jurisdicional na fase da sua adoção ou, pelo menos, que possa ser impugnada através de um recurso interposto por essa pessoa perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão, logo que seja detida no Estado‑Membro de execução.

95.      Assim, quando um mandado de detenção nacional é adotado por um procurador, como sucede no sistema processual búlgaro na fase preliminar do processo penal, a pessoa procurada deve poder recorrer, desde a sua detenção no Estado‑Membro de execução, a um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão para que este possa decidir sobre a legalidade da sua detenção e da sua prisão à luz do direito desse Estado‑Membro, como teria acontecido se essa pessoa tivesse sido presente a um órgão jurisdicional no prazo máximo de 72 horas previsto no caso de um mandado de detenção nacional emitido pelo procurador, nos termos do artigo 64.o, n.o 2, do NPK. Caso contrário, todo um aspeto da legalidade da detenção ou da prisão da pessoa em causa escaparia a qualquer fiscalização jurisdicional antes da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, uma vez que a autoridade judiciária de execução não tem competência para decidir sobre esse aspeto.

96.      Em qualquer caso, o procedimento nacional que conduz à emissão de um mandado de detenção europeu deve sempre poder ser submetido, pelo menos num dos dois níveis de proteção dos direitos da pessoa procurada, a fiscalização jurisdicional antes da entrega dessa pessoa ao Estado‑Membro de emissão, ou seja, antes de o mandado de detenção europeu ter esgotado a maior parte dos seus efeitos jurídicos (55).

97.      Acrescento que a existência de garantias processuais previstas no direito derivado da União deve, na minha opinião, ser acompanhada da garantia de que cada sistema processual preveja uma fiscalização jurisdicional do procedimento nacional que conduz à emissão de um mandado de detenção europeu, suscetível de ser efetuada antes da entrega da pessoa em causa.

98.      A este respeito, saliento que o Tribunal de Justiça precisou que «a Decisão‑Quadro 2002/584 [se insere] num sistema global de garantias relativas à proteção jurisdicional efetiva previstas [noutras] legislações da União, adotadas no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, que contribuem para facilitar à pessoa procurada com fundamento num mandado de detenção europeu o exercício dos seus direitos, ainda antes da sua entrega ao EstadoMembro de emissão» (56).

99.      Em particular, o artigo 10.o da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (57), exige que a autoridade competente do Estado‑Membro de execução informe a pessoa procurada, sem demora injustificada após a privação de liberdade, de que tem o direito de constituir um advogado no Estado‑Membro de emissão (58).

100. Nos termos do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/48, «[e]sse advogado tem como função auxiliar o advogado do Estado‑Membro de execução prestando‑lhe informações e aconselhamento com vista a permitir que a pessoa procurada exerça efetivamente os seus direitos ao abrigo da Decisão‑Quadro [2002/584]». Na minha opinião, o papel do advogado, assim definido, engloba a prestação de informações acerca das vias de recurso eventualmente disponíveis no Estado‑Membro de emissão com vista a obter a fiscalização, por um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro, do respeito das condições de emissão de um mandado de detenção europeu, bem como da conformidade da decisão nacional em que assenta esse mandado de detenção com o direito nacional.

101. Assim, o efeito útil dessas disposições implica, a meu ver, que uma pessoa detida no Estado‑Membro de execução possa impugnar perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão, antes da sua entrega a este último, o mandado de detenção europeu ou a decisão nacional em que esse mandado assenta, quando nenhuma destas duas decisões tenha sido objeto de fiscalização jurisdicional aquando da sua emissão. Contudo, cabe precisar que a interposição de um recurso perante um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão não deve, a fim de respeitar a exigência de celeridade na execução de um mandado de detenção europeu, prejudicar as condições e os prazos estabelecidos na Decisão‑Quadro 2002/584 para a execução desse mandado de detenção.

102. Decorre de todas estas considerações que o procedimento búlgaro para a emissão de um mandado de detenção europeu por um procurador público na fase preliminar do processo penal não satisfaz, na minha opinião, as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva.

V.      Conclusão

103. À luz de todas as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Westminster Magistrates’ Court (Tribunal de Primeira Instância de Westminster, Reino Unido), da seguinte forma:

A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretada no sentido de que as exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva de que deve beneficiar uma pessoa objeto de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal não estão satisfeitas quando, segundo a legislação do Estado‑Membro de emissão, tanto o mandado de detenção europeu como a decisão judiciária nacional em que esse mandado assenta são emitidos por uma autoridade que, embora participando na administração da justiça penal desse Estado‑Membro, não é, ela mesma, um órgão jurisdicional e não podem ser objeto de fiscalização jurisdicional nesse Estado‑Membro antes da entrega da pessoa em causa.


1      Língua original: francês.


2      JO 2002, L 190, p. 1.


3      JO 2009, L 81, p. 24; a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584». V., para uma visão geral destas diferenças, Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 2 de julho de 2020, sobre a execução da Decisão‑Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros [COM(2020) 270 final, em particular pp. 5 e 6]. No que respeita às autoridades judiciárias de emissão, resulta do referido relatório que, «em metade dos Estados‑Membros, só os tribunais ou juízes são competentes para emitir um mandado de detenção europeu. Num número reduzido de Estados‑Membros, cabe unicamente ao Ministério Público a emissão do mandado de detenção europeu. Vários Estados‑Membros designaram tanto os tribunais como o Ministério Público como autoridades de emissão. Além disso, alguns desses Estados‑Membros designaram diferentes autoridades em função da fase do procedimento penal (p. ex., pré‑acusação e pós‑acusação ou pré‑julgamento e julgamento) ou para efeitos do mandado de detenção europeu (ação penal ou execução de uma sentença). […] Um pequeno número de Estados‑Membros nomeou um único órgão específico (p. ex., a Procuradoria‑Geral)» (p. 6). No que se refere às autoridades judiciárias de execução, segundo o mesmo relatório, «[c]omo autoridades de execução competentes, uma grande maioria de Estados‑Membros dispõe de tribunais designados (p. ex., tribunais de recurso; tribunais distritais; supremos tribunais) ou juízes […]. Um pequeno número de Estados‑Membros designou tanto tribunais como o Ministério Público. Alguns Estados‑Membros nomearam um órgão específico único (p. ex., Procuradoria‑Geral ou Tribunal Supremo)» (p. 6). V., também, para um quadro mais pormenorizado das autoridades competentes e dos procedimentos nos Estados‑Membros, Questionnaire on the CJEU’s judgments in relation to the independence of issuing judicial authorities and effective judicial protection — Updated compilation of replies and certificates, Eurojust, de 7 de junho de 2019 (revisto em 12 de março de 2020), disponível no endereço Internet seguinte: https://www.eurojust.europa.eu/questionnaire‑cjeus‑judgments‑relation‑independence‑issuing‑judicial‑authorities‑and‑effective‑0.


4      V. Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento) (C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 29).


5      A seguir «Carta».


6      V., em especial, Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória) (C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 49 e jurisprudência referida).


7      DV n.o 46, de 3 de junho de 2005.


8      Em contrapartida, como o órgão jurisdicional de reenvio afirma no seu pedido de decisão prejudicial, durante a fase de julgamento é o órgão jurisdicional competente que tem o poder de emitir um mandado de detenção europeu.


9      C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456.


10      C‑509/18, EU:C:2019:457.


11      C‑566/19 PPU e C‑626/19 PPU, a seguir «Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours)», EU:C:2019:1077.


12      C‑625/19 PPU, a seguir «Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia)», EU:C:2019:1078.


13      Segundo o Tribunal de Justiça, «uma autoridade, como uma procuradoria, que tem competência, no âmbito do processo penal, para instaurar uma ação penal contra uma pessoa suspeita de ter cometido uma infração penal, para que seja demandada num órgão jurisdicional, participa na administração da justiça do Estado‑Membro em causa»; v. Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 60).


14      Remeto, quanto a este aspeto, para os n.os 59 a 62 das minhas Conclusões no processo MM (C‑414/20 PPU, EU:C:2020:1009).


15      V., nomeadamente, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, MM (C‑414/20 PPU, a seguir «Acórdão MM», EU:C:2021:4, n.o 44 e jurisprudência referida).


16      V. Acórdão MM (n.o 74).


17      V. Acórdão de 10 de novembro de 2016, Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:860, n.os 32 e 33).


18      V., por analogia, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Özçelik (C‑453/16 PPU, EU:C:2016:860, n.o 34).


19      V. Acórdão MM, do qual resulta que «o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que um mandado de detenção europeu deve ser considerado inválido quando não se baseie num “mandado de detenção [nacional] ou [em] qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva”, na aceção desta disposição. Este conceito abrange as medidas nacionais adotadas por uma autoridade judiciária com vista à procura e detenção de uma pessoa contra a qual é exercida a ação penal, com o objetivo de a apresentar a um juiz para a prática de atos do processo penal» (n.o 57).


20      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 61 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.


21      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 62 e jurisprudência referida).


22      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 63 e jurisprudência referida).


23      V. Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 69). O sublinhado é meu.


24      V. Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 70). O sublinhado é meu.


25      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 64 e jurisprudência referida).


26      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 65 e jurisprudência referida).


27      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 66 e jurisprudência referida).


28      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 67 e jurisprudência referida).


29      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 68 e jurisprudência referida).


30      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 69 e jurisprudência referida).


31      V., nomeadamente, Acórdão MM (n.o 70 e jurisprudência referida).


32      V., nomeadamente, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas (C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.o 37).


33      Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 67). O sublinhado é meu.


34      Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 68). O sublinhado é meu.


35      V. Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 69).


36      Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 70).


37      V. Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 71).


38      Não me parece poder retirar‑se uma conclusão diferente do Acórdão de 28 de janeiro de 2021, IR (Cartas de Direitos) (C‑649/19, EU:C:2021:75), em que o Tribunal de Justiça remeteu para o Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) para considerar que «o direito a uma proteção jurisdicional efetiva não impõe que o direito de impugnação previsto pela legislação do Estado‑Membro de emissão contra a decisão de emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de processo penal possa ser exercido antes da entrega da pessoa em causa às autoridades competentes desse Estado‑Membro» (n.o 79). Com efeito, tendo em conta a avaliação global dos dois níveis de proteção a que o Tribunal de Justiça procede, em cada processo que lhe é submetido, para decidir se um sistema processual obedece às exigências inerentes a uma proteção jurisdicional efetiva, o número do acórdão atrás citado não pode, a meu ver, ser interpretada no sentido de que significa que essas exigências estão satisfeitas quando, como acontece no caso vertente, a única fiscalização jurisdicional no EstadoMembro de emissão suscetível de ser exercida sobre as decisões do procurador de emitir um mandado de detenção nacional e, posteriormente, um mandado de detenção europeu tem lugar após a entrega da pessoa em causa a esse Estado‑Membro. É também importante observar que, ao invés do presente processo, que diz respeito à fase preliminar do processo penal na Bulgária, em que o procurador é competente para emitir tanto o mandado de detenção nacional como o mandado de detenção europeu, o processo que deu origem ao Acórdão de 28 de janeiro de 2021, IR (Cartas de Direitos) (C‑649/19, EU:C:2021:75), dizia respeito à fase judicial do processo penal na Bulgária, em que tanto a medida de prisão preventiva, que substitui o mandado de detenção nacional, como o mandado de detenção europeu são emitidos por um órgão jurisdicional (v. n.os 22 a 26 desse acórdão).


39      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 46). O sublinhado é meu.


40      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 47).


41      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 48). O sublinhado é meu.


42      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 50). Além disso, segundo as indicações fornecidas pelo Governo sueco, «qualquer órgão jurisdicional superior chamado a pronunciar‑se sobre um recurso da decisão que ordena a prisão preventiva procede igualmente à apreciação do caráter proporcionado da emissão do mandado de detenção europeu» (n.o 51 desse acórdão).


43      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 52).


44      Acórdão Openbaar Ministerie (Ministério Público da Suécia) (n.o 53).


45      V., nomeadamente, Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 60 e jurisprudência referida).


46      V. Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 70).


47      V., nomeadamente, Acórdão MM (n. 48 e jurisprudência referida).


48      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, TC (C‑492/18 PPU, EU:C:2019:108, n.o 54 e jurisprudência referida).


49      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, TC (C‑492/18 PPU, EU:C:2019:108, n.o 55 e jurisprudência referida). Segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), «[o]s direitos consagrados no artigo 6.o correspondem aos direitos garantidos pelo artigo 5.o da [Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir “CEDH”)], cujo sentido e âmbito são iguais, de acordo com o disposto no n.o 3 do artigo 52.o da Carta. Resulta daí que as restrições que lhes possam ser legitimamente impostas não poderão exceder as autorizadas pela CEDH nos termos do disposto no artigo 5.o».


50      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358.


51      V. Acórdão de 30 de maio de 2013, F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.o 42).


52      V. Acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 57 e jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos referida).


53      Esta disposição impede a privação de liberdade sem fiscalização jurisdicional imediata da prisão e da detenção: v., para uma ilustração, TEDH, 4 de dezembro de 2014, Ali Samatar e o. c. França, CE:ECHR:2014:1204JUD001711010.


54      V., nomeadamente, TEDH, 7 de julho de 2020, Dimo Dimov e o. c. Bulgária, CE:ECHR:2020:0707JUD003004410, § 69.


55      V. Acórdão MM (n.o 77).


56      V., nomeadamente, Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e de Tours) (n.o 72). O sublinhado é meu.


57      JO 2013, L 294, p. 1.


58      V., nomeadamente, Acórdão Parquet général du Grand‑Duché de Luxembourg e Openbaar Ministerie (Procuradores de Lyon e Tours) (n.o 73).