Language of document : ECLI:EU:C:2024:506

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

13 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 2.o, n.o 4, alínea b), terceiro travessão — Artigo 17.o, n.o 1, alínea a) — Imposto especial de consumo — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Eletricidade utilizada para a eletrólise — Reduções fiscais sobre o consumo de produtos energéticos e eletricidade a favor de empresas com utilização intensiva de energia — Aquisição de produtos energéticos e eletricidade — Custo real da energia adquirida — Tarifas de distribuição — Critérios de isenção — Princípio da igualdade e da não discriminação»

No processo C‑266/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 28 de dezembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de abril de 2023, no processo

A. S.A.

contra

Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy

sendo interveniente:

Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: Z. Csehi, presidente de secção, M. Ilešič (relator) e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de A. S.A., por K. Rutkowski, radca prawny,

–        em representação do Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy, por A. Kowalczyk‑Markowska,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo Espanhol, por I. Herranz Elizalde, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. S.A., uma sociedade de direito polaco, ao Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy (Diretor da Administração Fiscal de Bydgoszcz, Polónia) a respeito da recusa de reembolso de uma parte do imposto especial de consumo que esta sociedade pagou sobre a eletricidade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 2 a 5, 9, 11 e 24 da Diretiva 2003/96 enunciam:

«(2)      A ausência de disposições comunitárias que sujeitem a uma taxa mínima de tributação da eletricidade e dos produtos energéticos que não os óleos minerais poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(3)      O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

(4)      A existência de importantes diferenças entre os níveis nacionais de tributação da energia aplicados pelos Estados‑Membros poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(5)      A fixação a níveis adequados das taxas mínimas comunitárias pode permitir reduzir as atuais diferenças entre os níveis nacionais de tributação.

[…]

(9)      Deverá ser concedida aos Estados‑Membros a necessária flexibilidade para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais.

[…]

(11)      Cada Estado‑Membro é livre de decidir que disposições fiscais aplicará para pôr em prática o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, bem como de decidir não aumentar para o efeito a sua carga fiscal global se considerar que a implementação deste princípio de neutralidade fiscal poderá contribuir para a reestruturação e modernização dos seus regimes fiscais, incentivando comportamentos conducentes a uma maior proteção do ambiente e a uma utilização acrescida do fator trabalho.

[…]

(24)      Convém permitir aos Estados‑Membros a aplicação de determinadas outras isenções, ou de níveis reduzidos de tributação, sempre que tal não prejudique o bom funcionamento do mercado interno nem implique distorções da concorrência.»

4        O artigo 2.o, n.o 4, alínea b), terceiro travessão, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva não é aplicável:

[…]

b)      Às seguintes utilizações de produtos energéticos e eletricidade:

[…]

–        eletricidade utilizada principalmente para fins de redução química e em processos eletrolíticos e metalúrgicos.»

5        O artigo 4.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.o não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

2.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “nível da tributação”, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o [imposto sobre o valor acrescentado (IVA)]), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

6        Nos termos do artigo 8.o, n.o 2, da mesma diretiva:

«O presente artigo será aplicável às seguintes utilizações industriais e comerciais:

[…]

c)      Equipamento e maquinaria utilizados na construção, na engenharia civil e nas obras públicas;

[…]»

7        O artigo 17.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/96 enuncia:

«1.      Desde que sejam respeitados em média os níveis de tributação mínimos para cada empresa previstos na presente diretiva, os Estados‑Membros poderão aplicar reduções de impostos sobre o consumo de produtos energéticos utilizados para aquecimento ou para os fins previstos nas alíneas b) e c) do n.o 2 do artigo 8.o e sobre a eletricidade nos seguintes casos:

a)      A favor de empresas com utilização intensiva de energia.

Entende‑se por ‘empresa com utilização intensiva de energia’, uma entidade empresarial, tal como referida no artigo 11.o, cujos custos de aquisição de produtos energéticos e eletricidade ascendam, no mínimo, a 3,0 % do valor da produção ou para a qual o imposto nacional a pagar sobre a energia ascenda, pelo menos, a 0,5 % do valor acrescentado. No âmbito desta definição, os Estados‑Membros poderão aplicar critérios mais restritivos, incluindo o valor das vendas, o processo de fabrico e o setor industrial.

Entende‑se por “custos de aquisição de produtos energéticos e eletricidade”, o custo real da energia adquirida ou gerada na empresa. Só se incluem a eletricidade, o calor e os produtos energéticos utilizados para fins de aquecimento ou para os fins previstos nas alíneas b) e c) do n.o 2 do artigo 8.o Incluem‑se todos os impostos, com exceção do IVA dedutível.

[…]

b)      Sempre que sejam celebrados acordos com empresas ou associações de empresas ou aplicados regimes de autorização negociáveis ou convénios equivalentes, desde que conducentes à realização de objetivos de proteção ambiental ou de aumento da eficiência energética.

2.      Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 4.o, os Estados‑Membros podem aplicar um nível de tributação que pode descer até zero aos produtos energéticos ou à eletricidade na aceção do artigo 2.o, quando utilizados por empresas com utilização intensiva de energia na aceção do n.o 1 do presente artigo.»

 Direito polaco

 Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo

8        O artigo 30.o, n.o 7a, da ustawa o podatku akcyzowym (Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo), de 6 de dezembro de 2008 (Dz. U. de 2009, n.o 3, posição 11), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«A eletricidade utilizada está isenta do imposto especial de consumo:

1)      para efeitos de redução química;

2)      em processos eletrolíticos;

3)      em processos metalúrgicos;

4)      em processos mineralógicos.»

9        O artigo 31d.°, n.os 1, 2 e 11, desta lei prevê:

«1.      Beneficia de uma isenção do imposto especial de consumo, sob a forma de um reembolso de uma parte do imposto especial de consumo pago pela eletricidade que utilizaram, as empresas com utilização intensiva de energia que utilizam eletricidade e que preencham cumulativamente as seguintes condições:

1)      exercem uma atividade económica, designada pelos seguintes códigos polacos de classificação das atividades (PKD): [códigos PKD],

2)      mantêm uma contabilidade na aceção das disposições em matéria de contabilidade,

3)      não beneficia, em relação a essa eletricidade, de uma isenção do imposto especial sobre o consumo a que se refere o artigo 30.o, n.o 7a.

2.      Entende‑se por “empresa com utilização intensiva de eletricidade” uma entidade cuja parte do custo da eletricidade utilizada no valor da produção comercializada no ano fiscal para o qual é apresentado o pedido a que se refere o n.o 5 é superior a 3 %. Uma empresa com utilização intensiva de eletricidade não deve ser menor do que a parte organizada de uma empresa, entendida como um conjunto de ativos corpóreos e incorpóreos, incluindo as obrigações, separados do ponto de vista organizacional e financeiro, destinados ao cumprimento de determinadas tarefas económicas, que poderiam constituir uma empresa independente encarregada da execução dessas tarefas.

[…]

11.      O montante do imposto especial de consumo parcialmente reembolsado não pode ser superior ao montante do imposto especial de consumo pago sobre a eletricidade utilizada por empresas com utilização intensiva de eletricidade durante o exercício fiscal para o qual é apresentado o pedido referido no n.o 5.»

 Lei relativa à Energia

10      O artigo 47.o, n.o 1, da ustawa — Prawo energetyczne (Lei relativa à Energia), de 10 de abril de 1997 (Dz. U. de 1997, n.o 54, posição 348), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, enuncia:

«As empresas de energia titulares de concessões fixam as tarifas para os combustíveis gasosos e a energia, que devem ser aprovadas pelo presidente da [Urząd Regulacji Energetyki (URE) (Autoridade de Regulação do Setor da Energia)], e propõem a sua duração. As empresas de energia titulares de concessões devem apresentar as tarifas e as suas alterações ao presidente da URE, por sua própria iniciativa, o mais tardar dois meses antes do termo da tarifa anterior ou a pedido do presidente da URE.»

 Lei relativa às Fontes de Energia Renováveis

11      Nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da ustawa o odnawialnych ź ródłach energii (Lei relativa às Fontes de Energia Renováveis), de 20 de fevereiro de 2015 (Dz. U. de 2015, posição 478), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal:

«A empresa de eletricidade, o destinatário final, o destinatário industrial e a empresa de corretagem das mercadorias ou a empresa de corretagem referidas no n.o 2 devem:

1)      obter e apresentar para resgate ao presidente da URE, para entrega, um certificado de origem ou um certificado de origem para biogás agrícola emitido:

a)      respetivamente para a eletricidade ou o biogás agrícola, consoante o caso, produzidos em instalações de fontes de energia renováveis situadas no território da República da Polónia ou situadas na zona económica exclusiva, ou

b)      com base na Lei relativa à Energia ou

2)      pagar uma taxa de substituição no prazo fixado no artigo 68.o, n.o 2, calculada segundo a forma fixada no artigo 56.o»

 Regulamento do Ministro da Energia relativo às Modalidades de Formulação e Cálculo das Tarifas e à Faturação da Eletricidade

12      O § 5, n.os 2 e 3, do rozporządzenie Ministra Energii w sprawie szczegółowych zasad kształtowania i kalkulacji taryf oraz rozliczeń w obrocie energią elektryczną (Regulamento do Ministro da Energia relativo às Modalidades de Formulação e Cálculo das Tarifas e à Faturação da Eletricidade), de 29 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2017, posição 2500), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tem a seguinte redação:

«[2]. Uma empresa de energia que exerça uma atividade económica no domínio da distribuição de eletricidade deve incluir na sua tarifa:

1)      as taxas pela prestação dos serviços de transporte de eletricidade, a seguir “taxa de transporte”;

[…]

3.      Uma empresa de energia que exerce uma atividade económica de distribuição de eletricidade deve incluir na sua tarifa:

[…]

2)      as taxas aplicáveis à prestação de serviços de distribuição de eletricidade, a seguir “taxa de distribuição”;

[…]»

13      O § 14, n.os 3 a 7, desse regulamento prevê:

«3.      As taxas de distribuição são calculadas tendo em conta a repartição por taxa resultantes da:

1)      distribuição de eletricidade;

2)      utilização da rede elétrica nacional;

3)      leitura das indicações dos sistemas de medição e de regulação e o seu controlo atual.

4.      As taxas de distribuição referidas no n.o 3, ponto 2, são calculadas como um único elemento, com base nos custos de aquisição dos serviços de transporte de eletricidade ao operador da rede de transporte de eletricidade na parte relativa à utilização da rede elétrica nacional.

5.      As taxas de distribuição referidas no n.o 3, ponto 3, a seguir “taxas de rede” são calculadas como um único elemento.

6.      As taxas de rede variam em função da duração do período de referência.

7.      As taxas de transporte ou distribuição referidas no n.o 1, ponto 1, e no n.o 3, ponto 1, a seguir “taxas de rede” são calculadas como tendo duas partes compostas por:

1)      uma taxa de rede fixa — calculada por unidade de potência contratada e, para os destinatários de eletricidade domésticos, calculada em função do sistema de contagem e faturação;

2)      uma taxa de rede variável — calculada por unidade de eletricidade retirada da rede no local de fornecimento.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A. beneficiou, ao longo do ano de 2016, da isenção do imposto especial de consumo sobre a eletricidade utilizada para a eletrólise no âmbito das suas atividades.

15      Por considerar que deveria ter beneficiado igualmente de uma isenção fiscal enquanto empresa com utilização intensiva de energia no que respeita ao resto da energia que utilizou nesse âmbito e que o custo real da energia adquirida deveria incluir as despesas de distribuição e os custos para a aquisição dos certificados de origem da eletricidade, exigidos pela legislação polaca, A. retificou a sua declaração de imposto especial de consumo relativa ao ano de 2016 e pediu ao Naczelnik Urzędu Skarbowego w Toruniu (Chefe da Repartição de Finanças de Toruń, Polónia) que lhe reembolsasse o montante do imposto especial de consumo pago, que constituía, em seu entender, um pagamento em excesso.

16      Por Decisão de 8 de fevereiro de 2018, o Chefe da Repartição de Finanças de Toruń recusou reembolsar‑lhe esse montante. Tendo A. interposto recurso dessa decisão para o Diretor da Administração Fiscal de Bydgoszcz, este confirmou a decisão recorrida por Decisão de 14 de maio de 2018.

17      A. interpôs recurso da Decisão de 14 de maio de 2018 para o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Bydgoszczy (Tribunal Administrativo do Voivodato de Bydgoszcz, Polónia), que lhe negou provimento, por considerar, em primeiro lugar, que o legislador tinha excluído a possibilidade de beneficiar simultaneamente das duas isenções previstas, respetivamente, no artigo 30.o, n.o 7a, e no artigo 31d.°, n.o 1, ponto 3, da Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo. A isenção prevista nesta segunda disposição só é permitida para uma empresa com utilização intensiva de energia se esta não beneficiar da isenção prevista no artigo 30.o, n.o 7a, desta lei, no caso em apreço, a isenção relativa à eletricidade utilizada em processos eletrolíticos.

18      Por outro lado, a isenção prevista no artigo 31d.°, n.o 1, ponto 3, da referida lei aplica‑se à empresa em causa, na sua totalidade, e à totalidade da energia por ela utilizada, e não apenas à quota de energia utilizada para a eletrólise.

19      Em segundo lugar, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Bydgoszczy (Tribunal Administrativo do Voivodato de Bydgoszcz) precisou que as despesas e os custos, como as despesas de distribuição, diferentes do custo de aquisição da eletricidade não constituem elementos desse custo de aquisição, ainda que seja necessário suportá‑los para adquirir e utilizar a eletricidade. Além disso, esse órgão jurisdicional precisou, nomeadamente, que, para qualificar de «imposto» os montantes devidos a título dos custos conexos com a aquisição de eletricidade, é necessário que exista uma obrigação de pagar esses montantes e que as autoridades competentes possam intentar uma ação judicial contra os devedores dos referidos montantes em caso de incumprimento dessa obrigação.

20      A. interpôs recurso de cassação para o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio, que se interroga sobre a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96.

21      Nestas circunstâncias, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode a disposição do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2003/96, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade], ser entendida no sentido de que só o preço de aquisição da eletricidade em si deve ser incluído no custo real da energia adquirida, excluindo quaisquer taxas adicionais, como por exemplo uma taxa de distribuição, que é indispensável, por força das disposições vigentes no Estado‑Membro, para se poder adquirir eletricidade?

2)      Deve a disposição do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 ser interpretada no sentido de que se opõe à exclusão da isenção de imposto especial de consumo sobre a aquisição de eletricidade para uma empresa com utilização intensiva de energia [artigo 31d.o, n.o 1, da Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo], quando essa empresa beneficia de isenção do imposto especial de consumo em questão ao abrigo das disposições nacionais (artigo 30.o, n.o 7a, da [Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo]), quando essa empresa demonstre que não beneficia das duas isenções simultaneamente para a mesma energia, e partindo do princípio de que o montante total das isenções não excede o montante do imposto especial de consumo pago durante o mesmo período?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 34 e jurisprudência referida).

23      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que as questões prejudiciais assentam numa apreciação efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual os encargos adicionais, como as tarifas de distribuição, às quais aquele se refere, não podem constituir «impostos» na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96.

24      Por conseguinte, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que, com a sua primeira questão, pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que o custo real da energia adquirida, na aceção desta disposição, só deve incluir o preço de aquisição da própria energia, excluindo encargos adicionais, que não podem constituir «impostos», na aceção da referida disposição, como as tarifas de distribuição obrigatórias dessa energia suportadas, por força da regulamentação nacional, quando da aquisição da referida energia.

25      Recorde‑se, antes de mais, que, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, da Diretiva 2003/96, entende‑se por «custos de aquisição de produtos energéticos e eletricidade» o «custo real da energia adquirida ou gerada na empresa».

26      A este respeito, resulta desta disposição que esse custo só inclui a eletricidade bem como o calor e os produtos energéticos que são utilizados para o aquecimento ou para os fins previstos no artigo 8.o, n.o 2, alíneas b) e c), desta diretiva. Por outro lado, resulta do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, da referida diretiva que todos os impostos, com exceção do IVA dedutível, são incluídos nos custos reais da energia.

27      Por conseguinte, há que examinar se as tarifas de distribuição da eletricidade previstas pela regulamentação nacional devem ser consideradas abrangidas pelo conceito de «custo real da energia adquirida [por uma] empresa», na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/96.

28      A título preliminar, importa recordar que, para determinar o alcance de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que essa disposição se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte (Acórdão de 16 de novembro de 2023, Tüke Busz, C‑391/22, EU:C:2023:892, n.o 34).

29      No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/96, há que salientar que este faz referência ao «custo real da energia adquirida ou gerada na empresa». O conceito de «custo real» não é, aliás, definido nem por esta disposição nem por outras disposições da Diretiva 2003/96.

30      Ora, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem corrente, este conceito deve ser entendido no sentido de que corresponde a qualquer custo necessariamente ligado à aquisição da energia visada pela referida disposição. Esta interpretação é corroborada pelo exame das diferentes versões linguísticas da mesma disposição, que exprimem de maneira uniforme o conceito de «custo real», nomeadamente nas versões em línguas polaca («rzeczywisty koszt»), espanhola («coste real»), alemã («tatsächlichen Kosten»), inglesa («atual cost»), italiana («costo effettivo») e romena («costul real»). A este respeito, todas estas versões fazem referência às despesas realmente efetuadas que são necessárias à aquisição de eletricidade.

31      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o pagamento das tarifas de distribuição ao fornecedor da energia é obrigatório para a aquisição desta última e que o seu montante é determinado com base em disposições legais precisas.

32      A referida interpretação é, em segundo lugar, confortada pelo contexto em que se insere o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/96. A este respeito, por um lado, embora o legislador tenha precisado que, no termo «energia» que aí é usado, «[s]ó se incluem a eletricidade, o calor e os produtos energéticos utilizados para fins de aquecimento ou para os fins previstos nas alíneas b) e c) do n.o 2 do artigo 8.o» desta diretiva, a disposição em causa não limita, porém, o alcance do termo «custo real» unicamente ao preço da energia que a empresa em questão deve pagar para o adquirir.

33      Por outro lado, impõe‑se constatar que, sempre que o legislador da União quis excluir custos ligados à aquisição da energia do conceito de «custos reais», excluiu‑os expressamente. Com efeito, o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, terceiro período, da Diretiva 2003/96 precisa que estão incluídos nos «custos reais» «todos os impostos», «com exceção do IVA dedutível».

34      Por último, em terceiro lugar, há que constatar que a interpretação literal do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, terceiro período, da Diretiva 2003/96, que emerge dos n.os 29 a 32 do presente acórdão, a saber, uma interpretação lata do conceito de «custos reais», na aceção desta disposição, é compatível com o objetivo principal da regulamentação de que esta disposição faz parte, a saber, o da promoção do bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 30 e jurisprudência referida).

35      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que o custo real da energia adquirida, na aceção desta disposição, deve incluir encargos adicionais, que não podem constituir «impostos» na aceção desta disposição, como as tarifas de distribuição obrigatórias dessa energia suportadas, por força da regulamentação nacional, quando da aquisição da referida energia.

 Quanto à segunda questão

36      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma isenção do imposto especial de consumo sobre a aquisição de eletricidade é recusada a uma empresa com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, quando essa empresa beneficia, em relação a essa eletricidade, de uma isenção do imposto especial de consumo reservada à eletricidade utilizada nos processos eletrolíticos, mesmo que a referida empresa demonstre que, em relação à mesma energia, não beneficia dessas duas isenções simultaneamente e que o montante total das referidas isenções não ultrapassa o montante do imposto especial de consumo pago relativamente ao mesmo período.

37      A título preliminar, há que observar que, segundo o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), terceiro travessão, da Diretiva 2003/96, esta não se aplica, designadamente, à eletricidade utilizada principalmente para a redução química e a eletrólise, bem como nos processos metalúrgicos. Por conseguinte, resulta da redação deste artigo que a eletricidade em causa não é abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

38      Por força do artigo 4.o desta diretiva, os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, a saber, os carburantes, os combustíveis de aquecimento e a eletricidade, aplicando‑lhes níveis de tributação que não podem ser inferiores aos níveis mínimos que a diretiva prevê [Acórdão de 31 de março de 2022, Comissão/Polónia (Tributação dos produtos energéticos), C‑139/20, EU:C:2022:240, n.o 39].

39      De resto, resulta do considerando 3 e do artigo 4.o da referida diretiva que esta não procedeu a uma harmonização total das taxas do imposto especial de consumo sobre os produtos energéticos e a eletricidade, limitando‑se a fixar níveis mínimos de tributação harmonizada.

40      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma harmonização mínima não impede os Estados‑Membros de manter ou de adotar medidas mais estritas, sempre que estas não sejam suscetíveis de comprometer seriamente o resultado visado pela diretiva em causa (v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2016, Muladi, C‑447/15, EU:C:2016:533, n.o 43 e jurisprudência referida).

41      Ao prever um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, a diretiva 2003/96 visa, como resulta dos considerandos 2 a 5 e 24, promover o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 30 e jurisprudência referida).

42      Porém, esta diretiva prevê a possibilidade de os Estados‑Membros instituírem taxas de tributação diferenciadas, isenções de tributação ou reduções fiscais dos impostos especiais de consumo. O legislador da União deixou, portanto, uma certa margem de apreciação aos Estados‑Membros em matéria de impostos especiais de consumo (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 26).

43      Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, os Estados‑Membros podem aplicar reduções de impostos sobre o consumo de eletricidade a favor de empresas com utilização intensiva de energia desde que sejam respeitados, em média, os níveis de tributação mínimos da União Europeia previstos nessa diretiva para cada empresa (Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS — Fondazione Santa Lucia, C‑189/15, EU:C:2017:17, n.o 47).

44      O nível de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade abrangidos pela mesma diretiva pode ir até zero, quando esses produtos e essa eletricidade sejam utilizados por empresas com utilização intensiva de energia [Acórdão de 31 de março de 2022, Comissão/Polónia (Tributação dos produtos energéticos), C‑139/20, EU:C:2022:240, n.o 42].

45      A este respeito, há que salientar que os benefícios fiscais para as empresas com utilização intensiva de energia, previstos no artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, são facultativos para os Estados‑Membros [v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto,  C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 24)].

46      Decorre igualmente desta disposição que os Estados‑Membros podem limitar livremente o benefício das reduções fiscais a favor das empresas com utilização intensiva de energia às empresas de um ou de vários setores industriais (Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS — Fondazione Santa Lucia, C‑189/15, EU:C:2017:17, n.o 49).

47      Com efeito, em conformidade com os seus considerandos 9 e 11, esta deixa aos Estados‑Membros uma certa margem para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais e indica que os regimes instituídos no âmbito da aplicação da referida diretiva são da competência de cada um dos Estados‑Membros (v., nesse sentido, Acórdão de 18 de janeiro de 2017, IRCCS — Fondazione Santa Lucia, C‑189/15, EU:C:2017:17, n.o 50).

48      Impõe‑se concluir do que precede que, embora um Estado‑Membro, no exercício da margem que lhe confere a Diretiva 2003/96, possa isentar a eletricidade utilizada pelas empresas com utilização intensiva de energia, não resulta de nenhuma disposição desta diretiva que seja obrigado a proceder desse modo.

49      A este respeito, o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), primeiro parágrafo, segundo período, da referida diretiva prevê que, no âmbito da definição da sua política na matéria, os Estados‑Membros podem aplicar critérios mais restritivos, tais como as definições de volume de negócios, de processo e de setor industrial.

50      Ora, impõe‑se constatar que, embora esta disposição cite certos critérios a que se podem referir os Estados‑Membros a fim de definir e de aplicar a sua política em matéria de reduções fiscais no que respeita às empresas com utilização intensiva de energia, resulta da formulação desta disposição que a enumeração desses critérios não tende a ser exclusiva.

51      Como resulta do pedido de decisão prejudicial, em conformidade com o artigo 31d.°, n.o 1, ponto 1, da Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo, a República da Polónia optou por aplicar reduções do imposto especial de consumo para as empresas com utilização intensiva de energia que exercem certas atividades económicas designadas pelos códigos da classificação polaca das atividades.

52      Por outro lado, resulta igualmente do pedido de decisão prejudicial que uma empresa, no caso de uma sociedade invocar a isenção do imposto especial sobre o consumo de eletricidade utilizada nos processos eletrolíticos, prevista no artigo 30.o, n.o 7a, ponto 2, da Lei relativa ao Imposto Especial de Consumo, não tem o direito de beneficiar simultaneamente da isenção dos impostos especiais de consumo a favor das empresas com utilização intensiva de energia, prevista no artigo 31d.°, n.o 1, desta lei.

53      Tendo em conta o exposto nos n.os 48 e 50 do presente acórdão, o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), primeiro parágrafo, segundo período, da Diretiva 2003/96 não pode ser interpretado no sentido de que exclui a definição de um critério como o referido no n.o 52 deste acórdão para a concessão de uma redução fiscal como a que está em causa no processo principal, desde que esse critério e a sua aplicação não sejam discriminatórios.

54      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros são obrigados a exercer o poder discricionário de que dispõem por força, designadamente, do artigo 17.o da Diretiva 2003/96, no respeito pelo direito da União e dos seus princípios gerais e, designadamente, no respeito pelo princípio da igualdade de tratamento. Por outro lado, esta exigência visa tanto as medidas através das quais esse poder discricionário é exercido como a aplicação destas [Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto), C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 31 e jurisprudência referida].

55      A este respeito, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado [Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto), C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 32 e jurisprudência referida].

56      Não resulta do pedido de decisão prejudicial nenhum elemento suscetível de demonstrar o caráter discriminatório do critério previsto pela regulamentação polaca. Consequentemente, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este critério é aplicado de modo conforme com o princípio da igualdade de tratamento.

57      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma isenção do imposto especial de consumo sobre a aquisição de eletricidade é recusada a uma empresa com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, quando essa empresa beneficia, em relação a essa eletricidade, de uma isenção do imposto especial de consumo reservada à eletricidade utilizada nos processos eletrolíticos, mesmo que a referida empresa demonstre que, em relação à mesma energia, não beneficia dessas duas isenções simultaneamente e que o montante total das referidas isenções não ultrapassa o montante do imposto especial de consumo pago relativamente ao mesmo período, desde que o critério definido pela regulamentação nacional a este respeito seja concebido e aplicado em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

1)      O artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade,

deve ser interpretado no sentido de que:

o custo real da energia adquirida, na aceção desta disposição, deve incluir encargos adicionais, que não podem constituir «impostos» na aceção desta disposição, como as tarifas de distribuição obrigatórias desta energia suportadas, por força da regulamentação nacional, quando da aquisição da referida energia.

2)      O artigo 17.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma isenção do imposto especial de consumo sobre a aquisição de eletricidade é recusada a uma empresa com utilização intensiva de energia, na aceção desta disposição, quando essa empresa beneficia, em relação a essa eletricidade, de uma isenção do imposto especial de consumo reservada à eletricidade utilizada nos processos eletrolíticos, mesmo que a referida empresa demonstre que, em relação à mesma energia, não beneficia dessas duas isenções simultaneamente e que o montante total das referidas isenções não ultrapassa o montante do imposto especial de consumo pago relativamente ao mesmo período, desde que o critério definido pela regulamentação nacional a este respeito seja concebido e aplicado em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.