Language of document : ECLI:EU:C:2024:511

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 13 de junho de 2024 (1)

Processo C118/23

Rada Nadzorcza Getin Noble Bank,

Getin Holding S.A.,

LC Corp BV,

Fundacja Jolanty i Leszka Czarneckich z siedzibą w Warszawie,

NM,

IJ,

OP,

DL,

US,

AB,

SQ,

KP,

MP,

MZ,

CP,

MD,

GW,

ZD,

IB,

JJ,

KG,

WG,

JS,

KB,

MM,

MT,

MG,

GK,

QP,

KM,

LN,

CK,

MK,

WK,

KA,

AU,

BX,

SJ,

ML,

MT,

LP,

PS,

SP,

DG,

GM,

IJ,

LL,

PJ,

WJ,

JG,

OT,

BK,

HH,

HB,

GK,

RS,

CE,

ET,

IK,

NO,

BI,

TM,

CJ,

SN,

DI,

EO,

GL,

PA,

TN,

EQ,

PB,

LT,

LS,

NA,

PR,

IN,

IT,

TK,

LE,

NB,

SE,

KL,

BD,

RR,

RL,

IO,

BV,

TA,

TS,

AA,

MB,

YN,

IC,

EZ,

UB,

AM,

MP,

DJ,

VE,

XL,

OA,

IW,

DL,

NG,

UH,

CI,

RG,

RL,

SI,

OS,

NS,

BA,

NP,

PQ,

IY,

TG,

BE,

RN,

SL,

WE,

RY,

DL,

EO,

OR,

AW,

VQ,

QR,

SC,

RI

contra

Bankowy Fundusz Gwarancyjny,

sendo intervenientes

VELOBANK S.A.,

M.K., na qualidade de administrador da insolvência da Getin Noble Bank S.A., em liquidação, anteriormente Getin Noble Bank S.A.,

TD

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Recuperação e resolução de instituições de crédito — Banco submetido a um procedimento de resolução — Acumulação de funções da autoridade de resolução — Garantia de independência operacional»






I.      Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2), do artigo 3.°, n.° 3, e do artigo 85.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (3).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Conselho de Supervisão da Getin Noble Bank S.A. (a seguir «GN Bank») e um grande número de pessoas singulares e coletivas ao Bankowy Fundusz Gwarancyjny (Fundo de Garantia Bancária, Polónia) (a seguir «FGB»), a respeito da decisão deste último de dar início a um procedimento de resolução do GN Bank.

3.        Nas presentes conclusões, que, conforme solicitado pelo Tribunal de Justiça, versam sobre a terceira e quarta questões prejudiciais, demonstrarei, por um lado, que as funções de administrador temporário e de garantia de depósitos bancários são «outras funções» que podem ser exercidas por uma autoridade de resolução, sob reserva de respeitar determinados requisitos adequados a assegurar a independência operacional entre estas funções e a função de resolução e, por outro, que as regras internas relevantes necessárias ao cumprimento desses requisitos podem ser adotadas e publicadas pelos Estados‑Membros ou pelas autoridades de resolução.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento (UE) n.° 575/2013

4.        O artigo 2.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012 (4), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/2033 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019 (5), prevê:

«1.      Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades competentes dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos definidos na Diretiva 2013/36/UE [(6)] e no presente regulamento.

2.      Para efeitos do cumprimento do presente regulamento, as autoridades de resolução dispõem dos poderes e respeitam os procedimentos definidos na Diretiva [2014/59] e no presente regulamento.»

5.        Nos termos do artigo 4.°, n.°1, ponto 40, deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, aplicam‑se as seguintes definições:

[...]

40)      “Autoridade competente”: uma autoridade pública ou um organismo oficialmente reconhecido pelo direito nacional habilitado, por força do direito nacional, a supervisionar as instituições no contexto do sistema de supervisão vigente nesse Estado‑Membro».

2.      Diretiva 2014/59

6.        O artigo 2.°, n.° 1, ponto 40, da Diretiva 2014/59 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

40.      “Medidas de resolução”, a decisão de colocar uma instituição ou uma entidade referida no artigo 1.°, n.° 1, alíneas b), c) ou d), sob resolução nos termos do artigo 32.° ou do artigo 33.°, a aplicação de um instrumento de resolução ou o exercício de um ou mais poderes de resolução».

7.        O artigo 3.° desta diretiva, sob a epígrafe «Designação das autoridades responsáveis pela resolução», prevê, nos seus n.os 3 e 4:

«3.      As autoridades de resolução podem ser bancos centrais nacionais, ministérios competentes ou outras autoridades administrativas públicas, ou ainda autoridades investidas de competências administrativas públicas. Excecionalmente, os Estados‑Membros podem prever que a autoridade de resolução possa ser a autoridade competente em matéria de supervisão para efeitos do Regulamento [n.° 575/2013] e da Diretiva [2013/36]. Devem existir medidas estruturais adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão previstas pelo Regulamento [n.° 575/2013] e pela Diretiva [2013/36], ou as outras funções da autoridade em causa, e as funções atribuídas às autoridades de resolução pela presente diretiva, sem prejuízo do intercâmbio de informações e das obrigações de cooperação exigidas no n.° 4. Os Estados‑Membros asseguram, nomeadamente, a existência de independência operacional, no seio das autoridades competentes, dos bancos centrais nacionais, dos ministérios competentes ou de outras autoridades competentes, entre a função de resolução e as funções de supervisão ou outras da autoridade em causa.

O pessoal que exerce as funções confiadas à autoridade de resolução pela presente diretiva deve pertencer a uma estrutura organizacional distinta e ter linhas hierárquicas separadas do pessoal encarregado das tarefas previstas pelo Regulamento [n.° 575/2013] e pela Diretiva [2013/36], ou do pessoal que assume as outras funções da autoridade em causa.

Para efeitos do presente número, os Estados‑Membros ou a autoridade de resolução adotam e publicam todas as regras internas relevantes necessárias, incluindo as regras relativas ao sigilo profissional e ao intercâmbio de informações entre as diferentes áreas funcionais.

4.      Os Estados‑Membros exigem que as autoridades que exercem funções de supervisão e de resolução, bem como as pessoas que exercem essas funções em seu nome, cooperem estreitamente na elaboração, na planificação e na aplicação das decisões de resolução, tanto quando a autoridade de resolução e a autoridade competente são entidades diferentes como quando as funções são exercidas no seio da mesma entidade.»

8.        Nos termos do artigo 29.°, n.os 1 a 3, da referida diretiva:

«1. [...] As autoridades competentes podem nomear, tendo em conta o que for proporcionado nas circunstâncias, um administrador temporário para substituir temporariamente o órgão de administração da instituição ou para trabalhar temporariamente com o órgão de administração da instituição, e a autoridade competente especifica a sua decisão no momento da nomeação. Se nomear um administrador temporário para trabalhar com o órgão de administração da instituição, a autoridade competente deve especificar ainda, no momento da nomeação, o papel, as funções e os poderes do administrador temporário, e as exigências de que o órgão de administração da instituição consulte ou obtenha a aprovação do administrador temporário antes de tomar decisões ou medidas específicas. [...] Os Estados‑Membros asseguram igualmente que os administradores temporários [...] estejam livres de conflitos de interesses.

2.      A autoridade competente especifica os poderes do administrador temporário no momento da sua nomeação, de uma forma proporcionada em função das circunstâncias. Esses poderes podem incluir alguns ou todos os poderes do órgão de administração da instituição de acordo com os estatutos da instituição e ao abrigo do direito nacional, incluindo o poder de exercer algumas ou todas as funções administrativas do órgão de administração da instituição [...].

3.      O papel e as funções do administrador temporário são especificados pela autoridade competente no momento da nomeação e podem incluir a determinação da situação financeira da instituição, a gestão da atividade ou de parte da atividade da instituição tendo em vista preservar ou restabelecer a situação financeira da instituição, e a adoção de medidas para restabelecer uma gestão sólida e prudente da atividade da instituição. A autoridade competente especifica as limitações do papel e das funções do administrador temporário no momento da sua nomeação.»

B.      Direito polaco

1.      Lei relativa ao Direito Bancário

9.        O artigo 144.°, n.os 1, 1a, 3 e 4 da ustawa Prawo bankowe (Lei relativa ao Direito Bancário) (7), de 29 de agosto de 1997, na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, dispõe:

«1. No caso referido no artigo 138.°, n.° 3, em consequência da ocorrência das circunstâncias referidas no artigo 142.°, n.° 1, a fim de melhorar a situação do banco ou de assegurar a eficácia do plano de recuperação aplicado, a Komisja Nadzoru Finansowego [Comissão de Supervisão Financeira, Polónia (a seguir “CSF”)] pode nomear um kurator do banco [(8)], sem prejuízo do disposto no artigo 5.°, n.° 6, da [ustawa o Bankowym Funduszu Gwarancyjnym, systemie gwarantowania depozytów oraz przymusowej restrukturyzacji (Lei relativa ao Fundo de Garantia Bancária, ao Sistema de Garantia de Depósitos e à Reestruturação Forçada) (9), de 10 de junho de 2016].

1a.      No caso referido no n.° 1, a [CSF] determina por decisão o âmbito específico das incumbências do kurator.

[...]

3.      O kurator tem o direito de suscitar objeções às resoluções e decisões do Conselho de Administração e do Conselho de Supervisão do Banco. Uma declaração de intenção de suscitar objeções numa reunião do Conselho de Supervisão ou do Conselho de Administração suspende a execução da resolução ou da decisão.

4.      O kurator pode contestar uma resolução da Assembleia‑Geral de Acionistas ou uma resolução da assembleia‑geral de um banco cooperativo que lese os interesses do banco [...]»

2.      Lei relativa ao Fundo de Garantia Bancária, ao Sistema de Garantia de Depósitos e à Reestruturação Forçada

10.      Artigo 5.°, n.os 1, 3 e 6, da Lei relativa ao Fundo de Garantia Bancária, ao Sistema de Garantia de Depósitos e à Reestruturação Forçada, na versão aplicável aos factos do litígio no processo principal, prevê:

«1.      As tarefas do [FGB] incluem:

1)      a execução das obrigações decorrentes da garantia dos depósitos, em especial o pagamento dos fundos garantidos aos depositantes;

2)      o controlo dos dados contidos nos sistemas de cálculo das entidades abrangidas pelo sistema de garantia;

3)      a reestruturação das entidades a que se refere o artigo 64.°, ponto 2, mediante remissão ou conversão de instrumentos de capital;

4)      a realização de reestruturações forçadas;

5)      a preparação, revisão e atualização de planos de reestruturação forçada e de planos coletivos de reestruturação forçada;

6)      a recolha e análise de informação sobre as entidades abrangidas pelo sistema de garantia e sobre os bancos hipotecários, com vista nomeadamente à elaboração de análises e previsões sobre o setor bancário e o setor das instituições de crédito, bem como bancos e instituições de crédito;

7)      a realização de outros atos em prol da estabilidade do sistema financeiro nacional.

[...]

3.      Com vista à estabilidade do sistema financeiro nacional, o [FGB] coopera com outros intervenientes, com operadores de sistemas de garantia dos depósitos e com autoridades competentes em matéria de reestruturação forçada, com a Autoridade Bancária Europeia e com as autoridades competentes para a reestruturação forçada de grupos, com as autoridades competentes para a reestruturação forçada de uma sucursal importante, com as autoridades competentes para a reestruturação forçada de uma filial e com as autoridades competentes para a reestruturação forçada de um país terceiro.

[...]

6.      A pedido do [FGB], a [CSF], designa o [FGB] como kurator, o qual é referido no artigo 144.°, n.° 1, da Lei relativa ao Direito Bancário [...]»

11.      O artigo 101.°, n.os 1, 6 e 7, da Lei relativa ao Fundo de Garantia Bancária, ao Sistema de Garantia de Depósitos e à Reestruturação Forçada dispõe:

«1.      A [CSF] informa sem demora o [FGB] sobre:

1)      a ameaça de insolvência da entidade;

2)      a ausência de elementos que indiquem que as medidas de supervisão que podem ser tomadas ou que as medidas que essa entidade tomou permitem que a ameaça seja afastada em tempo útil.

[...]

6.      A [CSF] também transmite as informações a que se refere o n.° 1:

[...]

6)      ao órgão de gestão do sistema de garantia dos depósitos autorizado no Estado em cujo território a entidade‑mãe está estabelecida;

7)      às entidades que gerem os fundos de reestruturação forçada no Estado em cujo território a entidade‑mãe está estabelecida, quando o fundo não é gerido pela autoridade competente para a reestruturação forçada do grupo;

[...]

7.      Se forem cumpridas as seguintes condições cumulativas:

1)      a entidade nacional está em risco de insolvência,

2)      não há elementos para considerar razoavelmente que as medidas da entidade nacional ou do sistema de proteção institucional ou as medidas de supervisão, incluindo medidas de intervenção precoce, permitam eliminar em tempo útil a ameaça de insolvência,

3)      no interesse público é necessária uma medida em relação a uma entidade nacional

 — O [FGB] emite uma decisão de iniciar a reestruturação forçada contra uma entidade nacional ou uma decisão de aplicar uma remissão ou conversão dos instrumentos de capital ou obrigações elegíveis [...]»

12.      Nos termos do artigo 137.°, n.° 1, desta lei:

«Previamente à adoção da decisão de reestruturação forçada, o [FGB] assegura que seja efetuada uma avaliação do valor do ativo ou do passivo da entidade.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

13.      Devido ao não cumprimento pelo GN Bank dos requisitos mínimos enunciados no artigo 92.° do Regulamento n.° 575/2013, a CSF, por Decisão de 22 de dezembro de 2021, com fundamento no artigo 144.°, n.os 1 e 1a, da Lei relativa ao Direito Bancário, nomeou o FGB como administrador temporário («kurator») (10) do GN Bank com vista a melhorar a sua situação financeira. Através desta decisão, a CSF encarregou o FGB, no âmbito da sua função de «kurator» do banco, nomeadamente, de elaborar relatórios, de assegurar o acompanhamento das atividades do GN Bank e de exercer qualquer poder legal do «kurator».

14.      Atendendo ao risco de insolvência do GN Bank, o FGB, na qualidade de autoridade de resolução, adotou, em 29 de setembro de 2022, uma decisão de dar início ao procedimento de resolução da mesma, de redução dos instrumentos de fundos próprios que esta tinha emitido e de aplicação do instrumento de resolução da instituição de transição (a seguir «Decisão de 29 de setembro de 2022»). Deste modo, os ativos indicados nessa decisão foram transferidos, em 3 de outubro de 2022, para a instituição de transição Bank FGB S.A. O FGB nomeou um kurator no seio da entidade submetida ao procedimento de resolução. O GN Bank, a Bank FGB e este kurator eram os destinatários da referida decisão.

15.      O Conselho de Supervisão do GN Bank interpôs recurso da Decisão de 29 de setembro de 2022 no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Também foram interpostos recursos por outras pessoas, entre as quais os titulares de ações e de obrigações reduzidas, emitidas pelo GN Bank, os credores desta e as partes em contratos de crédito e de mútuo denominados em moeda estrangeira ou indexados a tal moeda (11).

16.      Os recorrentes no processo principal pedem que seja declarado que esta decisão foi adotada em violação da lei, o que lhes permitiria apresentar pedidos de indemnização nos tribunais comuns. Os fundamentos invocados são relativos tanto à violação do direito material como à violação das regras processuais que têm uma repercussão significativa na resolução do processo. A este respeito, é alegado, nomeadamente, que o FGB estava numa situação de conflito de interesse que o impedia de exercer as funções atribuídas à autoridade de resolução, na medida em que exercia simultaneamente funções de supervisão, de garantia de depósitos bancários e de resolução. Este conflito de interesse era agravado pela falta de garantias processuais adequadas, tais como previstas pela Diretiva 2014/59.

17.      O FGB contesta a existência de um conflito de interesse. Alega que adotou disposições organizacionais e estruturais que permitem garantir a sua independência operacional e evitar qualquer conflito de interesse entre o exercício das funções de resolução e o de outras funções que desempenha.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, nomeadamente, quanto à existência de um conflito de interesse.

19.      Num primeiro momento, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a função de garante legal dos depósitos bancários e a função de «kurator» do banco correspondem às «funções de supervisão» ou às «outras funções» referidas no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59, que não devem ser acumuladas com a função de resolução.

20.      Esse órgão jurisdicional considera, por um lado, que, ainda que a função de «kurator» não possa ser qualificada de função de supervisão em sentido estrito, uma vez que esta função é exercida pela CSF, o «kurator» é nomeado, nos termos do direito polaco, por decisão dessa autoridade de supervisão e executa as tarefas desta última que lhe foram confiadas. Deduz assim que não se pode excluir a priori que o exercício desta função pelo FGB não exigia a adoção de disposições adequadas para assegurar a independência operacional e evitar qualquer conflito de interesse.

21.      Por outro lado, segundo o referido órgão jurisdicional, a acumulação da função de resolução com a de garante dos depósitos, que consiste em reunir fundos para cobrir as garantias e em desembolsá‑los, pode criar o risco, na falta de separação estrutural e de independência organizacional destas funções, de as medidas adotadas pelo FGB relativamente ao banco ameaçado de insolvência visarem reduzir ao mínimo a afetação dos recursos de que o FGB dispõe.

22.      Num segundo momento, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à natureza da exigência das garantias estruturais referidas no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 e interroga‑se sobre a questão de saber se é possível considerar, nas circunstâncias específicas do processo, que o objetivo de independência operacional foi respeitado e que foi evitado qualquer conflito de interesse.

23.      Em especial, esse órgão jurisdicional considera que este objetivo deve ser alcançado garantindo que o pessoal que exerce as funções de resolução confiadas à autoridade de resolução pertence a uma estrutura organizacional distinta e tem linhas hierárquicas separadas das do pessoal encarregado das tarefas de supervisão ou do pessoal que assume as outras funções da autoridade em causa. Ora, em seu entender, a Lei relativa ao Fundo de Garantia Bancária, ao Sistema de Garantia de Depósitos e à Reestruturação Forçada não introduz disposições sistemáticas que assegurem uma separação estrutural entre a função de resolução e as outras funções do FGB. Especifica que as tarefas relacionadas com a função de resolução, a função de «kurator» do banco e a de garante dos depósitos foram confiadas a serviços distintos no FGB, mas que as decisões no âmbito de todas estas funções são adotadas pelas mesmas pessoas que exercem funções dirigentes ou consultivas no FGB.

24.      Nestas condições, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 85.°, n.os 2 e 3, da Diretiva [2014/59], em conjugação com o artigo 47.° da [Carta] e o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, [TUE] ser interpretados no sentido de que na hipótese de o Conselho de Supervisão de uma entidade em resolução interpor um recurso num tribunal administrativo nacional contra uma decisão de reestruturação forçada, considera‑se que está igualmente garantida uma via de recurso efetiva às pessoas que, no âmbito de um recurso dessa decisão, pretendam proteger o seu interesse em agir numa situação em que o órgão jurisdicional que fiscaliza a decisão impugnada não está vinculado pelos fundamentos e pedidos do recurso nem pela base jurídica invocada, a decisão transitada em julgado proferida na sequência da apreciação desse recurso é efetiva erga omnes e a possibilidade de essas pessoas obterem a proteção do seu interesse em agir não está subordinada à interposição de um recurso separadamente no órgão jurisdicional administrativo contra a decisão referida?

2)      Devem o artigo 85.°, n.° 3, da Diretiva [2014/59], que introduz o requisito de um recurso célere, o artigo 47.° da [Carta], e o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, [TUE], que consagra uma tutela jurisdicional efetiva, ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de uma disposição processual de um Estado‑Membro que obriga um órgão jurisdicional administrativo nacional a apreciar em conjunto todos os recursos que foram interpostos nesse órgão jurisdicional contra uma decisão da autoridade de resolução, numa situação em que a aplicação dessa disposição, em conjunto com outros requisitos do processo judicial administrativo nacional, pode tornar a adoção de uma decisão dentro de um prazo razoável excessivamente difícil [,] se for sequer possível [,] devido ao grande número de recursos?

3)      Deve o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva [2014/59] ser interpretado no sentido de que permite que um Estado‑Membro não faça uma separação estrutural, a fim de garantir a independência operacional e evitar conflitos de interesse, entre as funções da autoridade de resolução e as outras funções dessa autoridade enquanto garante legal dos depósitos bancários ou de kurator do banco (administrador temporário) designado ao abrigo da decisão da autoridade nacional competente para efeitos do Regulamento [n.° 575/2013] e da Diretiva [2013/36]?

4)      Deve o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva [2014/59] ser interpretado no sentido de que, em caso de incumprimento por parte de um Estado‑Membro da sua obrigação de estabelecer mecanismos estruturais adequados para garantir a independência operacional e evitar conflitos de interesses entre as funções de supervisão previstas no Regulamento n.° 575/2013 e na Diretiva [2013/36] ou outras funções da autoridade competente e as da autoridade de resolução, se pode considerar que está preenchida a condição da independência operacional e a obrigação de evitar conflitos de interesse se o órgão jurisdicional administrativo nacional que fiscaliza a decisão relativa à reestruturação forçada considerar que as outras soluções organizacionais e as medidas concretas aplicadas pela autoridade de resolução eram suficientes para alcançar esse efeito?»

25.      BI e TM, SJ e ML, DG e GM, o FGB, a Rada Nadzorcza Getin Noble Bank e o., o Governo Polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes (com exceção de DG e GM), bem como OS e NS, e DL e o., participaram na audiência realizada em 21 de março de 2024, durante a qual responderam às questões para resposta oral submetidas pelo Tribunal de Justiça.

IV.    Análise

26.      A pedido do Tribunal de Justiça, centrarei a minha análise na terceira e quarta questões do órgão jurisdicional de reenvio, relativas à problemática do conflito de interesse no FGB.

A.      Quanto à terceira questão prejudicial

27.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado‑Membro a não prever uma separação estrutural, para assegurar a independência operacional e evitar qualquer conflito de interesse, entre as funções atribuídas à autoridade de resolução e as suas outras funções enquanto garante legal dos depósitos bancários ou administrador provisório («kurator») de um banco, nomeado por decisão da autoridade nacional competente em matéria de supervisão para efeitos do Regulamento n.° 575/2013 e da Diretiva 2013/36.

28.      O artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 enuncia claramente que a autoridade de resolução pode ser, a título excecional, a autoridade competente em matéria de supervisão prudencial das instituições de crédito e das empresas de investimento.

29.      Este artigo 3.°, n.° 3, especifica que esta acumulação só é possível em várias condições. Primeiro, as medidas estruturais adequadas devem assegurar a independência operacional e evitar conflitos de interesse entre as duas funções (supervisão prudencial e resolução), sem prejuízo do intercâmbio de informações e da cooperação necessários para a elaboração, a planificação e a aplicação das decisões de resolução (12). Segundo, esta independência operacional deve traduzir‑se numa estrutura organizacional distinta e ter linhas hierárquicas separadas para o pessoal afeto a cada uma das duas funções. Terceiro, os Estados‑Membros ou a autoridade de resolução adotam e publicam todas as regras internas relevantes, incluindo as regras relativas ao sigilo profissional e ao intercâmbio de informações entre as diferentes áreas funcionais.

30.      Estas condições aplicáveis sempre que a autoridade de resolução exercer as funções de autoridade de supervisão prudencial também se aplicam às «outras funções da autoridade de resolução».

31.      Assim, coloca‑se a questão de saber se estes requisitos devem estar preenchidos quando, como no caso em apreço, a autoridade de resolução tiver sido nomeada como administrador temporário («kurator») na fase da intervenção precoce prevista no artigo 29.° da Diretiva 2014/59 e assegurar a garantia de depósitos bancários.

32.      Para tal, importa começar por determinar o tipo de conflitos de interesse a evitar.

33.      É certo que o considerando 15 da Diretiva 2014/59 evoca, com a preocupação de assegurar a necessária rapidez de ação, de garantir a independência dos agentes económicos e de evitar conflitos de interesse, a nomeação de autoridades públicas administrativas ou autoridades às quais sejam conferidos poderes públicos administrativos para o exercício das funções e tarefas relacionadas com a resolução, em conformidade com esta diretiva. No entanto, este risco de conflito de interesse relativamente ao exterior, a saber, os agentes económicos, não me parece ser o referido no artigo 3.° da diretiva, uma vez que esse risco de conflito de interesse em relação aos agentes económicos, que se assemelha a um conflito de interesse subjetivo, é limitado pela designação de uma autoridade pública e não de uma entidade privada. Este conceito de «conflito de interesse subjetivo» parece ser utilizado quando, no seu artigo 29.°, a mesma diretiva prevê a inexistência de qualquer conflito de interesse no momento da nomeação do administrador temporário ou quando é aplicado o instrumento de resolução da alienação da atividade, uma vez que, neste caso, a venda deve estar isenta de conflitos de interesses (13).

34.      No caso em apreço, trata‑se de um risco de conflito de interesse a jusante, ou seja, dentro da própria autoridade de resolução. Por conseguinte, o conflito de interesse já não é considerado um risco subjetivo ligado ao interesse pessoal de uma pessoa singular ou coletiva, mas um risco funcional ou objetivo, ligado ao exercício de várias funções por uma mesma entidade, suscetível de resultar numa tomada de decisão falseada.

35.      No que respeita à acumulação do exercício das funções de supervisão prudencial e de resolução numa mesma entidade, o legislador da União entendeu que era possível, desde que fossem preenchidos determinados requisitos organizacionais acima referidos. Do mesmo modo, previu que esses requisitos organizacionais deviam ser aplicados às outras funções exercidas pela autoridade de resolução.

36.      Pode assim deduzir‑se que o objetivo do legislador da União é proteger as decisões da autoridade de resolução contra qualquer influência externa à função de resolução que lhe é confiada, tendo em conta as consequências económicas e jurídicas, designadamente para os credores e acionistas, das decisões de resolução que possam ser tomadas.

37.      Por conseguinte, a interpretação do conceito de «outras funções» deve ser ampla para respeitar este objetivo.

38.      Assim, contrariamente à análise proposta pelo FGB e pelo Governo Polaco, a função de garantia dos depósitos bancários deve ser considerada uma «outra função» sujeita aos requisitos de prevenção dos conflitos de interesse quando exercida pela autoridade de resolução.

39.      Embora seja verdade que esta função de garantia de depósitos é destinada a assegurar, da mesma forma que a função de resolução, a estabilidade financeira (14) e que os fundos do sistema de garantia de depósitos se destinam a ser utilizados no âmbito de uma medida de resolução (15), não está excluído que possa existir um erro na utilização desses fundos que deve poder ser reparado sem risco de conflito de interesse na autoridade de resolução.

40.      Com efeito, o artigo 75.° da Diretiva 2014/59 prevê que «[o]s Estados‑Membros asseguram que, se a avaliação efetuada ao abrigo do artigo 74.° determinar que [...] o sistema de garantia de depósitos nos termos do artigo 109.°, n.° 1, sofreu prejuízos maiores do que teria sofrido em caso de liquidação ao abrigo dos processos normais de insolvência, o mesmo tem direito ao pagamento da diferença pelos mecanismos de financiamento da resolução». Nesta hipótese, os interesses do sistema de garantia de depósitos e da autoridade de resolução são contraditórios. Por conseguinte, em qualquer caso, o critério proposto pelo FGB e pelo Governo Polaco de restringir as «outras funções» sujeitas aos requisitos organizacionais apenas às funções que possam estar em conflito com a função de resolução não está preenchido.

41.      No que respeita às funções de administrador temporário («kurator»), estas são exercidas pelo órgão designado pela autoridade de supervisão prudencial em aplicação do artigo 29.° da Diretiva 2014/59. Coloca‑se assim a questão de saber se estas funções são as funções de supervisão previstas pelo Regulamento n.° 575/2013 e pela Diretiva 2013/36 ou se fazem parte da categoria das «outras funções» para as quais remete o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59.

42.      Com efeito, este último artigo prevê que as funções de resolução possam ser exercidas pela autoridade de supervisão prudencial, ou seja, que uma única autoridade exerça simultaneamente as funções de resolução e as funções de supervisão prudencial. Consequentemente, em sentido literal, «as funções de supervisão previstas pelo Regulamento [n.° 575/2013] e pela Diretiva [2013/36]» correspondem a todas as tarefas de supervisão exercidas pela autoridade de supervisão prudencial ao abrigo destes dois textos.

43.      As medidas e os poderes de supervisão da autoridade de supervisão prudencial são descritos nos artigos 102.° a 107.° da Diretiva 2013/36. Ora, o artigo 27.°, n.° 1, da Diretiva 2014/59, que prevê as medidas de intervenção precoce, anteriores a uma eventual resolução, especifica que «os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades competentes possam tomar, sem prejuízo das medidas referidas no artigo 104.° da Diretiva [2013/36], se aplicável,» determinadas medidas que enumera.

44.      Assim, as medidas de intervenção precoce acrescem às que são confiadas à autoridade de supervisão prudencial pela Diretiva 2013/36.

45.      Do mesmo modo, as funções suscetíveis de ser atribuídas ao administrador temporário («kurator») marcam um grau adicional de intervenção na gestão da instituição, uma vez que este administrador é nomeado para substituir temporariamente o órgão de administração ou para trabalhar temporariamente com ele (16).

46.      Estas funções ligadas à intervenção precoce e à administração temporária são, por isso, específicas da Diretiva 2014/59 e devem ser qualificadas de «outras funções» e não de funções de supervisão prudencial em sentido estrito.

47.      De qualquer modo, as garantias de independência e as medidas de prevenção de conflitos de interesse são as mesmas para as funções de supervisão prudencial e para as outras funções.

48.      O legislador da União seguiu o mesmo raciocínio, no que respeita à independência operacional e à prevenção de conflitos de interesse, para o Banco Central Europeu (BCE), que exerce, a par das suas atribuições no domínio da política monetária, a função de supervisão prudencial. Assim, o artigo 25.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.° 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas relativas às políticas em matéria de supervisão prudencial das instituições de crédito (17), prevê que o pessoal encarregado da função de supervisão prudencial deve integrar uma estrutura organizacional autónoma e estar sujeito a uma hierarquia distinta da do pessoal encarregado das outras atribuições conferidas ao BCE. O n.° 3 deste artigo especifica que, para o efeito, o BCE adota e publica as regras internas que forem necessárias, incluindo regras em matéria de segredo profissional e de intercâmbio de informações entre as duas áreas funcionais.

49.      As modalidades concretas de aplicação destes princípios são especificadas no Manual de Supervisão prudencial elaborado em janeiro de 2024 pelo BCE. Por exemplo, as deliberações do Conselho do BCE sobre questões de supervisão prudencial têm um calendário e reuniões distintos dos relativos às questões monetárias (18). As funções de supervisão prudencial são confiadas a seis direções‑gerais específicas, reportando funcionalmente cada uma delas ao presidente ou ao vice‑presidente do Conselho de Supervisão, independente do Conselho do BCE e encarregado de lhe apresentar os projetos de decisão de supervisão. Existem serviços partilhados (recursos humanos, sistemas de informação, comunicação, orçamento e administração, instalações, auditoria interna, serviços jurídicos e estatística) ao serviço de todas as atribuições confiadas ao BCE (19).

50.      Este tipo de organização parece‑me conforme às prescrições idênticas da Diretiva 2014/59. Com efeito, se se admitir a acumulação de funções numa mesma autoridade, isto não deve conduzir à imposição de um duplo conselho de administração nem a serviços comuns duplicados. Em contrapartida, é necessário que as linhas hierárquicas permaneçam separadas fora desse conselho de administração, uma vez que é especificado que a existência de um Conselho de Supervisão ao lado do Conselho do BCE é uma exigência do Regulamento n.° 1024/2013 (20).

51.      Estes pontos devem ser especificados no futuro texto relativo à resolução das empresas de seguros e de resseguros. Com efeito, na proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro para a recuperação e resolução das empresas de seguros e de resseguros e que altera as Diretivas 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2009/138/CE (UE) 2017/1132 e os Regulamentos (UE) n.° 1094/2010 e (UE) n.° 648/2012 (21), incluindo na sua última versão (22), existem disposições semelhantes relativas à designação das autoridades de resolução competentes para as empresas de seguros e à existência de outras funções exercidas por estas autoridades. Os conceitos utilizados são os mesmos que na Diretiva 2014/59 e no Regulamento n.° 1024/2013, a saber, medidas estruturais adequadas para evitar conflitos de interesses entre as diferentes funções exercidas, linhas hierárquicas separadas e uma independência operacional. Acresce a seguinte precisão: a necessidade de pessoal e processos de tomada de decisão separados. Na redação atual do projeto, o artigo 3.°, n.° 4, prevê que as linhas hierárquicas podem convergir ao mais alto nível de uma organização que acumula várias funções e que o pessoal pode ser partilhado.

52.      Estes elementos podem esclarecer de forma útil o órgão jurisdicional de reenvio que deverá apreciar se as modalidades de organização escolhidas para garantir a independência operacional e evitar os conflitos de interesse entre as diferentes funções atribuídas ao FGB permitem cumprir os requisitos previstos no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59.

53.      Por conseguinte, proponho que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 deve ser interpretado no sentido de que os requisitos relativos à existência de medidas estruturais adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão previstas pelo Regulamento n.° 575/2013 e pela Diretiva 2013/36, ou as outras funções da autoridade em causa, e as funções atribuídas às autoridades de resolução pela Diretiva 2014/59, designadamente uma estrutura organizacional distinta e linhas hierárquicas separadas, se aplicam sempre que a autoridade de resolução exercer as outras funções de administrador temporário, em aplicação do artigo 29.° desta diretiva e de garantia de depósitos bancários.

B.      Quanto à quarta questão prejudicial

54.      Esta questão versa, em substância, sobre se a falta de medidas estruturais adequadas adotadas pelo Estado‑Membro destinadas a prevenir conflitos de interesse e a garantir a independência operacional pode ser suprida por soluções organizacionais e medidas efetivas tomadas pela autoridade de resolução.

55.      Importa recordar que o artigo 3.°, n.° 3, último parágrafo, da Diretiva 2014/59 enuncia que «os Estados‑Membros ou a autoridade de resolução adotam e publicam todas as regras internas relevantes necessárias, incluindo as regras relativas ao sigilo profissional e ao intercâmbio de informações entre as diferentes áreas funcionais».

56.      Resulta claramente deste artigo que as regras internas relevantes não devem ser adotadas e publicadas apenas pelos Estados‑Membros mas que também o podem ser pela própria autoridade de resolução.

57.      O artigo 3.°, n.° 5, da proposta de Diretiva referida no n.° 51 das presentes conclusões, incluindo na sua última versão (23), prevê que não são os Estados‑Membros, mas sim as autoridades de resolução que são responsáveis pela adoção e publicação das regras destinadas a garantir a independência operacional entre as diferentes funções exercidas pela autoridade de resolução e a inexistência de conflitos de interesse.

58.      Quanto a este ponto, o FGB apresentou, em anexo às suas observações no Tribunal de Justiça, determinados regulamentos adotados pelo seu Conselho de Administração (24), pelo presidente deste (25) ou pelo seu Conselho (26). Estes atos têm por objeto, nomeadamente, a organização estrutural e o organigrama do gabinete do FGB, a repartição de tarefas entre os membros do Conselho de Administração e os seus poderes de supervisão sobre os gabinetes do FGB que estão sob a sua autoridade, os princípios éticos aplicáveis aos funcionários do FGB, bem como as instruções para o exercício das funções de «kurator» pelo FGB.

59.      Cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio verificar quais foram as regras adotadas e publicadas pela autoridade de resolução. O órgão jurisdicional de reenvio pode utilmente examinar estes textos para apreciar a forma como os requisitos relativos à independência operacional e à inexistência de conflitos de interesse previstos no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 são aplicados no FGB.

60.      No que respeita à publicação dessas regras igualmente exigida por este artigo, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar a sua realização e, eventualmente, se os elementos presentes no sítio Internet do FGB — designadamente o organigrama e as indicações relativas às competências de cada um dos membros do Conselho de Administração e aos serviços que lhe estão associados — podem suprir a falta de publicação desses próprios atos. Há que observar que a Diretiva 2014/59 não prevê qualquer penalização pela falta de publicação.

61.      De qualquer modo, na falta de indicação concreta de ordem processual prevista pelo direito da União para penalizar um direito, e em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União. Estas modalidades não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as vias semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (27).

62.      Na falta de uma norma nacional de transposição da Diretiva 2014/59 que penalize a falta de publicação, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, por conseguinte, aplicar o seu direito interno para avaliar as suas consequências.

63.      Em conclusão, proponho que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de regras internas, adotadas e publicadas pelo Estado‑Membro, adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão previstas pelo Regulamento n.° 575/2013 e pela Diretiva 2013/36, ou as outras funções da autoridade em causa, e as funções atribuídas às autoridades de resolução pela Diretiva 2014/59, cabe à autoridade de resolução adotar e publicar essas regras e ao órgão jurisdicional nacional verificar se as mesmas são adequadas para garantir os objetivos previstos no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 ou extrair as consequências, nos termos do seu direito nacional, da falta de adoção ou de publicação dessas regras.

V.      Conclusão

64.      Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira e quarta questões prejudiciais submetidas pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia) do seguinte modo:

O artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

–        os requisitos relativos à existência de medidas estruturais adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão previstas pelo Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/2033 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, e pela Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2019/878 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, ou as outras funções da autoridade em causa, e as funções atribuídas às autoridades de resolução pela Diretiva 2014/59, designadamente uma estrutura organizacional distinta e linhas hierárquicas separadas, se aplicam sempre que a autoridade de resolução exercer as outras funções de administrador temporário, em aplicação do artigo 29.° desta diretiva, e de garantia de depósitos bancários.

–        Na falta de regras internas, adotadas e publicadas pelo Estado‑Membro, adequadas para assegurar a independência operacional e para evitar conflitos de interesse entre as funções de supervisão previstas pelo Regulamento n.° 575/2013 e pela Diretiva 2013/36, conforme alterados, ou as outras funções da autoridade em causa, e as funções atribuídas às autoridades de resolução pela Diretiva 2014/59, cabe à autoridade de resolução adotar e publicar essas regras e ao órgão jurisdicional nacional verificar se as mesmas são adequadas para garantir os objetivos previstos no artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 ou extrair as consequências, nos termos do seu direito nacional, da falta de adoção ou de publicação dessas regras.


1      Língua original: francês.


2      A seguir «Carta».


3      JO 2014, L 173, p. 190.


4      JO 2013, L 176, p. 1.


5      JO 2019, L 314, p. 1; a seguir «Regulamento n.º 575/2013».


6      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2019/878 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 (JO 2019, L 150, p. 253) (a seguir «Diretiva 2013/36»).


7      Dz. U. de 1997, n.º 140, posição 939.


8      Assinalo que a lei polaca utiliza o termo «kurator», diferente do termo «administrator» utilizado na Diretiva 2014/59.


9      Dz. U. de 2016, posição 996.


10      V. nota de pé de página 8 das presentes conclusões.


11      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, à data da adoção da sua decisão de reenvio, tinham dado entrada mais de 7 000 recursos da Decisão de 29 de setembro de 2022, o que corresponde à quantidade média de recursos recebidos pela secção competente desse órgão jurisdicional num período superior a dois anos.


12      V. artigo 3.º, n.º 4, da Diretiva 2014/59.


13      V. artigo 39.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2014/59.


14      V. considerandos 3 e 4 da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149), e considerandos 3 e 11 da Diretiva 2014/59.


15      V. artigo 11.º da Diretiva 2014/49 e artigo 109.º da Diretiva 2014/59.


16      V. artigo 29.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59.


17      JO 2013, L 287, p. 63.


18      Trata‑se de uma exigência adicional do artigo 25.º, n.º 4, do Regulamento n.º 1024/2013.


19      V. pp. 7 a 9 deste manual.


20      V. artigo 26.º do Regulamento n.º 1024/2013.


21      COM(2021) 582 final.


22      V. Nota informativa de 25 de janeiro de 2024 do Secretariado‑Geral do Conselho às Delegações sobre a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro para a recuperação e resolução das empresas de seguros e de resseguros e que altera as Diretivas 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2009/138/CE, (UE) 2017/1132 e os Regulamentos (UE) n.º 1094/2010 e (UE) n.º 648/2012 — Carta à Presidente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu (documento 5805/24).


23      V. nota de pé de página 22 das presentes conclusões.


24      V. Regulamento n.º 273/BZ/2022 do Conselho de Administração do FGB, de 28 de julho de 2022, relativo à definição das regras organizacionais do gabinete do FGB, e a Resolução n.º 124/DAW/2021 do Conselho de Administração do FGB, de 1 de julho de 2021, que estabelece instruções para o exercício da função de kurator pelo FGB.


25      V. Regulamento n.º 13/BZ/2022 do presidente do Conselho de Administração do FGB, de 28 de julho de 2022, relativo à repartição de tarefas entre os membros do Conselho de Administração do FGB e à determinação do âmbito da supervisão exercida pelos membros do Conselho de Administração sobre as unidades organizacionais do gabinete do FGB; Regulamento n.º 14/BZ/2022 do presidente do Conselho de Administração do FGB, de 28 de julho de 2022, relativo à definição do organigrama do gabinete do FGB, e Regulamento n.º 7/BRZ/2022 do presidente do Conselho de Administração do FGB, de 17 de fevereiro de 2022, que estabelece os princípios éticos dos funcionários do FGB.


26      V. Resolução n.º 36/2022 do Conselho do FGB, de 27 de julho de 2022, relativa ao Regulamento do Conselho de Administração do FGB.


27      V. Acórdão de 20 de setembro de 2018, Rudigier (C‑518/17, EU:C:2018:757, n.º 61 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian (C‑233/08, EU:C:2010:11, n.º 62 e jurisprudência referida).