Language of document : ECLI:EU:C:2024:507

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 13 de junho de 2024 (1)

Processos apensos C146/23 e C374/23

XL

contra

Sąd Rejonowy w Białymstoku

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Bialystok, Polónia)]

e

SR,

RB

contra

Lietuvos Respublika

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Estado de direito — Artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE — Obrigação de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Princípio da independência judicial —Remuneração dos juízes»






 Introdução

1.        Desde que existem sistemas estatais baseados na separação de poderes, a remuneração dos juízes tem sido uma matéria de preocupação necessária. Como observou Alexander Hamilton de forma clarividente no The Federalist (O Federalista), «A SEGUIR à permanência no cargo, nada pode contribuir mais para a independência dos juízes do que uma remuneração fixa para a sua subsistência. […] No curso geral da natureza humana, UM PODER SOBRE A SUBSISTÊNCIA DE UM HOMEM EQUIVALE A UM PODER SOBRE A SUA VONTADE. E nunca podemos esperar ver realizada na prática a completa separação dos poderes judicial e legislativo em qualquer sistema que deixe o primeiro dependente, no que toca a recursos pecuniários, das subvenções ocasionais do último» (2).

2.        Estes pedidos de decisão prejudicial constituem uma oportunidade para o Tribunal de Justiça revisitar e desenvolver a sua jurisprudência relativa à remuneração dos juízes, em aplicação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE (3), no contexto dos princípios da independência judicial e da tutela jurisdicional efetiva (4).

3.        Nos seus Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (5), e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel (6), o Tribunal de Justiça considerou que o auferimento, pelos membros do sistema judiciário, de uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial. Para cumprir esta exigência, um órgão jurisdicional (7) tem de exercer as suas funções com total autonomia, sem estar submetido a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de nenhuma origem, e estar, assim, protegido contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões (8). O Tribunal de Justiça colocou esta exigência em pé de igualdade com a proteção dos membros do sistema judiciário contra a destituição do cargo, estabelecendo assim uma ligação direta entre a segurança do mandato dos juízes e a sua segurança material (9).

4.        Tal como outros titulares de cargos públicos e funcionários públicos, os juízes não estão imunes a reduções na sua remuneração (10). Nos Acórdãos Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Escribano Vindel, o Tribunal de Justiça considerou que o princípio da independência judicial consagrado no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE não obsta a que os Estados‑Membros tomem medidas para reduzir a remuneração dos juízes em determinadas circunstâncias. Para eliminar défices orçamentais considerados excessivos, a República Portuguesa e o Reino de Espanha (11) reduziram os salários de todos os titulares de cargos públicos e funcionários do setor público, incluindo os que trabalham nos setores legislativo, executivo e judicial do Estado (12). Estas medidas não visavam nem identificavam os membros do poder judicial para receberem um tratamento especial. Tinham também uma natureza temporária e limitada (13).

5.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial surgem no contexto da aplicação de medidas de aplicação geral que regem a remuneração dos juízes na Polónia e na Lituânia e não dizem respeito a uma redução da remuneração de juízes a título individual, como acontece na sequência de processos disciplinares. As medidas têm também um alcance mais amplo do que as analisadas pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Escribano Vindel. Os órgãos jurisdicionais de reenvio pedem ao Tribunal de Justiça que avalie o papel dos poderes legislativo e executivo no processo de determinação da remuneração dos juízes e da sua eventual redução. Procuram também determinar se se podem retirar do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE critérios relevantes para orientar esse processo.

 Quadro jurídico — Direito nacional

 Direito polaco

6.        O artigo 178.° da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia) estabelece:

«1.      Os juízes são independentes no exercício das suas funções, estando apenas sujeitos à Constituição e à Lei.

2.      Os juízes beneficiam de condições de trabalho e remuneração correspondentes à dignidade do cargo que ocupam e ao âmbito das suas funções.

[…]»

7.        O artigo 91.° da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (14), estabelece:

«[…]

§ 1c. A remuneração de base anual dos magistrados baseia‑se na remuneração média do segundo trimestre do ano anterior, publicada no Jornal Oficial da República da Polónia “Monitor Polski” pelo Presidente do Serviço Central de Estatística […], sob reserva do disposto no § 1d.

§ 1d. Se a remuneração média referida no § 1c for inferior à remuneração média anunciada para o segundo trimestre do ano anterior, é adotado o montante da remuneração de base do magistrado tal como fixado até esse momento.

§ 2. A remuneração de base de um magistrado é expressa em escalões, cujo nível é determinado através da aplicação de multiplicadores ao montante utilizado para determinar a remuneração de base referida no § 1c. Os escalões da remuneração de base e os multiplicadores utilizados para determinar o nível de remuneração de base de cada magistrado são os que constam do anexo à presente lei.

[…]

§ 7. Além disso, a remuneração dos magistrados será diferenciada através do pagamento de um prémio de antiguidade, a partir do sexto ano de serviço, num montante correspondente a 5 % da remuneração de base, que aumentará anualmente em 1 % até alcançar 20 % da remuneração de base.»

8.        Em 17 de dezembro de 2021, o legislador polaco adotou a ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2022 (Lei de 17 de dezembro de 2021 relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2022) (15).  Esta lei entrou em vigor em 1 de janeiro de 2022. Nos termos do seu artigo 8.°:

«1. Para o ano de 2022, a base de cálculo da remuneração de base de um juiz, a que se refere o artigo 91.°, § 1c, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, de 27 de julho de 2001 (Dz. U. de 2020, posição 2072, e de 2021, posições 1080 e 1236), é a remuneração média no segundo trimestre de 2020, anunciada numa comunicação do Presidente do Serviço Central de Estatística.

2. À base a que se refere o § 1 acresce o montante de 26 PLN.

3. Sempre que disposições distintas se refiram à base de cálculo do vencimento de base dos juízes, a que se refere o artigo 91.°, § 1c, da Lei de 27 de julho de 2001 relativa à Organização dos Tribunais Comuns, esta corresponde, para o ano de 2022, à remuneração média do segundo trimestre do ano de 2020, publicada no comunicado do Presidente do Serviço Central de Estatística, acrescida de 26 PLN.

4. Sempre que disposições distintas se refiram à remuneração dos juízes, esta remuneração corresponde, para o ano de 2022, à remuneração calculada nos termos dos §§ 1 e 2.»

9.        Em 1 de dezembro de 2022, o legislador polaco adotou a ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2023 (Lei de 1 de dezembro de 2022 relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2023 (16)).  Esta lei entrou em vigor em 1 de janeiro de 2023. Nos termos do seu artigo 8.°:

«1. Para o ano de 2023, a base de cálculo da remuneração de base de um juiz, a que se refere o artigo 91.°, § 1c, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, de 27 de julho de 2001 (Dz. U. de 2020, posição 2072, conforme alterada) é o montante de 5.444,42 PLN.

2. Sempre que disposições distintas se refiram à base de cálculo da remuneração dos juízes a que se refere o artigo 91.°, § 1c, da Lei de 27 de julho de 2001 relativa à Organização dos Tribunais Comuns, para o ano de 2023, o seu montante é 5.444,42 PLN.»

 Direito lituano

10.      O artigo 3.° da Lietuvos Respublikos teisėjų darbo apmokėjimo įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa à Remuneração dos Juízes; a seguir «LRJ»), na versão em vigor entre 1 de janeiro de 2022 e 30 de junho de 2023 (17), estabelece que o montante de base do salário (remuneração) dos agentes políticos do Estado, juízes, funcionários públicos e empregados de instituições financiadas pelo Estado e pelos municípios da República da Lituânia, para um determinado ano, aprovado pelo Lietuvos Respublikos Seimas (Parlamento da República da Lituânia), é aplicado para no cálculo da remuneração dos juízes. O montante de base para o exercício financeiro seguinte deve ser fixado por convenção coletiva nacional, tendo em conta a taxa de inflação média anual do ano anterior (conforme calculada pelo índice nacional de preços no consumidor), o nível do salário mínimo mensal e o impacto de outros fatores que afetam o nível e a evolução do salário médio no setor público. O Lietuvos Respublikos Seimas (Parlamento da República da Lituânia) aprova o montante de base acordado na convenção coletiva nacional. Se a convenção coletiva nacional não for celebrada ou alterada até 1 de junho do ano em curso, o montante de base do exercício financeiro seguinte é aprovado pelo Seimas, sob proposta do Lietuvos Respublikos Vyriausybė (Governo da República da Lituânia), depois de avaliadas e tendo em conta as circunstâncias previstas no presente artigo. O novo montante de base a aprovar não pode ser inferior ao montante de base existente, a menos que sejam estabelecidas e declaradas circunstâncias excecionais de acordo com o procedimento previsto pela Lietuvos Respublikos fiskalinės sutarties įgyvendinimo konstitucinis įstatymas Nr XII‑1289 (Lei Constitucional n.° XII‑1289 da República da Lituânia relativa à Implementação do Tratado Tributário), de 6 de novembro de 2014 (TAR, 2014, n.° 17028).

11.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da LRJ, a remuneração dos juízes (18) era constituída por (19): i) um salário; ii) um subsídio de antiguidade pela prestação de serviço ao Estado Lituano; iii) um pagamento pelo trabalho e pela permanência nos dias de descanso e nos feriados, e pela substituição; e iv) um prémio pelo aumento do volume de trabalho. Em conformidade com o capítulo II do anexo da LRJ, o salário dos juízes (20) é calculado multiplicando o coeficiente salarial estabelecido no anexo da LRJ pelo montante de base. O montante de base era de 181 euros em 2022 e de 186 euros em 2023. O coeficiente salarial para um juiz de um tribunal regional era 17,2 (21).

12.      O artigo 3.° da Lietuvos Respublikos pareiginės algos (atlyginimo) bazinio dydžio nustatymo ir asignavimų darbo užmokesčiui perskaičiavimo įstatymas Nr. XIV‑2011 [Lei n.° XIV‑2011 da República da Lituânia, que estabelece o Montante de Base do Salário (Remuneração) e altera os Créditos Relativos aos Salários], de 25 de maio de 2023 (TAR, 2023, No 11589) dispõe:

«Montante de base do salário (remuneração)

1. Para o cálculo do salário (remuneração) dos trabalhadores a que se refere o artigo 2.° da presente lei, o montante de base do salário (remuneração) é igual ao salário médio mensal do país (incluindo empresas privadas) para o ano de 2022, conforme publicado pela Valstybės duomenų agentūra (Agência Nacional de Dados, Lituânia), e é fixado em 1.785,40 euros.

2. Para efeitos de aplicação do montante de base do salário (remuneração) previsto no § 1 do presente artigo, o salário recalculado não pode ser inferior ao salário (remuneração) anterior a este novo cálculo.»

13.      O novo sistema de remuneração dos juízes dos órgãos jurisdicionais comuns e dos órgãos jurisdicionais especializados da República da Lituânia entrou em vigor em 1 de julho de 2023. O Despacho n.° 1R‑85 do Lietuvos Respublikos teisingumo ministras (Ministro da Justiça da República da Lituânia), de 2 de abril de 2004, e a Deliberação da Lietuvos advokatų taryba (Ordem dos Advogados lituana), de 26 de março de 2004, aprovaram recomendações relativas aos honorários máximos por serviços jurídicos prestados por um advogado em processos cíveis.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

 Processo C146/23

14.      XL foi nomeado para o Sąd Rejonowy w Suwałkach (Tribunal de Primeira Instância de Suwałki, Polónia) em 4 de dezembro de 2003. Em 3 de abril de 2007, foi transferido para o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok, Polónia), onde exerce funções atualmente. Desde 5 de agosto de 2021, XL está classificado no nível salarial «cinco». A remuneração mensal de XL é calculada pela multiplicação do seu salário de base de 5 050,48 zlótis polacos (PLN), em 2022, e 5 444,42 PLN, em janeiro de 2023, pelo coeficiente 2,5, a que acresce um suplemento de 20 % do salário de base por anos de serviço (22). XL intentou uma ação contra o seu empregador, o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok), destinada a obter o pagamento de 10 000 PLN pelo trabalho que executou de 1 de julho de 2022 a 31 de janeiro de 2023 e juros de mora legais sobre esse montante. Este montante equivale à diferença entre o salário recebido por XL de 1 de julho de 2022 a 31 de janeiro de 2023 e o salário que lhe era devido nos termos do mecanismo previsto no artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns. Segundo XL, esta diferença é de 1 362,12 PLN por mês de julho a novembro de 2022, 1 053,90 PLN em dezembro de 2022 (23) e 2 135,50 PLN em janeiro de 2023.

15.      O fundamento do pedido de XL é que as Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das leis orçamentais para 2021, 2022 e 2023 não estão em conformidade com a Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, a Constituição da República da Polónia e o direito da União, uma vez que, ao reduzirem a sua remuneração, violam o princípio da independência judicial e criam condições que permitem aos poderes legislativo e executivo influenciarem o conteúdo das decisões judiciais. O empregador de XL alega que lhe pagou em conformidade com a lei e que não pode determinar a remuneração dos juízes por sua própria iniciativa.

16.      Ambas as partes remetem para a exposição de motivos do Governo nos projetos de Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais para 2021, 2022 e 2023, mas retiram daí conclusões diametralmente opostas. XL salienta o «congelamento» dos salários dos juízes em comparação com o aumento da remuneração dos diretores de determinadas entidades públicas (entre 40 % e 60 %). O empregador de XL refere a falta de recursos disponíveis além dos previstos no seu orçamento.

17.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns estabelece o mecanismo para calcular o salário de base dos juízes para um determinado ano por referência ao salário médio do segundo trimestre do ano anterior. Este mecanismo, que foi introduzido em 22 de abril de 2009, procura assegurar que o sistema para a remuneração dos juízes cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 178.°, n.° 2, da Constituição da República da Polónia. A alteração de 2009 pretendia assegurar uma maior objetividade do cálculo dos salários dos juízes e diminuir a influência de outras autoridades na fixação do nível dos salários de base dos juízes. Antes desta alteração, o sistema de cálculo dos salários dos juízes baseava‑se, nomeadamente, num montante de base fixado no orçamento de Estado anual.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio observa que «[o] mecanismo […] que fixa a remuneração de base dos juízes foi alterado três vezes, por iniciativa do poder executivo, por leis relativas a modalidades específicas de aplicação das leis do orçamento para […] 2021, 2022 e 2023 (24)». Em 2021, os salários dos juízes foram «congelados» e o seu salário de base foi calculado por referência ao salário médio do segundo trimestre de 2019, e não por referência ao salário médio do segundo trimestre de 2020. Em 2022, os salários de base dos juízes foram calculados por referência ao salário médio do segundo trimestre de 2020. Isto resultou num aumento em comparação com o salário médio do segundo trimestre de 2021. Em 2023, os salários dos juízes foram calculados sobre um montante de base fixo (25), e não sobre o salário médio do segundo trimestre de 2022.

19.      As alterações ao Orçamento de Estado para 2021 deveram‑se à situação económica na Polónia na sequência do surto de COVID‑19. As disposições relativas ao Orçamento de Estado para 2022 não mencionam nenhumas circunstâncias especiais, enquanto as relativas ao Orçamento de Estado para 2023 referem o impacto orçamental significativo da pandemia de COVID‑19 e da invasão da Ucrânia pela Rússia.

20.      Em dezembro de 2022, a Primeira Presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (26), o Presidente do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) (27) e o Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura; a seguir «KRS») (28) intentaram ações distintas no Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) para contestar a constitucionalidade das disposições orçamentais relativas aos salários dos juízes em 2023. O órgão jurisdicional de reenvio partilha das reservas expressas pelos demandantes nesses processos. Considera que um «congelamento» durante três anos do sistema de cálculo da remuneração dos juízes por referência a um parâmetro objetivo, a saber, o salário médio no segundo trimestre do ano anterior, prejudica a independência judicial. Trata‑se de uma ameaça de redução permanente, reiterada e consistente da remuneração dos juízes, com vista a subordinar o poder judicial ao poder executivo e legislativo. Esta ameaça é particularmente evidente à luz da recente crise do Estado de direito na Polónia. Além disso, é completamente incompreensível dada a situação financeira estável do Estado Polaco. O órgão jurisdicional de reenvio considera também que a alteração das regras de determinação da remuneração dos juízes em detrimento destes — especialmente quando comparada com o aumento do custo de vida — pode ter um impacto negativo nas iniciativas de melhoria do funcionamento dos tribunais (29). Existe um risco significativo de que os juízes instaurem um grande número de ações para contestar o nível dos salários que auferiram em 2021, 2022 e 2023.

21.      O Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) decidiu, assim, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 2.° do Tratado da União Europeia, que consagra os valores em que se funda a União Europeia, com referência ao respeito pelo Estado de direito, e o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Tratado da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, relativos à obrigação imposta aos Estados‑Membros de uma tutela jurisdicional efetiva baseada no direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, ser interpretados no sentido de que o princípio da independência judicial se opõe a disposições do direito nacional que, para conter as despesas orçamentais, têm por efeito um desvio do mecanismo de fixação da remuneração dos juízes com base em critérios objetivos, independentes de ingerências arbitrárias dos poderes executivo e legislativo, e uma redução duradoura do nível de remuneração dos juízes, atentando contra as garantias constitucionais que asseguram aos juízes uma remuneração correspondente à dignidade do cargo que ocupam e ao âmbito das suas funções, e que a administração da justiça seja executada por tribunais independentes e juízes imparciais?»

 Processo C374/23

22.      Os demandantes, SR e RB, são juízes no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Admnistrativo Regional de Vílnius, Lituânia). Intentaram uma ação de indemnização contra a Lietuvos Respublika (República da Lituânia) por danos causados por omissão (30). SR pede uma indemnização por danos no montante de 74.286,09 euros, enquanto RB pede 95.620,17 euros (31). O pedido de decisão prejudicial não refere de que forma os demandantes chegaram a estes montantes.

23.      SR e RB alegam que o montante da sua remuneração depende da vontade política dos poderes executivo e legislativo, o que é incompatível com o princípio da independência dos juízes consagrado no artigo 109.° da Lietuvos Respublikos Konstitucija (Constituição da República da Lituânia) e com as obrigações internacionais da República da Lituânia.

24.      A República da Lituânia pede que a ação de SR e de RB seja julgada improcedente. Observa, nomeadamente, que o montante de base da remuneração dos trabalhadores do setor público é fixado anualmente em função dos recursos financeiros e dos compromissos do Estado. Entre 2018 e 2023, o montante de base aumentou de forma constante, tendo em conta as condições económicas e sociais, os compromissos do Estado e a previsão de recursos financeiros disponíveis. O montante de base tem um «impacto económico direto no setor privado e no salário médio nacional». A República da Lituânia alega também que o sistema de remuneração dos juízes é da competência constitucional exclusiva do Estado e das suas instituições.

25.      De acordo com o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius), a remuneração mensal bruta dos juízes dos tribunais regionais era de 2 440,85 euros em 2008 e de 2 362,00 euros em 2021 (32). Embora a remuneração dos juízes pareça ter aumentado cerca de 8 % no período de 13 anos, entre 2008 e 2021, na realidade, a remuneração dos juízes diminuiu 3,2 % em termos nominais devido apenas a alterações fiscais. O órgão jurisdicional de reenvio referiu que, a partir do final de 2021, a remuneração dos juízes se aproximou do nível do salário médio nacional. No primeiro trimestre de 2022, o salário médio mensal nacional era de 1 729,90 euros, enquanto o salário médio mensal de um juiz era de 3 113,20 euros (33).

26.      O Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) observa que, enquanto o montante recomendado dos honorários por hora dos serviços de um advogado é de 179,90 euros (34), o salário bruto por hora de um juiz do tribunal regional (35) é de cerca de 20,00 euros. A República da Lituânia ao, designadamente, validar o montante máximo dos honorários dos advogados, discrimina entre juízes e advogados no que diz respeito aos respetivos rendimentos, violando assim os artigos 29.° e 48.° da Constituição da República da Lituânia relativos à não discriminação e à igualdade de tratamento no que diz respeito aos direitos humanos (36) e o artigo 2.° TUE. O Governo Lituano reconhece implicitamente que o montante de base da remuneração dos juízes não deve depender da vontade política dos poderes legislativo e executivo, mas de indicadores económicos nacionais (37). Neste contexto, o Governo Lituano iniciou uma reforma da remuneração na função pública com o objetivo de garantir que a remuneração dos funcionários públicos é calculada com base em tais indicadores económicos.

27.      Face ao exposto, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem os valores da democracia, do Estado de direito, do respeito pelos direitos humanos e da justiça, consagrados no artigo 2.° TUE, e as disposições do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE ser interpretados no sentido de que conferem aos poderes legislativo e executivo dos Estados‑Membros a competência exclusiva e ilimitada de fixar, através da legislação nacional, a remuneração dos juízes num montante que dependa unicamente da vontade dos poderes legislativo e executivo?

2.      Devem as disposições do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, bem como as do artigo 47.° da Carta, que consagra, nomeadamente, a independência do poder judicial, ser interpretadas no sentido de que permitem aos Estados‑Membros introduzir, através da legislação nacional, regras que fixam a remuneração dos juízes abaixo da remuneração ou dos honorários fixados pelo Estado para os representantes de outras profissões jurídicas?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

28.      No Processo C‑146/23, XL, o Governo Polaco e a Comissão Europeia submeteram observações escritas.

29.      No seu Acórdão de 8 de novembro de 2023, K 1/23, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) considerou, nomeadamente, que os artigos 8.° e 9.° da ustawa z dnia 1 grudnia 2022 r. o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2023 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2023), de 1 de dezembro de 2022, «não são conformes com» o artigo 178.°, n.° 2, da Constituição da República da Polónia.

30.      Por Decisão de 16 de novembro de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça pediu ao Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok), em primeiro lugar, para indicar se pretendia manter a parte do seu pedido de decisão prejudicial relativa ao período entre 1 de janeiro de 2023 e 31 de janeiro de 2023 e, em segundo lugar, para indicar o possível impacto do Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) na legalidade do artigo 8.°, n.° 1, e 2, da ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2022 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2022).

31.      Na sua resposta de 30 de novembro de 2023, o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) confirmou que o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) declarou que os artigos 8.° e 9.° da ustawa z dnia 1 grudnia 2022 r. o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2023 (38) (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2023) «não são conformes com», nomeadamente, o artigo 178.°, n.° 2, da Constituição da República da Polónia e que, consequentemente, estas disposições já não se encontram em vigor (39).

32.      O Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) também manifestou a sua vontade de manter o seu pedido de decisão prejudicial na íntegra, incluindo a parte relativa ao período de 1 de janeiro de 2023 a 31 de janeiro de 2023. Segundo o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok), o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) limita‑se a decidir sobre a constitucionalidade dos artigos 8.° e 9.° da ustawa z dnia 1 grudnia 2022 r. o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2023 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2023) à luz do artigo 178.°, n.° 2, da Constituição da República da Polónia e da dignidade do cargo de juiz em conjugação com o âmbito das funções dos juízes. Este acórdão não analisou o princípio da independência judicial nem a exigência de não ingerência dos poderes legislativo e/ou executivo. Além disso, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) não analisou a ustawa o szczególnych rozwiązaniach służących realizacji ustawy budżetowej na rok 2022 (Lei relativa às Medidas Especiais para a Aplicação da Lei do Orçamento para 2022).

33.      No processo C‑374/23, o Governo Lituano, o Governo Polaco e a Comissão apresentaram observações escritas.

34.      Por Decisão de 23 de janeiro de 2024, o Tribunal de Justiça apensou os processos C‑146/23 e C‑374/23 para efeitos da fase oral e do acórdão.

35.      Na audiência de 12 de março de 2024, o Governo Polaco, o Governo Lituano e a Comissão apresentaram alegações orais e responderam às questões do Tribunal de Justiça.

 Análise

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça no processo C374/23

36.      O Governo Lituano (40) observa que os Estados‑Membros têm competência exclusiva para regulamentar a remuneração dos juízes e dos outros titulares de cargos públicos e funcionários, em conformidade com a legislação nacional. Por conseguinte, o direito da União não desempenha nenhum papel a este respeito. Na elaboração das suas leis orçamentais, o Governo Lituano tem de ter em conta, nomeadamente, a situação socioeconómica da Lituânia, as necessidades e recursos do Estado e os seus compromissos financeiros. Com as suas questões, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre os limites da margem de apreciação de que gozam os poderes legislativo e executivo lituanos, conforme definido na Constituição da República da Lituânia e interpretado pelo Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia). O Tribunal de Justiça não tem competência para o fazer.

37.      Segundo jurisprudência constante, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da sua competência, o exercício desta competência deve respeitar o direito da União, especialmente, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE (41). Por força do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE,s Estados‑Membros devem assegurar que os órgãos jurisdicionais suscetíveis de se pronunciar sobre a interpretação ou aplicação do direito da União (42) satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva (43). Esta disposição opõe‑se a disposições nacionais relativas à organização judiciária que diminuem a proteção do valor do Estado de direito (44). Os Estados‑Membros são, portanto, obrigados a conceber a organização judiciária a fim de assegurar o respeito das exigências decorrentes do direito da União. Estas incluem, concretamente, a independência dos órgãos jurisdicionais chamados a pronunciar‑se sobre as questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União, a fim de garantir a tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares dele derivados (45).

38.      Resulta desta jurisprudência e, em particular, dos Acórdãos Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Escribano Vindel, que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o direito da União em processos relacionados com a organização do sistema judiciário dos Estados‑Membros, incluindo a remuneração dos juízes.

 Quanto à admissibilidade das questões submetidas no processo C374/23

39.      O Governo Lituano alega que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑374/23 é inadmissível, uma vez que as questões apresentadas pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) não têm nenhuma relação com os factos e o objeto do litígio submetido a este órgão jurisdicional. Por conseguinte, não é necessária uma resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas para resolver o litígio no processo principal.

40.      O artigo 267.° TFUE estabelece que a(s) quest(ões) submetida(s) a título prejudicial deve(m) ser «necessária[s] ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente recordado que resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.° TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais um litígio no âmbito do qual estes sejam chamados a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial (46).

41.      O litígio principal do processo C‑374/23 diz respeito a um pedido de indemnização por danos contra a República da Lituânia apresentado por dois juízes, SR e RB, no qual alegam que a determinação da sua remuneração pelos poderes legislativo e executivo é incompatível com a independência do poder judicial. Isto constitui um elemento de conexão entre o litígio pendente no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) e a interpretação do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio pede. Por conseguinte, entendo que a interpretação do Tribunal de Justiça é «necessária» para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio decidir o litígio que lhe foi submetido (47).

 Quanto à relevância do artigo 2.° TUE e do artigo 47 da Carta nos processos apensos C146/23 e C374/23

42.      Segundo o Governo Lituano, uma vez que a regulamentação da remuneração dos juízes é da competência exclusiva dos Estados‑Membros, estes não aplicam o direito da União quando determinam essa remuneração. Daqui resulta que, nos termos do seu artigo 51.°, n.° 1, a Carta não é aplicável ao processo principal.

43.      O artigo 51.°, n.° 1, da Carta destina as suas disposições aos Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União. Não resulta dos despachos de reenvio nos processos C‑146/23 e C‑374/23 que XL ou SR e RB invocam um direito que uma disposição do direito da União lhes confere ou que são objeto de processos que aplicam o direito da União. Os despachos de reenvio também não indicam que suscitam qualquer questão relativa à interpretação ou à aplicação de uma norma do direito da União. Nada nos pedidos de decisão prejudicial revela que uma pessoa invoca o direito à ação consagrado no artigo 47.° da Carta. Por conseguinte, afigura‑se que o artigo 47.° da Carta não pode ser invocado no contexto do processo principal (48).

44.      O artigo 19.° TUE concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.° TUE. Em conformidade com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, cabe aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. A tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros (49) e que é reafirmado no artigo 47.° da Carta (50). Nestas circunstâncias, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare não é necessário interpretar o artigo 2.° TUE separadamente do artigo 19.° TUE (51).

 Quanto ao mérito

45.      Com as suas questões, o Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok) e o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) pretendem obter a interpretação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, relativamente a duas matérias. Primeiro, esta disposição contempla a possibilidade de os poderes legislativo e executivo adotarem leis para determinar ou reduzir a remuneração dos juízes? Segundo, quando os Estados‑Membros adotam tais leis, que critérios devem respeitar para darem cumprimento a esta disposição?

46.      É jurisprudência constante que o direito da União não impõe aos Estados‑Membros um modelo constitucional preciso que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nomeadamente quanto à definição e à delimitação das suas competências. Na escolha dos respetivos modelos constitucionais, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar, nomeadamente, o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, não comprometendo a independência dos juízes nem interferindo na função jurisdicional (52). Tendo em conta as diferentes estruturas e tradições constitucionais dos Estados‑Membros, os papéis desempenhados pelos intervenientes envolvidos na determinação do nível e dos elementos da remuneração dos juízes podem variar consideravelmente (53). Numa democracia, o princípio da separação de poderes e a necessidade de isolar o poder judicial de influências externas indevidas, nomeadamente, do poder legislativo e/ou executivo, não exclui este último de determinar muitos aspetos da arquitetura judiciária de um Estado, incluindo a remuneração dos juízes.

47.      Para garantir a transparência, a objetividade e a segurança jurídica (54), os Estados‑Membros devem estabelecer um quadro jurídico para facilitar a determinação da remuneração dos juízes, incluindo a identificação dos intervenientes nesse processo e as funções que lhes são atribuídas (55). Esse quadro deve procurar proteger a independência judicial, assegurando que o nível de remuneração dos juízes é proporcionado à importância das suas funções. As leis nacionais que regem a remuneração dos juízes devem assentar em critérios pertinentes, objetivos e verificáveis que respeitem o princípio da proporcionalidade. Por conseguinte, a remuneração dos juízes não pode ser determinada ou reduzida de forma discricionária ou por referência a circunstâncias individuais. Uma lei nacional que tenha por objetivo reduzir o nível da remuneração dos juízes deve apresentar, em termos claros, a respetiva justificação. As reduções na remuneração dos juízes que daí possam resultar devem ser temporárias e o seu montante e duração devem ser proporcionados e evoluir em função da gravidade e da persistência das condições que justificaram a sua adoção. Estas reduções na remuneração não podem, em circunstância alguma, visar o poder judicial para um tratamento desfavorável (56). Para avaliar se o poder judicial é visado, tais reduções têm de ter em conta o contexto da evolução da remuneração dos juízes e dos titulares de cargos públicos comparáveis, atendendo, especialmente, a quaisquer aumentos recentes (57). Para garantir o cumprimento destes princípios e reforçar a sua estabilidade, as regras relativas à remuneração dos juízes ou qualquer redução da mesma têm de estar sujeitas a fiscalização jurisdicional (58).

48.      Os pedidos de decisão prejudicial referem‑se ao nível de remuneração de base dos juízes na Polónia e na Lituânia (59). À luz da definição de «remuneração» no artigo 157.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TFUE, qualquer regalia, em dinheiro ou em espécie, atual ou futura, que os juízes recebam direta ou indiretamente, em razão desse emprego, deve ser tida em conta ao avaliar se a sua remuneração é compatível com a importância das suas funções (60). As bonificações ou subsídios recebidos pelo exercício de determinadas funções ou tarefas adicionais ou responsabilidades (61), a antiguidade, o tempo de serviço ou a experiência, as pensões de reforma profissional não contributivas ou subsidiadas (62) e os cuidados de saúde complementares aos prestados aos trabalhadores em geral no âmbito de um regime nacional de segurança social, o alojamento e a utilização de um veículo ou telefone para fins privados são exemplos de remuneração em dinheiro ou em espécie a ter em conta (63). As limitações ou impedimentos ao exercício de outras atividades económicas pelos juízes (64) devem também ser tidos em conta na avaliação da adequação da sua remuneração (65).

49.      Na falta de harmonização, tendo em conta as diferentes condições socioeconómicas na União Europeia e as diferentes restrições orçamentais que cada Estado‑Membro enfrenta, estes estão normalmente em melhor posição para determinar a remuneração dos juízes na sua jurisdição. Sem prejuízo das obrigações imperativas do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, os Estados‑Membros beneficiam, portanto, de uma margem de apreciação na determinação do nível de remuneração dos juízes. Esta margem de apreciação não é ilimitada. Elementos objetivos, como o salário médio ou mínimo nacional — multiplicados por um coeficiente — ou os salários de outros titulares de cargos públicos e funcionários públicos com responsabilidades equivalentes, são exemplos de referências aceitáveis em que os Estados‑Membros se podem basear, em conjunto com outros parâmetros socioeconómicos como o custo de vida (índice de preços ao consumidor num Estado‑Membro), taxa de inflação, etc., para calcular a remuneração dos juízes (66). Uma vez que os níveis salariais, incluindo os níveis do salário mínimo, não estão harmonizados na União Europeia (67) e variam substancialmente devido às disparidades significativas entre as condições socioeconómicas que prevalecem nos diferentes Estados‑Membros (68), uma mera comparação da remuneração em termos monetários simples é inadequada. Por conseguinte, a remuneração dos juízes deve ser avaliada no contexto socioeconómico preciso de cada Estado‑Membro (69).

50.      Para avaliar a adequação da remuneração dos juízes, há que verificar se, num determinado contexto socioeconómico nacional, esta se situa num nível suficiente para atrair, reter e motivar pessoas de elevada integridade moral, provenientes de diversas origens, com as necessárias qualificações e/ou experiência (70). Uma remuneração inadequada pode minar a moral, reduzir a produtividade e, em última instância, dificultar o recrutamento, por desincentivar os candidatos qualificados a ingressarem na profissão. A retenção de juízes também pode ser afetada, uma vez que os salários baixos podem encorajar as pessoas a deixarem a profissão ou a reformarem‑se antes do final do seu mandato ou da reforma obrigatória por limite de idade, reduzindo assim o nível geral de experiência judicial (71).

51.      Na falta de qualquer indicação de que a remuneração dos juízes é tributada de forma ilegal ou desproporcionada (72), o princípio da tutela jurisdicional efetiva não constitui um obstáculo aos impostos ou encargos — tais como pagamentos à segurança social — que um Estado‑Membro cobre legalmente sobre a remuneração dos juízes por referência a critérios objetivos e não discriminatórios. Por conseguinte, o ónus de tais encargos gerais não se enquadra no âmbito de uma análise da compatibilidade do sistema de remuneração dos juízes com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

52.      A comparação da remuneração dos juízes com o nível dos honorários cobrados ou auferidos pelos advogados quando prestam assessoria ou são mandatados pelo Estado também está excluída, mesmo quando a lei fixa uma tabela para esses honorários. Embora o nível de remuneração dos juízes não possa ser dissociado dos rendimentos do setor privado (73) em domínios semelhantes, a função jurisdicional tem a natureza de um serviço público, não de um empreendimento comercial (74). Implica uma escolha consciente de carreira para trabalhar na esfera pública em troca, nomeadamente, da garantia de manutenção nas funções e de uma compensação monetária estável (75). Embora isso possa resultar num nível de remuneração inferior ao cobrado em certos casos pelos advogados que exercem em prática privada, os juízes não estão expostos a riscos comerciais (76), não têm de suportar os custos das despesas gerais (77), não estão sujeitos a IVA e, em princípio, são pagos independentemente do resultado dos processos, da sua prestação ou da sua produtividade (78). Por último, devo acrescentar que, enquanto os juízes são pagos em intervalos regulares e previsíveis, o prazo dentro do qual os clientes efetuam o pagamento dos honorários aos seus advogados pode ser longo e deveras imprevisível (79).

53.      Por conseguinte, uma avaliação da adequação da remuneração dos juízes compreende, simultaneamente, uma perspetiva holística, que tem em conta todos os fatores socioeconómicos relevantes, e um aspeto dinâmico e temporal, por referência à evolução dessa remuneração no tempo. Embora possa não ser imperativo que os Estados‑Membros atualizem automaticamente a remuneração dos juízes para ter em conta a inflação e/ou o aumento do custo de vida, ou que revejam os níveis salariais com regularidade, uma falta persistente de o fazerem pode conduzir a uma depreciação do seu valor. Uma erosão significativa no nível de remuneração dos juízes ao longo do tempo é prejudicial para a independência judicial e para a dignidade da função jurisdicional. A menos que ocorra uma diminuição súbita e acentuada do seu valor, a análise da evolução da remuneração dos juízes deve ser realizada por referência a um período representativo de pelo menos dez anos.

54.      No que diz respeito aos presentes processos apensos, a legislação polaca e a legislação lituana estabelecem um quadro para determinar a remuneração dos juízes (80). Não há nada nos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe suscetível de indicar que, ao fazê‑lo, os poderes legislativo e/ou executivo da Polónia ou da Lituânia tenham usurpado as funções ou os poderes de qualquer outro interveniente legítimo (81). Os presentes pedidos de decisão prejudicial também demonstram que, nestes Estados‑Membros, as regras que regem a remuneração dos juízes, e qualquer redução da mesma, estão sujeitas a fiscalização jurisdicional.

55.      O processo C‑146/23 surge na sequência das Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais para 2021, 2022 e 2023 (82), que alteraram o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e introduziram reduções na remuneração dos juízes. Não é alegado que os poderes legislativo e/ou executivo polacos não tinham competência, nos termos do direito polaco, para alterar o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns através das Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais para 2021, 2022 e 2023. A extensão total do impacto do Acórdão de 8 de novembro de 2023, K 1/23, do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) (83), sobre estas leis orçamentais permanece pouco claro. Na audiência, o Governo Polaco confirmou, em resposta às questões do Tribunal de Justiça, que a remuneração devida aos juízes na sequência desse acórdão tinha sido paga. No processo C‑374/23, SR e RB intentaram uma ação de indemnização contra a República da Lituânia por danos causados por omissão, uma vez que não existem outras vias de recurso judicial para obrigar os poderes legislativo e executivo a pagarem aos juízes uma remuneração compatível com a dignidade das suas funções. Resulta claramente do Acórdão Savickas (84) que a redução da remuneração dos juízes pode ser contestada nos órgãos jurisdicionais da Lituânia e que estão disponíveis recursos financeiros para recuperar a remuneração ilegalmente não paga.

56.      O órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑146/23 considera que as alterações ao artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns em 2022 e 2023 são contrárias ao artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE. Ao contrário das medidas objeto do Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses (85), as alterações na Polónia não são medidas gerais por natureza, mas visam especificamente os juízes, estabelecendo uma derrogação duradoura ao mecanismo previsto no artigo 91.°, n.° 1, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns.

57.      É indiscutível que a remuneração dos juízes (86) na Polónia em 2022 e 2023 foi inferior ao que teria sido se tivesse sido calculada de acordo com o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns. Essa redução também coincidiu com um aumento significativo do custo de vida neste Estado‑Membro. No entanto, importa observar que, durante o mesmo período, a remuneração dos juízes não foi inferior aos anos anteriores, mas parece ter aumentado 4,37 % em 2022, em comparação com 2021, e 7,8 % em 2023, em comparação com 2022. O Governo Polaco alega que as alterações em causa não «congelaram» a remuneração dos juízes, mas apenas diminuíram a sua taxa de crescimento. Embora XL se refira a uma longa lista de funcionários públicos que receberam aumentos salariais mais elevados do que os juízes em 2022, o Governo Polaco salientou, na audiência, que os funcionários públicos comuns neste Estado‑Membro recebem consideravelmente menos do que os juízes e, ao contrário destes, não beneficiaram recentemente de um aumento salarial.

58.      No que diz respeito ao caráter alegadamente permanente das alterações na Polónia, embora o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns pareça ter sido alterado três anos consecutivos (87), afigura‑se que permanece em vigor. O Governo Polaco confirmou, na audiência, que cada uma das alterações introduzidas pelas Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais para 2021, 2022 e 2023 diziam respeito a um único exercício orçamental e eram válidas apenas por um ano. Além disso, não há nenhuma indicação nos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, em 2024, tenham sido propostas alterações semelhantes ao artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns (88). Assim, afigura‑se que os efeitos das alterações ao artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e à remuneração dos juízes foram limitados tanto em termos de duração como de dimensão.

59.      À primeira vista, estas alterações controvertidas podem parecer ter visado ou individualizado a remuneração dos juízes e dos magistrados do Ministério Público, uma vez que os salários de outros titulares de cargos públicos e funcionários públicos não foram objeto de medidas análogas. O Governo Polaco referiu, quer nas suas observações escritas quer na audiência, que os juízes e os procuradores tinham recebido anteriormente um tratamento preferencial ao abrigo dessa política de remuneração do Estado para os titulares de cargos públicos e funcionários públicos. O Governo Polaco alegou ainda que os juízes e os procuradores tinham ficado isentos do congelamento salarial do setor público entre 2013 e 2018. Estes elementos indicam que, entre 2013 e 2023, a remuneração dos juízes pode não ter sido visada negativamente ou desproporcionadamente afetada em comparação com a recebida por outros titulares de cargos públicos ou funcionários públicos (89). Parece também que, durante esse período, não houve uma erosão substancial da sua remuneração (90).

60.      O Governo Polaco justificou as alterações de 2022 e 2023 por referência à pandemia de COVID‑19 e à invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022. Na minha opinião, estamos perante circunstâncias relevantes, objetivas, verificáveis e extraordinárias que, sem dúvida, impuseram restrições orçamentais consideráveis em todos os Estados‑Membros, incluindo na República da Polónia, e que eram suscetíveis de justificar a redução da remuneração dos titulares de cargos públicos e dos funcionários públicos, incluindo a dos juízes. Uma redução da remuneração dos juízes em conformidade com o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, não exige a existência de uma crise orçamental nacional ou a abertura de um procedimento por défice excessivo nos termos do artigo 126.°, n.° 2, TFUE e do Protocolo n.° 12 sobre o procedimento relativo aos défices excessivos (91). As reduções na remuneração dos juízes e outros cortes orçamentais podem ser justificados num esforço para evitar a precipitação de um défice excessivo num Estado‑Membro (92). Quanto à proporcionalidade das medidas adotadas em resposta a essas circunstâncias, o pedido de decisão prejudicial no processo C‑146/23 refere que a remuneração de XL em 2022 e 2023 foi significativamente superior ao dobro do salário médio na Polónia (93).

61.      Embora caiba, em última análise, ao órgão jurisdicional de reenvio decidir a este respeito, as matérias a que se referem os n.os 56 a 60 das presentes conclusões tendem a indicar que a remuneração dos juízes na Polónia em 2022 e 2023 era compatível com a independência e a importância das suas funções.

62.      No processo C‑374/23, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) afirmou que, ao longo de 13 anos, entre 2008 e 2021, a remuneração dos juízes diminuiu 3,2 % em termos nominais devido apenas a alterações fiscais. O órgão jurisdicional de reenvio não forneceu detalhes sobre a reforma fiscal de 2019 na Lituânia. Em todo o caso, conforme referido no n.° 51 das presentes conclusões, a tributação da remuneração dos juízes é, regra geral, irrelevante para uma avaliação no contexto do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

63.      O Governo Lituano e a Comissão alegam que, em conformidade com o artigo 3.° da LRJ, o montante de base para calcular o salário dos juízes e de outros titulares de cargos públicos e funcionários públicos se baseia em parâmetros claros e objetivos, ligados às condições socioeconómicas predominantes na República da Lituânia (94). É, em princípio, atualizada anualmente e não pode ser inferior ao ano anterior. Não há nenhum indício no processo C‑374/23 de que a remuneração dos juízes na Lituânia tenha sido visada, ou desproporcionadamente afetada, em comparação com a de outros titulares de cargos públicos ou funcionários públicos. Resulta, nomeadamente, do artigo 3.° da LRJ que a remuneração dos juízes é determinada em conjunto com a dos outros titulares de cargos públicos ou funcionários públicos. O mesmo se aplica à reforma da remuneração do serviço público, adotada em 25 maio de 2023 (95). O facto de esta reforma ter aumentado (substancialmente) a remuneração dos juízes e de outros titulares de cargos públicos ou funcionários públicos não põe em causa, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, a legalidade dos montantes anteriormente pagos aos juízes.

64.      O Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) referiu que o nível relativo da remuneração dos juízes na Lituânia diminuiu ao longo do tempo e que, desde o final de 2021, se aproxima do nível do salário médio nacional. O Governo Lituano alegou, na audiência, que os valores apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio são incorretos, uma vez que não refletem os pagamentos efetuados aos juízes entre 2016 e 2019, na sequência do Acórdão do Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia) que declarou a redução da remuneração dos juízes inconstitucional (96)

65.      Embora a adequação da remuneração dos juízes no processo principal seja, em última análise, uma matéria que cabe ao Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) apreciar, a figura 3.36 do Relatório de 2020 da CEPEJ (97) e a figura 3.46 do Relatório de 2022 da CEPEJ (98) indicam que o salário médio bruto dos juízes do Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal, Lituânia) era 2,2 (2018) ou 2,1 (2020) vezes superior ao salário médio bruto nacional (99). Uma comparação dos dados de outros Estados‑Membros tende a demonstrar que, em 2018, a remuneração dos juízes lituanos (100) em início de carreira no Supremo Tribunal daquele Estado se situava num nível médio e era superior, em termos relativos, à dos juízes comparáveis austríacos (1,5), belgas (1,6), finlandeses (1,5), franceses (1,3), croatas (1,7), neerlandeses (1,3), alemães (0,9), húngaros (1,8), italianos (1,9), luxemburgueses (1,4), letões (1,9), eslovacos (1,6), suecos (1,8) e espanhóis (2,1) (101).

 Conclusão

66.      À luz do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Sąd Rejonowy w Białymstoku (Tribunal de Primeira Instância de Białystok, Polónia) e pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia) da seguinte forma:

O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que os poderes legislativo e/ou executivo dos Estados‑Membros adotem leis para determinar e/ou reduzir a remuneração dos juízes, incluindo através de acordos coletivos celebrados ao abrigo da legislação nacional;

exige que os Estados‑Membros estabeleçam um quadro jurídico para facilitar a determinação da remuneração dos juízes que procure proteger a independência judicial, assegurando que o nível de remuneração dos juízes é proporcionado à importância das suas funções. As leis que regem a remuneração dos juízes devem assentar em critérios pertinentes, objetivos e verificáveis que respeitem o princípio da proporcionalidade;

exige que qualquer avaliação da adequação do nível de remuneração dos juízes tenha em conta todos os fatores socioeconómicos relevantes e tenha por referência a evolução dessa remuneração no tempo;

exige que qualquer lei nacional que tenha por objetivo reduzir o nível da remuneração dos juízes apresente, em termos claros, a respetiva justificação. As reduções na remuneração dos juízes que daí possam resultar devem ser temporárias e o seu montante e duração devem ser proporcionados e evoluir em função da gravidade e da persistência das condições que justificaram a sua adoção. Estas reduções na remuneração não podem, em circunstância nenhuma, visar o poder judicial para um tratamento desfavorável;

exige que as regras sobre a remuneração dos juízes ou qualquer redução da mesma estejam sujeitas a fiscalização jurisdicional.


1      Língua original: inglês.


2      N.° 79, primeiro parágrafo. The Federalist (O Federalista), comummente designado por Federalist Papers (Documentos Federalistas), é uma série de 85 ensaios escritos por Alexander Hamilton, John Jay, e James Madison entre outubro de 1787 e maio de 1788. Os ensaios foram publicados anonimamente, sob o pseudónimo «Publius», em diversos jornais do Estado de Nova Iorque (Estados Unidos da América) da época. A versão da qual foi retirada esta citação pode ser encontrada nos Guias de Pesquisa da Biblioteca do Congresso (Estados Unidos da América): https://guides.loc.gov/federalist‑papers/introduction. A abordagem defendida por Hamilton de que «[o]s salários dos cargos judiciais podem ser alterados de tempos a tempos, como a ocasião o requeira, e contudo sem nunca diminuírem a retribuição que qualquer juiz particular teve ao aceder ao cargo, e isto em relação a ele» (The Federalist, n.° 79, segundo parágrafo), foi adotada pela Constituição dos Estados Unidos da América. A artigo III, secção um, da referida Constituição prevê que os juízes, tanto dos tribunais superiores como dos inferiores, devem «receber pelos seus serviços uma compensação que não deve ser reduzida durante a sua permanência no cargo». As Constituições de alguns Estados‑Membros refletem uma abordagem semelhante: v. Constituição da República do Chipre, artigo 133.12, e Constituição da Irlanda, artigo 35.5, alterado pela 29.ª Emenda da Lei Constitucional de 2011.


3      Interpretado à luz do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Os imperativos da independência judicial e da tutela jurisdicional efetiva, que estão interligados, são apenas alguns dos muitos fatores que podem influenciar legitimamente a remuneração dos juízes. A remuneração dos titulares de cargos públicos e dos funcionários públicos, incluindo os juízes, enquadra‑se no âmbito de aplicação do artigo 21.° da Carta e da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16). V. Acórdão de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel (C‑49/18, EU:C:2019:106, n.os 38 a 60) (a seguir «Acórdão Escribano Vindel»).


4      A exigência de independência dos tribunais, inerente à tarefa de julgar, é um elemento constitutivo do direito à tutela jurisdicional efetiva, que, por sua vez, faz parte do direito fundamental a um tribunal imparcial, nos termos do artigo 47.° da Carta. Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 48 a 51 e jurisprudência referida).


5      (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.° 45) (a seguir «Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses»).


6      V. n.° 66.


7      E, por implicação direta, os membros do sistema judiciário.


8      V. Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.° 44.


9      V. Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.° 45 e Acórdão Escribano Vindel, n.° 66. O princípio da inamovibilidade exige, designadamente, que os magistrados possam permanecer em funções enquanto não atingirem a idade obrigatória de aposentação ou até ao termo do seu mandato quando este tiver uma duração determinada. Embora não tenha caráter absoluto, o referido princípio só pode sofrer exceções quando motivos legítimos e imperiosos o justifiquem, no respeito do princípio da proporcionalidade. Assim, é comummente aceite que os magistrados podem ser destituídos se não estiverem aptos a continuar a exercer as suas funções em razão de uma incapacidade ou de falta grave, desde que sejam respeitados os procedimentos adequados. V. Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.° 113). V., também, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 115 e 116), que identifica o impacto que certas decisões que afetam as vidas e carreiras de juízes individuais podem ter na independência judicial.


10      Nas suas Conclusões no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2017:395, n.° 78), o advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe observou que, «embora o montante da remuneração dos juízes deva estar em consonância com a importância das funções públicas que estes assumem, esse montante não deverá, contudo, estar dissociado das realidades económicas e sociais, e, nomeadamente, do nível de vida médio existente no Estado em que os interessados exercem a sua atividade profissional. Além disso, uma razoável estabilidade do seu rendimento pressupõe, em meu entender, que este não varie no tempo de uma forma que possa pôr em perigo a independência da sua apreciação, mas não que seja imutável».


11      O legislador português adotou as medidas objeto do Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses no contexto de um programa de assistência financeira da União. O legislador e o Governo espanhóis adotaram as medidas analisadas no Acórdão Escribano Vindel.


12      No caso de Portugal, os titulares de cargos públicos e funcionários públicos afetados incluíam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro‑Ministro, os Deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador‑Geral da República, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz.


13      V. Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (a seguir «TEDH»), de 15 de outubro de 2013, no processo Savickas e o./Lituânia (CE:ECHR:2013:1015DEC006636509, § 90 a 94) (a seguir «Acórdão Savickas»). O TEDH considerou manifestamente infundada, na aceção do artigo 35.°, n.° 3, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e, por conseguinte, inadmissível nos termos do artigo 35.°, n.° 4, CEDH, uma queixa apresentada por juízes em exercício ou antigos juízes, ou pelos seus herdeiros, segundo a qual foram privados dos seus bens em violação do artigo 1.° do Protocolo adicional à CEDH. A queixa dizia respeito a uma redução dos salários dos demandantes de cerca de 30 %. A redução foi justificada pela «situação económica e financeira particularmente difícil na Lituânia» em 1999 e pela «necessidade de financiar a educação, os cuidados de saúde, a segurança social e outras necessidades da sociedade». O TEDH considerou que, na implementação de políticas económicas e sociais, os legisladores nacionais gozam de uma ampla margem de apreciação.


14      Dz. U. de 2001, n.° 98, posição 1070. Texto consolidado de 14 de dezembro de 2022, Dz. U. de 2023, posição 217.


15      Dz. U. de 2021, posição 2445.


16      Dz. U. de 2022, posição 2666.


17      Artigo 3.° da 2008 m. lapkričio 6 d. Lietuvos Respublikos teisėjų atlyginimų įstatymas Nr. X‑1771 (Lei n.° X‑1771 da República da Lituânia, relativa à Remuneração dos Juízes), de 6 de novembro de 2008 (Žin., 2008, n.° 131‑5022), alterada pela 2021 m. lapkričio 25 d. Lietuvos Respublikos teisėjų atlyginimų įstatymo Nr. X‑1771 pakeitimo įstatymas Nr. XIV‑708 (Lei n.° XIV‑708da República da Lituânia, relativa à Remuneração dos Juízes que altera a Lei n.° X‑1771 da República da Lituânia, relativa à Remuneração dos Juízes), de 25 de novembro de 2021 (TAR, 2021, n.° 25134).


18      Dos «tribunais de competência genérica e dos tribunais de competência especializada».


19      Na versão em vigor entre 1 de janeiro de 2022 e 30 de junho de 2023.


20      Dos «tribunais de competência genérica e dos tribunais regionais de competência especializada».


21      A Lietuvos Respublikos teisėjų atlyginimų įstatymo priedėlio pakeitimo įstatymas Nr. XI‑235 (Lei n.° XI‑235 que altera o anexo da Lei da República da Lituânia relativa à Remuneração dos Juízes), de 28 de abril de 2009 (que entrou em vigor em 1 de outubro de 2013), estabeleceu o coeficiente salarial. Segundo as observações escritas da Comissão, a Lietuvos Respublikos teisėjų darbo apmokėjimo įstatymo Nr. X‑1771 pakeitimo įstatymas Nr. XIV‑2015 (Lei n.° XIV‑2015 da República da Lituânia que altera a Lei n.° X‑1771 da República da Lituânia relativa à Remuneração dos Juízes, de 25 de maio de 2023 (TAR, 2023, n.° 11594), alterou o sistema de coeficientes salariais dos juízes dos órgãos jurisdicionais comuns e dos órgãos jurisdicionais especializados constante do capítulo II do anexo, prevendo que o salário oficial de um juiz de um tribunal regional ascende a «3,6» (de montante de base).


22      XL recebeu 15 151,44 PLN por mês, de julho a novembro de 2022; 15 033,51 PLN em dezembro de 2022 e 16 333,26 em janeiro de 2023.


23      Depois de contabilizar a licença por doença.


24      V. n.° 5.6 do pedido de decisão prejudicial do Processo C‑146/23.


25      Previsto nas disposições especiais para a execução da lei orçamental para o ano de 2023.


26      A Primeira Presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) alegou, nomeadamente, que a Lei que estabelece Medidas Especiais para a Aplicação da Lei Orçamental para 2023 violava a garantia de que a remuneração dos juízes corresponde à dignidade do cargo que ocupam e ao âmbito das suas funções. Estas disposições violam, nomeadamente, a independência judicial, o princípio da proteção dos direitos adquiridos e a confiança no Estado, bem como o direito instituído. Sublinhou que os métodos introduzidos para calcular a remuneração dos juízes «contornavam» os princípios jurídicos aplicáveis. A remuneração dos juízes ficava sujeita a uma avaliação anual, de certo modo imprevisível, pelo legislador. Daqui resultava que o modelo adotado para estabelecer a remuneração dos juízes deixava de ser automático e baseado em critérios objetivos.


27      O Presidente do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) alegou que as disposições em causa constituíam uma «regulamentação episódica» e uma derrogação aos princípios jurídicos estabelecidos relativos à determinação do montante da remuneração dos juízes. A Constituição da República da Polónia refere‑se às condições de trabalho e de remuneração de um único grupo de funcionários públicos: os juízes. Esta referência impunha a introdução de um sistema de fixação da remuneração dos juízes distinto do aplicável a outros funcionários públicos. Este sistema distinto deveria ter em conta a necessidade de proteção da independência dos juízes, a dignidade do cargo e o ónus da responsabilidade dos juízes. A redução da remuneração real dos juízes no período de 2021‑2023 é de cerca de 23,6 %, uma diferença significativa do aumento de 6,74 % da remuneração média bruta no setor público entre 2020 e 2021.


28      O KRS alegou que o artigo 178.°, n.° 2, da Constituição da República da Polónia, que limita a interferência legislativa no estabelecimento da remuneração dos juízes, desempenha um papel importante na garantia da independência e imparcialidade dos juízes. A remuneração dos juízes deveria ser calculada com base em critérios objetivos e quantificáveis e estar sujeita a indexação automática.


29      Tendo em conta o número crescente de processos tratados, o atraso crescente e o aumento efetivo da duração dos processos.


30      Segundo os demandantes, não existe nenhum mecanismo jurídico que possa ser aplicado por um órgão jurisdicional ou por um juiz para exigir aos poderes executivo e legislativo que garantam que a remuneração dos juízes é proporcional à dignidade, à responsabilidade e às estritas limitações, nomeadamente no que respeita ao exercício de outra atividade profissional, inerentes às suas funções.


31      Nas suas observações escritas, a Comissão constata que os pedidos dizem respeito ao período de março de 2020 a março de 2023.


32      O órgão jurisdicional de reenvio forneceu estes valores. São valores brutos e excluem uma bonificação por tempo de serviço. O valor de 2021 tem em conta a reforma fiscal de 2019 (coeficiente de 17,2 x montante de base de 177 euros/1.289 variação fiscal).


33      O órgão jurisdicional de reenvio também salienta o facto de os juízes estarem sujeitos a exigências particularmente rigorosas. Os juízes são, nomeadamente, obrigados a trabalhar por igual remuneração independentemente do volume de trabalho, uma vez que o seu horário de trabalho não está regulamentado. O artigo 113.° da Constituição da República da Lituânia também estabelece que «um juiz não pode exercer qualquer outro cargo eleito ou nomeado, não pode exercer nenhuma atividade profissional, comercial ou outra em estabelecimentos ou empresas privadas. Também não pode receber nenhuma remuneração além da estabelecida para o cargo de juiz e do pagamento por atividades de ensino ou criativas. Um juiz não pode participar em atividades de partidos políticos e outras organizações políticas».


34      Com base no salário médio mensal bruto do trimestre que precede o trimestre anterior, conforme publicado pelo Valstybės duomenų agentūra [Agência de Dados do Estado, Lituânia) (anteriormente designado por Lietuvos statistikos departamentas (Departamento de Estatística lituano)] e aplicando o coeficiente de 0,1.


35      Excluindo o subsídio por tempo de serviço.


36      Estas disposições impõem à República da Lituânia a obrigação de estabelecer um sistema comparável para a remuneração dos juízes por trabalhos semelhantes.


37      Este programa foi aprovado pela Resolução n.° XIV‑72 do Parlamento da República da Lituânia, de 11 de dezembro de 2020.


38      Dz. U. de 2022, posição 2666.


39      Na audiência, o Governo Polaco, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, confirmou que o Acórdão do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) produz efeitos a partir da data da sua publicação.


40      As observações escritas do Governo Polaco levantaram diversas objeções quanto à competência do Tribunal de Justiça para decidir sobre a questão submetida no processo C‑146/23 e à sua admissibilidade. Na audiência, retirou essas objeções.


41      Acórdãos de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny  (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.° 36 e jurisprudência referida), e de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação de juízes de direito comum na Polónia) (C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 57) (a seguir «Acórdão G»). V. também Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher  (C‑256/19, EU:C:2020:523, n.os 35 a 40).


42      O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE refere‑se aos «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente de os Estados‑Membros aplicarem o direito da União na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta.


43      Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, EU:C:2021:153, n.° 112 e jurisprudência referida).


44      Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 63 a 65).


45      V., por analogia, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia 'Forumul Judecătorilor din România' e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.° 230). As garantias de independência e de imparcialidade exigidas pelo direito da União postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto. V. Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.° 53 e jurisprudência referida). Na audiência, a Comissão salientou a necessidade de garantir uma remuneração adequada dos juízes, para evitar a impressão de que podem ser suscetíveis a influências externas indevidas.


46      Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny  (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).


47      Existem paralelos claros entre o litígio principal do processo C‑374/23 e os dos processos que deram origem aos Acórdãos Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Escribano Vindel, que diziam respeito a ações intentadas, respetivamente, por uma associação sindical em nome dos juízes portugueses e por um magistrado espanhol contra medidas de redução da remuneração dos juízes portugueses e espanhóis. V., em contraste, Despacho de 8 de novembro de 2023, Habonov  (C‑333/23, EU:C:2023:858) (a seguir «Despacho Habonov»). No Despacho Habonov, o Tribunal de Justiça julgou inadmissível um pedido de decisão prejudicial do Verwaltungsgericht Gießen (Tribunal Administrativo de Giessen, Alemanha) sobre o artigo 19.° TUE e o artigo 47.° da Carta a respeito da remuneração dos juízes no Land Hessen, Alemanha. Uma vez que esse pedido foi apresentado no âmbito de um processo urgente em matéria de direito de asilo entre um cidadão russo e a República Federal da Alemanha, o Tribunal de Justiça considerou que não era necessária uma resposta para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se, distinguindo, assim, esse pedido daqueles que deram origem aos Acórdãos Sindicato dos Juízes Portugueses e Escribano Vindel.


48      Uma vez que o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE impõe a todos os Estados‑Membros que estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar, nos domínios abrangidos pelo direito da União, uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção, nomeadamente, do artigo 47.° da Carta, qualquer interpretação da primeira disposição deve tomar devidamente em conta a segunda. Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 34 a 37 e jurisprudência referida).


49      Consagrado nos artigos 6.° e 13.° da CEDH.


50      Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442, n.° 69).


51      Acórdão de 13 de julho 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.° 55 e jurisprudência referida).


52      V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional)  (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.° 43 e jurisprudência referida).


53      A remuneração dos juízes pode ser fixada, por exemplo, por órgãos jurisdicionais ou independentes ou por acordo coletivo, em conformidade com o direito nacional.


54      O princípio da segurança jurídica não é absoluto. As regras relativas à remuneração dos juízes podem ser alteradas à luz de circunstâncias objetivas e legítimas, desde que sejam respeitados os princípios da independência judicial e da proporcionalidade.


55      O artigo 53.° da Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros aos Estados‑Membros relativamente aos juízes: independência, eficiência e responsabilidades (adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 17 de novembro de 2010 na 1098.ª reunião dos Delegados dos Ministros) (a seguir «Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa») estabelece que «as principais regras do sistema de remuneração dos juízes profissionais devem ser estabelecidas por lei». V. também artigo 11.° dos Princípios Básicos sobre a Independência do Poder Judicial, adotadas em 6 de setembro de 1985, pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Milão, de 26 de agosto a 6 de setembro de 1985, que dispõe que «o mandato dos juízes, a sua independência, segurança, remuneração adequada, condições de serviço, pensões e idade de reforma devem ser adequadamente garantidos por lei». https://www.ohchr.org/en/instruments‑mechanisms/instruments/basic‑principles‑independence‑judiciary.


56      No Acórdão Savickas, § 93, o TEDH considerou «decisivo o facto de a redução dos salários do setor público não ter particularizado o poder judicial» na Lituânia, mas fazer parte de um programa de medidas de austeridade que afetou os salários de todo o setor público. O TEDH recordou também a conclusão do Lietuvos Respublikos Konstitucinis Teismas (Tribunal Constitucional da República da Lituânia) de que «seria injusto se os juízes fossem tratados como uma exceção e isentos de medidas de austeridade». No entanto, o TEDH acrescentou uma advertência no sentido de que mesmo essa consideração pode não ser decisiva se uma redução afetar a independência judicial.


57      No Acórdão Savickas, § 3, 4 e 93, o TEDH analisou a redução da remuneração dos juízes em 1999 no contexto de um aumento dessa remuneração em 1997 e concluiu que o nível geral não tinha sido afetado.


58      V., por analogia, Acórdão Savickas e Acórdão do TEDH de 22 de junho de 2023, Kubát e o./ República Checa (CE:ECHR:2023:0622JUD006172119) (a seguir «Acórdão Kubát»). Estes processos diziam respeito, nomeadamente, à remuneração dos juízes e ao direito de propriedade nos termos do artigo 1.° do Protocolo adicional à CEDH.


59      E não a quaisquer outras bonificações ou subsídios devidos aos juízes em qualquer Estado‑Membro.


60      Acórdão de 22 de fevereiro de 2024, Randstad Empleo e o.  (C‑649/22, EU:C:2024:156, n.° 44).


61      Relacionadas com o nível de competência ou com funções de responsabilidade exercidas no âmbito de uma competência, como a de presidente de um tribunal.


62      No processo C‑146/23, o Governo Polaco observou que os juízes e procuradores têm um regime especial de pensões que é particularmente vantajoso, uma vez que estão dispensados de fazer contribuições para a segurança social para esse efeito.


63      V., por exemplo, artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e artigo 4.°, n.° 2, da LRJ. Embora deva ser tido em conta o pacote completo de regalias financeiras ou outras pagas aos juízes na avaliação da adequação da sua remuneração, a Comissão de Veneza adverte contra a concessão de «dotações não financeiras» aos juízes, tais como alojamento, com base em necessidade social uma vez que existe «margem de discricionariedade na sua atribuição. Constituem, portanto, uma potencial ameaça à independência judicial». Relatório sobre a Independência do Sistema Judicial — Parte I: A independência dos juízes, adotado pela Comissão de Veneza na sua 82.ª Sessão Plenária (Veneza, 12‑13 de março de 2010), CDL‑AD(2010)004, https://www.venice.coe.int/webforms/documents/?pdf=CDL‑AD(2010)004‑e.


64      Em jurisdições onde os juízes podem ser proibidos de regressar ou exercer uma atividade privada.


65      De acordo com o direito nacional, o exercício de funções jurisdicionais pode ser incompatível com o exercício de outras atividades ou funções. Certas exigências de exclusividade podem ser objetivamente necessárias para evitar conflitos de interesses e assegurar o investimento profissional nas funções jurisdicionais. Outras limitações ou impedimentos, como a proibição de deter participações em sociedades, receber royalties ou dividendos ou ser remunerado por palestras, podem nem sempre ser justificados no interesse da independência judicial e podem, em determinadas circunstâncias, violar o direito à propriedade protegido pelo artigo 17.° da Carta.


66      Os Estados‑Membros também podem pagar aos juízes um salário anual fixo sem indicarem especificamente os critérios com que foi fixado. A remuneração paga a outros titulares de cargos públicos ou funcionários públicos com responsabilidades equivalentes pode fornecer uma referência para avaliar a adequação da remuneração dos juízes em tais circunstâncias.


67      V. artigo 153.°, n.° 5, TFUE e Acórdão de 7 de julho de 2022, Coca‑Cola European Partners Deutschland (C‑257/21 e C‑258/21, EU:C:2022:529, n.° 47). V., também, Diretiva (UE) 2022/2041 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativa a salários mínimos adequados na União Europeia (JO 2022, L 275, p. 33).


68      Em janeiro de 2024, o nível dos salários mínimos nos Estados‑Membros variava entre 477,00 euros por mês na Bulgária e 2.571,00 por mês no Luxemburgo. ec.europa.eu/eurostat/statistics‑explained/index.php?title=Minimum_wage_statistics.


69      Fatores económicos objetivos, tais como o produto interno bruto de um Estado‑Membro, a taxa de inflação, o seu défice/excedente orçamental, a sua dívida pública, o custo total da administração da justiça, etc. também podem ser relevantes. O Governo Lituano observou que, na elaboração do projeto de Orçamento de Estado, «devem ser tidas em conta as funções do Estado consagradas na Constituição, a atual situação económica e social, as necessidades e possibilidades da sociedade e do Estado, os recursos financeiros previstos e disponíveis e os compromissos do Estado, bem como outros fatores importantes».


70      O artigo 54.° da Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa estabelece: «A remuneração dos juízes deve estar em consonância com a sua profissão e responsabilidades, e ser suficiente para os proteger de incentivos destinados a influenciar as suas decisões. Devem existir garantias para a manutenção de uma remuneração razoável em caso de doença, licença de maternidade ou paternidade, bem como para o pagamento de uma pensão de reforma, que deve ser de um nível razoável em relação ao seu nível de remuneração quando em exercício. Devem ser introduzidas disposições legais específicas como salvaguarda contra uma redução de remuneração destinada especificamente aos juízes». https://www.icj.org/wp‑content/uploads/2014/06/CMRec201012E.pdf. V., também, artigo 6.° da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, Estrasburgo, 8 — 10 julho de 1998. https://rm.coe.int/16807473ef.


71      Cuja importância está resumida de forma clara na observação de que «a vida do direito não tem sido a lógica, mas sim a experiência», em Holmes, O.W., The Common Law, Little, Brown & Co., Boston MA, 1881, 1.ª ed.


72      A este respeito, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius) não forneceu nenhuma informação sobre a reforma fiscal de 2019. V. n.° 25 das presentes conclusões.


73      A falta de remuneração adequada dos juízes em comparação com o setor privado pode minar a dignidade da função jurisdicional e dificultar o recrutamento, a motivação e a retenção dos juízes em detrimento de uma tutela jurisdicional efetiva e da independência judicial. De acordo com o Relatório de 2020 sobre a avaliação do sistema jurisdicional europeu pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (a seguir «CEPEJ»), elaborado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em setembro de 2002 (a seguir «Relatório de 2020 da CEPEJ»), página 67 https://rm.coe.int/rapport‑evaluation‑partie‑1‑francais/16809fc058, e com o Relatório de 2022 sobre a avaliação do sistema jurisdicional europeu pela CEPEJ (a seguir «Relatório de 2022 da CEPEJ»), página 79 https://rm.coe.int/cepej‑report‑2020‑22‑e‑web/1680a86279, «[a] questão da remuneração dos juízes exige uma abordagem abrangente que, além do aspeto puramente económico, tenha em conta o impacto que pode ter na eficiência da justiça, bem como na sua independência, em relação ao combate à corrupção dentro e fora do sistema jurisdicional. As políticas de justiça devem ter também em consideração os salários de outras profissões jurídicas, a fim de tornar a profissão de juiz atrativa para profissionais do direito altamente qualificados».


74      Implica igualmente o exercício de um poder do Estado que não pode ser comparado ao trabalho de outros profissionais do direito. Não existindo situações comparáveis, qualquer questão de discriminação pode ser excluída.


75      O respeito reconhecido à função jurisdicional também tem um certo valor não monetário.


76      O valor cobrado pelos advogados pode não refletir o valor pago pelos seus clientes. Os advogados competem com outros advogados e — em algumas jurisdições — com outros prestadores de serviços, como contabilistas e consultores fiscais.


77      Como as despesas com um espaço de escritório, seguro de responsabilidade profissional ou assistentes jurídicos.


78      V. artigo 55.° da Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que afirma que: «Devem ser evitados sistemas que tornem o essencial da remuneração dos juízes dependente do desempenho, uma vez que podem criar dificuldades à independência dos juízes». V., por analogia, Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019 (EU:C:2019:341, n.° 98).


79      Em determinadas circunstâncias, a lei fixa os honorários dos advogados e/ou a sua cobrança pode estar sujeita à «fixação de despesas». Os honorários dos advogados podem depender do resultado específico ou do sucesso do litígio. Por conseguinte, os advogados podem não conseguir faturar a totalidade — ou, em alguns casos, não faturar nada — do tempo que despendem num processo.


80      O Governo Lituano confirmou na audiência que o «montante de base» a que se refere o artigo 3.° da LRJ é negociado por convenção coletiva. O Conselho Nacional da Magistratura da Lituânia, composto exclusivamente por juízes de todas as instâncias, representa o poder judiciário lituano nessas negociações.


81      Sujeito a verificação pelos órgãos jurisdicionais de reenvio.


82      São aqui relevantes as alterações relativas a 2022 e 2023.


83      O litígio neste processo dizia respeito à Lei que estabelece Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais de 2023.


84      §§ 1 a 20.


85      V. n.° 49 desse acórdão.


86      O Governo Polaco e a Comissão observam que as Leis relativas às Medidas Especiais para a Aplicação das Leis Orçamentais para 2022 e 2023 contêm disposições relativas à remuneração dos juízes dos tribunais comuns, do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e do Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional), bem como dos procuradores.


87      V. n.os 15 e 16 das presentes conclusões.


88      As alterações de 2023 foram declaradas inconstitucionais.


89      V., por analogia, Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.° 48.


90      Daqui resulta que a recente crise do Estado de direito na Polónia não diminuiu o nível de remuneração dos juízes.


91      Afigura‑se que o défice orçamental na Polónia durante o período relevante foi inferior aos 60 % da «relação entre a dívida pública e o produto interno bruto a preços de mercado» indicado no artigo 126.°, n.° 2, TFUE e no artigo 1.° do Protocolo n.° 12 sobre o procedimento relativo aos défices excessivos. Exceder o rácio de 60 % constitui um «desvio importante».


92      Artigo 126.°, n.° 1, TFUE exige aos Estados‑Membros que «evit[em] défices orçamentais excessivos».


93      A Comissão observou que a remuneração de XL era quase três vezes superior se fossem acrescentados os prémios e subsídios a que se refere o artigo 91.° da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns. O Governo Polaco alegou que, em situações comparáveis, a remuneração média dos juízes entre 2018 e 2022 foi mais de 300 % superior ao salário médio nacional. O TEDH observou que, em 2012 e 2014, o «salário anual bruto» médio dos juízes de todos os países do Conselho da Europa era, respetivamente, 2,3 e 2,4 vezes o salário médio nacional. V. Acórdão Kubát, § 33.


94      O coeficiente relevante também é fixado por lei.


95      V. n.os 10 e 12 das presentes conclusões. V. também o n.° 39 das observações escritas da Comissão.


96      As observações escritas da Comissão referem que, desde 2017, a remuneração dos juízes aumentou ligeiramente numa base anual.


97      Página 67.


98      Página 80.


99      No início da sua carreira e 3,3 (2018) ou 2,9 (2020) superior «na mais alta instância nacional».


100      Em relação ao salário médio bruto nacional.


101      Em 2020, a remuneração dos juízes lituanos em início de carreira no Supremo Tribunal daquele Estado era superior, em termos relativos, à dos juízes comparáveis austríacos (1,6), belgas (1,6), finlandeses (1,6), franceses (1,3), croatas (1,9), neerlandeses (1,3), alemães (0.9), húngaros (1.7), italianos (1.8), luxemburgueses (1,5), polacos (1.9), eslovenos (1,5) e suecos (1,9). As reivindicações de SR e RB dizem respeito ao período de 2020 a 2023. V. também figura 34: Rácio entre os salários anuais dos juízes e procuradores e o salário médio bruto no país em 2021, na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia de 2023, COM(2023) 309 final. A CEPEJ forneceu à Comissão os dados quantitativos, que abrangem o período de 2012 a 2021. A Comissão alega que, de acordo com a figura 34, embora o salário inicial dos juízes lituanos em relação ao salário nacional bruto anual seja um dos mais baixos da União, é ainda assim mais elevado, em termos relativos, do que o pago na Bélgica, Alemanha, Finlândia, França, Hungria, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia e Eslovénia.