Language of document : ECLI:EU:C:2020:76

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

5 de fevereiro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) 2016/399 — Código das Fronteiras Schengen — Controlos nas fronteiras externas — Nacionais de países terceiros — Artigo 11.o, n.o 1 — Aposição de carimbos nos documentos de viagem — Carimbo de saída — Determinação do momento da saída do espaço Schengen — Entrada ao serviço de marítimos a bordo de navios atracados por um longo período num porto marítimo»

No processo C‑341/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 9 de maio de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de maio de 2018, no processo

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

J. e o.,

sendo interveniente:

C. e H. e o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de junho de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de J. e o., por K. Boele, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por P. Huurnink, M. K Bulterman e H. S. Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze, R. Kanitz e J. Möller e, em seguida, por estes dois últimos, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por S. Chala, C. Fatourou e G. Konstantinos, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de outubro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1; a seguir «Código das Fronteiras Schengen»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos) (a seguir «Secretário de Estado») a J. e o., nacionais de países terceiros na qualidade de marítimos, relativamente à recusa de aposição de um carimbo de saída do espaço Schengen nos passaportes destes últimos no momento em que entram ao serviço em navios atracados por um longo período no porto de Roterdão (Países Baixos).

 Quadro jurídico

 Código das Fronteiras Schengen

3        Os considerandos 6 e 15 do Código das Fronteiras Schengen enunciam:

«(6)      O controlo fronteiriço não é efetuado exclusivamente no interesse do Estado‑Membro em cujas fronteiras externas se exerce, mas no interesse de todos os Estados‑Membros que suprimiram o controlo nas suas fronteiras internas. O controlo fronteiriço deverá contribuir para a luta contra a imigração clandestina e o tráfico de seres humanos, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna, a ordem pública, a saúde pública e as relações internacionais dos Estados‑Membros.

[…]

(15)      A simplificação dos controlos nas fronteiras externas deve ser possível em presença de circunstâncias excecionais e imprevisíveis, a fim de evitar um tempo de espera excessivo nos pontos de passagem de fronteira. A aposição sistemática de carimbo nos documentos de nacionais de países terceiros continua a ser obrigatória no caso de simplificação dos controlos de fronteira. A aposição de carimbo permite determinar com segurança a data e o lugar da passagem da fronteira, sem estabelecer em todos os casos que tenham sido tomadas todas as medidas necessárias para verificar o documento de viagem.»

4        O artigo 1.o deste código, com a epígrafe «Objeto e princípios», dispõe:

«O presente regulamento prevê a ausência de controlo de pessoas na passagem das fronteiras internas entre os Estados‑Membros da União.

O presente regulamento estabelece as normas aplicáveis ao controlo de pessoas na passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros da União.»

5        O artigo 2.o do referido código, com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)      “Fronteiras internas”:

a)      As fronteiras comuns terrestres, incluindo as fronteiras fluviais e lacustres, dos Estados‑Membros;

b)      Os aeroportos dos Estados‑Membros, no que respeita aos voos internos;

c)      Os portos marítimos, fluviais e lacustres dos Estados‑Membros no que diz respeito às ligações regulares por ferry;

2)      “Fronteiras externas”, as fronteiras terrestres, inclusive as fronteiras fluviais e as lacustres, as fronteiras marítimas, bem como os aeroportos, portos fluviais, portos marítimos e portos lacustres dos Estados‑Membros, desde que não sejam fronteiras internas;

[…]

8)      “Ponto de passagem de fronteira”, qualquer ponto de passagem autorizado pelas autoridades competentes para a passagem das fronteiras externas;

[…]

10)      “Controlo fronteiriço”, a atividade que é exercida numa fronteira, nos termos e para efeitos do presente regulamento, unicamente com base na intenção ou no ato de passar essa fronteira, independentemente de qualquer outro motivo, e que consiste nos controlos de fronteira e a vigilância de fronteiras;

11)      “Controlos de fronteira”, os controlos efetuados nos pontos de passagem de fronteira, a fim de assegurar que as pessoas, incluindo os seus meios de transporte e objetos na sua posse, podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo;

[…]»

6        Nos termos do artigo 5.o do Código das Fronteiras Schengen, com a epígrafe «Passagem das fronteiras externas»:

«1.      As fronteiras externas só podem ser transpostas nos pontos de passagem de fronteira e durante as horas de abertura fixadas. As horas de abertura devem ser indicadas claramente nos pontos de passagem de fronteira que não estejam abertos 24 horas por dia.

Os Estados‑Membros notificam a Comissão da lista dos respetivos pontos de passagem de fronteira, em conformidade com o disposto no artigo 39.o

2.      Não obstante o disposto no n.o 1, podem ser permitidas exceções à obrigação de passagem das fronteiras externas apenas nos pontos de passagem de fronteira e durante as horas de abertura fixadas:

[…]

c)      De acordo com as regras específicas previstas nos artigos 19.o e 20.o em conjugação com os anexos VI e VII.

[…]»

7        O artigo 6.o deste código, com a epígrafe «Condições de entrada para os nacionais de países terceiros», dispõe:

«1.      Para uma estada prevista no território dos Estados‑Membros de duração não superior a 90 dias em qualquer período de 180 dias, o que implica ter em conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada, as condições de entrada para os nacionais de países terceiros são as seguintes:

a)      Estar na posse de um documento de viagem válido que autorize o titular a passar a fronteira […]

[…]

b)      Estar na posse de um visto válido, se tal for exigido nos termos do Regulamento (CE) n.o 539/2001 do Conselho[, de 15 de março de 2001, que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação (JO 2001, L 81, p. 1)], exceto se for detentor de um título de residência válido ou de um visto de longa duração válido;

[…]

2.      Para efeitos de aplicação do n.o 1, considera‑se que a data de entrada é o primeiro dia de estada no território dos Estados‑Membros e a data de saída é o último dia de estada no território dos Estados‑Membros. Os períodos de estada autorizados por força de uma autorização de residência ou de um visto de longa duração não são tidos em conta para o cálculo da duração da estada no território dos Estados‑Membros.

[…]

5.      Não obstante o n.o 1:

[…]

b)      Os nacionais de países terceiros que preencham as condições estabelecidas no n.o 1, com exceção da estabelecida na alínea b), e que se apresentem na fronteira podem ser autorizados a entrar no território dos Estados‑Membros se lhes for concedido um visto na fronteira nos termos dos artigos 35.o e 36.o do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (Código de Vistos) (JO 2009, L 243, p. 1; retificação no JO 2013, L 154, p. 10)].

[…]»

8        O artigo 8.o Código das Fronteiras Schengen, com a epígrafe «Controlos de fronteira sobre as pessoas», prevê, no seu n.o 3:

«À entrada e à saída, os nacionais de países terceiros são submetidos a um controlo pormenorizado:

a)      À entrada, o controlo pormenorizado compreende a verificação das condições de entrada fixadas no artigo 6.o, n.o 1, e, se for caso disso, dos documentos que autorizam a residência e o exercício de uma atividade profissional. Esta verificação inclui uma análise pormenorizada, que compreende os seguintes aspetos:

[…]

iii)      análise dos carimbos de entrada e de saída apostos no documento de viagem do nacional de país terceiro, a fim de verificar, por comparação das datas de entrada e de saída, que a pessoa não excedeu ainda o período máximo autorizado para a sua estada no território dos Estados‑Membros,

[…]

h)      Além do controlo referido na alínea g), o controlo pormenorizado à saída pode ainda compreender o seguinte:

[…]

ii)      verificação de que a pessoa não excedeu o período máximo autorizado para a sua estada no território dos Estados‑Membros,

[…]»

9        O artigo 11.o deste código, com a epígrafe «Aposição de carimbo nos documentos de viagem», tem a seguinte redação:

«1.      Os documentos de viagem dos nacionais de países terceiros são objeto de aposição sistemática de carimbo de entrada e de saída. Um carimbo de entrada ou de saída é aposto nomeadamente:

a)      Nos documentos com visto válido que permitem a passagem da fronteira por nacionais de países terceiros;

b)      Nos documentos que permitem a passagem da fronteira pelos nacionais de países terceiros para os quais um Estado‑Membro emitiu um visto na fronteira;

c)      Nos documentos que permitem a passagem da fronteira pelos nacionais de países terceiros que não estão sujeitos a visto.

[…]

3.      Não é aposto carimbo de entrada e de saída:

[…]

c)      Nos documentos de viagem de marítimos que apenas permaneçam no território de um Estado‑Membro na zona do porto de escala durante a escala do navio;

[…]»

10      O artigo 13.o do referido código, com a epígrafe «Vigilância de fronteiras», enuncia, no seu n.o 1:

«A vigilância de fronteiras tem por objetivo principal impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra pessoas que tenham atravessado ilegalmente a fronteira. […]»

11      O artigo 19.o do mesmo código, com a epígrafe «Regras específicas aplicáveis aos vários tipos de fronteiras e aos vários meios de transporte utilizados para a passagem das fronteiras externas», dispõe:

«As regras específicas previstas no anexo VI aplicam‑se aos controlos efetuados nos diferentes tipos de fronteiras, tendo por objeto os diferentes meios de transporte utilizados para transpor os pontos de passagem de fronteira.

Essas regras específicas podem prever derrogações dos artigos 5.o e 6.o e dos artigos 8.o a 14.o»

12      O artigo 20.o do Código das Fronteiras Schengen, com a epígrafe «Regras específicas de controlo para determinadas categorias de pessoas», enuncia, no seu n.o 1:

«As regras específicas previstas no anexo VII aplicar‑se‑ão ao controlo das seguintes categorias de pessoas:

[…]

c)      Marítimos;

[…]

Essas regras específicas podem prever derrogações dos artigos 5.o e 6.o e dos artigos 8.o a 14.o»

13      O anexo VI deste código diz respeito, segundo a sua própria epígrafe, às «[r]egras específicas aplicáveis aos vários tipos de fronteiras e aos vários meios de transporte utilizados para a passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros».

14      O ponto 3 desse anexo, com a epígrafe «Fronteiras marítimas», contém um ponto 3.1, ele próprio intitulado «Regras gerais aplicáveis ao controlo do tráfego marítimo», que tem a seguinte redação:

«3.1.1. O controlo dos navios efetua‑se no porto de chegada ou de partida, ou numa zona prevista para esse efeito situada nas imediações do navio, ou a bordo do navio nas águas territoriais, segundo se encontram definidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar[, assinada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982, que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994, ratificada pelo Reino dos Países Baixos em 28 de junho de 1996 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998 (JO 1998, L 179, p. 1)]. Os Estados‑Membros podem celebrar acordos nos termos dos quais os controlos também possam ser efetuados durante a viagem, ou à chegada ou partida do navio, no território de um país terceiro, desde que sejam respeitados os princípios estabelecidos no ponto 1.1.4.

[…]

3.1.5.      O comandante informa a autoridade competente da partida do navio em tempo útil e em conformidade com as disposições em vigor no porto em causa.»

15      O anexo VII do referido código, com a epígrafe «Regimes especiais para determinadas categorias de pessoas», contém um ponto 3, ele próprio intitulado «Marítimos», que enuncia:

«Em derrogação dos artigos 5.o e 8.o, os Estados‑Membros podem autorizar os marítimos titulares de um documento de identificação de marítimo emitido em conformidade com as Convenções relativas aos documentos de identificação dos marítimos n.o 108 (1958) ou n.o 185 (2003) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a Convenção sobre Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional (Convenção FAL) e com o disposto no direito nacional aplicável, a entrar no território dos Estados‑Membros, deslocando‑se a terra para pernoitar na localidade do porto em que o seu navio faz escala ou em municípios limítrofes, ou a sair do território dos Estados‑Membros, regressando ao seu navio sem ter de se apresentar num ponto de passagem de fronteira, desde que constem da lista da tripulação, previamente submetida a controlo pelas autoridades competentes, do navio a que pertencem.

[…]»

 Código de Vistos

16      O artigo 35.o do Regulamento n.o 810/2009, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1) (a seguir «Código de Vistos»), com a epígrafe «Vistos requeridos nas fronteiras externas», dispõe, no seu n.o 1:

«1.      Em casos excecionais, os vistos podem ser emitidos nos pontos de passagem de fronteira, se estiverem preenchidas as seguintes condições:

[…]

c)      É considerado garantido o regresso do requerente ao seu país de origem, de residência ou de trânsito através de Estados diferentes dos Estados‑Membros que aplicam a totalidade do acervo de Schengen.»

17      O artigo 36.o deste código, com a epígrafe «Vistos emitidos na fronteira externa para marítimos em trânsito», prevê:

«1.      Podem ser emitidos vistos de trânsito na fronteira para marítimos sujeitos à obrigação de visto ao passar as fronteiras externas dos Estados‑Membros, desde que estes:

a)      Preencham as condições previstas no n.o 1 do artigo 35.o; e

b)      Passem a fronteira em causa para embarcar, reembarcar ou desembarcar de um navio no qual exerçam ou tenham exercido a atividade de marítimo.

2.      Antes da emissão de vistos na fronteira para marítimos em trânsito, as autoridades nacionais competentes devem cumprir o disposto na parte 1 do anexo IX e garantir que foram transmitidas as informações necessárias relativas ao marítimo em causa mediante o impresso para marítimos em trânsito, devidamente preenchido, tal como consta da parte 2 do anexo IX.

[…]»

18      O anexo IX do referido código contém uma parte 1 que, segundo a sua própria epígrafe, enuncia as «[r]egras para a emissão de vistos na fronteira para os marítimos em trânsito sujeitos à obrigação de visto». A parte 2 deste anexo estabelece o modelo de formulário para os marítimos em trânsito sujeitos à obrigação de visto.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

19      J. e o. são marítimos nacionais de países terceiros que entraram no espaço Schengen pelo aeroporto internacional de Schiphol, em Amesterdão (Países Baixos), antes de viajarem por via terrestre para o porto marítimo de Roterdão, para entrarem ao serviço em navios especializados, dotados de um sistema de navegação autónomo, que são objeto de uma atracação de longa duração nesse porto, a fim de efetuar a bordo, sem que esses navios deixem o referido porto, diversas tarefas destinadas a preparar a instalação no mar, nomeadamente, de plataformas petrolíferas e de oleodutos. No termo do seu período de trabalho a bordo, que ascende, consoante os casos, a cinco ou dez semanas, estes marítimos regressaram por via terrestre ao aeroporto internacional de Schiphol, em Amesterdão, ou permaneceram a bordo do navio em causa.

20      Quando, em diferentes datas durante os meses de janeiro a março de 2016, esses marítimos se apresentaram na Zeehavenpolitie Rotterdam (Polícia do porto marítimo de Roterdão, Países Baixos), a autoridade nacional encarregada do controlo das fronteiras no porto de Roterdão, declarando a sua intenção de entrar ao serviço num navio atracado nesse porto, a referida autoridade, afastando‑se da prática seguida anteriormente, recusou apor um carimbo de saída nos seus documentos de viagem, com o fundamento de que não se precisava a data em que o navio em causa deixaria efetivamente o referido porto e, por conseguinte, o espaço Schengen.

21      J. e o., bem como alguns operadores de navios, a saber, C. e H. e o., interpuseram recursos administrativos para o Secretário de Estado com vista a contestar estas recusas. Sublinhando que, em conformidade com uma prática constante das autoridades neerlandesas, um tal carimbo tinha sido sempre aposto aos marítimos no momento da sua entrada ao serviço, independentemente da questão de saber se estes deixam o porto a curto prazo a bordo de um navio, alegavam que a nova prática da polícia do porto marítimo de Roterdão tinha por consequência que, enquanto nacionais de países terceiros autorizados, em princípio, a permanecer no espaço Schengen por um período máximo de 90 dias num período de 180 dias, a duração de estada autorizada dos marítimos em questão no espaço Schengen esgotar‑se‑ia mais rapidamente. Além disso, como estavam obrigados a aguardar o termo de um prazo de 180 dias antes de entrar novamente no espaço Schengen, esses marítimos sofreriam uma perda de rendimentos.

22      Por decisões adotadas durante os meses de junho e julho de 2016, o Secretário de Estado negou provimento a esses recursos administrativos, por um lado, por serem inadmissíveis, na medida em que tinham sido interpostos pelos operadores de navios, e, por outro, por serem improcedentes, na medida em que tinham sido interpostos pelos marítimos, com o fundamento de que o simples facto de um marítimo entrar ao serviço de um navio não significa que saia do espaço Schengen, na aceção do artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen.  Essa saída só ocorre quando o marítimo em causa se apresenta ou encontra a bordo de um navio cujo comandante tenha informado a polícia do porto marítimo de Roterdão da partida do navio e este último, deixa, em seguida, efetivamente, o porto com os marítimos a bordo.

23      Por quatro sentenças de 17 de maio de 2017, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) deu provimento aos recursos interpostos contra essas decisões por J. e o., com o fundamento de que, aquando da sua entrada ao serviço, os marítimos em causa transpuseram uma fronteira externa dos Estados‑Membros e saíram do espaço Schengen, na aceção do artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen. Com efeito, resulta do regime derrogatório previsto no artigo 11.o, n.o 3, alínea c), e no anexo VII do mesmo código, relativo ao regime aplicável aos marítimos que se deslocam a terra quando fazem escala, que o legislador da União considera passagem de uma fronteira externa o facto de os marítimos desembarcarem de um navio que se encontra num porto marítimo ou embarcarem no mesmo. Esta apreciação é corroborada pelo artigo 36.o e as disposições do anexo IX do Código de Vistos, nos termos dos quais as autoridades nacionais competentes podem emitir um visto de trânsito aos marítimos para a duração da viagem do aeroporto de entrada para o porto onde entram ao serviço.

24      O Secretário de Estado interpôs recurso dessas sentenças para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos).

25      O referido órgão jurisdicional salienta que, geralmente, os navios permanecem atracados em portos marítimos, como o de Roterdão, durante vários meses. Por outro lado, as informações transmitidas pelo Secretário de Estado não permitem pôr em causa a alegação apresentada no referido órgão jurisdicional de que as autoridades competentes de vários Estados‑Membros apõem um carimbo de saída no momento em que os marítimos entram ao serviço, independentemente da questão de saber se o navio em que entram ao serviço deixa o porto a curto prazo.

26      O órgão jurisdicional de reenvio entende que não resulta claramente do Código das Fronteiras Schengen em que momento se deve considerar que um marítimo que entrou no espaço Schengen por um aeroporto e viaja por via terrestre para um navio atracado por um longo período num porto marítimo, como o de Roterdão, para aí entrar ao serviço, saiu do espaço Schengen. Em especial, é impossível determinar claramente se essa saída exige um abandono efetivo do espaço Schengen. Com efeito, o Código das Fronteiras Schengen não define o conceito de «saída», referido no artigo 11.o, n.o 1, desse código, e também não determina com precisão em que local se situam as fronteiras externas dos Estados‑Membros, nem quando são transpostas. A questão de saber se, e em caso afirmativo, em que momento deve ser aposto um carimbo de saída é, portanto, incerta.

27      Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 11.o, n.o 1, do [Código das Fronteiras Schengen] ser interpretado no sentido de que um nacional de um país terceiro que já entrou no espaço Schengen, por exemplo através de um aeroporto internacional, sai desse espaço, na aceção [desse código], a partir do momento em que, na qualidade de marítimo, entra ao serviço a bordo de um navio atracado num porto marítimo que constitua uma fronteira externa, independentemente da questão de saber se e quando ele deixará esse porto marítimo no referido navio? Ou, para se poder falar de uma saída, deve haver primeiro a certeza de que o marítimo deixará o porto marítimo no navio em causa e, em caso afirmativo, existe um prazo máximo dentro do qual o navio deve sair do porto e, nesse caso, em que momento deverá ser aposto o carimbo de saída? Ou há outro momento que, mesmo em condições diferentes, deva ser considerado o momento de “saída”?»

 Quanto à questão prejudicial

28      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen deve ser interpretado no sentido de que, quando um marítimo, na qualidade de nacional de um país terceiro, entra ao serviço de um navio atracado por um longo período num porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen, para aí efetuar um trabalho a bordo, deve, antes de deixar esse porto nesse navio, ser aposto um carimbo de saída nos seus documentos de viagem — quando a sua aposição estiver prevista nesse código — no momento da sua entrada ao serviço, mesmo que esse navio não deixe o referido porto a curto prazo, ou num momento posterior a essa entrada ao serviço e, nesse caso, em que momento preciso.

29      Resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que a atracagem por um longo período constitui uma prática no setor marítimo no âmbito da qual navios permanecem no cais ou ancorados num porto por um período que pode durar vários meses, ao passo que os marítimos ao serviço nesses navios permanecem nesse porto durante todo ou parte do período para o qual foram contratados para efetuar o seu trabalho a bordo.

30      Para responder à questão submetida, há que, a título preliminar, recordar que, como resulta do seu artigo 1.o, o Código das Fronteiras Schengen tem por objeto e princípios o desenvolvimento da União enquanto espaço comum de livre circulação sem fronteiras internas e o estabelecimento, para esse efeito, de normas aplicáveis ao controlo de pessoas na passagem das fronteiras externas dos Estados‑Membros que fazem parte do espaço Schengen (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Association nationale d’assistance aux frontières pour les étrangers, C‑606/10, EU:C:2012:348, n.o 23).

31      Por força do artigo 2.o, ponto 2, desse código, o conceito de «fronteiras externas», na aceção deste código, visa, nomeadamente, as fronteiras terrestres e as fronteiras marítimas dos Estados‑Membros, «bem como os [seus] aeroportos [e] portos marítimos», desde que estes não sejam «fronteiras internas», na aceção do mesmo código, dado que este último conceito se refere, nos termos do ponto 1, alíneas b) e c), do referido artigo, nomeadamente, aos aeroportos dos Estados‑Membros, no que respeita aos voos internos e aos portos marítimos desses Estados para as ligações regulares internas por ferry.

32      Segundo o artigo 5.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, as «fronteiras externas», na aceção deste código, só podem, em princípio, ser transpostas nos pontos de passagem de fronteira, os quais devem ser notificados pelos Estados‑Membros à Comissão Europeia. Nos termos do artigo 2.o, ponto 8, do referido código, a expressão «ponto de passagem da fronteira» designa qualquer ponto de passagem autorizado pelas autoridades competentes para a passagem dessas fronteiras externas.

33      Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, em princípio, os documentos de viagem dos nacionais de países terceiros são objeto de aposição sistemática de carimbo «de entrada» e «de saída» do espaço Schengen. Como o Tribunal de justiça já teve ocasião de precisar, esse carimbo materializa‑se numa autorização de entrada ou de saída (Acórdão de 26 de julho de 2017, Jafari, C‑646/16, EU:C:2017:586, n.o 52).

34      No caso em apreço, é pacífico que, por um lado, tanto o aeroporto internacional de Schiphol em Amesterdão como o porto marítimo de Roterdão, ambos situados no território dos Países Baixos, constituem, respetivamente, um «aeroporto» e um «porto marítimo» compreendidos no conceito de «fronteiras externas» do espaço Schengen, tal como definido no artigo 2.o, ponto 2, do Código das Fronteiras Schengen, e, por outro, o Reino dos Países Baixos notificou à Comissão o conjunto desse porto marítimo como um «ponto de passagem de fronteira», na aceção do artigo 2.o, ponto 8, desse código.

35      Por outro lado, não se contesta que os marítimos em causa no processo principal entraram no espaço Schengen pelo aeroporto internacional de Schiphol em Amesterdão, momento em que as autoridades neerlandesas competentes apuseram nos seus documentos de viagem o carimbo de entrada previsto no artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, e que esses marítimos, em seguida, viajaram por via terrestre para o porto marítimo de Roterdão, a fim de entrarem ao serviço a bordo de um navio atracado por um longo período nesse porto, no qual efetuaram o seu trabalho, sem que este último deixasse o referido porto. É pacífico que, no termo desse período de trabalho a bordo, estes marítimos, consoante os casos, viajaram para o aeroporto internacional de Schiphol, em Amesterdão, por via terrestre, ou deixaram o porto a bordo do navio em causa.

36      Neste contexto, coloca‑se a questão de saber em que momento, na segunda destas situações, o carimbo de saída previsto no artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen deve ser aposto nos documentos de viagem desses marítimos.

37      J. e o., bem como o Governo grego, alegam que os marítimos em causa no processo principal saem do espaço Schengen no momento da sua entrada ao serviço a bordo de um dos navios atracados no porto marítimo de Roterdão, pois é nesse momento que transpõem a fronteira externa que se encontra nesse porto apresentando‑se num ponto de passagem de fronteira. Por conseguinte, o carimbo de saída previsto nessa disposição deveria ser aposto nos documentos de viagem desses marítimos na data em que entram ao serviço, qualquer que seja, por outro lado, o momento de saída do navio.

38      Em contrapartida, os Governos neerlandês e alemão, bem como a Comissão sustentam, em substância, que os marítimos em causa no processo principal saem do espaço Schengen no momento em que o navio em que entraram ao serviço deixa efetivamente o porto marítimo em causa com esses marítimos a bordo. A este respeito, os referidos Governos sublinham que a saída desse espaço exige, com efeito, que os marítimos em causa transponham uma fronteira externa geográfica do espaço Schengen, que não é fixada pelo Código das Fronteiras Schengen, mas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que estabelece essa fronteira a uma distância, em princípio, de doze milhas marítimas medidas a partir das linhas de base determinadas em conformidade com essa convenção nas águas territoriais dos Estados‑Membros em causa. O carimbo de saída previsto no artigo 11.o, n.o 1, desse código devia, por conseguinte, ser aposto nos documentos de viagem desses marítimos, respetivamente, segundo o Governo neerlandês e a Comissão, num prazo razoável, ou num prazo iminente antes da saída do navio em causa. Por seu turno, o Governo alemão considera que esse carimbo deve ser aposto no dia da saída do espaço Schengen, uma vez estabelecida a data de saída do navio.

39      Para determinar o momento em que um carimbo de saída deve ser aposto, em aplicação do artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, nos documentos de viagem de um marítimo que se encontre na situação descrita no n.o 28 do presente acórdão, há que examinar, em primeiro lugar, em que momento de deve considerar que esse marítimo saiu do espaço Schengen, para, em segundo lugar, determinar, em função do momento dessa saída, o momento em que o carimbo de saída previsto nesta disposição deve ser aposto pelas autoridades nacionais competentes.

40      No que se refere, em primeiro lugar, à determinação do momento da saída do espaço Schengen, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem, em princípio, ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros, tendo em conta os termos da disposição em causa, bem como o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 2017, Maio Marques da Rosa, C‑306/16, EU:C:2017:844, n.o 38, e de 3 de outubro de 2019, X (Residentes de longa duração — Recursos estáveis regulares e suficientes), C‑302/18, EU:C:2019:830, n.o 26].

41      Daqui resulta que, na falta de remissão, no artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, para o direito nacional, o conceito de «saída» que figura nessa disposição deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União cujo sentido e alcance devem ser idênticos em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça dar a esse termo uma interpretação uniforme no ordenamento jurídico da União.

42      No que se refere, antes de mais, aos termos do artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, uma vez que nem esta disposição nem nenhuma outra desse código, em especial o seu artigo 2.o, definem o conceito de «saída» do espaço Schengen, há que determinar o seu significado e alcance em conformidade com o sentido habitual que este tem na linguagem comum (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Jafari, C‑646/16, EU:C:2017:586, n.o73; de 29 de julho de 2019, Spiegel Online, C‑516/17, EU:C:2019:625, n.o 65; e de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 43).

43      Ora, no seu sentido habitual, o conceito de «saída» do espaço Schengen não é ambíguo e deve ser entendido no sentido de que faz referência ao ato físico de deslocação de uma pessoa de um local que faz parte do território do espaço Schengen para um local que não faz parte desse território (v., por analogia, Acórdãos de 4 de maio de 2017, El Dakkak e Intercontinental, C‑17/16, EU:C:2017:341, n.os 19 a 21, e de 31 de maio de 2018, Zheng, C‑190/17, EU:C:2018:357, n.o 30).

44      Em seguida, no que respeita ao contexto em que se insere o artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, há que observar antes de mais que já se pode deduzir do artigo 2.o, ponto 11, e do artigo 6.o, n.o 2, desse código que uma pessoa não sai do espaço Schengen enquanto permanecer no território de um Estado que faz parte desse espaço, dado que essas disposições equiparam o espaço Schengen ao «território dos Estados‑Membros».

45      Por conseguinte, a simples circunstância de uma pessoa ter transposto um «ponto de passagem de fronteira», na aceção do artigo 2.o, ponto 8, do referido código, onde foi realizado, como resulta do n.o 32 do presente acórdão, o controlo nas fronteiras externas imposto pelo mesmo código, não significa que essa pessoa tenha abandonado o espaço Schengen se permanecer ainda numa parte do território de um Estado que faz parte desse espaço.

46      Daqui resulta que não se pode considerar que tenha saído do espaço Schengen um marítimo que, depois de ter entrado no território do espaço Schengen por um aeroporto internacional situado num Estado que faz parte desse espaço, permanece num navio atracado num dos portos marítimos desse Estado, durante o período em que leva a cabo o seu trabalho a bordo.

47      É certo que, como indicado no n.o 31 do presente acórdão, o artigo 2.o, ponto 2, do Código das Fronteiras Schengen define o conceito de «fronteiras externas» do espaço Schengen como visando, por um lado, as fronteiras terrestres e marítimas dos Estados‑Membros e, por outro, nomeadamente, os seus aeroportos e portos marítimos, desde que não sejam fronteiras internas.

48      Todavia, esta disposição visa unicamente, como resulta da sua redação, ligar certos aeroportos e portos dos Estados que fazem parte do espaço Schengen às suas fronteiras externas apenas para efeitos, em conformidade com as disposições do artigo 77.o, n.o 2, alínea b), TFUE, de facilitar a aplicação concreta dos controlos das pessoas na passagem das fronteiras externas do espaço Schengen.

49      Com efeito, como alegam, em substância, os Governos neerlandês e alemão, os controlos relativos à passagem das fronteiras dos Estados‑Membros que constituem fronteiras externas do espaço Schengen devem ser efetuados num local que permita a sua organização prática e eficaz, sem que esse local deva necessariamente coincidir com o próprio local da sua transposição.

50      A este respeito, há que salientar que, por força do artigo 5.o, n.o 2, alínea c), e do artigo 19.o do Código das Fronteiras Schengen, lidos em conjugação com o anexo VI desse código, o controlo nas fronteiras marítimas dos Estados‑Membros pode até ser efetuado, a título derrogatório, fora dos pontos de passagem de fronteira mencionados no artigo 2.o, ponto 8, do referido código, precisando o ponto 3.1.1. desse anexo, a este respeito, que os controlos dos navios podem ser realizados, consoante o caso, no porto de chegada ou de partida, numa zona prevista para o efeito, situada nas imediações do navio, a bordo do navio nas águas territoriais, tal como definidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, durante ao travessia ou inclusive, se tiver sido celebrado um acordo nesse sentido, no território de um país terceiro, à entrada ou à saída do navio.

51      Além disso, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, lido em conjugação com o artigo 2.o, pontos 8 e 10, desse código, os controlos nas fronteiras externas do espaço Schengen efetuam‑se, em princípio, nos pontos de passagem de fronteira autorizados pelos Estados‑Membros «para» a passagem dessas fronteiras e são efetuados «unicamente com base» na «intenção» ou no «ato de passar essa fronteira».

52      Afigura‑se, assim, que o Código das Fronteiras Schengen se baseia na premissa de que o controlo dos nacionais de países terceiros num ponto de passagem de fronteira será seguido a curto prazo, ainda que a pessoa em causa permaneça temporariamente no território do Estado‑Membro em causa, da passagem efetiva da fronteira externa do espaço Schengen.

53      Nesta perspetiva, a apresentação de uma pessoa num ponto de passagem de fronteira de um porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen não pode, em si mesma, ser equiparada ao facto de essa pessoa abandonar o espaço Schengen, mas reflete quando muito a sua intenção, na maior parte dos casos, de abandonar esse espaço a curto prazo.

54      No entanto, no caso em apreço, é pacífico que um marítimo contratado para trabalhar a bordo de um navio que está atracado por um longo período nesse porto marítimo, no momento em que se apresenta, para entrar ao serviço nesse navio, num ponto de passagem de fronteira do porto marítimo em causa, não tem a intenção de abandonar a curto prazo o território do Estado‑Membro em causa e, consequentemente, o espaço Schengen.

55      Por último, no que se refere ao objetivo prosseguido pelo artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, cabe recordar que esse código se insere no âmbito mais geral de um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, TUE e o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria, nomeadamente, de controlos nas fronteiras externas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Association nationale d’assistance aux frontières pour les étrangers, C‑606/10, EU:C:2012:348, n.o 25).

56      Como resulta do considerando 6 do referido código, o controlo nas fronteiras externas dos Estados‑Membros não é efetuado exclusivamente no interesse do Estado‑Membro em cujas fronteiras externas se exerce, mas igualmente no interesse de todos os Estados‑Membros que suprimiram o controlo nas suas fronteiras internas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Association nationale d’assistance aux frontières pour les étrangers, C‑606/10, EU:C:2012:348, n.o 24).

57      Neste contexto, as verificações efetuadas nos pontos de passagem de fronteira no âmbito dos controlos de fronteira visam, nos termos do artigo 2.o, ponto 11, do Código das Fronteiras Schengen, assegurar que as pessoas podem ser autorizadas a entrar no território dos Estados‑Membros ou autorizadas a abandoná‑lo.

58      Ora, como resulta do artigo 6.o, n.o 1, desse código, os nacionais de países terceiros podem unicamente permanecer no território do espaço Schengen durante 90 dias no máximo, num período de 180 dias, o que implica que se tenha em conta o período de 180 dias anterior a cada dia de estada.

59      A este respeito, o artigo 6.o, n.o 2, do Código das Fronteiras Schengen precisa que, para efeitos do cálculo do respeito desta duração máxima de estada autorizada, a «data de entrada» e a «data de saída» correspondem, respetivamente, ao «primeiro dia de estada no território dos Estados‑Membros» e ao «último dia de estada no território dos Estados‑Membros».

60      É com vista assegurar o respeito destas disposições que o artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen estabelece o princípio segundo o qual os documentos de viagem de nacionais de países terceiros são objeto de aposição sistemática de carimbos de entrada e de saída, a fim de que determinar com segurança, como resulta do considerando 15 deste código, a data e o lugar da passagem da fronteira externa.

61      Assim, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, alínea a), iii), e alínea h), ii), do referido código, a análise dos carimbos de entrada e de saída apostos no documento de viagem do nacional de país terceiro em causa visa verificar, por comparação das datas de entrada e de saída, que a pessoa não excedeu ainda o período máximo autorizado para a sua estada no território do espaço Schegen.

62      Daqui decorre que a aposição de carimbos de entrada e de saída está estreitamente ligada ao exercício pelas autoridades nacionais competentes da sua missão de controlo, nomeadamente, das estadas de curta duração no espaço Schengen, para lutar, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, contra, nomeadamente, as passagens não autorizadas (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2014, Air Baltic Corporation, C‑575/12, EU:C:2014:2155, n.os 50 e 51).

63      Por conseguinte, sob pena de se permitir que um nacional de um país terceiro, em violação do objetivo prosseguido pelo artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, permaneça no espaço Schengen para além do período máximo de estada autorizado, não se pode considerar que esse nacional saiu do espaço Schengen quando ainda se encontra no território de um Estado que faz parte deste espaço.

64      Resulta do exposto que não se pode considerar que um marítimo que entra ao serviço num navio atracado por um longo período no porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen, com vista a permanecer nesse porto durante todo ou parte do período para o qual foi contratado para efetuar o seu trabalho a bordo, saiu desse espaço no momento em que entra ao serviço.

65      Esta conclusão não é suscetível de ser posta em causa pelas disposições derrogatórias previstas no artigo 5.o, n.o 2, alínea c), no artigo 11.o, n.o 3, alínea c), e no artigo 20.o, n.o 1, alínea c), do Código das Fronteiras Schengen, lidos em conjugação com o anexo VII, ponto 3, desse código, relativas à permanência em terra dos marítimos que entraram ao serviço num navio que faz escala num porto marítimo.

66      Com efeito, é pacífico que estas disposições, que têm, em substância, por objetivo flexibilizar os controlos dos marítimos que apenas permaneçam no território do Estado‑Membro em causa durante a escala de um navio e na zona do porto de escala, dispensando‑os, nomeadamente, da obrigação de obter um carimbo de entrada ou de saída nos seus documentos de viagem, não são aplicáveis aos marítimos que trabalham a bordo de um navio que está atracado por um longo período num porto marítimo.

67      Pelas mesmas razões, as disposições dos artigos 35.o e 36.o e do anexo IX do Código de Vistos relativas aos vistos emitidos nas fronteiras externas e aos vistos de trânsito também não são suscetíveis de afetar a conclusão que figura no n.o 64 do presente acórdão, uma vez que, em todo o caso, é pacífico que os marítimos em causa no processo principal não possuíam tais vistos.

68      No que se refere, em segundo lugar, ao momento em que um carimbo de saída deve ser aposto nos documentos de viagem numa situação como a descrita no n.o 28 do presente acórdão, há que recordar que, segundo a própria redação do artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen, essa aposição deve efetuar‑se «[à] saída» do espaço Schengen.

69      Daqui resulta que esse carimbo deve ser aposto no momento dessa saída, que, como resulta dos n.os 44 a 64 do presente acórdão, corresponde à passagem de uma fronteira externa do espaço Schengen.

70      Ora, em conformidade com a premissa evocada no n.o 52 do presente acórdão, quando se demonstra que o controlo das pessoas em causa num ponto de passagem de fronteira não será seguido a curto prazo da transposição de uma fronteira externa do espaço Schengen, é necessário que o carimbo de saída seja aposto nos seus documentos de viagem pelas autoridades nacionais competentes num momento próximo dessa transposição, a fim de assegurar, em conformidade com o objetivo prosseguido pelo Código das Fronteiras Schengen recordado nos n.os 60 a 63 deste acórdão, que essas autoridades continuam em condições de controlar o respeito efetivo dos limites da estada de curta duração no espaço Schengen, tendo em conta a duração real da estada dessas pessoas no território do referido espaço.

71      No caso em apreço, é pacífico que um marítimo contratado para trabalhar a bordo de um navio atracado por um longo período num porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen não prevê, no momento da sua entrada ao serviço nesse navio, abandonar a curto prazo esse espaço. Por conseguinte, tal marinheiro não tem direito a obter a aposição de um carimbo de saída nos seus documentos de viagem no momento da entrada ao serviço.

72      Só quando a partida desse navio daquele porto marítimo para outro lugar situado fora do espaço Schengen se torna iminente é que esse carimbo de saída deve ser aposto nos seus documentos de viagem.

73      Ora, a este respeito, há que salientar que resulta do anexo VI, ponto 3.1.5, do Código das Fronteiras Schengen que o comandante de um navio deve informar a autoridade competente da partida do navio «em tempo útil», em conformidade com as disposições em vigor no porto em causa.

74      Daqui resulta que o carimbo de saída previsto no artigo 11.o, n.o 1, desse código deve ser aposto nos documentos de viagem de um marítimo contratado para trabalhar a bordo de um navio atracado por um longo período num porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen, no momento em que o comandante do navio em causa informa as autoridades nacionais competentes da partida iminente desse navio.

75      Qualquer outra interpretação desta disposição seria suscetível de facilitar os abusos e os desvios às regras estabelecidas pelo direito da União para as estadas de curta duração no espaço Schengen, permitindo a qualquer marítimo nacional de um país terceiro permanecer ilimitadamente num porto marítimo do território de um Estado que faz parte do espaço Schengen.

76      Consequentemente, há que responder à questão submetida que o artigo 11.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen deve ser interpretado no sentido de que, quando um marítimo, na qualidade de nacional de um país terceiro, entra ao serviço de um navio atracado por um longo período num porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen, para aí efetuar um trabalho a bordo, deve, antes de deixar esse porto nesse navio, ser aposto um carimbo de saída nos seus documentos de viagem — quando a sua aposição estiver prevista nesse código — não no momento da sua entrada ao serviço mas quando o comandante do referido navio informa as autoridades nacionais competentes da partida iminente do referido navio.

 Quanto às despesas

77      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), deve ser interpretado no sentido de que, quando um marítimo, na qualidade de nacional de um país terceiro, entra ao serviço de um navio atracado por um longo período num porto marítimo de um Estado que faz parte do espaço Schengen, para aí efetuar um trabalho a bordo, deve, antes de deixar esse porto nesse navio, ser aposto um carimbo de saída nos seus documentos de viagem — quando a sua aposição estiver prevista nesse código — não no momento da sua entrada ao serviço mas quando o comandante do referido navio informa as autoridades nacionais competentes da partida iminente do referido navio.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.