Language of document : ECLI:EU:T:2004:275

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
28 de Setembro de 2004 (1)

«Concorrência – Fiscalização das operações de concentração – Recurso de anulação – Interesse em agir – Competência da Comissão»

No processo T‑310/00,

MCI, Inc., anteriormente MCI WorldCom, Inc., e depois WorldCom, Inc., com sede em Ashburn, Virgínia (Estados Unidos da América), representada inicialmente por K. Lasok, QC, J.‑Y. Art e B. Hartnett, advogados, e em seguida por K. Lasok, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e B. Muttelsee‑Schön, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por P. Oliver, P. Hellström e L. Pignataro e em seguida por P. Oliver e P. Hellström, na qualidade de agentes, assistidos por N. Khan, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/790/CE da Comissão, de 28 de Junho de 2000, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o Acordo EEE (Processo COMP/M.1741 – MCI WorldCom/Sprint) (JO 2003, L 300, p. 1),



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),



composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão




Factos na origem do litígio e processo na Comissão

1
A MCI, Inc., anteriormente MCI WorldCom, Inc., e depois WorldCom, Inc. (a seguir «WorldCom»), e a Sprint Corp. (a seguir «Sprint») são ambas empresas de telecomunicações à escala planetária, com sede nos Estados Unidos. Em 1999, o volume de negócios mundial da WorldCom ascendeu a cerca de 37 mil milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) e o da Sprint a cerca de 17 mil milhões. Até há pouco tempo, as actividades da Sprint na Europa eram exercidas, na totalidade ou em larga medida, por intermédio da Global One, a empresa comum que tinha constituído, em 1995, com a Deutsche Telekom e a France Télécom.

2
A 4 de Outubro de 1999, a WorldCom e a Sprint assinaram um acordo e um plano de fusão que correspondem à definição de operação de concentração na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO L 395, p. 1, com rectificação no JO 1990, L 257, p. 13, entretanto revogado pelo Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1)]. Essa fusão deveria ser realizada mediante permuta de acções da Sprint por acções da WorldCom, num montante inicialmente avaliado em 127 mil milhões de USD.

3
Por cartas de 20, 26 e 28 de Outubro de 2003, a WorldCom e a Sprint informaram a Comissão do acordo, indicando os motivos por que consideravam que a operação em causa não tinha dimensão comunitária na acepção do artigo 1.° do Regulamento n.° 4064/89 e que, portanto, não lhe devia ser notificada nos termos desse regulamento. Alegaram, nomeadamente, que, uma vez que a Sprint se tinha vinculado contratualmente, face à WorldCom, a desfazer‑se da sua participação na Global One antes da realização da fusão, o cálculo do volume de negócios total realizado pela Sprint na Comunidade, na acepção do artigo 5.° do Regulamento n.° 4064/89, não deveria incluir a sua quota no volume de negócios da Global One.

4
A 29 de Outubro de 1999, a Comissão contestou este ponto de vista e informou os interessados de que devia tomar em consideração a quota da Sprint no volume de negócios da Global One, o que levava à conclusão de que a operação projectada tinha dimensão comunitária. A Comissão alegou que o cálculo dos volumes de negócios no sentido de determinar se a operação de concentração tem dimensão comunitária deve ser efectuado no momento e nas circunstâncias factuais correspondentes à assinatura do acordo de fusão ou, o mais tardar, no momento em que surgiu a obrigação da notificação. Segundo a Comissão, o volume de negócios imputável a certas actividades só pode ser excluído no caso de o acordo notificado impor, como condição suspensiva da sua eficácia, a alienação dessas actividades, ou se as mesmas tiverem sido alienadas entre o encerramento das contas e a assinatura do acordo final de fusão. A Comissão entendeu que tal não sucedeu no caso em apreço.

5
Por documento de 10 de Janeiro de 2000 (a seguir «notificação»), recebido pela Comissão a 11 de Janeiro, a WorldCom e a Sprint (a seguir «partes notificantes») notificaram conjuntamente o seu projecto de concentração, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, «sem prejuízo da posição das partes em relação às questões de competência relativas à imputação à Sprint do volume de negócios da Global One».

6
A 21 de Janeiro de 2000, a Sprint celebrou um acordo formal com a Deutsche Telekom e com a France Télécom, por força do qual se retirou da Global One.

7
A 2 de Fevereiro de 2000, as partes notificantes informaram a Comissão desse acordo e propuseram um compromisso na acepção do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, nos termos do qual a Sprint deveria envidar todos os esforços para concluir, com a maior brevidade, a sua retirada da empresa comum Global One e não deveria, entretanto, participar em qualquer aspecto da gestão quotidiana da Global One. A 10 de Fevereiro de 2000, as partes notificantes remeteram à Comissão um memorando no qual expunham os seus pontos de vista sobre o impacto que a retirada, por parte da Sprint, da Global One teria na estrutura da concorrência nos mercados em causa e indicavam os motivos que, no seu entender, lhes permitiam retirar a notificação.

8
Por considerar que o compromisso proposto era insuficiente, que a operação de concentração em causa estava abrangida pelo Regulamento n.° 4064/89 e que havia sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, a Comissão decidiu, em 21 de Fevereiro de 2000, dar início ao procedimento previsto no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89. A Comissão identificou três mercados relativamente aos quais a operação levantava problemas de concorrência: o da «ligação Internet de nível superior ou universal», o dos serviços de telecomunicações globais e o da telefonia vocal internacional.

9
Após ter obtido diversas informações em resposta a pedidos formulados ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão enviou às partes notificantes, a 3 de Maio de 2000, uma comunicação de acusações na acepção do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 [JO L 61, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação», entretanto revogado pelo Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, de execução do Regulamento n.° 139/2004 (JO L 133, p. 1)], na qual explanava que a concentração projectada se traduzia na criação de uma posição dominante a favor das partes notificantes, ou no reforço da posição dominante da WorldCom no mercado da ligação Internet de nível superior ou universal e no dos serviços de telecomunicações globais às empresas multinacionais. As partes notificantes responderam a esta comunicação de acusações a 22 de Maio de 2000.

10
Após diversas reuniões consagradas à apreciação das medidas correctivas possíveis, as partes notificantes apresentaram à Comissão, por carta de 8 de Junho de 2000, um compromisso (de «medidas correctivas»), na acepção do artigo 8.° n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 e do artigo 18.°, n.° 2, do regulamento de aplicação, relativo à alienação das actividades Internet da Sprint.

11
A 5 de Junho de 2000, a Comissão convocou uma reunião do comité consultivo em matéria de concentração de empresas instituído pelo artigo 19.° do Regulamento n.° 4064/89. Este comité reuniu a 22 de Junho de 2000 e emitiu o seu parecer no mesmo dia.

12
A 26 de Junho de 2000, o membro da Comissão encarregue das questões de concorrência, M. Monti, deslocou‑se a Washington (Estados Unidos da América) para aí se reunir com representantes do Department of Justice (a seguir «DoJ»). M. Monti declarou, em conferência de imprensa, que proporia à Comissão a proibição da concentração projectada.

13
A 27 de Junho de 2000, as partes notificantes enviaram, por fax, duas cartas à Comissão, que as recebeu no mesmo dia, nas quais declaravam formalmente retirar, por um lado, o compromisso apresentado a 8 de Junho de 2000 e, por outro, a notificação de 11 de Janeiro de 2000. A segunda carta continha a seguinte declaração:

«As partes já não têm a intenção de executar o projecto de concentração, sob a forma descrita na notificação. Se e na medida em que, no futuro, decidirem fundir as suas actividades sob outra forma, as partes apresentarão as notificações adequadas nos termos das leis aplicáveis em matéria de concentrações.»

14
No mesmo dia, o DoJ apresentou uma queixa formal na District Court of Columbia contra a WorldCom e a Sprint, pedindo que fosse declarado que o seu projecto de fusão violava o Clayton Antitrust Act, 1914 (lei antitrust Clayton de 1914) e que fosse dada uma ordem no sentido de impedir aquelas empresas de executarem o acordo de concentração em causa. Esta queixa tinha por fundamento os efeitos anticoncorrenciais que o acordo parecia implicar no mercado de fornecimento de serviços de rede de Internet de base e numa série de outros mercados.

15
Também a 27 de Junho de 2000, a Sprint publicou no seu sítio Web um comunicado de imprensa relativo ao processo judicial desencadeado pelo DoJ, que terminava nos seguintes termos:

«A Sprint espera que esta operação de fusão tenha um desfecho razoável. As vantagens daí resultantes para o público são demasiado importantes para que se possa renunciar a ela.»

16
No mesmo dia, o sítio Web da ABC News publicou o seguinte comentário:

«[…] as declarações publicadas pelas duas empresas parecem indicar que não renunciaram completamente à megaconcentração projectada, no valor de 128 mil milhões de dólares. P. Lucht, porta‑voz da WorldCom, não quis dizer se tinham posto termo à sua OPA. ‘O caso ainda está pendente nas autoridades americanas’, declarou P. Lucht».

17
A 28 de Junho de 2000, a Comissão adoptou a Decisão 2003/790/CE, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o Acordo EEE (Processo COMP/M.1741 – MCI WorldCom/Sprint) (JO 2003, L 300, p. 1, a seguir «decisão recorrida»), com fundamento, nomeadamente, no artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

18
No considerando 410 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que a concentração projectada «conduziria quer à criação de uma posição dominante a favor da entidade resultante da concentração, quer ao reforço de uma posição dominante da MCI WorldCom no mercado de fornecimento de ligação de nível superior ou universal, em resultado da qual a concorrência no mercado comum seria significativamente entravada na acepção do n.° 3 do artigo 2.° do regulamento das concentrações». Diversamente, no considerando 302 da decisão recorrida, a Comissão «decidiu não prosseguir com a sua objecção relativa ao mercado do fornecimento de serviços de telecomunicações globais». Por outro lado, nos considerandos 303 a 315 da decisão recorrida, a Comissão abandonou as suas críticas relativas ao mercado da telefonia vocal internacional.

19
A decisão recorrida foi notificada às partes notificantes no mesmo dia.

20
A 13 de Julho de 2000, as partes notificantes anunciaram, por meio de comunicados de imprensa, que, face à oposição do DoJ, punham termo ao acordo de fusão.


Tramitação processual

21
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Setembro de 2000, a recorrente interpôs o presente recurso.

22
O Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) convidou a recorrente a pronunciar‑se, na réplica, sobre a questão de saber se, face aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão (T‑102/96, Colect., p. II‑753), e de 15 de Dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, Colect., p. II‑3775), mantinha o interesse em agir, tendo em conta o abandono definitivo do projecto de concentração na sequência da intervenção do DoJ. A recorrente respondeu ao pedido e a Comissão tomou igualmente posição sobre a questão na tréplica.

23
Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Maio de 2001, a República Federal da Alemanha e a República Francesa foram admitidas a intervir em apoio dos pedidos, respectivamente, da recorrente e da Comissão.

24
A 21 de Julho de 2002, a WorldCom e a maior parte das suas filiais nos Estados Unidos apresentaram um pedido de abertura de processo de reestruturação voluntária, na acepção do capítulo 11 do U. S. Bankruptcy Code (Código das Insolvências norte‑americano), no Bankruptcy Court for the Southern District of New York (Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova Iorque).

25
Por notificação do secretário do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Outubro de 2002, a recorrente foi convidada a pronunciar‑se sobre a eventual influência dos acontecimentos em curso na tramitação do processo no Tribunal, a informar se considerava ter ainda interesse no pedido de anulação da decisão recorrida, com base nos critérios enunciados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Gencor/Comissão e Kesko/Comissão, referidos no n.° 22, supra, e, especificamente, se considerava ter ainda possibilidade de realizar, no futuro, a operação de concentração declarada incompatível com o mercado comum pela decisão recorrida, ou qualquer outra operação semelhante, no caso de a decisão recorrida ser anulada conforme pedido pela recorrente, e a apresentar, logo que fosse aceite pelos credores e aprovado pelo tribunal americano competente, o plano estratégico (business plan) exigido pelo capítulo 11 do U. S. Bankruptcy Code. A recorrente respondeu a estes pedidos por cartas de 21 de Outubro de 2002, 2 de Maio de 2003, 9 de Julho de 2003, 17 de Dezembro de 2003 e 11 de Março de 2004.

26
Tendo a composição das secções do Tribunal de Primeira Instância sido modificada com o início do novo ano judicial, o juiz‑relator foi afectado à Segunda Secção, para a qual transitou, em consequência, o presente processo.

27
Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, em primeiro lugar, convocar uma audiência especificamente destinada à apreciação das questões da admissibilidade, do interesse em agir e da competência da Comissão para adoptar a decisão recorrida, que o presente recurso levanta.

28
Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas que o Tribunal lhes fez na audiência de 30 de Março de 2004.


Pedidos das partes

29
A recorrente, apoiada pela República Federal da Alemanha, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão recorrida;

condenar a Comissão nas despesas.

30
A Comissão, apoiada pela República Francesa, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Quanto à admissibilidade do recurso

Argumentos das partes

31
Na réplica, a recorrente sublinha, em primeiro lugar, que foi em resposta às propostas apresentadas por M. Monti na sua conferência de imprensa de 26 de Junho de 2000 (v. n.° 12, supra), que, no dia seguinte, as partes notificantes retiraram a sua notificação e informaram oficialmente a Comissão de que tinham abandonado o projecto de concentração notificado. Quanto ao processo judicial iniciado igualmente a 27 de Junho, pelo DoJ, na District Court of Columbia (v. n.° 14, supra), a recorrente sublinha que o mesmo não tem efeitos jurídicos vinculativos, ao contrário da decisão recorrida, adoptada a 28 de Junho de 2000. Na opinião da recorrente, não é correcto afirmar, por conseguinte, que o projecto de concentração foi abandonado «na sequência da intervenção» do DoJ.

32
Seguidamente, a recorrente sustenta que tem interesse em pedir a anulação da decisão recorrida, face aos critérios enunciados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Gencor/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.os 41 a 45), e Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.os 57 a 64). A este respeito, a recorrente alega, especificamente, que o projecto de concentração foi abandonado pelas partes notificantes, por ser manifesto que a Comissão declararia a operação incompatível com o mercado comum. O facto de a apreciação feita pela Comissão ter sido divulgada publicamente antes da adopção da decisão recorrida e o facto de as partes notificantes terem agido com base no sentido provável da decisão, antes da sua adopção formal, não privam a recorrente do seu interesse no pedido de anulação.

33
A recorrente invoca igualmente, referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23), o direito fundamental à tutela jurisdicional, consagrado tanto no Tratado CE como nos artigos 16.° e 21.° do Regulamento n.° 4064/89. A recorrente alega, nomeadamente, que, numa comunidade de direito, a efectiva fiscalização jurisdicional do poder discricionário atribuído à Comissão pelo Regulamento n.° 4064/89 não pode, em caso algum, ser afectada pela existência de processos judiciais noutros órgãos jurisdicionais, tanto mais que, no caso em apreço, a decisão recorrida constitui o único obstáculo jurídico à concentração projectada.

34
Nas suas observações de 21 de Outubro de 2002, apresentadas em resposta às questões do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Outubro de 2002 (v. n.° 25, supra), a recorrente alega, no essencial, que a sua colocação sob a protecção do capítulo 11 do U. S. Bankruptcy Code não tem qualquer influência jurídica na tramitação do presente processo, que tem um interesse ainda maior do que antes na obtenção da anulação da decisão recorrida, face aos critérios enunciados pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Gencor/Comissão e Kesko/Comissão, referidos no n.° 22, supra, e, especificamente, que, devido a problemas estruturais de sobrecapacidade, à contracção da procura e outros, que surgiram a partir do ano 2000 no sector das telecomunicações, tem ainda maiores hipóteses do que antes de realizar a operação de concentração declarada incompatível com o mercado comum pela decisão recorrida, ou outra operação semelhante, se essa decisão for anulada conforme pedido pela recorrente.

35
Nas suas observações complementares de 2 de Maio de 2003, a recorrente refere, nomeadamente, a iminente aprovação, pela U. S. Bankruptcy Court, do seu plano de reestruturação definitivo e declara esperar sair do processo previsto no capítulo 11 do U. S. Bankruptcy Code, no decurso do terceiro trimestre de 2003. A recorrente confirma que o encerramento do processo de reestruturação não terá qualquer influência no seu interesse numa rápida resolução do presente litígio nem sobre os direitos susceptíveis de decorrer de um acórdão que dê provimento ao seu recurso.

36
Em anexo às suas observações adicionais de 9 de Julho de 2003, 17 de Dezembro de 2003 e 11 de Março de 2004, a recorrente juntou, respectivamente, cópia do despacho da U. S. Bankruptcy Court de 7 de Julho de 2003, que aprovou a sua proposta de acordo definitivo com a U. S. Securities and Exchange Commission (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários americana), cópia do despacho do mesmo órgão jurisdicional, de 31 de Outubro de 2003, que aprovou o seu plano de reestruturação de 21 de Outubro de 2003, e cópia do despacho do referido órgão jurisdicional, de 25 de Fevereiro de 2004, que prorrogou o prazo de que a recorrente dispõe para cumprir algumas das condições previstas pelo seu plano de reestruturação.

37
Na tréplica, a Comissão observa que, nos acórdãos Gencor/Comissão e Kesko/Comissão, referidos no n.° 22, supra, o Tribunal deu uma considerável importância às circunstâncias de facto em que o recurso foi interposto, bem como àquelas em que a operação de concentração projectada foi abandonada.

38
A Comissão sublinha que, no acórdão Gencor/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.° 45), o Tribunal referiu que o desaparecimento do fundamento da operação não é, «em si mesmo», um elemento susceptível de excluir a fiscalização da legalidade da decisão em causa. O Tribunal precisou o sentido desta afirmação no acórdão Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.os 61 a 64), concluindo, após ter apreciado os motivos por que a recorrente tinha renunciado à operação projectada, que essa renúncia não era voluntária, mas sim directamente imputável à decisão recorrida, e que, portanto, havia que declarar a admissibilidade do recurso.

39
A Comissão infere daí que os motivos por que as partes notificantes renunciaram ao seu projecto de concentração, conjugados com outras circunstâncias, podiam, efectivamente, levar o Tribunal a não conhecer do recurso. Alega que, embora as partes notificantes tenham tomado essa decisão por motivos alheios à decisão recorrida, é razoável inferir‑se daí que o desfecho do processo não apresenta interesse suficiente para a recorrente, pelo que deve ser declarada a inadmissibilidade do recurso por esta interposto.

40
Ora, no caso concreto, as próprias WorldCom e Sprint afirmaram claramente que renunciavam ao seu projecto de concentração, por motivos alheios à decisão recorrida. Com efeito, ressalta das suas declarações que o projecto só foi abandonado devido à oposição do DoJ. A Comissão refere‑se, especificamente, ao seguinte extracto do comunicado de imprensa publicado em 13 de Julho de 2000 tanto pela recorrente como pela Sprint (v. n.° 20, supra):

«As sociedades [WorldCom e Sprint] concordam que as diversas condições exigidas afinal pelo [DoJ] comprometiam as vantagens decorrentes da fusão, do ponto de vista financeiro e dos clientes. Uma vez que o [DoJ] afirmou que não estará em condições, antes do final do próximo ano, de agir judicialmente com base nas suas teorias sobre a fusão, as sociedades decidiram que não seria do interesse dos accionistas, dos clientes e dos trabalhadores envolverem‑se num processo interminável.»

41
Nestes termos, a recorrente não tem razão quando sustenta que a queixa apresentada pelo DoJ na District Court of Columbia não podia estar na origem da sua decisão de renunciar ao projecto de concentração por ela não ter efeitos vinculativos.

42
A Comissão conclui que o abandono do projecto de concentração não é, de modo algum, uma consequência directa da decisão recorrida, que o acórdão Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra, é irrelevante no caso concreto e que deve ser declarada a inadmissibilidade do recurso.

43
A Comissão observa, por outro lado, que, no acórdão Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.° 55), o Tribunal ponderou, nomeadamente, a questão de saber se o projecto de concentração mantinha a actualidade no momento da interposição do recurso, para determinar se existia um interesse efectivo e actual na anulação da decisão recorrida. Ora, no caso concreto, o projecto de concentração foi abandonado em Julho de 2000, ou seja, muito antes da interposição do recurso, em 27 de Setembro de 2000.

Apreciação do Tribunal

44
De acordo com jurisprudência constante, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado. Tal interesse só existe se a anulação desse acto for susceptível, por si próprio, de ter consequências jurídicas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão, 53/85, Colect., p. 1965, n.° 21; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T‑480/93 e T‑483/93, Colect., p. II‑2305, n.os 59 e 60, e jurisprudência aí citada, e de 20 de Junho de 2001, Euroalliages/Comissão, T‑188/99, Colect., p. II‑1757, n.° 26), ou, segundo outra fórmula, se o recurso puder, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2000, Parlamento/Richard, C‑174/99 P, Colect., p. I‑6189, n.° 33, e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 21).

45
No que respeita à falta de pressupostos processuais (despachos do Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1985, Grégoire‑Foulon/Parlamento, 19/85, Recueil, p. 3771, e de 7 de Outubro de 1987, D. M./Conselho e CES, 108/86, Colect., p. 3933; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Fevereiro de 1993, Mc Avoy/Parlamento, T‑45/91, Colect., p. II‑83, n.° 22), o juiz comunitário pode suscitá‑la oficiosamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1995, Rendo e o./Comissão, C‑19/93 P, Colect., p. I‑3319).

46
No âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, o Tribunal decidiu, no acórdão Gencor/Comissão, referido no n.° 22, supra (n.os 41 a 45), que uma empresa que seja parte numa operação de concentração projectada mantém o interesse na anulação da decisão da Comissão que declara essa operação incompatível com o mercado comum, ainda que, devido ao desaparecimento do seu fundamento contratual, essa operação não se possa realizar, mesmo que o Tribunal venha a proferir um acórdão favorável à recorrente. O Tribunal teve em conta, nomeadamente, as consequências jurídicas presentes e futuras da anulação de tal decisão nos termos do artigo 233.° CE, bem como os imperativos da fiscalização jurisdicional da legalidade dos actos adoptados pela Comissão ao abrigo do Regulamento n.° 4064/89.

47
Aplicando estes princípios a um caso de abandono da operação de concentração projectada, o Tribunal acrescentou, no acórdão Kesko/Comissão, já referido no n.° 22, supra (n.os 61 a 65), que se as circunstâncias do caso concreto mostrarem que esse abandono não é voluntário, mas sim a «consequência directa» de uma decisão da Comissão, a empresa em causa conserva o interesse na anulação dessa decisão.

48
Ao contrário do que a Comissão sustenta (v. n.° 43, supra), esta doutrina não pode ser circunscrita apenas aos casos em que o abandono da operação de concentração ocorre após a interposição de um recurso no Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, a referida doutrina assenta no entendimento de que uma empresa que se limita a dar cumprimento a uma decisão da Comissão, como é sua obrigação, não perde, de forma alguma, o seu interesse em prosseguir a anulação dessa decisão (acórdão Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 59). Ora, tal obrigação é imanente à decisão, como decorre do artigo 249.°, quarto parágrafo, CE. Logo, essa obrigação existe previamente à interposição de um recurso e independentemente dele, e o facto de este não ter efeitos suspensivos justifica, por outro lado, a manutenção do interesse em agir em caso de abandono da operação no decurso da instância (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 1985, Hoogovens Groep/Comissão, 172/83 e 226/83, Recueil, p. 2831, n.° 19).

49
Neste caso concreto, o desaparecimento do fundamento contratual da operação de concentração, na sequência do abandono do projecto de concentração pelas partes notificantes, não é, portanto, em si mesmo, um elemento susceptível de excluir a fiscalização da legalidade da decisão recorrida.

50
Contudo, o caso em apreço pode distinguir‑se, em dois aspectos, dos casos que deram origem aos acórdãos Gencor/Comissão e Kesko/Comissão, referidos no n.° 22, supra. Por um lado, a própria recorrente sustenta que a operação de concentração em causa foi abandonada desde 27 de Junho de 2000, ou seja, ainda antes da adopção da decisão recorrida, se bem que esta alegação seja parcialmente contestada pela Comissão. Por outro lado, esta sustenta que esse abandono é imputável, antes de mais, à oposição do DoJ e não à sua própria acção. Relativamente a um e outro aspecto, coloca‑se, pois, a questão de saber em que medida o abandono da operação de concentração em causa pode ser qualificado como «consequência directa» da decisão recorrida, na acepção do acórdão Kesko/Comissão, referido no n.° 22, supra, e quais as eventuais consequências de tal distinção quanto ao interesse da recorrente em agir no presente processo.

51
Quanto ao primeiro desses dois aspectos, recorde‑se que, por carta de 27 de Junho de 2000, as partes notificantes declararam formalmente à Comissão que retiravam a notificação e que «já não [tinham] a intenção de executar o projecto de concentração, sob a forma descrita na notificação».

52
O Tribunal constata, em primeiro lugar, que essa declaração foi feita imediatamente depois dos comentários de M. Monti à imprensa, em 26 de Junho de 2000, dos quais resulta que este contava propor à Comissão a proibição da concentração projectada e, em segundo lugar, que é manifesto que o objectivo dessa declaração era evitar a adopção da decisão recorrida, cuja discussão estava inscrita na ordem do dia da reunião da Comissão de 28 de Junho de 2000.

53
Ora, no considerando 12 da decisão recorrida, a Comissão não admitiu que essa declaração constituísse uma retirada formal do acordo de fusão notificado. Por conseguinte, considerou‑se competente para conhecer do acordo de fusão, não obstante os termos da declaração em questão.

54
O Tribunal entende que estas considerações bastam, só por si, para justificar o interesse da recorrente em obter a anulação de uma decisão de que é destinatária e cuja adopção tentou em vão impedir declarando formalmente a renúncia à operação de concentração notificada, que foi objecto da decisão. Saliente‑se, a este respeito, que um dos principais fundamentos de recurso invocados pela recorrente em apoio do seu pedido de anulação assenta na incompetência da Comissão para adoptar a decisão recorrida, após a retirada da notificação que ocorreu a 27 de Junho de 2000.

55
Acresce que, enquanto subsistir a decisão recorrida, que se presume válida até à sua anulação pelo juiz comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Recueil, p. 1251, n.° 17), a recorrente está legalmente impedida de se fundir com a Sprint, pelo menos com a configuração e nas condições expostas na notificação, caso tenha a intenção de o fazer novamente no futuro.

56
Neste aspecto, o facto de a recorrente não ter necessariamente essa intenção, ou de provavelmente não a concretizar, constitui uma circunstância puramente subjectiva que não pode ser tida em conta na apreciação do seu interesse na anulação de um acto que, indubitavelmente, produz efeitos jurídicos vinculativos que afectam os interesses da recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica desta (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.° 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T‑87/96, Colect., p. II‑203, n.° 37, e de 22 de Março de 2000, Coca‑Cola/Comissão, T‑125/97 e T‑127/97, Colect., p. II‑1733, n.° 77).

57
Conclui‑se, pois, que a recorrente fez prova de um interesse suficiente em prosseguir a anulação da decisão recorrida, mesmo que, como alega, tenha realmente abandonado a operação em causa na véspera da adopção dessa decisão.

58
Quanto ao segundo dos dois aspectos referidos no n.° 50, supra, é verdade que a retirada formal da notificação e o abandono do projecto de concentração «sob a forma descrita na notificação», feitos por fax das partes notificantes ao Secretariado da task‑force «Controlo das operações de concentração de empresas» da Comissão em Bruxelas, em 27 de Junho de 2000, às 17 h 25 m (v. anexo 3 da petição, p. 185), coincidem dia por dia e praticamente até hora por hora, tendo em conta a diferença horária, com o anúncio, pelo DoJ, da queixa na District Court of Columbia, feita em Washington, na manhã de 27 de Junho de 2000 (v. anexos 1 e 11 da contestação). Além disso, as partes notificantes reconhecem (v. o seu comunicado de imprensa de 13 de Julho de 2000, referido no n.° 40, supra), que o abandono definitivo do seu projecto de concentração é consecutivo ao processo intentado pelo DoJ na District Court of Columbia.

59
Todavia, mesmo supondo que a oposição do DoJ tenha sido determinante para a decisão de as partes notificantes abandonarem a operação de concentração em causa, não é menos verdade que, como observa, com razão, a recorrente, a decisão recorrida continua, até agora, a ser o único obstáculo jurídico actual e efectivo à realização dessa operação, na eventualidade de as partes notificantes pretenderem novamente concretizar a fusão, com a configuração e nas condições descritas na notificação, pois o processo desencadeado pelo DoJ na District Court of Columbia não chegou até ao ponto de ser decretada uma medida negativa, e foi mesmo abandonado, voluntariamente, pelo DoJ, em 13 de Julho de 2000.

60
Além disso, não é de excluir que as partes notificantes tivessem optado por se defender na District Court of Columbia se a Comissão não tivesse, por seu turno, adoptado a decisão recorrida.

61
Nestes termos e tendo em conta o princípio fundamental de que, numa comunidade de direito, o respeito da legalidade deve ser devidamente garantido (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 63), o Tribunal entende que o caso em apreço não é suficientemente distinto dos casos na origem dos acórdãos Gencor/Comissão e Kesko/Comissão, referidos no n.° 22, supra, para justificar uma solução diferente quanto à apreciação do interesse da recorrente em agir, no momento da interposição do recurso.

62
Quanto às circunstâncias susceptíveis de terem afectado a manutenção desse interesse, após a interposição do recurso, o Tribunal entende que as observações apresentadas pela recorrente a 21 de Outubro de 2002, 2 de Maio de 2003, 9 de Julho de 2003, 17 de Dezembro de 2003 e 11 de Março de 2004 permitem considerar que o seu processo de recuperação judicial chegará a bom termo.

63
Por outro lado, a recorrente afirmou nessas observações e repetiu na audiência, sem ser contraditada pela Comissão, que o âmbito das suas actividades permanece inalterado desde a interposição do recurso e que em qualquer altura pode realizar uma operação do tipo da declarada incompatível com o mercado comum pela decisão recorrida.

64
O Tribunal entende, pois, que a recorrente conserva um interesse suficiente no prosseguimento do presente processo.


Quanto à competência da Comissão para adoptar a decisão recorrida

65
Em apoio do seu pedido, a recorrente invoca, em substância, dois fundamentos de anulação, assentes na incompetência da Comissão para adoptar a decisão recorrida.

66
No primeiro fundamento, que se desdobra em duas vertentes, a recorrente alega que a Comissão não estava habilitada a adoptar a decisão recorrida porque o projecto de concentração em causa não tinha dimensão comunitária, tanto na data do início do processo (primeira vertente) como, na sequência de uma alteração substancial das circunstâncias, na data da adopção da decisão recorrida (segunda vertente).

67
No segundo fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão não estava habilitada a adoptar a decisão recorrida porque as partes notificantes tinham retirado oficialmente a sua notificação e informado a Comissão do abandono da concentração sob a forma preconizada na notificação.

68
O Tribunal decide, por ordem de prioridade, apreciar o segundo fundamento, assente na incompetência da Comissão para adoptar a decisão recorrida após a retirada da notificação e o abandono da concentração sob a forma descrita na notificação.

Argumentos das partes

69
A recorrente, apoiada pelo Governo alemão, alega que a Comissão ultrapassou os seus poderes ao adoptar a decisão recorrida, a 28 de Junho de 2000, quando, a 27 de Junho de 2000, as partes notificantes tinham retirado oficialmente a sua notificação e informado a Comissão de que não procurariam realizar a operação de concentração projectada, tal como foi notificada, e que, caso decidissem, no futuro, concentrar as suas actividades sob outra forma, efectuariam as notificações exigidas pelas disposições aplicáveis em matéria de concentrações.

70
A Comissão justificou a sua competência, no considerando 12 da decisão recorrida, com a circunstância de a comunicação das partes notificantes de 27 de Junho de 2000 não constituir uma retirada formal do contrato de fusão de 4 de Outubro de 1999, objecto da notificação, sustentando a recorrente que essa interpretação é artificial e contrária a uma leitura racional dos termos da referida comunicação. Quanto aos comunicados de imprensa das partes notificantes, a que a Comissão se refere na contestação para fundamentar a tese de que essas partes não tinham abandonado o projecto de concentração constante da notificação (v. n.os 15, 16 e 20, supra), nada na decisão recorrida indica que a Comissão os teve em conta na sua apreciação. Em todo o caso, esses comunicados de modo algum estão em contradição com a comunicação de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes à Comissão.

71
De mais a mais, a recorrente sustenta que a Comissão, na medida em que considerou que o projecto de concentração só podia ser retirado se as partes denunciassem formalmente o contrato de fusão, agiu de forma desrazoável, desproporcionada, contrária à sua própria prática administrativa e, portanto, em violação do princípio da protecção da confiança legítima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1987, Ferriere San Carlo/Comissão, 344/85, Colect., p. 4435; de 5 de Outubro de 1988, Fingruth, 129/87, Colect., p. 6121, n.os 14 a 16; e de 14 de Novembro de 1989, Itália/Comissão, 14/88, Colect., p. 3677, n.os 28 a 31). Com efeito, a recorrente considera que, na sequência da sua comunicação de 27 de Junho de 2000, as partes notificantes podiam legitimamente esperar que a Comissão não adoptasse uma decisão quanto ao mérito da concentração notificada, em conformidade com a sua prática administrativa anterior, publicitada numa vintena de outros processos.

72
A Comissão sustenta que a simples retirada da notificação não basta para a privar da sua competência atribuída pelo Regulamento n.° 4064/89. No seu entender, só é incompetente se as partes notificantes abandonarem igualmente o seu projecto de concentração.

73
Decorre tanto do espírito como da letra do Regulamento n.° 4064/89, nomeadamente dos considerandos 9 e 17 e dos seus artigos 2.°, n.° 2, 4.°, 7.°, n.os 1 e 5, 8.°, n.° 4, e 11.°, que a competência da Comissão não se limita apenas às operações notificadas, sendo a notificação apenas um instrumento que facilita o exercício de uma competência que a Comissão possui sempre e que não pode depender apenas da vontade das partes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colect., p. II‑121, n.° 53). Por isso, a Comissão entende que, uma vez que mantém sob o seu controlo as operações de concentração independentemente de qualquer notificação prévia, as partes num projecto de concentração não podem, ao invés, privá‑la da sua competência, retirando a sua notificação, a menos que abandonem igualmente o seu projecto. Deste ponto de vista, com a retirada da notificação, as partes notificantes incorrem na aplicação de coimas nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 4064/89, a menos que abandonem o seu projecto de concentração.

74
No caso em apreço, é manifesto que, a 28 de Junho de 2000, as partes notificantes ainda tinham grandes esperanças de que a operação de concentração notificada se pudesse realizar. Tal ressalta claramente dos comunicados de imprensa publicados pelas mesmas na véspera (v. n.os 15 e 16, supra). A esse respeito, a Comissão sublinha que se, efectivamente, tivesse sido tomada uma decisão tão importante como o abandono do projecto de concentração, as partes não teriam perdido essa oportunidade de a anunciar. Por isso, a sua comunicação de 27 de Junho de 2000 à Comissão peca por falta de sinceridade e não deve ser tomada à letra, tanto mais que só a 13 de Julho de 2000 é que as partes notificantes anunciaram a sua intenção de abandonarem o seu projecto de concentração às autoridades de fiscalização americanas (v. n.° 20, supra). A Comissão conclui daí que, à data da adopção da decisão recorrida, o projecto de concentração ainda tinha actualidade.

75
Quanto à sua prática administrativa anterior, a Comissão esclarece que, em todos os processos referidos pela recorrente, as partes tinham posto termo à operação notificada antes de ela arquivar o processo. Em nenhum desses processos, a Comissão considerou suficiente a simples retirada da notificação. Pelo contrário, insistiu, em dois casos, na produção de provas, não fornecidas espontaneamente pelas partes, que demonstrassem que o projecto de concentração tinha sido efectivamente abandonado. Ora, no caso em apreço, as partes notificantes não forneceram absolutamente nenhum documento ou elemento de prova susceptível de corroborar a sua afirmação de que já não tinham a intenção de levar a cabo o seu projecto de concentração.

76
Seja como for, a Comissão contesta a ideia de que a sua própria prática administrativa, composta por uma série de decisões individuais, possa criar uma confiança legítima. Segundo a Comissão, essa confiança deve assentar, no mínimo, numa comunicação de alcance geral. Considera, igualmente, que o senso comum não permite considerar que o facto de a Comissão se afastar de uma prática seguida numa série de decisões constitui, em si mesmo, um comportamento desrazoável ou desproporcionado.

77
Por fim, na tréplica, a Comissão alega que os acórdãos Ferriere San Carlo/Comissão e Fingruth, referidos no n.° 71, supra, não são relevantes para o caso em apreço. Nesses dois acórdãos, verificou‑se a existência de uma lacuna na legislação comunitária, que a instituição comunitária em causa colmatou por meio de uma prática administrativa constante. No caso em apreço, o Regulamento n.° 4064/89 não apresenta qualquer lacuna e a recorrente invoca, na realidade, uma pretensa confiança legítima de que a Comissão não exerceria as competências que lhe são atribuídas por esse regulamento.

Apreciação do Tribunal

78
Antes de mais, há que determinar o alcance da carta de 27 de Junho de 2000, citada no n.° 13, supra, nos termos da qual as partes notificantes retiraram formalmente a sua notificação de 11 de Junho de 2000 e declararam à Comissão que «já não [tinham] a intenção de executar o projecto de concentração, sob a forma descrita na notificação».

79
Ao contrário do defendido pela recorrente no presente recurso, resulta dos próprios termos dessa comunicação que o seu objecto não é o abandono, por princípio, de toda e qualquer ideia ou projecto de concentração entre a WorldCom e a Sprint, mas apenas o abandono do projecto de concentração sob a «forma descrita na notificação». A eventualidade de a concentração ocorrer «no futuro, sob outra forma», está, aliás, expressamente prevista na mesma carta, se bem que de forma hipotética («[i]nsofar as» – «[s]e e na medida em que»). O comunicado de imprensa da Sprint e as declarações do porta‑voz da WorldCom do mesmo dia, citados, respectivamente, nos n.os 15 e 16, supra, confirmam igualmente que as partes notificantes ainda tinham, nessa data, uma certa esperança de fundirem as suas actividades, de uma forma ou de outra, não obstante a oposição do DoJ e da Comissão ao seu projecto. Na realidade, foi só no comunicado de imprensa de 13 de Julho de 2000, citado no n.° 40, supra, que as partes notificantes anunciaram publicamente que renunciavam definitivamente ao seu projecto de concentração.

80
A questão que o presente fundamento levanta é, por conseguinte, a de saber se, nas circunstâncias deste caso concreto, a Comissão tinha competência para adoptar uma decisão nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, declarando a «concentração notificada» incompatível com o mercado comum, quando as partes notificantes, sem renunciarem formalmente ao seu projecto de concentração, declararam oficialmente retirar a notificação e já não tencionar executar o seu projecto sob a forma descrita na notificação, reservando‑se contudo a possibilidade de, no futuro, fundirem as suas actividades sob outra forma.

81
A este propósito, refira‑se desde já que o projecto de concentração em causa, sob a forma descrita na notificação, era aquele concretamente identificado e descrito no acordo e no plano de concentração assinados pela WorldCom e a Sprint em 4 de Outubro de 1999, com exclusão de qualquer outra operação de concentração teoricamente projectada entre as partes.

82
Tendo em conta a forma específica assim dada na notificação a esse projecto, a declaração de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes, assinada pelos advogados devidamente mandatados para representar aquelas partes perante a Comissão, só pode ser interpretada no sentido de que implica a caducidade do acordo e do plano de fusão celebrados e notificados nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89.

83
Nestas circunstâncias, o Tribunal entende que a distinção feita pela Comissão, no considerando 12 da decisão recorrida, entre a retirada da notificação e a retirada do acordo de fusão assinado em 4 de Outubro de 2000, é excessivamente formalista e mesmo artificial.

84
Com efeito, por um lado, essa distinção não tem em conta o facto de a carta de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes ter por objecto não só a retirada da notificação mas também a renúncia à execução do projecto de concentração «sob a forma descrita na notificação» e, portanto, sob a forma do acordo de fusão de 4 de Outubro de 1999.

85
Por outro lado, essa distinção não tem em conta o alcance de semelhante renúncia, que afecta necessariamente a eficácia, se não mesmo a validade, do próprio acordo de fusão. A este respeito, a conclusão da Comissão de que a carta de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes «não correspondia a uma retirada formal do acordo de fusão» não é uma consequência lógica da afirmação das partes notificantes de que «já não [tinham] a intenção de executar» o referido acordo.

86
Por outro lado, a circunstância, invocada pela Comissão no considerando 12 da decisão recorrida, de as partes notificantes se terem reservado a possibilidade de, no futuro, fundirem as suas actividades sob outra forma, não é relevante para apreciar se, à data da adopção da decisão recorrida, existia um acordo de fusão nos devidos termos, susceptível de ser executado pelas partes, que poderia recair sob o controlo da Comissão.

87
Na realidade, esta circunstância é susceptível de infirmar, e não de confirmar, a tese da Comissão, pois revela que as partes notificantes consideram que a adopção de uma nova decisão de se fundirem era necessária para, no futuro, se for caso disso, realizarem a operação de concentração projectada.

88
Todavia, nos seus articulados, a Comissão acusa as partes notificantes de «falta de sinceridade» na sua comunicação de 27 de Junho de 2000, pelo que esta não devia ser «ser tomada à letra».

89
Na medida em que a Comissão acusa, assim, as partes notificantes de não terem renunciado definitivamente, nessa data, ao projecto de concentração, a sua acusação é procedente (v. n.° 79, supra), mas inoperante. Com efeito, não basta que duas empresas projectem uma fusão (ou continuem a projectar fundir‑se) para que exista (ou subsista) ipso facto, entre elas, um acordo de concentração nos devidos termos, na acepção do Regulamento n.° 4064/89. A competência da Comissão não pode assentar em simples intenções subjectivas das partes. Essa competência depende, como precisa o artigo 4.° daquele regulamento, «da conclusão do acordo» de concentração. A Comissão, da mesma forma que não é competente para adoptar uma decisão ao abrigo do Regulamento n.° 4064/89 antes da celebração de tal acordo, deixa de o ser assim que esse acordo é resolvido, ainda que as empresas envolvidas prossigam as negociações com vista à celebração de um acordo «sob outra forma».

90
Dado que a Comissão acusa, mais especificamente, as partes notificantes de, secretamente, terem mantido em vigor o seu acordo de fusão de 4 de Outubro de 1999, não obstante os termos da sua comunicação oficial de 27 de Junho de 2000, não se pode deixar de observar que a acusação, que poderia ser operante, não assenta em nenhum elemento susceptível de constituir prova bastante da mesma. Concretamente, não é corroborada por elemento algum do comunicado de imprensa da Sprint ou das declarações do porta‑voz da WorldCom de 27 de Junho de 2000, mesmo supondo que a Comissão possa ter tido em conta tais documentos, que não são mencionados na decisão recorrida.

91
Do exposto resulta que, tendo em conta a carta de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes, resumida no n.° 80, supra, e interpretada nos n.os 82 a 86, supra, a Comissão deveria ter reconhecido que já não tinha competência para, na falta de «acordo» de concentração na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89, adoptar uma decisão nos termos do artigo 8.°, n.° 3, desse regulamento, declarando a «operação de concentração notificada» incompatível com o mercado comum.

92
Nenhum dos outros argumentos expendidos pela Comissão no presente recurso é susceptível de pôr em causa este entendimento.

93
É certo que, como defendeu, com razão, a Comissão, reportando‑se ao n.° 53 do acórdão Air France/Comissão, referido no n.° 73, supra, a sua competência não se limita apenas às operações de concentração notificadas, sendo a notificação apenas um instrumento que facilita o exercício de uma competência que a Comissão possui sempre e que não pode depender apenas da vontade das partes.

94
Neste aspecto, é de rejeitar o argumento do Governo alemão de que uma decisão de incompatibilidade nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 só pode ser adoptada se a concentração, por hipótese não notificada, tiver já sido executada e se se verificar serem necessárias medidas de desconcentração nos termos do artigo 8.°, n.° 4, daquele regulamento. Tal interpretação é contrária tanto ao espírito como à letra do Regulamento n.° 4064/89, nomeadamente o seu artigo 14.°, n.° 2, alínea c).

95
Contudo, a Comissão está vinculada, na sua apreciação, a ter em conta o contexto jurídico e factual existente e, em particular, a basear‑se nas disposições precisas do acordo, não notificado, que executa a concentração (v., por analogia, no que respeita ao exame oficioso, pela Comissão, de um acordo restritivo da concorrência não notificado, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2001, Wirtschaftsvereinigung Stahl e o./Comissão, T‑16/98, Colect., p. II‑1217, n.os 32 e 33).

96
Assim, embora seja verdade que as partes num acordo de concentração não podem privar a Comissão da sua competência mediante a retirada da sua notificação, é ainda necessário que a Comissão, no exercício dessa competência, se pronuncie sobre uma verdadeira operação de concentração, e não, após a retirada da notificação e o abandono da operação sob a forma inicialmente projectada, sobre vagas intenções de as partes, no futuro, fundirem as suas actividades sob outra forma, como sucedeu no caso em apreço.

97
Por outro lado, a Comissão não pode, sem incorrer em erros de apreciação susceptíveis de terem influência substancial na sua apreciação da operação de concentração realmente em causa, fazer incidir a sua avaliação sobre as disposições de um acordo a cuja execução as partes declararam formalmente renunciar.

98
No caso em apreço, a comunicação de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes à Comissão implicava, no mínimo, que essas partes previssem a introdução de determinadas alterações ao acordo de fusão notificado, antes de uma futura e eventual execução, «sob outra forma», da concentração projectada, e que esse acordo já não reflectisse, pois, a sua vontade comum. Daqui se conclui que a apreciação das disposições do acordo notificado, a que se procedeu na decisão recorrida, não tem necessariamente em conta o alcance da nova operação eventualmente projectada, para o futuro, pelas partes notificantes.

99
Ora, esse erro poderá ter tido uma influência significativa sobre a apreciação da operação de concentração efectuada pela Comissão na decisão recorrida. Com efeito, se a Comissão tivesse tido em conta o alcance real da operação de concentração projectada sob outra forma pelas partes em causa, não é de excluir que a sua avaliação teria sido diferente e não teria considerado que essa operação era incompatível com o mercado comum (v., por analogia, acórdão Wirtschaftsvereinigung Stahl e o./Comissão, referido no n.° 95, supra, n.° 45).

100
Neste contexto, refira‑se igualmente que os erros de apreciação em que a Comissão incorreu ao proceder como procedeu no caso em apreço podiam ter sido facilmente evitados. Em especial, nenhum imperativo de prazos impunha a adopção precipitada de uma decisão tão arriscada como a decisão recorrida.

101
Com efeito, resulta do considerando 11 da decisão recorrida que a Comissão considerou que o prazo final para a adopção dessa decisão, após o qual a operação seria reputada compatível com o mercado comum por força do artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 4064/89, expirou a 12 de Julho de 2000. Por outro lado, na contestação, a Comissão explicou que reúne em colégio uma vez por semana, geralmente à quarta‑feira, que as decisões nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 são quase sistematicamente tomadas mediante procedimento oral, para garantir uma maior transparência, e que, em regra, o projecto é apresentado na antepenúltima reunião que antecede a data em que expira o prazo previsto no artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, por forma a permitir que o colégio se pronuncie sobre um texto alterado, caso a maioria dos seus membros se oponha à primeira versão.

102
Assim, se a Comissão tivesse tido dúvidas quanto ao alcance ou quanto à sinceridade da comunicação de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes teria tido todas as possibilidades de, na sua reunião de quarta‑feira, dia 28 de Junho de 2000, adiar a adopção formal da decisão recorrida para quarta‑feira, dia 5, ou quarta‑feira, dia 12 de Julho de 2000, e de, entretanto, dirigir às partes notificantes um pedido de informações nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, se fosse caso disso, por via de decisão, nos termos do n.° 5 desse mesmo artigo.

103
Além disso, nos termos do artigo 10.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, o prazo máximo de quatro meses, fixado no n.° 3 desse mesmo artigo, para a adopção de uma decisão de incompatibilidade nos termos do artigo 8.°, n.° 3, fica excepcionalmente suspenso sempre que a Comissão, devido a circunstâncias pelas quais seja responsável uma das empresas que participa na concentração, tenha tido de solicitar uma informação por via de decisão, ao abrigo do artigo 11.° Entre essas circunstâncias contam‑se, nomeadamente, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, alíneas a) e d), do regulamento de aplicação, a não prestação ou a prestação de forma incompleta, no prazo fixado pela Comissão, de uma informação solicitada por esta a uma das partes notificantes, nos termos do n.° 1 do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, ou a não comunicação à Comissão, pelas partes notificantes, de alterações de carácter material dos elementos indicados na notificação.

104
Portanto, no caso em apreço, a Comissão tinha a possibilidade de se certificar, com apoio em provas formais, da veracidade da retirada ou do abandono do acordo de fusão, o que ela própria reconheceu ter feito no passado, em pelo menos duas outras operações de concentração (v. n.° 111, infra), se entendesse que não tinha informações suficientes para encerrar o processo face à comunicação de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes.

105
A Comissão também não podia invocar a necessidade que teve de impedir uma eventual utilização abusiva ou distorcida da comunicação de 27 de Junho de 2000 das partes notificantes.

106
Concretamente, não havia que recear que as partes notificantes, contornando deliberadamente a proibição do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, prosseguissem a execução do seu projecto de concentração, fosse sob a forma notificada ou sob qualquer outra forma, após a retirada da notificação. Com efeito, como observam a recorrente e o Governo alemão, as partes notificantes só o poderiam fazer incorrendo nas coimas previstas no artigo 14.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, que podem atingir 10% do seu volume de negócios total. Essas coimas são tão dissuasoras como as previstas no artigo 14.°, n.° 2, alínea c), daquele regulamento, para os casos em que as empresas realizem uma operação declarada incompatível com o mercado comum por decisão tomada ao abrigo do artigo 8.°, n.° 3.

107
Em face do exposto, conclui‑se que aquela instituição, ao adoptar a decisão recorrida não obstante as partes notificantes terem retirado oficialmente a sua notificação e informado a Comissão do abandono da concentração sob a forma prevista na notificação, excedeu os limites da competência que lhe é atribuída pelo Regulamento n.° 4064/89.

108
Em todo o caso, mesmo supondo que a Comissão não tivesse sido incompetente para adoptar a decisão recorrida, como ela própria sustenta ao fazer a distinção entre a retirada da notificação e a retirada do acordo de fusão, não se pode deixar de observar que, ao fazê‑lo, a Comissão se afastou inopinadamente da sua prática administrativa constante, que era do conhecimento do público. A recorrente mencionou, a este respeito, uma vintena de outros processos nos quais a Comissão deu a entender que se contentava com a simples retirada da notificação pelos interessados, para encerrar um processo de concentração sem decisão quanto ao mérito.

109
Portanto, face às comunicações da Comissão com a epígrafe «Cancelamento de uma notificação de uma operação de concentração», únicos documentos publicados, respectivamente, nos processos n.° IV/M.608, Ericsson/Ascom (JO 1995, C 292, p. 8), e n.° IV/M.680, Kvaerner/Amec (JO 1996, C 8, p. 4), parece que essa instituição decidiu arquivar o processo, sem adoptar qualquer decisão, no mesmo dia em que as partes notificantes lhe comunicaram que tinham «suspen[dido] a execução do projecto de concentração notificado» e que «por conseguinte decidiram retirar a notificação».

110
Por outro lado, num grande número de processos [n.° IV/M.208, Scott/Mölnlycke; n.° IV/M.238, Siemens/Philips Kabel; n.° IV/M.388, Unilever France/Ortiz Miko; n.° IV/M.418, Tractebel/Distrigaz; n.° IV/M.494, Colonia/Lefac/KMK‑CCI; n.° IV/M.562, Swissair/Sabena; n.° IV/M.592, RWE‑DEA/Enichem Augusta; n.° IV/M.805, Telecom‑2; n.° IV/M.852, BASF/Shell; n.° IV/M.888, Metallgesellschaft/AG; n.° IV/M.892, Hochtief/Deutsche Bank/Holzmann; n.° IV/M.905, Schweizer Rück/SAFR; n.° IV/M.948, Watt AG; n.° IV/M.974, Bertelsmann/Burda‑Host; n.° IV/M.1010, Artémis/Worms & Cie; n.° IV/M.1047, Wienerberger/Cremer & Breuer (JO 1998, C 93, p. 23); n.° IV/M.1246, LHZ/Carl Zeiss (JO 1998, C 384, p. 9); n.° IV/M.1277, BLG Container/Maersk/Sea‑Land Service (JO 1998, C 290, p. 12); n.° IV/M.1321, Verbund/Kelag/Porr/OMV Proterra/Siemens/KRV (JO 1998, C 382, p. 3); n.° IV/M.1431, Ahlström/Kvaerner (JO 1999, C 263, p. 3); n.° IV/M.1447, Deutsche Post/Trans‑o‑flex (JO 1999, C 130, p. 9); n.° IV/M.1609, Elf/Saga; n.° IV/M.1703, Phelps Dodge/Asarco (JO 1999, C 313, p. 7); COMP/M.2117, Aker Maritime/Kvaerner (JO 2001, C 9, p. 5); e COMP/M.1829, HMTF Nabisco Group Holdings/Burlington Biscuits/United Biscuits], a comunicação no Jornal Oficial e/ou o comunicado de imprensa que anunciavam o encerramento do processo limitavam‑se a indicar que «as partes notificantes comunicaram à Comissão que retiravam a sua notificação», sem se referirem ao destino reservado ao projecto ou ao próprio acordo de concentração. Ao redigir assim os documentos públicos em questão, a Comissão levou os meios interessados a crer que a retirada da notificação equivalia para ela, na prática, ao abandono do projecto de concentração, mesmo que a sua prática administrativa fosse, na realidade, diferente.

111
A este respeito, a Comissão referiu, na contestação, dois processos [n.° IV/1328, KLM/Martinair (JO 1999, C 162, p. 7), e n.° IV/M.1412, Hutchison Whampoa/RMPM/ECT (JO 1999, C 256, p. 5)], nos quais, sustenta ela, dado que as partes não apresentaram espontaneamente provas do abandono do seu projecto de concentração, insistiu na produção dessas provas antes de arquivar o processo. Contudo, os elementos desses processos divulgados publicamente por meio de comunicação no Jornal Oficial e/ou de comunicado de imprensa não referem tal insistência da sua parte. Em todo o caso, a Comissão não explica por que não procedeu da mesma forma no presente processo, em vez de se apressar a adoptar uma decisão negativa, no dia seguinte à retirada da notificação.

112
Nestas circunstâncias, as partes notificantes tinham a legítima expectativa de que a sua comunicação de 27 de Junho de 2000 bastava para desencadear o arquivamento do processo, de acordo com a prática administrativa anterior da Comissão, que era do conhecimento do público, e na falta de indicação em contrário dada por esta. Neste aspecto, ao contrário do sustentado pela Comissão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma que uma simples prática ou tolerância administrativa, que não seja contrária à regulamentação em vigor e não implique o exercício de um poder de apreciação, pode suscitar a confiança legítima dos interessados, sem que, portanto, esta deva necessariamente assentar numa comunicação de alcance geral (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1987, Reino Unido/Comissão, 84/85, Colect., p. 3765; acórdãos Ferriere San Carlo/Comissão e Fingruth, referidos no n.° 71, supra; despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1988, Sofrimport/Comissão, C‑152/88 R, Colect., p. 2931).

113
O Tribunal entende, portanto, que a Comissão, no mínimo, violou a confiança legítima das partes notificantes ao adoptar a decisão recorrida sem as advertir previamente de que a sua comunicação não a satisfazia e de que tencionava adoptar uma decisão ao abrigo do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, a menos que as referidas partes apresentassem de imediato a prova formal da retirada do acordo de fusão.

114
Resulta do exposto que o segundo fundamento é procedente. Por conseguinte, é anulada a decisão recorrida, conforme pedido pela recorrente, sem que seja necessário tomar posição sobre os outros fundamentos e argumentos por ela articulados em apoio do seu recurso.


Quanto às despesas

115
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme pedido pela recorrente.

116
Todavia, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros intervenientes num processo suportam as suas próprias despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)
É anulada a Decisão 2003/790/CE da Comissão, de 28 de Junho de 2000, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o Acordo EEE (Processo COMP/M.1741 – MCI WorldCom/Sprint).

2)
A Comissão é condenada a pagar, além das suas próprias despesas, as da MCI, Inc.

3)
A República Federal da Alemanha e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

Pirrung

Meij

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Setembro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Pirrung


1
Língua do processo: inglês.