Language of document : ECLI:EU:T:2022:430

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

6 de julho de 2022 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca figurativa da União Europeia NEHERA — Causa de nulidade absoluta — Inexistência de má‑fé — Artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001]»

No processo T‑250/21,

Ladislav Zdút, residente em Bratislava (Eslováquia), representado por Y. Echevarría García, advogada,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gája, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo as outras partes no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, intervenientes no Tribunal Geral,

Isabel Nehera, residente em Sutton, Ontário (Canadá),

JeanHenri Nehera, residente em Burnaby, Colômbia Britânica (Canadá),

Natacha Sehnal, residente em Montferrier‑sur‑Lez (França),

representados por W. Woll, advogado,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora), G. Hesse e D. Petrlík, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a fase escrita do processo,

visto não terem as partes apresentado, no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita, um pedido para serem ouvidas em audiência de alegações e tendo assim sido decidido, em aplicação do disposto no artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, o recorrente, Ladislav Zdút, pede a anulação da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto Europeu da Propriedade Intelectual (EUIPO) de 10 de março de 2021 (processo R 1216/2020‑2) (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 6 de maio de 2013, o recorrente apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no EUIPO, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

3        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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4        Os produtos para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 18, 24 e 25 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem nomeadamente, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

—        classe 18: «Couro e imitações do couro, produtos nestas matérias não incluídos noutras classes; Peles de animais; Malas e maletas de viagem; Chapéus de chuva e chapéus de sol; Bengalas»;

—        classe 24: «Coberturas de cama; Coberturas de mesa»;

—        classe 25: «Vestuário, calçado, chapelaria».

5        O pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 2013/107, de 10 de junho de 2013.

6        A marca foi registada em 31 de outubro de 2014, sob o n.o 11794112, para os produtos acima referidos no n.o 4.

7        Em 17 de junho de 2019, os intervenientes, Isabel Nehera, M. Jean‑Henri Nehera e Natacha Sehnal, apresentaram um pedido de declaração de nulidade contra a referida marca, em conformidade com o disposto no artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001, para todos os produtos designados por esta marca. Alegaram que o recorrente estava de má‑fé no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada. Alegaram nomeadamente que o seu avô, Jan Nehera, criou na Checoslováquia, nos anos 30 do século XX, uma empresa que comercializava vestuário e acessórios e que o seu avô apresentou um pedido de registo de marca nacional que utilizou, a qual é idêntica à marca impugnada (a seguir «antiga marca checoslovaca»).

8        Por Decisão de 22 de abril de 2020, a Divisão de Anulação do EUIPO indeferiu o pedido de declaração de nulidade por considerar que não ficara provado que no momento em que apresentou o pedido da marca impugnada o recorrente estava de má‑fé.

9        Em 15 de junho de 2020, os intervenientes interpuseram no EUIPO, ao abrigo dos artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001, recurso da decisão da Divisão de Anulação.

10      Através da decisão recorrida, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO julgou procedente o recurso interposto pelos intervenientes, anulou a decisão da Divisão de Anulação e declarou nula a marca impugnada.

11      Em substância, a Câmara de Recurso salientou que a antiga marca checoslovaca era uma marca bem conhecida e que foi objeto de utilização séria na Checoslováquia durante os anos 30. Constatou que o recorrente tinha conhecimento da existência e da celebridade de que gozavam tanto Jan Nehera como a antiga marca checoslovaca, e que esta última ainda conserva um determinado prestígio residual. A Câmara de Recurso também indicou que o recorrente tentou provar que existia uma relação entre este último e a marca. Nestas condições, a Câmara de Recurso considerou que o recorrente pretendia retirar indevidamente proveito do prestígio de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca. Concluiu que o recorrente estava de má‑fé quando apresentou o pedido de registo da marca impugnada.

 Pedidos das partes

12      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar o EUIPO nas despesas, incluindo nos encargos relativos ao processo que correu na Câmara de Recurso do EUIPO.

13      O EUIPO e os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade dos documentos que foram apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral

14      Como anexo à petição inicial, o recorrente apresentou, primeiro, uma certidão do registo comercial eslovaco relativa à sociedade Jandl e, segundo, uma brochura realizada por esta sociedade que promove a marca impugnada.

15      Conforme o EUIPO salienta, com razão, estes documentos, que foram apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral, não podem ser tomados em consideração. Com efeito, o recurso interposto no Tribunal Geral tem por objeto a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do EUIPO na aceção do artigo 72.o do Regulamento 2017/1001, pelo que a função do Tribunal Geral não consiste em reexaminar as circunstâncias de facto à luz dos documentos que perante si são apresentados pela primeira vez. Assim, há que afastar os documentos acima referidos, sem que seja necessário examinar a sua respetiva força probatória [v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2005, Sadas/IHMI — LTJ Diffusion (ARTHUR ET FELICIE), T‑346/04, EU:T:2005:420, n.o 19 e jurisprudência referida].

 Quanto ao mérito

16      A título preliminar, há que salientar que, atendendo à data em que o pedido de registo em causa foi apresentado, a saber, 6 de maio de 20013, que é determinante para efeitos da identificação do direito material aplicável, os factos do presente litígio são regidos pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009 (v., neste sentido, Despacho de 5 de outubro de 2004, Alcon/IHMI, C‑192/03 P, EU:C:2004:587, n.os 39 e 40, e Acórdão de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 49). Por conseguinte, no presente caso, no que se refere às regras quanto ao mérito, há que entender que as referências feitas pela Câmara de Recurso na decisão recorrida e pelas partes nos seus articulados ao artigo 59.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 se referem ao artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, cujo teor é idêntico.

17      O recorrente invocou um fundamento único em apoio do seu recurso, relativo à violação do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

18      O recorrente alega, em substancia, que foi sem razão que a Câmara de Recurso considerou que o recorrente estava de má‑fé no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada. Com efeito, por um lado, os intervenientes não provaram que naquele momento a antiga marca checoslovaca ainda estava registada ou era utilizada, pelo que não são titulares de nenhum direito sobre o sinal nem sobre o apelido Nehera. Por outro lado, os intervenientes também não provaram que naquele momento Jan Nehera e a antiga marca checoslovaca ainda eram considerados celebridades ou que ainda gozavam de um prestígio residual. Nestas condições, não lhe pode ser imputada uma intenção desonesta nem a prática de atos desleais.

19      O EUIPO e os intervenientes contestam os argumentos da recorrente.

 Considerações prévias

20      Há que recordar que, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, a nulidade de uma marca da União Europeia é declarada, na sequência de pedido apresentado ao EUIPO ou de um pedido reconvencional numa ação de contrafação, sempre que o titular da marca não tenha agido de boa‑fé no ato de depósito do pedido de registo dessa marca.

21      A este respeito, há que notar que o conceito de má‑fé visado no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 não se encontra definido, nem delimitado, nem está sequer descrito de uma qualquer maneira na legislação [v. Acórdão de 29 de junho de 2017, Cipriani/EUIPO — Hotel Cipriani (CIPRIANI), T‑343/14, EU:T:2017:458, n.o 25 e jurisprudência referida].

22      No entanto, há que observar que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral apresentaram várias precisões sobre a forma como o conceito de má‑fé, conforme visado no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), deve ser interpretado e sobre a forma de apreciar a respetiva existência.

23      Em primeiro lugar, em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem comum, o conceito de má‑fé pressupõe a presença de um estado de espírito ou de uma intenção desonesta (Acórdãos de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 45, e de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 74).

24      Por outro lado, o conceito de má‑fé deve ser entendido no contexto do direito das marcas, que é o da vida comercial. A este respeito, as regras sobre a marca da União Europeia visam, em especial, contribuir para o sistema de concorrência não falseada na União Europeia, no qual cada empresa deve, para captar a clientela através da qualidade dos seus produtos ou dos seus serviços, ter condições para registar como marcas sinais que permitam ao consumidor distinguir sem confusão possível esses produtos ou esses serviços daqueles que têm outra proveniência (Acórdãos de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 45, e de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 74).

25      Por conseguinte, a causa de nulidade absoluta prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 aplica‑se quando resulte de indícios pertinentes e concordantes que o titular de uma marca da União Europeia apresentou o pedido de registo dessa marca não com o objetivo de participar de forma leal no jogo da concorrência, mas com a intenção de prejudicar, de maneira não conforme com os usos honestos, os interesses de terceiros, ou com a intenção de obter, mesmo sem visar um terceiro em particular, um direito exclusivo para fins diferentes dos que fazem parte das funções de uma marca, nomeadamente da função essencial de indicação de origem acima recordada no n.o 24 (Acórdãos de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 46, e de 29 de janeiro de 2020, Sky e o., C‑371/18, EU:C:2020:45, n.o 75).

26      Em segundo lugar, a intenção do requerente de uma marca é um elemento subjetivo que deve, no entanto, ser determinado de forma objetiva pelas autoridades administrativas e jurisdicionais competentes. Por conseguinte, qualquer alegação de má‑fé deve ser apreciada de modo global, devendo tomar‑se em consideração todas as circunstâncias factuais pertinentes do caso concreto. Só desta maneira se pode apreciar de forma objetiva a alegação de má‑fé (v. Acórdãos de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.o 47 e jurisprudência referida).

27      Para este efeito, há, nomeadamente, que tomar em consideração, em primeiro lugar, o facto de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza, pelo menos num Estado‑Membro, um sinal idêntico ou semelhante para um produto ou serviço idêntico ou semelhante, suscetível de gerar confusão com o sinal cujo registo é pedido, em segundo lugar, a intenção do requerente de impedir esse terceiro de continuar a utilizar tal sinal, bem como, em terceiro lugar, o grau de proteção jurídica de que gozam o sinal do terceiro e o sinal cujo registo é pedido (Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.o 53).

28      No entanto, os fatores acima enumerados no n.o 27 são apenas ilustrações de entre um conjunto de elementos suscetíveis de ser tomados em consideração para que possa haver decisão sobre uma eventual má‑fé de um requerente de registo quando da apresentação do pedido de registo da marca (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2017, CIPRIANI, T‑343/14, EU:T:2017:458, n.o 28 e jurisprudência referida).

29      Deste modo, poderá haver casos de figura nos quais se poderá considerar que houve má‑fé no momento em que foi apresentado o pedido de registo, não obstante a inexistência de risco de confusão entre o sinal utilizado por um terceiro e a marca contestada ou a não utilização, por um terceiro, de um sinal idêntico ou semelhante à marca contestada. Com efeito, outras circunstâncias factuais podem, eventualmente, constituir indícios pertinentes e concordantes que provam a má‑fé do requerente (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, Koton Mağazacilik Tekstil Sanayi ve Ticaret/EUIPO, C‑104/18 P, EU:C:2019:724, n.os 52 a 56).

30      Assim, há que considerar que, no âmbito da análise global realizada ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, também se pode tomar em consideração a origem do sinal em causa e a sua utilização desde a sua criação, a lógica comercial em que se insere a apresentação do pedido de registo do sinal como marca da União Europeia, bem como a cronologia dos acontecimentos que caracterizaram a apresentação do referido pedido [v. Acórdão de 7 de julho de 2016, Copernicus‑Trademarks/EUIPO — Maquet (LUCEO), T‑82/14, EU:T:2016:396, n.o 32 e jurisprudência referida].

31      Do mesmo modo, é possível tomar em consideração o grau de notoriedade de que o sinal em causa gozava no momento em que o seu registo foi pedido (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, C‑529/07, EU:C:2009:361, n.o 51), nomeadamente quando este sinal tenha anteriormente sido registado ou utilizado por um terceiro como marca [v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2014, Simca Europe/IHMI — PSA Peugeot Citroën (Simca), T‑327/12, EU:T:2014:240, n.o 40].

32      Com efeito, a circunstância de a utilização de um sinal cujo registo é pedido permitir que o requerente retire indevidamente proveito do prestígio de uma marca ou de um sinal anterior, ou ainda do nome de uma pessoa célebre, é suscetível de provar a má‑fé do requerente [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2014, Simca, T‑327/12, EU:T:2014:240, e de 14 de maio de 2019, Moreira/EUIPO — Da Silva Santos Júnior (NEYMAR), T‑795/17, não publicado, EU:T:2019:329].

33      Em terceiro lugar, quando a má‑fé do requerente da marca se baseia na sua intenção de retirar indevidamente proveito do prestígio de um sinal ou de um nome anterior, o público pertinente para apreciar a existência desse prestígio e do proveito indevidamente retirado desse prestígio é o público que é visado pela marca impugnada, a saber, o consumidor médio dos produtos para os quais esta foi registada (v., por analogia, Acórdão de 27 de novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 36).

34      Em quarto e último lugar, há que recordar que incumbe ao requerente da declaração de nulidade fazer prova das circunstâncias que permitem concluir que o titular de uma marca da União Europeia estava de má‑fé quando apresentou o pedido de registo desta última (v. Acórdão de 8 de maio de 2014, Simca, T‑327/12, EU:T:2014:240, n.o 35 e jurisprudência referida), presumindo‑se a boa‑fé até prova em contrário [Acórdão de 13 de dezembro de 2012, pelicantravel.com/IHMI — Pelikan (Pelikan), T‑136/11, não publicado, EU:T:2012:689, n.o 57].

35      É à luz destas considerações prévias que há que fiscalizar a legalidade da decisão recorrida na parte em que a Câmara de Recurso concluiu pela má‑fé do recorrente no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada.

 Existência da máfé do recorrente

36      Resulta dos n.os 35 a 37 da decisão recorrida que, para concluir pela má‑fé do recorrente, a Câmara de Recurso se baseou no facto de, quando apresentou o pedido de registo da marca impugnada, aquilo que o recorrente pretendia na realidade era explorar de forma parasitária o prestígio de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca e, assim, retirar indevidamente proveito deste prestígio. Deste modo, foi a intenção de adotar um comportamento de parasitismo (freeriding) em relação ao referido prestígio que esteve na origem da conclusão da Câmara de Recurso.

37      Neste contexto, entre os diferentes fatores suscetíveis de ser tomados em consideração para apreciar globalmente a boa‑fé ou a má‑fé do recorrente, é mais especificamente pertinente examinar, além do contexto factual e histórico do litígio, o grau de proteção jurídica, de utilização efetiva e de prestígio tanto da antiga marca checoslovaca como do nome de Jan Nehera, bem como o grau de conhecimento destes elementos pelo recorrente.

38      Por outro lado, atendendo à jurisprudência acima referida no n.o 33, o público pertinente no caso em apreço para apreciar a existência do prestígio da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera, bem como um proveito indevidamente retirado deste prestígio é composto pelos consumidores médios dos produtos acima referidos no n.o 4, a saber, o grande público da União.

–       Contexto factual e histórico

39      É facto assente que Jan Nehera, nascido em 1899 na cidade de Kostelec na Hané (hoje situada na República Checa), foi um empresário do setor da moda, que desenvolveu a sua atividade na Checoslováquia nos anos 20, 30 e 40 do século XX. Em especial, no início dos anos 30, criou na cidade de Prostějov (hoje situada na República Checa) uma empresa cuja denominação social se referia ao seu nome patronímico e que fabricava e comercializava vestuário de pronto‑a‑vestir para senhoras, homens e crianças, bem como acessórios. Devido a métodos modernos de gestão e a um recurso intensivo à publicidade, esta empresa conheceu um relativo sucesso na Checoslováquia e no estrangeiro. Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, trabalhavam nesta empresa cerca de 1 000 trabalhadores, possuindo a empresa uma rede de mais de 130 lojas de venda a retalho na Europa, nos Estados Unidos e em África. A referida empresa prosseguiu a sua atividade durante a Segunda Guerra Mundial sob o controlo efetivo de um cidadão alemão, depois de uma «fusão» ter sido imposta a Jan Nehera. Em 1 de janeiro de 1946, a empresa foi nacionalizada e a propriedade foi transferida para o Estado checoslovaco. A empresa prosseguiu a sua atividade com uma nova denominação social que já não fazia referência ao nome patronímico do seu fundador. Neste momento, Jan Nehera deixara já a Checoslováquia e instalara‑se em Marrocos, país no qual deteve duas lojas de vestuário e no qual veio a falecer em 1958.

40      É também facto assente que, através da sua empresa, Jan Nehera apresentou na Checoslováquia um pedido de registo de uma marca idêntica à marca impugnada, a saber a antiga marca checoslovaca (v. n.o 7, supra). Esta marca foi registada em junho de 1936 sob o n.o 6414 no Registo Checoslovaco das Câmaras de Comércio, tendo os intervenientes apresentado uma certidão deste registo. Jan Nehera utilizou a referida marca durante os anos 30 e 40 para comercializar, na Checoslováquia e no estrangeiro, os produtos fabricados pela sua empresa. Utilizou igualmente esta marca nas suas lojas marroquinas de vestuário até aos anos 50.

41      O recorrente, por seu lado, é um empresário eslovaco ativo na área da publicidade e do marketing. Não tem nenhuma relação de parentesco com Jan Nehera nem com a família deste último. Em 2006, requereu o registo de uma marca nacional idêntica à antiga marca checoslovaca e à marca impugnada, pedido esse que foi deferido; esta marca checa expirou em 2016. Em 6 de maio de 2013, o recorrente pediu o registo da marca impugnada como marca da União Europeia; esta marca foi registada em 31 de outubro de 2014 (v. n.os 2, 3 e 6, supra). Em 2014, o recorrente começou a utilizar a marca impugnada nas coleções de vestuário para senhora em desfiles de moda e na comercialização das coleções.

–       Proteção jurídica da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera

42      Não resulta dos autos — e não é aliás alegado por nenhuma das partes — que a antiga marca checoslovaca ainda estava registada no nome de um terceiro no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada. Pelo contrário, por um lado, o EUIPO reconhece que a antiga marca checoslovaca caducou em 1946. Com efeito, resulta da certidão do Registo Checoslovaco das Câmaras de Comércio apresentada pelos intervenientes que esta marca foi cancelada do registo em junho de 1946. Por outro lado, é facto assente que embora uma marca nacional idêntica à antiga marca checoslovaca tenha estado registada em nome de um terceiro na República Checa entre 1992 e 2002, esta marca expirou antes de ter sido apresentado o pedido de registo da marca impugnada.

43      Também não foi provado, nem foi sequer alegado, que o nome de Jan Nehera gozava de uma proteção jurídica específica no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada.

–       Utilização da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera

44      Também não resulta dos autos — e não é aliás alegado por nenhuma das partes — que a antiga marca checoslovaca ou o nome de Jan Nehera ainda eram utilizados por um terceiro para comercializar vestuário no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada. Com efeito, por um lado, o EUIPO reconhece que, com exceção de uma determinada utilização em Marrocos durante os anos 50 efetuada por Jan Nehera, esta marca não foi utilizada depois de 1946. Os intervenientes também não invocam uma qualquer utilização da referida marca, nem na Europa depois da nacionalização da empresa de Jan Nehera em 1946 nem em Marrocos após o falecimento deste último em 1958. Por outro lado, não resulta que o terceiro titular de uma marca nacional idêntica à antiga marca checoslovaca e que esteve registada na República Checa entre 1992 e 2002 a tenha alguma vez utilizado.

–       Prestígio da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera

45      Ao contrário da Divisão de Anulação, a Câmara de Recurso considerou, nos n.os 33 e 34 da decisão recorrida, por um lado, que Jan Nehera era uma «celebridade» e, por outro, que a antiga marca checoslovaca ainda gozava pelo menos de um «determinado prestígio residual» e conservava assim um «valor histórico» no momento em que o pedido de registo da marca impugnada foi apresentado.

46      É facto assente entre as partes que a antiga marca checoslovaca e o nome de Jan Nehera gozavam pelo menos de um certo prestígio ou de uma certa celebridade na Checoslováquia nos anos 30 e 40. Em contrapartida, as partes estão em desacordo quanto à questão de saber se este prestígio ou esta celebridade ainda existia no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada.

47      Com efeito, o recorrente considera que Jan Nehera e a antiga marca checoslovaca estão hoje totalmente esquecidos. O EUIPO também reconhece que não parece existir, à primeira vista, nenhum elemento que prove que ainda gozam de prestígio residual na República Checa ou na Eslováquia. Só os intervenientes alegam que em 2013 ainda gozavam de prestígio nestes dois Estados‑Membros.

48      A este respeito, há que começar por constatar que, para provar que este prestígio ainda existe, os intervenientes se limitam, perante o Tribunal Geral, a remeter para dois elementos de prova, a saber, por um lado, um artigo da enciclopédia Wikipédia dedicado a Jan Nehera e, por outro, uma tese universitária de uma estudante checa dedicada à nacionalização da empresa de Jan Nehera e à história desta empresa durante o período de 1945 a 1948. Os intervenientes alegam nomeadamente em seu benefício um excerto desta tese universitária segundo o qual «[o] nome de Jan Nehera permanece na memória coletiva como um dos maiores empresários checoslovacos do setor do vestuário da Primeira República [Checoslovaca]».

49      Ora, embora os dois elementos de prova invocados pelos intervenientes contenham informações sobre a história de Jan Nehera e da sua empresa nos anos 30 e 40, não fornecem nenhuma informação circunstanciada suscetível de provar que Jan Nehera ou a antiga marca checoslovaca ainda eram conhecidos em 2013 por uma parte significativa do público pertinente. Aliás, o próprio EUIPO considera que estes dois elementos não constituem meios de prova.

50      Em seguida, o recorrente salienta, com razão, que os outros elementos de prova apresentados pelos intervenientes no EUIPO também não são suscetíveis de provar que Jan Nehera ou a antiga marca checoslovaca continuam a gozar de prestígio. Os intervenientes juntaram aos autos do processo que correu no EUIPO, por exemplo, primeiro, uma fotografia tirada em Marrocos nos anos 50 e na qual se vê uma loja que ostenta a antiga marca checoslovaca, segundo, uma brochura comemorativa publicada no ano 2000 pela empresa eslovaca Ozeta por ocasião do seu sexagésimo aniversário e que refere a abertura em 1940 de uma fábrica na cidade de Trenčín (hoje situada na Eslováquia) pela empresa de Jan Nehera ou ainda, terceiro, vários artigos de imprensa e de outros documentos relativos à atividade do recorrente. Ora, estes diferentes elementos de prova não contêm nenhuma informação que permita provar que o público pertinente conhecia Jan Nehera ou a antiga marca checoslovaca no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada.

51      Em especial, o recorrente chama a atenção do Tribunal Geral para a entrevista a um estilista apresentada pelos intervenientes. Nesta entrevista, dada em 2015, ou seja, muito antes da apresentação do pedido de declaração de nulidade contra a marca impugnada, e, por conseguinte, sem nenhuma relação com este pedido, Samuel Drira, cofundador e chefe de redação de uma revista francesa de moda, explicava que só fora informado da existência da marca Nehera na véspera da sua chegada a Bratislava e do seu encontro com o recorrente, tendo‑lhe o recorrente então proposto que passasse a ser o diretor artístico da sua empresa. Deste modo, resulta que mesmo um especialista do setor da moda recrutado pelo recorrente para iniciar a sua atividade de confeção de vestuário para senhora desconhecia por completo a existência da antiga marca checoslovaca.

52      Por último, há que observar que decorreram cerca de sete décadas entre 1946, ano no decurso do qual a antiga marca checoslovaca deixou de ser utilizada na Europa, e 2013, ano durante o qual o recorrente pediu o registo da marca impugnada.

53      Nestas condições, os intervenientes não apresentaram a prova, que lhes incumbe em aplicação da jurisprudência acima recordada no n.o 34, de que, em 2013, a antiga marca checoslovaca ainda gozava de um determinado prestígio na República Checa, na Eslováquia ou noutros Estados-Membros, nem que o nome de Jan Nehera ainda era célebre junto de uma parte significativa do público pertinente. Daqui resulta que foi sem razão que a Câmara de Recurso considerou que esta marca tinha conservado um «determinado prestígio residual» e que este nome ainda era célebre no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada.

–       Conhecimento pelo recorrente da existência e do anterior prestígio da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera

54      É facto assente, conforme a Câmara de Recurso constatou no n.o 29 da decisão impugnada, que o recorrente conhecia a existência e o anterior prestígio de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada.

55      Com efeito, resulta dos autos, nomeadamente das explicações do recorrente que constam da petição inicial e de uma mensagem de correio eletrónico que enviou a N. Sehnal em 16 de fevereiro de 2016, que o recorrente estava à procura de uma marca antiga, inutilizada e esquecida, que pudesse utilizar para lançar a sua atividade de confeção de vestuário para senhora. Depois de ter considerado a possibilidade de diferentes nomes, decidiu utilizar a marca Nehera Praguea, e, em seguida, a antiga marca checoslovaca, para «homenagear» a «idade de ouro da indústria têxtil checoslovaca dos anos 30» e nomeadamente Jan Nehera, que considera ter sido uma «grande figura» e um «símbolo» deste «período abençoado» para o setor da moda checoslovaca.

–       Apreciação global

56      Resulta dos n.os 42 a 53, supra, que, no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada, a antiga marca checoslovaca e o nome de Jan Nehera já não estavam registados nem protegidos, nem eram utilizados por um terceiro para comercializar vestuário, nem gozavam de prestígio junto do público pertinente.

57      Ora, um comportamento de parasitismo em relação ao prestígio de um sinal ou de um nome, como aquele que foi evocado pela Câmara de Recurso na decisão impugnada para basear a constatação da má‑fé do recorrente só é, em princípio, possível se esse sinal ou esse nome gozarem efetivamente e atualmente de um determinado prestígio ou de uma determinada celebridade (v., por analogia, Acórdão de 3 de setembro de 2015, Iron & Smith, C‑125/14, EU:C:2015:539, n.o 29).

58      Deste modo, o juiz da União já constatou, numa pessoa que requereu o registo de uma marca da União Europeia, uma intenção de retirar indevidamente proveito do prestígio residual de uma marca anterior, incluindo quando esta já não era utilizada (Acórdão de 8 de maio de 2014, Simca, T‑327/12, EU:T:2014:240), ou da celebridade atual do nome de uma pessoa singular (Acórdão de 14 de maio de 2019, NEYMAR, T‑795/17, não publicado, EU:T:2019:329), em situações nas quais esse prestígio residual ou essa celebridade atual foi devidamente provada. Ao invés, foi constatado que não existia usurpação do prestígio de um termo reivindicado por um terceiro e, por conseguinte, que não existia má‑fé por parte do requerente da marca numa situação na qual esse termo não estava registado, não era utilizado, nem gozava de prestígio na União [v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2018, Khadi and Village Industries Commission/EUIPO — BNP Best Natural Products (Khadi Ayurveda), T‑683/17, não publicado, EU:T:2018:860, n.os 68 a 71].

59      Nestas condições, não gozando a antiga marca checoslovaca de prestígio residual e não beneficiando o nome de Jan Nehera de celebridade atual no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada, a utilização posterior pelo recorrente desta última marca não é, em princípio, suscetível de constituir um comportamento de parasitismo do qual decorre má‑fé do recorrente.

60      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de o recorrente ter conhecimento da existência e do anterior prestígio de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca (v. n.os 54 e 55, supra). Com efeito, a mera circunstância de o requerente da marca saber ou dever saber que um terceiro utilizou, no passado, uma marca idêntica ou semelhante à marca pedida não é suficiente para provar a existência da má‑fé deste requerente (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 27 de junho de 2013, Malaysia Dairy Industries, C‑320/12, EU:C:2013:435, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida, e de 29 de novembro de 2018, Khadi Ayurveda, T‑683/17, não publicado, EU:T:2018:860, n.o 69].

61      No entanto, há ainda que examinar os outros argumentos do EUIPO e dos intervenientes que pretendem, em substância, provar a intenção de parasitismo e a má‑fé do recorrente, independentemente da existência de um prestígio residual da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera.

62      Em primeiro lugar, o EUIPO, apoiado pelos intervenientes, acusa, em substância, o recorrente de ter pretendido criar uma associação entre, por um lado, a sua atividade e, por outro, a antiga marca checoslovaca e Jan Nehera. Segundo o EUIPO, o recorrente pretendeu obter uma vantagem no mercado e, para tal, construiu a imagem da sua empresa com base numa relação explícita com uma marca que no passado gozou de prestígio e com um empresário que no passado foi célebre.

63      A este respeito, é efetivamente certo que, conforme a Câmara de Recurso salientou em substância no n.o 35 da decisão impugnada, o recorrente provou que existe uma relação entre a sua empresa e a antiga marca checoslovaca. Com efeito, é facto assente que, por diversas vezes, o recorrente se referiu a esta marca e a Jan Nehera no âmbito da estratégia de comunicação e de marketing da sua empresa. Deste modo, numerosos documentos dos autos, como, por exemplo, o sítio Internet da empresa do recorrente, a página desta empresa na rede social Facebook e vários artigos de imprensa indicam que a referida empresa «relançou» e «fez renascer» a antiga marca Nehera, criada por Jan Nehera nos anos 30.

64      No entanto, há que recordar que, segundo a jurisprudência, a existência de uma relação no espírito do público pertinente entre uma marca posterior e um sinal ou um nome anterior não é suficiente, por si só, para concluir pela existência de que se pretende indevidamente retirar benefício do prestígio do sinal ou do nome anterior (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 27 de novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 32, e de 3 de setembro de 2015, Iron & Smith, C‑125/14, EU:C:2015:539, n.o 31).

65      Por outro lado, há que salientar que o conceito de proveito indevidamente retirado do prestígio de um sinal ou de um nome visa a hipótese na qual um terceiro se coloca na esteira de um sinal ou de um nome anterior que goza de prestígio para beneficiar do seu poder de atratividade, da sua reputação, da sua notoriedade e para explorar, sem nenhuma compensação financeira e sem ter de realizar esforços próprios para este efeito, o esforço comercial levado a cabo pelo titular ou pelo utilizador desse sinal ou desse nome para criar e manter a imagem do referido sinal ou do referido nome (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 49).

66      Ora, no presente caso, o recorrente alega, sem ser contradito pelo EUIPO nem pelos intervenientes, que em 2013 o público pertinente tinha totalmente esquecido a antiga marca checoslovaca e o nome de Jan Nehera e que ele próprio despendeu muito esforço, tempo e dinheiro para fazer renascer a marca Nehera e para dar a conhecer a história de Jan Nehera e da empresa deste. Daqui resulta que, longe de se ter limitado a explorar de forma parasitária o anterior prestígio da antiga marca checoslovaca e do nome de Jan Nehera, o recorrente desenvolveu um esforço comercial concreto para fazer reviver a imagem desta marca e assim restaurar, a expensas suas, o referido prestígio. Nestas condições, o mero facto de se ter referido, para efeitos da promoção da marca impugnada, à imagem história de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca não contraria as utilizações honestas em matéria industrial ou comercial.

67      Em segundo lugar, o EUIPO e os intervenientes alegam que o recorrente pretendeu induzir o público em erro ao dar a entender que era o continuador e o sucessor legítimo de Jan Nehera. Em especial, os intervenientes acusam o recorrente de ter querido criar uma «ilusão de continuidade» e uma «falsa relação de herança» entre a sua empresa e a empresa de Jan Nehera. Os intervenientes mencionam também o artigo 7.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento 2017/1001, que prevê que é recusado o registo de marcas suscetíveis de enganar o público, por exemplo sobre a natureza, sobre a qualidade ou sobre a proveniência geográfica dos produtos ou serviços.

68      A este respeito, importa observar que não se pode excluir que, em determinadas circunstâncias específicas, a reutilização por um terceiro de uma marca antiga que no passado gozou de prestígio ou de um nome de uma pessoa que foi célebre pode dar uma falsa impressão de continuidade ou de herança em relação a essa antiga marca ou a essa pessoa. É o que pode suceder, nomeadamente, quando o requerente de uma marca se apresenta junto do público pertinente como o sucessor jurídico ou económico do titular da marca antiga, embora não exista nenhuma relação de continuidade ou de herança entre o titular da marca antiga e o requerente da marca. Semelhante circunstância pode ser tomada em consideração para provar, sendo caso disso, a má‑fé do requerente da marca e para, em seguida, declarar a nulidade da nova marca ao abrigo do disposto no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

69      No entanto, no caso em apreço, desde logo, há que salientar que a Câmara de Recurso não baseou o seu raciocínio numa intenção do recorrente de criar uma falsa impressão de continuidade ou de herança entre a sua empresa e a empresa de Jan Nehera.

70      Em seguida, seja como for, não foi provado nem sequer alegado que o recorrente reivindicou uma relação de parentesco com Jan Nehera ou que se tenha apresentado como herdeiro e sucessor jurídico deste último ou da empresa deste último. Aliás, quando indicou que relançou e fez renascer uma marca que foi próspera nos anos 30, o recorrente sugeriu, ao invés, uma interrupção e, por conseguinte, uma inexistência de continuidade entre a atividade de Jan Nehera e a sua própria atividade. Por conseguinte, não resulta que o recorrente procurou deliberadamente estabelecer uma falsa impressão de continuidade ou de herança entre a sua empresa e a empresa de Jan Nehera.

71      Por último, o disposto no artigo 7.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento 2017/1001 é totalmente desprovido de pertinência no âmbito do presente recurso. Com efeito, a Câmara de Recurso não declarou a nulidade da marca impugnada ao abrigo do disposto no artigo 52.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, alínea g), do mesmo regulamento, relativo às marcas suscetíveis de enganar o público, mas apenas ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, relativo à inexistência de boa‑fé.

72      Em terceiro lugar, os intervenientes alegam que o recorrente pretendeu defraudar os descendentes e os herdeiros de Jan Nehera e usurpar os direitos destes últimos ao não ter obtido o seu acordo antes de requerer o registo da marca impugnada.

73      A este respeito, há que salientar, por um lado, que a Câmara de Recurso não baseou o seu raciocínio numa intenção do recorrente de defraudar os descendentes e os herdeiros de Jan Nehera ou de usurpar os direitos destes últimos.

74      Por outro lado, seja como for, a antiga marca checoslovaca e o nome de Jan Nehera já não beneficiavam de nenhuma proteção jurídica em favor de um terceiro no momento em que foi apresentado o pedido de registo da marca impugnada (v. n.os 42 e 43, supra). Daqui resulta que os descendentes e os herdeiros de Jan Nehera já não eram titulares de nenhum direito suscetível de ser objeto de uma fraude ou de ser usurpado pelo recorrente. Por conseguinte, quando requereu o registo da marca impugnada, o recorrente não teve intenção de defraudar os descendentes e os herdeiros de Jan Nehera ou de usurpar os putativos direitos destes últimos.

75      Em quarto lugar, os intervenientes alegam que Jan Nehera foi ilegalmente e injustamente privado dos seus bens quando da nacionalização da sua empresa em 1946. Consideram que, em conformidade com o princípio segundo o qual o direito não surge da injustiça (ex injuria jus non oritur), ninguém pode hoje beneficiar desta injustiça e enriquecer através da utilização do nome de Jan Nehera.

76      A este respeito, há que salientar que a nacionalização da empresa de Jan Nehera em 1946 não é imputável ao recorrente. Sucede o mesmo com a inexistência de proteção e de utilização da antiga marca checoslovaca durante cerca de sete décadas, bem como com o desaparecimento do prestígio desta marca e da celebridade reconhecida ao seu criador. Nestas condições, a circunstância de Jan Nehera ter sido ilegalmente ou injustamente privado dos seus bens não é suscetível de provar a má‑fé do recorrente.

77      Em quinto e último lugar, o EUIPO alega, conforme a Câmara de Recurso indicou no n.o 36 da decisão impugnada, que o conceito de má‑fé não implica necessariamente um qualquer grau de torpeza moral.

78      A este respeito, basta constatar que, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 23, o conceito de má‑fé pressupõe a existência de um estado de espírito ou de uma intenção desonesta. Ora, no presente caso, o EUIPO e os intervenientes não provaram que o recorrente atuou com um estado de espírito ou com uma intenção desonesta no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada.

79      Resulta de tudo o que precede que foi sem razão que a Câmara de Recurso considerou que o recorrente tinha intenção de retirar indevidamente proveito do prestígio de Jan Nehera e da antiga marca checoslovaca e que daí concluiu que o recorrente estava de má‑fé no momento em que apresentou o pedido de registo da marca impugnada.

80      Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento único apresentado pelo recorrente e anular a decisão recorrida.

 Quanto às despesas

81      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No presente caso, o EUIPO e os intervenientes foram vencidos. Tendo o recorrente pedido apenas a condenação do EUIPO nas despesas efetuadas perante o Tribunal Geral, há que condenar o EUIPO a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo recorrente no âmbito da presente instância.

82      Por outro lado, o recorrente pediu que o EUIPO seja condenado a suportar as despesas relacionadas com o processo de recurso que correu na Câmara de Recurso. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 190.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, os encargos indispensáveis suportados pelas partes para efeitos do processo perante a instância de recurso são considerados despesas recuperáveis. Por conseguinte, há igualmente que condenar o EUIPO a suportar os encargos indispensáveis suportados pelo recorrente para efeitos do processo perante a Câmara de Recurso.

83      Por outro lado, em aplicação do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, os intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 10 de março de 2021 (processo R 1216/20202) é anulada.

2)      O EUIPO é condenado a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas por Ladislav Zdút, incluindo os encargos indispensáveis suportados para efeitos do processo perante a Câmara de Recurso.

3)      Isabel Nehera, JeanHenri Nehera e Natacha Sehnal suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de julho de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.