Language of document : ECLI:EU:T:2021:185

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

14 de abril de 2021 (*)

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Cálculo do rácio de alavancagem — Recusa parcial do BCE de autorizar a exclusão das posições em risco que preenchem certas condições — Artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Não exame de todos os elementos relevantes do caso em apreço — Autoridade do caso julgado — Artigo 266.o TFUE»

No processo T‑504/19,

Crédit lyonnais, com sede em Lyon (França), representada por A. Champsaur e A. Delors, advogados,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por J. Poscia, R. Ugena e F. Bonnard, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, advogado,

recorrido,

que tem por objeto um pedido, com base no artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação da Decisão ECB‑SSM‑2019‑FRCAG‑39 do BCE, de 3 de maio de 2019, adotada em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1, retificações JO 2013, L 208, p. 68, e JO 2013, L 321, p. 6), na medida em que recusou autorizar o recorrente a excluir do cálculo do seu rácio de alavancagem certas posições em risco,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: V. Tomljenović, presidente, F. Schalin e I. Nõmm (relator), juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de dezembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O recorrente, Crédit lyonnais, é uma sociedade anónima de direito francês autorizada como instituição de crédito. Trata‑se de uma filial da sociedade Crédit agricole SA. A este título, está abrangida pela supervisão prudencial direta do Banco Centra Europeu (BCE).

2        Em 5 de maio de 2015, o Crédit agricole solicitou ao BCE autorização, em seu nome e em nome das entidades do grupo Crédit agricole, de que o recorrente faz parte, para excluir do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco constituídas pelos montantes de produtos regulamentados que tinham sido subscritos junto dela, mas que era obrigada a transferir para a Caisse des dépôts et consignations (CDC), instituição pública francesa, em aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1, retificações JO 2013, L 208, p. 68, e JO 2013, L 321, p. 6).

3        Os produtos em causa são o livret A (caderneta A), regulado pelos artigos L.221‑1 a L.221‑9 do code monétaire et financier français (Código Monetário e Financeiro francês; a seguir «CMF»), o livret d’épargne populaire [caderneta de poupança popular (LEP)], regulado pelos artigos L.221‑13 a L.221‑17‑2 do CMF, e o livret de développement durable et solidaire [caderneta de desenvolvimento sustentável e solidário (LDD)], regulado pelo artigo L.221‑27 do CMF. Nos termos do artigo L.221‑5 do CMF, uma quota‑parte do total dos depósitos angariados a título da caderneta A e da LDD é centralizada num fundo de poupança gerido pela CDC. O mesmo se passa com a LEP, em aplicação do artigo R.221‑58 do CMF.

4        Em 24 de agosto de 2016, o BCE adotou a Decisão ECB/SSM/2016‑969500TJ5KRTCJQWXH05/165, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 10.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), bem como do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, através da qual recusou autorizar o Crédit agricole a excluir do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco sobre a CDC constituídas pela parte dos montantes depositados a título da caderneta A, da LDD e da LEP que estava a obrigado a transmitir‑lhe. Nessa decisão, o BCE considerou, em substância, que decorria do teor do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 que as autoridades competentes — que ele substituía em aplicação do Regulamento n.o 1024/2013 — dispunham de um poder discricionário que lhes permitia excluir ou não do cálculo do rácio de alavancagem as posições em risco que preenchessem as condições explicitadas por esta disposição. Porque considera que os montantes transferidos para a CDC continuavam a ser posições em risco relevantes para efeitos do cálculo do seu rácio de alavancagem, não deferiu o pedido do Crédit agricole.

5        O BCE baseou‑se em três motivos. O primeiro motivo dizia respeito ao tratamento contabilístico da poupança angariada. O segundo motivo consistia na obrigação contratual do Crédit agricole de reembolsar os depósitos dos clientes, independentemente do reembolso dos fundos transferidos para a CDC. O terceiro motivo assentava na existência de um período de tempo entre os ajustamentos das posições do Crédit agricole e os da CDC para efeitos de reequilíbrio. O BCE considerou que, durante esse lapso de tempo, o Crédit agricole poderia ser levado a recorrer a vendas catastróficas de ativos enquanto aguardava as transferências de fundos provenientes da CDC. O BCE tinha deduzido destes motivos que o mecanismo de transferência da CDC para o Crédit agricole era imperfeito, o que suscitava preocupações prudenciais que justificavam o indeferimento do seu pedido.

6        Através do seu Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral anulou a decisão do BCE referida no n.o 4, supra. Considerou que os dois primeiros motivos salientados pelo BCE padeciam de um erro de direito e que o terceiro motivo estava viciado por um erro manifesto de apreciação.

7        Em 26 de julho de 2018, o Crédit agricole, em seu nome e em nome das diferentes entidades do grupo Crédit agricole, entre as quais o recorrente, solicitou novamente autorização para excluir do cálculo do rácio de alavancagem os montantes que estava obrigado a transferir para a CDC.

8        Em 21 de fevereiro de 2019, o BCE comunicou ao Crédit agricole um projeto de decisão que lhe concedia o benefício da derrogação pedida e a todas as entidades do grupo Crédit agricole, com exceção do recorrente, ao qual o BCE tencionava conceder apenas uma derrogação parcial.

9        Em 6 de março de 2019, o Crédit agricole apresentou as suas observações sobre o projeto de decisão.

10      Em 3 de maio de 2019, o BCE adotou a Decisão ECB‑SSM‑2019‑FRCAG‑39 (a seguir «decisão impugnada»), em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

11      Através da decisão impugnada, o BCE autorizou a exclusão do cálculo do rácio de alavancagem do Crédit Agricole e das entidades do grupo, da parte dos montantes depositados a título da caderneta A, da LDD e da LEP, que eram obrigadas a transmitir à CDC, com exceção do recorrente, à qual essa derrogação só foi concedida até 66 %.

12      No ponto 2.1 da decisão impugnada, o BCE reconheceu que as condições enunciadas no artigo 429.o, n.o 14, alíneas a) a c), do Regulamento n.o 575/2013 estavam preenchidas, porquanto, antes de mais, a CDC devia ser considerada uma entidade do sector público, seguidamente, as posições em risco sobre a CDC eram tratadas para efeitos prudenciais em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4, desse mesmo regulamento, e, por último, o recorrente era obrigado a transferir uma quota‑parte da poupança depositada a título da caderneta A, da LDD e da LEP para a CDC com vista ao financiamento de investimentos de interesse geral. O BCE sublinhou igualmente, em substância, que essas condições não estavam preenchidas no que respeita à parte da poupança regulamentada para a qual não existia obrigação de transferência para a CDC, independentemente dos fins para que fosse utilizada.

13      No ponto 2.2 da decisão impugnada, em primeiro lugar, o BCE recordou que o reconhecimento, em benefício das autoridades competentes, de um poder discricionário na aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 lhes visava permitir efetuar uma arbitragem entre dois objetivos, que consistiam, por um lado, em respeitar a lógica do rácio de alavancagem, que exigia que o cálculo desse rácio incluísse a medida da exposição total de uma instituição de crédito, sem ponderação em função do risco; e, por outro, em permitir que determinadas posições que apresentavam um perfil de risco particularmente diminuto e que não eram o resultado de uma opção de investimento da instituição de crédito não fossem relevantes para o cálculo do rácio de alavancagem e pudessem ser excluídas dele.

14      Em segundo lugar, o BCE sublinhou que o prazo de ajustamento entre as posições das instituições de crédito e a CDC apresentava um certo risco para as instituições de crédito, uma vez que estas continuavam responsáveis pelos depósitos perante os aforradores e que a obrigação de os reembolsar antes mesmo da transferência dos montantes pela CDC as poderia ter levado a vender ativos muito líquidos ou a vender em catástrofe ativos, com um desconto momentâneo. Salientou o facto de que a importância desse risco dependia da concentração das posições em risco na CDC e que, portanto, uma concentração elevada ou maciça de exposição sobre a CDC deveria ter sido refletida, pelo menos parcialmente, no rácio de alavancagem.

15      Em terceiro lugar, para equilibrar os dois objetivos mencionados no n.o 13, supra, o BCE seguiu uma metodologia que tem em consideração, primeiro, a qualidade de crédito da administração central; segundo, o risco de vendas catastróficas; e, terceiro, a avaliação da concentração das posições em risco em causa. Esta metodologia implicara que a percentagem global de exclusão concedida pelo BCE fosse tanto mais elevada quanto os riscos prudenciais fossem reduzidos.

16      Quanto à qualidade de crédito da administração central francesa, o BCE considerou, no ponto 2.2.1 da decisão impugnada, que não existiam preocupações prudenciais que justificassem que não tivesse deferido o pedido de exclusão das posições em risco sobre a CDC do cálculo do rácio de alavancagem. No entanto, observou que a nota atribuída à República Francesa pelos organismos externos de avaliação do crédito (OEEC) não era a mais elevada possível e que a cotação dos contratos de troca de risco de crédito a cinco anos negociados pela República Francesa estava associada a uma probabilidade de incumprimento que não era nula.

17      Quanto ao risco de vendas catastróficas, primeiro, o BCE salientou, no ponto 2.2.2 da decisão impugnada, que o prazo de ajustamento das posições com a CDC podia ter como consequência que uma instituição de crédito fosse levada a proceder a essas vendas para reembolsar os depositantes enquanto aguardava a transferência dos fundos pela CDC. Segundo, considerou que, embora um prazo de menos de cinco dias constituísse uma transferência quase instantânea que compreendia apenas um risco limitado de vendas catastróficas, o sistema de ajustamento das posições com a CDC implicava um prazo que podia ir até dez dias. Terceiro, o BCE observou, por um lado, que, nas crises bancárias recentes, 10 a 30 % dos depósitos mesmo garantidos de uma instituição de crédito tinham sido levantados em menos de cinco dias, e, por outro, no essencial, que a caderneta A revestia um caráter mais líquido do que uma conta de poupança. Quarto, o BCE sublinhou que, embora numa decisão, de 24 de agosto de 2016, tivesse admitido que o prazo de ajustamento das posições com a CDC não estava na origem de um risco de liquidez, fê‑lo no âmbito de uma apreciação das exigências de cobertura das necessidades de liquidez, que diferia da apreciação do rácio de alavancagem. Quinto, no que respeita mais especificamente ao recorrente, o BCE salientou que uma retirada de 30 % da poupança em menos de cinco dias teria representado 5,4 mil milhões de euros.

18      Quanto à avaliação da concentração das posições em risco sobre a CDC, primeiro, o BCE sublinhou, no ponto 2.2.3 da decisão impugnada, a existência de um mecanismo de solidariedade no grupo Crédit agricole que implica uma obrigação legal entre as entidades filiadas de prestarem apoio sob a forma de capital e de liquidez, o qual justificava que o risco de concentração para as entidades filiadas fosse avaliado à escala do grupo. Deduziu daí que não existia um risco de concentração na aceção do artigo 81.o da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338).

19      Segundo, no que respeita mais especificamente ao recorrente, o BCE observou que não estava coberto pelo mecanismo de solidariedade do grupo Crédit agricole e, por conseguinte, o risco de concentração devia, no que lhe diz respeito, ser examinado numa base subconsolidada. Na medida em que o rácio das posições em risco sobre a CDC em relação aos fundos próprios de categoria 1 do recorrente era de 134 % em 2015 e de 231 % em 2018, o BCE entendeu que existia um risco de concentração das posições em risco sobre a CDC.

20      O BCE concluiu que era prudente, para atenuar o impacto de um levantamento maciço dos depósitos, incluir um certo nível de posições em risco na CDC no cálculo do rácio de alavancagem do recorrente, que fixou em 34 %.

 Tramitação processual e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de julho de 2019, o recorrente interpôs o presente recurso.

22      Em 30 de junho de 2020, o Tribunal Geral pediu informações ao BCE, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo. Na sequência das observações apresentadas pelo recorrente, em 28 de setembro de 2020, sobre a resposta do BCE, foram submetidas a este último questões adicionais, em 15 de outubro de 2020.

23      Mediante proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

24      Na audiência de 7 de dezembro de 2020, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais submetidas pelo Tribunal Geral.

25      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na medida em que lhe recusa a autorização para excluir do cálculo do rácio de alavancagem 34 % das suas posições em risco sobre a CDC;

–        condenar o BCE nas despesas.

26      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

27      Com o seu recurso, o recorrente contesta a legalidade da decisão impugnada, adotada com base no artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013 e no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

28      Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013, foi confiada ao BCE a missão de «[a]ssegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de requisitos de fundos próprios, titularização, limites aos grandes riscos, liquidez, alavancagem financeira, e divulgação pública de informações sobre essas matérias». Além disso, dado que o recorrente integra um grupo sujeito à supervisão prudencial direta do BCE, a execução dessa missão cabe diretamente a este último, e não às autoridades nacionais no âmbito do mecanismo único de supervisão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.o 63).

29      Segundo o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1024/2013, «[p]ara efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica toda a legislação aplicável da União». Entre essas disposições pertinentes figura o Regulamento n.o 575/2013.

30      Segundo o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, «[a]s autoridades competentes podem autorizar uma instituição a excluir da medida da exposição as posições em risco que preencham todas as condições a seguir referidas: a) São posições em risco perante uma entidade do sector público; b) São tratadas em conformidade com o artigo 116.o, n.o 4; c) Resultam de depósitos que a instituição está obrigada por lei a transferir para a entidade do sector público referida na alínea a), a fim de financiar investimentos de interesse geral».

31      Como foi recordado nos n.os 10 a 20, supra, através da decisão impugnada, o BCE recusou parcialmente o pedido do recorrente destinado a que todas as suas posições em risco sobre a CDC, que consistem na parte dos depósitos recebidos a título da poupança regulamentada que é obrigado a transferir para esta última, sejam excluídas do cálculo do seu rácio de alavancagem, em aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013. O BCE aplicou uma metodologia que tem em consideração, primeiro, a qualidade de crédito da administração central; segundo, o risco de vendas catastróficas; e, terceiro, a avaliação da concentração das posições em risco em causa. Estes critérios foram examinados nos motivos que figuram, respetivamente, nos pontos 2.2.1 a 2.2.3 da decisão impugnada.

32      O recorrente invoca, nomeadamente, três fundamentos de recurso.

33      O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 266.o TFUE. O recorrente sustenta, em substância, que os três motivos invocados pelo BCE na decisão impugnada não correspondem a uma execução correta do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472). O segundo fundamento diz especificamente respeito ao motivo que se prende com o risco de concentração que as posições em risco do recorrente sobre a CDC apresentam. Este fundamento assenta, em substância, em erros de direito cometidos pelo BCE. O terceiro fundamento contesta a procedência dos motivos da decisão impugnada e é relativo a erros manifestos de apreciação cometidos pelo BCE.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo, em substância, a uma violação do artigo 266.o TFUE

34      O recorrente sustenta que os três motivos da decisão impugnada — a saber, a avaliação da qualidade de crédito da Administração Central, o risco de vendas catastróficas ligado ao prazo de ajustamento de dez dias e a elevada concentração das suas posições em risco sobre a CDC, pelos quais o BCE recusou deferir na íntegra, no que lhe diz respeito, o pedido apresentado ao abrigo do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 — já foram examinados e rejeitados pelo Tribunal Geral no seu Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), que tem força de caso julgado. Remete, a este propósito, para os n.os 61 a 63, 66, 80 e 81 do referido acórdão.

35      Nos termos do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, a instituição de que emane o ato anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação. Estas disposições preveem uma repartição das competências entre a autoridade judiciária e a autoridade administrativa, segundo a qual cabe à instituição de que emana o ato anulado determinar quais as medidas necessárias para executar um acórdão de anulação (v. Acórdão de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.o 55 e jurisprudência referida).

36      A este respeito, para dar cumprimento a um acórdão de anulação e o executar plenamente, a instituição em causa está obrigada, segundo jurisprudência constante, a respeitar não só a parte decisória do acórdão mas também os fundamentos que conduziram a ele e que constituem a sua base de sustentação necessária, na medida em que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi deliberado na parte decisória. Com efeito, é esta fundamentação que, por um lado, identifica exatamente a disposição considerada ilegal, e, por outro, revela as razões exatas da ilegalidade declarada na parte decisória, que têm de ser tomadas em consideração pela instituição ao substituir o ato anulado (Acórdãos de 26 de abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, EU:C:1988:199, n.o 27; de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.o 29; e de 13 de setembro de 2005, Recalde Langarica/Comissão, T‑283/03, EU:T:2005:315, n.o 50).

37      O artigo 266.o TFUE impõe à instituição em causa que evite que qualquer ato destinado a substituir o ato anulado enferme das mesmas irregularidades que as identificadas no acórdão de anulação (Acórdãos de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.o 30, e de 13 de setembro de 2005, Recalde Langarica/Comissão, T‑283/03, EU:T:2005:315, n.o 51).

38      Por último, há que sublinhar que o artigo 266.o TFUE só obriga a instituição de que o ato anulado emana nos limites do que é necessário para garantir a execução do acórdão de anulação (Acórdãos de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.o 30, e de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.o 57). O procedimento para substituir esse ato pode, assim, ser adotado no exato momento em que a ilegalidade é declarada (v. Acórdãos de 29 de novembro de 2007, Itália/Comissão, C‑417/06 P, não publicado, EU:C:2007:733, n.o 52 e jurisprudência referida, e de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.o 58).

39      Importa dividir a argumentação do recorrente em três partes, consoante está em causa a alegada inobservância do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), pelos motivos explicitados, respetivamente, no ponto 2.2.1, no ponto 2.2.2 ou no ponto 2.2.3 da decisão impugnada.

 Quanto ao motivo relativo à qualidade de crédito da administração central (ponto 2.2.1 da decisão impugnada)

40      O recorrente recorda que a execução do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), implicava que o BCE examinasse e demonstrasse a verosimilhança de um risco de incumprimento da República Francesa. Na decisão impugnada, o BCE reconhece que não existem preocupações prudenciais específicas quanto à capacidade de a administração central cumprir as suas obrigações e limita‑se a sublinhar que a nota atribuída à República Francesa pelos OEEC não é a mais elevada possível e que a probabilidade de incumprimento não é nula. Estes elementos não permitem demonstrar a verosimilhança, isto é, a probabilidade razoável, de um incumprimento.

41      O BCE alega que o critério da qualidade de crédito da administração francesa é apenas um dos critérios examinados na decisão impugnada. Acrescenta que procedeu, na decisão impugnada, a uma análise da verosimilhança desse risco de incumprimento, que o levou a atribuir à República Francesa o escalão de qualidade de crédito 1 a título do artigo 114.o, n.o 2, do Regulamento n.o 575/2013, disposição para a qual remete o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, por intermédio do seu artigo 116.o, n.o 4. O BCE recorda que concluiu pela existência de um risco de incumprimento insuficiente para justificar, por si só, uma recusa da exclusão solicitada, mas que não era nulo.

42      O BCE alega que o Tribunal Geral censurou a sua análise apenas na medida em que, para indeferir o pedido de exclusão, tinha considerado que, por princípio e sem exame do caso concreto, um Estado pode estar em situação de falta de pagamento. Daqui deduz que, para dar cumprimento às prescrições do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), lhe cabia apenas proceder a um exame do risco de incumprimento da República Francesa, uma vez que a questão de saber se esse risco era verosímil ou não faz parte do exercício do seu poder discricionário.

43      O Tribunal Geral salienta que, nos n.os 59 a 62 e 66 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), foi constatado um erro de direito cometido pelo BCE apenas porque este se tinha limitado a salientar a eventualidade de uma falta de pagamento da República Francesa sem examinar a verosimilhança dessa eventualidade. Daqui decorre que o BCE não estava impedido pelo referido acórdão de tomar em consideração a eventualidade de um incumprimento da República Francesa no âmbito da sua análise, mas era obrigado a proceder a uma análise da verosimilhança desse risco.

44      Resulta do ponto 2.2.1 da decisão impugnada que o BCE referiu dois elementos para concluir que, embora a qualidade de crédito da administração central francesa não apresentasse problemas prudenciais que tivessem justificado o indeferimento do pedido de exclusão das posições em risco sobre a CDC do cálculo do rácio de alavancagem, o risco de um incumprimento da República Francesa não era nulo. Estes dois elementos são, por um lado, a circunstância de que a nota atribuída a este Estado pelos OEEC não era a mais elevada possível, e, por outro, a circunstância de que a cotação dos contratos de permuta de risco de crédito a cinco anos negociados por França estava associada a uma probabilidade de incumprimento de 0,611 %.

45      Por conseguinte, uma vez que procedeu, na decisão impugnada, a uma análise da verosimilhança de um incumprimento da República Francesa, o BCE não ignorou o Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), pelo que a argumentação formulada pelo recorrente a este respeito na primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

46      No que respeita à crítica do recorrente relativa ao facto de o BCE não ter demonstrado a verosimilhança de um incumprimento da República Francesa, a mesma diz respeito, na realidade, ao mérito da análise do BCE. Deverá, portanto, ser examinada no âmbito do terceiro fundamento.

 Quanto ao motivo relativo ao nível de concentração das posições em risco sobre a CDC (ponto 2.2.3 da decisão impugnada)

47      O recorrente considera que o critério do nível de concentração das posições em risco sobre a CDC não podia ser tido em conta pelo BCE sem ignorar o Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472). Por um lado, recorda que o Tribunal Geral declarou nesse acórdão que o critério da concentração só pode ser relevante na eventualidade de, em razão de uma falta de pagamento da República Francesa, os montantes transferidos a título da poupança regulamentada não terem podido ser obtidos da CDC. Por outro lado, sustenta que a verosimilhança desse incumprimento não foi demonstrada pelo BCE.

48      O BCE responde que, uma vez que examinou e demonstrou a probabilidade de um incumprimento da República Francesa, podia ter em conta o nível de concentração das posições em risco do recorrente sobre a CDC. Acrescenta que este motivo não constituiu um critério determinante e foi apreciado à luz dos outros critérios identificados, como atesta a metodologia aplicada na decisão impugnada.

49      No n.o 63 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), foi declarado que, uma vez que o BCE não examinou a verosimilhança de uma falta de pagamento do Estado francês, o destaque do volume das posições em risco do recorrente sobre a CDC também não podia justificar, por si só, a tomada em conta das referidas posições no cálculo do rácio de alavancagem. Com efeito, o Tribunal Geral indicou que o referido volume só poderia ser pertinente na eventualidade de, em razão de uma falta de pagamento do Estado francês, o recorrente não poder reclamar à CDC os montantes transferidos a título da poupança regulamentada e ter de recorrer a vendas forçadas de ativos.

50      Daqui decorre que o BCE podia, sem ignorar o Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), ter em conta o nível de concentração das posições em risco do recorrente sobre a CDC, desde que essa tomada em consideração fosse acompanhada de um exame da verosimilhança de falta de pagamento da República Francesa. Ora, como foi exposto nos n.os 44 e 45, supra, o BCE procedeu a essa análise.

51      Por conseguinte, importa julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

 Quanto ao motivo relativo ao risco de vendas catastróficas (ponto 2.2.2 da decisão impugnada)

52      O recorrente recorda que a boa execução do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), implicava que o BCE procedesse a um exame aprofundado da poupança regulamentada a fim de apreciar se era possível que levantamentos apresentassem um volume e uma rapidez que excedessem os cenários de «condições de esforço agravadas», previstos no âmbito do cálculo do rácio de liquidez. Sustenta que o BCE não procedeu a essa análise.

53      Por um lado, o BCE não demonstra em que medida uma discrepância temporal, que ele admite não comportar nenhum risco de liquidez, pode, não obstante, representar um risco de alavancagem.

54      Por outro lado, o BCE limitou‑se a considerações gerais e hipotéticas sem examinar as especificidades da poupança regulamentada. A este respeito, alega que a hipótese prevista pelo BCE na decisão impugnada de levantamentos súbitos e maciços não é sustentada por nenhum dado concreto nem é transponível para a poupança regulamentada, a qual dispõe de uma dupla garantia do Estado, em relação tanto aos depositantes como às instituições de crédito, e constitui um valor seguro em caso de crise.

55      Acrescenta que a argumentação do BCE assenta no postulado de que um recente precedente demonstrou que levantamentos maciços (entre 10 e 30 % do depósito) de poupança regulamentada podiam ocorrer num curto espaço de tempo. A este respeito, contesta tanto a falta de explicitação, na decisão impugnada, das características do exemplo em que o BCE se baseou como a pertinência desse exemplo.

56      O recorrente deduz daí que nem a hipótese de um levantamento maciço da poupança regulamentada nem a de uma venda catastrófica de ativos são credíveis e que, com esse raciocínio, o BCE ignorou o Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472).

57      O BCE recorda que, nesse acórdão, o Tribunal Geral declarou que o prazo de ajustamento das posições pode ser um critério pertinente na apreciação do risco de alavancagem, sem o ser para o risco de liquidez, no caso de os levantamentos efetuados pelos depositantes serem de uma dimensão tal que excedam os cenários de «condições de esforço agravadas», previstos no âmbito do cálculo do rácio de liquidez.

58      O BCE sustenta ter examinado com cuidado e imparcialidade as características da poupança regulamentada, o que o levou a considerar que os levantamentos da clientela poderiam exceder os cenários de «condições de esforço agravadas» e que, portanto, tinha razão para adotar o critério do prazo de ajustamento na sua avaliação. Recorda, a este respeito, que o prazo de ajustamento das posições com a CDC pode ser de dez dias, o que implicava a aplicação da segunda coluna do quadro que figura na decisão impugnada.

59      O BCE reconhece que os produtos de poupança são valores seguros em tempos de crise, mas considera, em substância, que esta característica está dissociada do risco de levantamentos maciços (bank run), o qual se aplica à poupança regulamentada devido à sua grande liquidez. Recorda a este respeito que não há nenhuma limitação legal aos levantamentos sobre a referida poupança, o que a torna comparável às contas correntes clássicas. O BCE acrescenta que a garantia do Estado também não é suscetível de prevenir todos os riscos de levantamentos maciços, uma vez que a decisão impugnada recorda que levantamentos maciços — na ordem dos 10 a 30 % — de depósitos sujeitos a um sistema de garantia foram observados nas crises bancárias recentes.

60      O BCE considera que as informações que figuram na decisão impugnada permitem apreciar a pertinência do exemplo em que se baseou.

61      Por último, o BCE sublinha, em substância, que o exame do risco de alavancagem difere do exame do risco de liquidez e que o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 não prevê nenhum método que deva ser seguido para examinar os pedidos apresentados ao abrigo desta disposição.

62      Nos n.os 70 e 71 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral salientou que os riscos associados à alavancagem excessiva — a saber, a necessidade de tomar medidas corretivas não previstas no plano de empresa, incluindo uma venda urgente de ativos suscetível de se saldar em perdas ou numa reavaliação dos ativos remanescentes — se concretizavam em razão de uma falta de liquidez. Nos n.os 73 a 78 desse acórdão, o Tribunal Geral observou igualmente que, em decisões relativas ao rácio de liquidez, o BCE tinha considerado que o prazo de ajustamento das posições com a CDC não estava na origem de um risco de liquidez e que esta posição era partilhada pela Autoridade Bancária Europeia (ABE) num relatório, de 15 de dezembro de 2015, sobre as exigências de financiamento estável líquido a título do artigo 510.o do Regulamento n.o 575/2013. Estas constatações levaram o Tribunal Geral a formular três conclusões.

63      Em primeiro lugar, no n.o 79 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral declarou que a posição de princípio do BCE segundo a qual o prazo de ajustamento em causa poderia favorecer a superveniência dos riscos associados a uma alavancagem excessiva apesar de não ser constitutivo de um risco de liquidez era, em razão da sua generalidade, manifestamente errónea.

64      Em segundo lugar, no n.o 80 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral salientou que o prazo de ajustamento das posições com a CDC teria sido pertinente para o risco de alavancagem, apesar de não o ser para o risco de liquidez, apenas no caso de os levantamentos de depósitos ligados à poupança regulamentada terem sido de uma dimensão tal que excedessem as «condições de esforço agravadas» previstas para o cálculo do rácio de liquidez nos termos do artigo 412.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013.

65      Em terceiro lugar, no n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral sublinhou que, para efeitos do indeferimento do pedido do recorrente, essa eventualidade não podia ser tida em conta sem um exame aprofundado, pelo BCE, das características da poupança regulamentada. Esse exame deveria, designadamente, ter conduzido o BCE a analisar se, atentas as suas características, era possível que levantamentos de poupança regulamentada fossem de um volume e de uma rapidez tais, que o recorrente se visse impelido a recorrer às medidas referidas no artigo 4.o, n.o 1, ponto 94, do Regulamento n.o 575/2013 sem poder esperar pelas transferências de fundos provenientes da CDC a título do ajustamento das posições.

66      Daqui decorre que o Tribunal Geral não excluiu que o prazo de ajustamento das posições com a CDC pudesse ser tido em conta na apreciação do risco de alavancagem — apesar de não apresentar problemas na perspetiva do rácio de liquidez —, mas limitou essa eventualidade apenas à hipótese de os levantamentos ultrapassarem as «condições de esforço agravadas» previstas a título do rácio de liquidez. Além disso, sublinhou a obrigação de o BCE basear a sua apreciação numa análise aprofundada das características da poupança regulamentada.

67      No ponto 2.2.2 da decisão impugnada, o BCE entendeu que a poupança regulamentada podia ser alvo de levantamentos maciços num curto prazo (até 30 % num prazo inferior a cinco dias), apesar da garantia do Estado que lhe estava associada. Para justificar esta apreciação, o BCE baseou‑se, por um lado, na experiência das crises bancárias recentes, da qual decorre que uma instituição de crédito viu 10 a 30 % dos seus depósitos levantados em menos de cinco dias, e, por outro, no caráter particularmente líquido da poupança regulamentada. Além disso, recordou que um levantamento de 30 % dos depósitos em causa teria implicado um reembolso de cerca de 5,4 mil milhões de euros para o recorrente.

68      Conclui‑se, por um lado, que o BCE, ao referir‑se a levantamentos maciços e num curto prazo, limitou a tomada em consideração do prazo de ajustamento das posições do recorrente com a CDC à hipótese prevista no n.o 80 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), pelo que não violou a autoridade de caso julgado associada ao referido acórdão quanto a este aspeto. Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação formulada pelo recorrente a este respeito na terceira parte do primeiro fundamento.

69      No que respeita, por outro lado, à questão de saber se o BCE deu cumprimento ao n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), procedendo a um exame aprofundado da poupança regulamentada, o Tribunal Geral considera que esta questão se confunde com a apreciação do mérito da decisão impugnada e que é adequado analisá‑la em conjunto com o terceiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 429.o, n.o 14, e do artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013

70      O presente fundamento tem por objeto a legalidade do motivo, que figura no ponto 2.2.2 da decisão impugnada, relativo ao nível de concentração das posições em risco do recorrente sobre a CDC e pode ser dividido em duas partes.

71      No âmbito de uma primeira parte, o recorrente acusa, em substância, o BCE de se ter baseado no risco de concentração associado às posições em risco sobre a CDC quando esse risco não pode ser tido em conta na aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

72      No âmbito de uma segunda parte, o recorrente sustenta, em substância, que o BCE se arrogou um poder normativo ao adotar uma metodologia de alcance geral na apreciação desse risco, quando só lhe foi conferido um poder individual de decisão.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento que contesta a tomada em conta do risco de concentração apresentado pelas posições em risco sobre a CDC

73      O recorrente considera que a tomada em conta do risco de concentração demonstra que o BCE utiliza os seus poderes ao abrigo do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 para fins diferentes daqueles para os quais lhe foram conferidos, a saber, exercer um controlo sobre o risco de concentração decorrente das posições em risco sobre a CDC, quando as posições em risco soberanas não são tidas em conta no cálculo desse risco, em aplicação do artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013. Daqui deduz que o BCE, por um lado, violou o artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, e, por outro, utilizou o poder que lhe confere o artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 para uma finalidade estranha a esta disposição.

74      O BCE considera que a argumentação do recorrente deve ser rejeitada.

75      No âmbito da presente parte do segundo fundamento, o recorrente apresenta, em substância, duas alegações, relativas à violação, por um lado, ao artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, e, por outro, ao artigo 429.o, n.o 14, do referido regulamento.

76      A título preliminar, na medida em que o recorrente contesta a tomada em conta, pelo BCE, do risco de concentração na análise do rácio de alavancagem, há que salientar que o conceito de risco de concentração está previsto simultaneamente na Diretiva 2013/36 e no Regulamento n.o 575/2013.

77      Segundo o artigo 81.o da Diretiva 2013/36:

«As autoridades competentes asseguram que o risco de concentração decorrente das posições em risco sobre cada contraparte individualmente considerada, incluindo contrapartes centrais, grupos de contrapartes ligadas entre si e contrapartes que operam no mesmo sector económico ou na mesma região geográfica, ou decorrente da mesma atividade ou mercadoria, ou da aplicação de técnicas de redução do risco de crédito, nomeadamente do risco associado a grandes riscos indiretos, por exemplo em relação a um único emitente de garantias, seja tratado e controlado designadamente por meio de políticas e procedimentos definidos por escrito.»

78      O artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 tem por objeto o risco de concentração apresentado por um cliente ou grupo de clientes ligados entre si. Em substância, visa impedir que as posições em risco a seu respeito ultrapassem 25 % dos fundos próprios da instituição ou 150 000 000 euros, sendo aplicável o limite mais elevado.

79      Daqui decorre que o tratamento e o controlo do risco de concentração visam, no essencial, apreciar o nível de diversificação das posições em risco de uma instituição de crédito e evitar uma concentração demasiado grande das referidas posições em risco sobre certas contrapartidas.

80      No que respeita, em primeiro lugar, à alegação relativa à violação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, ela coloca a questão de saber se o nível de concentração das posições em risco em causa sobre a CDC é uma consideração pertinente na aplicação desta disposição.

81      A este respeito, há que recordar que, no n.o 51 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), o Tribunal Geral sublinhou que o poder conferido às autoridades competentes pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013 lhes visava permitir efetuar uma arbitragem entre os objetivos do rácio de alavancagem — que é a medida da exposição total de uma instituição de crédito, sem ponderação em função do risco — e a eventualidade de certas posições em risco que apresentem um perfil de risco particularmente reduzido e não decorram de uma opção de investimento da instituição de crédito poderem ser excluídas desse rácio.

82      Ora, na eventualidade de o risco de um incumprimento da contraparte não poder ser excluído, o nível de concentração das posições em risco em causa pode constituir uma consideração pertinente por ocasião da arbitragem que o BCE está obrigado a efetuar.

83      Foi o que o Tribunal Geral considerou no n.o 63 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472). Com efeito, o argumento do BCE relativo ao volume das posições em risco sobre a CDC não foi rejeitado pelo facto de esta consideração não ser pertinente. Pelo contrário, o Tribunal Geral sublinhou que o volume das posições em risco sobre a CDC poderia ter sido pertinente na eventualidade de, em razão de falta de pagamento da República Francesa, o recorrente não poder reclamar à CDC os montantes transferidos a título da poupança regulamentada e ter de recorrer a vendas forçadas de ativos.

84      Por conseguinte, o BCE não cometeu nenhum erro de direito ao ter em conta o nível de concentração das posições em risco do recorrente sobre a CDC para efeitos da aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

85      No que respeita, em segundo lugar, à alegação relativa à violação do artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, o recorrente sustenta, em substância, que o BCE não podia ter em conta o risco de concentração sobre a CDC, uma vez que este tipo de exposição está excluído do cálculo do risco de concentração.

86      É certo que, em aplicação do artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, as posições em risco sobre a CDC estão isentas da aplicação do artigo 395.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, ou seja, não são tidas em conta para efeitos da apreciação do risco de concentração previsto por esta disposição. Todavia, a presente decisão não diz respeito à observância do artigo 395.o, n.o 1, deste regulamento, mas à do seu artigo 429.o, n.o 14.

87      Daqui resulta que o artigo 400.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013 não é aplicável ao presente caso e o recorrente não pode, portanto, acusar o BCE de o ter violado.

88      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento que contesta, em substância, a aplicação pelo BCE de uma metodologia de alcance geral

89      O recorrente sublinha que os poderes conferidos ao BCE pelo Regulamento n.o 1024/2013 se limitam à verificação do cumprimento do Regulamento n.o 575/2013 pelas instituições de crédito e que não dispõe de nenhum poder normativo. Sustenta que a tabela relativa aos níveis de concentração que figura na decisão impugnada é apresentada pelo BCE como tendo alcance geral, na medida em que se destina a ser aplicada a qualquer instituição de crédito que solicite o benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013. Por conseguinte, o BCE pretende tratar um risco geral de concentração das posições em risco sobre as entidades do sector público e excede, por conseguinte, os poderes que lhe foram conferidos pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013.

90      O BCE considera que a argumentação do recorrente deve ser rejeitada.

91      Como foi sublinhado no n.o 15, supra, o BCE aplicou na decisão impugnada uma metodologia que tem em conta três critérios, entre os quais o do grau de concentração das posições em risco em causa. Esta metodologia está refletida num quadro que precisa as percentagens de exclusão resultantes da interação desses três critérios.

92      Impõe‑se constatar que, com esta metodologia, o BCE se limitou a enunciar uma norma de conduta indicativa da forma como pretendia fazer uso do poder que lhe é conferido pelo artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

93      A este respeito, cabe recordar que o juiz da União Europeia reconheceu a legalidade de procedimentos equivalentes de limitação do poder discricionário, quer a norma de conduta seja enunciada em diretivas internas (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 1974, Louwage/Comissão, 148/73, EU:C:1974:7, n.o 12, e de 24 de outubro de 2018, Fernández González/Comissão, T‑162/17 RENV, não publicado, EU:T:2018:711, n.o 60) quer em orientações objeto de publicação (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 209 a 211, e de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão, C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.o 53).

94      Contrariamente ao que sustenta o recorrente, essa metodologia não se assemelha à adoção pelo BCE de um ato normativo que ultrapassa o âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pelo Regulamento n.o 1024/2013. Com efeito, trata‑se unicamente de uma norma de conduta indicativa cuja existência não dispensa o BCE de um exame particular de cada situação individual, o qual o pode conduzir a não aplicar a referida metodologia (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 209 a 211).

95      Nestas condições, o BCE podia salientar, na decisão impugnada, a metodologia que pretendia seguir na aplicação do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, desde que não deixasse de efetuar um exame particular da situação individual do recorrente.

96      Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento e, por conseguinte, o referido fundamento na íntegra.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação cometidos pelo BCE

97      O recorrente sustenta que os três motivos da decisão impugnada nos quais o BCE se baseou para recusar deferir na íntegra o seu pedido estão viciados por erros manifestos de apreciação.

98      Na medida em que o BCE dispõe de um poder discricionário e, consequentemente, de um amplo poder de apreciação para conceder ou não o benefício do artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013, a fiscalização jurisdicional que o Tribunal Geral é chamado a efetuar sobre a procedência dos motivos da decisão impugnada não o deve levar a substituir a apreciação do BCE pela sua própria apreciação, mas a verificar se a decisão impugnada não assenta em factos materialmente inexatos e não está ferida de um erro de direito nem de um erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, T‑758/16, Crédit agricole/BCE, T‑758/16, EU:T:2018:472, n.o 30 e jurisprudência referida).

99      Porém, resulta de jurisprudência constante que, quando as instituições dispõem desse poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos reveste uma importância ainda mais fundamental. De entre essas garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos, figura, designadamente, o princípio da boa administração, ao qual está associada a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em apreço (Acórdãos de 13 de julho de 2018, T‑758/16, Crédit agricole/BCE, T‑758/16, EU:T:2018:472, n.o 31 e jurisprudência referida).

100    O Tribunal Geral salienta que a argumentação do recorrente pode ser dividida em três partes, que põem em causa a procedência dos motivos da decisão impugnada, relativos, primeiro, à apreciação do risco de vendas catastróficas (ponto 2.2.2 da decisão impugnada); segundo, à avaliação da qualidade de crédito da administração central (ponto 2.2.1 da decisão impugnada); e, terceiro, ao nível de concentração das suas posições em risco sobre a CDC (ponto 2.2.3 da decisão impugnada).

101    No âmbito da primeira parte do terceiro fundamento, o recorrente sustenta que o BCE violou as suas obrigações decorrentes da jurisprudência recordada no n.o 99, supra, ao não ter em conta, na apreciação do risco de vendas catastróficas, as características da poupança regulamentada. Primeiro, devido à dupla garantia do Estado, a poupança regulamentada desempenha um papel de valor seguro em caso de crise. Segundo, a poupança regulamentada difere fundamentalmente dos outros recursos externos, como o endividamento ou os depósitos ordinários, em razão do seu caráter estruturalmente equilibrado no plano patrimonial entre os depósitos regulamentados centralizados e os créditos de um mesmo montante sobre a CDC. Terceiro, o volume da poupança regulamentada não depende da estratégia da instituição de crédito, mas de fatores alheios ao seu controlo, uma vez que esta atua como simples veículo de trânsito entre o depositante e a CDC. Quarto, o facto de a poupança regulamentada não criar um risco de alavancagem é confirmado por um relatório da ABE e pelo legislador da União, que instituiu um mecanismo de exclusão de pleno direito por ocasião da reforma do Regulamento n.o 575/2013.

102    Além disso, o recorrente remete para a argumentação que apresentou no âmbito do primeiro fundamento e reitera a sua tese segundo a qual, por um lado, o BCE não demonstra em que medida o mesmo prazo de ajustamento de dez dias representa um risco de liquidez no âmbito da apreciação do rácio de alavancagem, apesar de não apresentar esse risco no âmbito da apreciação do rácio de liquidez, e, por outro, a hipótese de um risco de levantamentos maciços (bank run) na ordem de 10 a 30 % dos depósitos em causa em menos de cinco dias, em que o BCE se baseia, é inverificável e irrelevante.

103    O BCE sustenta ter tido em conta as características específicas da poupança regulamentada. Primeiro, o caráter particularmente seguro da poupança regulamentada está ligado à inexistência de um risco de perda do capital depositado e não tem influência no risco de levantamento maciço, o qual decorre do caráter particularmente líquido deste tipo de depósitos. Segundo, o equilíbrio patrimonial da poupança regulamentada não tem incidência no risco de alavancagem e, em todo o caso, é relativo. Terceiro, o recorrente não tem razão quando sustenta que não tem nenhuma influência no aumento da poupança regulamentada, uma vez que a distribuição dessa poupança implica uma diligência positiva da sua parte e ele faz a respetiva promoção. Quarto, o recorrente refuta a relevância do parecer da ABE e da alteração introduzida por ocasião da reforma do Regulamento n.o 575/2013.

104    O BCE remete igualmente para a argumentação que já expôs no âmbito do primeiro fundamento. Considera ter avaliado corretamente o risco de vendas catastróficas até ao ajustamento das posições com a CDC e reitera a sua afirmação segundo a qual os números de 10 a 30 % de levantamentos num prazo de cinco dias resultam de um exemplo recente. Sustenta ter demonstrado que o prazo de ajustamento de dez dias pode ocasionar um risco de alavancagem e alega que esse critério não justificou por si só a decisão impugnada. Por último, sublinha ter explicado a razão pela qual a apreciação do risco de liquidez diferia no quadro da apreciação do rácio de alavancagem e no do rácio de liquidez, na medida em que era suscetível de ultrapassar os cenários de «condições de esforço agravadas» previstos neste último quadro.

105    Decorre da passagem da decisão impugnada resumida no n.o 67, supra, que o BCE se baseou, essencialmente, em duas justificações para concluir que os montantes que o recorrente estava obrigado a transferir para a CDC apresentavam um risco de vendas catastróficas, a saber, por um lado, o caráter particularmente líquido dessa poupança, e, por outro, a experiência das crises bancárias recentes.

106    Em primeiro lugar, cabe sublinhar que, em aplicação da jurisprudência citada no n.o 99, supra, o BCE devia examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto. Além disso, pelas razões expostas nos n.os 66 e 69, supra, o BCE estava obrigado, para dar cumprimento ao n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), a proceder a uma análise aprofundada das características da poupança regulamentada.

107    A este respeito, primeiro, há que salientar que a decisão impugnada não faz menção a uma característica essencial da poupança regulamentada, destacada pelo recorrente, a saber, a sua qualidade de «valor seguro» em caso de crise bancária.

108    Com efeito, esta qualidade de «valor seguro» está suficientemente demonstrada pelos elementos de prova apresentados pelo recorrente, não sendo, de resto, contestada pelo BCE nos seus articulados.

109    Assim, o recorrente recorda que a Cour des comptes [Tribunal de Contas (Paris, França)] sublinhou, no seu relatório público anual de 2010, que «a crise financeira [tinha] ilustrado o caráter atrativo [da caderneta A] para os depositantes inclinados a uma maior prudência nos seus investimentos». Do mesmo modo, o jornal diário Le Monde, na sua edição de 19 de fevereiro de 2009, sublinhou que «a angariação líquida da caderneta A [tinha] atingido 18,7 mil milhões de euros em 2008, um nível histórico cerca de três vezes superior ao antigo recorde, que se elevava a 139,2 mil milhões de euros no final de dezembro [de 2008], segundo os valores publicados […] pelo Banco de França», e que «[a] caderneta A [tinha] beneficiado do seu estatuto de valor de seguro desde o início da crise financeira, bem como de uma taxa de remuneração elevada, de 4 %, entre 1 de agosto de 2008 e 1 de fevereiro de 2009».

110    Daqui decorre que, numa crise bancária, em vez de diminuir em razão de levantamentos dos aforradores franceses, o investimento na poupança regulamentada tende a aumentar, uma vez que os referidos aforradores privilegiam, então, este tipo de investimentos.

111    Segundo, o recorrente tem igualmente razão quando salienta, em substância, que a poupança regulamentada é pouco suscetível de contribuir para a constituição de uma alavancagem excessiva.

112    A este respeito, como o Tribunal Geral sublinhou no n.o 41 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), decorre do considerando 90 do Regulamento n.o 575/2013 bem como das definições que figuram no artigo 4.o, n.o 1, pontos 93 e 94, do mesmo regulamento que a alavancagem excessiva visa uma situação na qual uma instituição de crédito financia uma parte demasiado importante dos seus investimentos mediante endividamento em vez de recorrer aos seus fundos próprios. O risco é então a instituição de crédito não dispor de fundos próprios suficientes para fazer face a pedidos de reembolso das suas dívidas e ter de proceder à venda urgente de alguns dos seus ativos. As consequências negativas dessa redução urgente do nível de alavancagem durante a crise financeira foram expostas da seguinte forma no considerando 90 do Regulamento n.o 575/2013:

«[o] facto aumentou as pressões no sentido da descida dos preços dos ativos, causando mais perdas às instituições o que, por sua vez, levou a novas reduções nos seus fundos próprios. Em última instância, os resultados desta espiral negativa foram a redução da disponibilização de crédito à economia real e uma crise mais profunda e mais prolongada.»

113    Ora, diferentemente dos depósitos deixados à livre disposição das instituições de crédito — que podem ser objeto de qualquer tipo de investimentos, incluindo em ativos arriscados ou não líquidos, suscetíveis de contribuir para a constituição de uma alavancagem excessiva —, no presente processo estão em causa montantes que o recorrente é obrigado a transferir para a CDC, os quais não podem, portanto, ser investidos em ativos arriscados ou não líquidos.

114    Terceiro e por último, há que salientar que, diversamente dos depósitos ordinários abrangidos pela Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149), no âmbito da qual está unicamente prevista a proteção dos depositantes através da intervenção de um fundo alimentado pelas instituições de crédito, os montantes que as instituições de crédito são obrigadas a transferir para a CDC beneficiam de uma dupla garantia da República Francesa. Com efeito, o artigo 120.o‑I da loi n.o 2008‑1443 de finances rectificative pour 2008 (Lei n.o 2008‑1443 de Finanças Retificativa para 2008), de 30 de dezembro de 2008 (JORF de 31 de dezembro de 2008, p. 20518), para o qual remete o artigo L.221‑7‑V do CMF, prevê uma garantia do Estado contra um eventual incumprimento da CDC não apenas em relação aos depositantes mas igualmente a favor das instituições de crédito.

115    Em segundo lugar, e tendo em conta os elementos explicitados nos n.os 107 a 114, supra, há que considerar que a justificação relativa ao caráter particularmente líquido da poupança regulamentada não permite, por si só, demonstrar o mérito da conclusão do BCE sobre o risco de vendas catastróficas que essa poupança apresenta.

116    Com efeito, embora possa efetivamente favorecer levantamentos pelos aforradores sobre a referida poupança, resulta igualmente dos elementos de prova apresentados pelo recorrente que a referida liquidez também participa na sua qualidade de «valor seguro» nas situações de crise. Com efeito, ela contribui para proporcionar aos aforradores um instrumento simultaneamente líquido — que lhes permite fazer levantamentos e pagamentos à maneira de uma conta corrente — e com um nível de segurança elevado, como recorda o relatório anual do observatório da poupança regulamentada, segundo o qual, «em 2011, quando [se observava] um aumento das incertezas e da volatilidade nos mercados financeiros, a segurança tradicional oferecida por um investimento garantido pelo Estado, totalmente líquido e cuja remuneração está isenta de imposto, contribuiu para a sua atratividade».

117    Conclui‑se que a procedência deste motivo depende essencialmente da justificação do BCE relativa à experiência das crises bancárias recentes.

118    A este respeito, em terceiro lugar, cabe salientar que resulta da decisão impugnada e das respostas do BCE às medidas de organização do processo que este se baseou num único exemplo para concluir que «a experiência das crises bancárias recentes mostra[va] que [tinha havido] levantamentos maciços. Questionado duas vezes no âmbito das medidas de organização do processo, o BCE não quis, por razões de confidencialidade, revelar a identidade da instituição de crédito a que se referia. No entanto, nas suas respostas, explicitou as características essenciais dos depósitos que haviam sido objeto de levantamentos maciços. Trata‑se de depósitos à ordem, elegíveis para o mecanismo de garantia a favor dos depositantes, decorrente da transposição da Diretiva 2014/49.

119    Para ser pertinente no âmbito da análise aprofundada que tinha de ser feita às características da poupança regulamentada, o exemplo tido em conta pelo BCE devia necessariamente dizer respeito a depósitos com características suficientemente próximas daqueles que foram efetuados a título da poupança regulamentada.

120    Tendo em conta os elementos de informação comunicados pelo BCE, o Tribunal Geral considera que não foi esse o caso.

121    A este respeito, saliente‑se que, na perspetiva da contribuição para a constituição de uma alavancagem excessiva, a menção pelo BCE de que estavam em causa depósitos à ordem implica uma liberdade de utilização dos referidos depósitos pela instituição de crédito em causa, incluindo em ativos arriscados ou não líquidos. Neste aspeto, esse exemplo difere dos depósitos que o recorrente é obrigado a transferir para a CDC em causa no presente processo, pelas razões expostas nos n.os 111 a 113, supra.

122    Além disso, não se pode deixar de observar que existe uma segunda diferença entre o exemplo tido em conta pelo BCE e a poupança regulamentada, que diz respeito à perceção que os depositantes têm da segurança dos seus depósitos e, portanto, à eventualidade de estes serem objeto de levantamentos maciços e súbitos em caso de crise. Com efeito, pelas razões expostas no n.o 114, supra, não se pode considerar que a simples aplicação do sistema decorrente da transposição da Diretiva 2014/49 apresenta características suficientemente próximas da poupança regulamentada, a qual, como foi sublinhado nos n.os 107 a 110, supra, é vista como um «valor seguro» em caso de crise.

123    Nestas condições, cabe concluir que o recorrente teve razão em acusar o BCE de ter violado as suas obrigações decorrentes da jurisprudência recordada no n.o 99, supra, ao não ter em conta, na apreciação do risco de vendas catastróficas, todas as características da poupança regulamentada. Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do terceiro fundamento.

124    Além disso, deve deduzir‑se das razões expostas no n.o 69, supra, que o BCE não procedeu a uma aplicação correta do n.o 81 do Acórdão de 13 de julho de 2018, Crédit agricole/BCE (T‑758/16, EU:T:2018:472), segundo o qual lhe competia basear a sua análise nas características da poupança regulamentada. A argumentação aduzida a este respeito na terceira parte do primeiro fundamento deve, portanto, ser igualmente acolhida.

125    O motivo que figura no ponto 2.2.2 da decisão impugnada está, por conseguinte, ferido de ilegalidade.

126    Tendo em conta a metodologia aplicada pelo BCE, deve considerar‑se que os motivos que figuram nos pontos 2.2.1 e 2.2.3 da decisão impugnada — relativos, respetivamente, à qualidade de crédito da administração central e ao nível de concentração das posições em risco sobre a CDC —, admitindo que não estão feridos de ilegalidade, não permitiam justificar a recusa oposta ao recorrente. Com efeito, com base na referida metodologia, a tomada em consideração apenas destes motivos não teria conduzido à recusa de conceder ao recorrente a totalidade do benefício da derrogação prevista no artigo 429.o, n.o 14, do Regulamento n.o 575/2013.

127    Por conseguinte, há que dar provimento ao presente recurso, anulando a decisão impugnada na medida em que o BCE não autorizou o recorrente a excluir 34 % das suas posições em risco sobre a CDC do cálculo do seu rácio de alavancagem, sem que seja necessário examinar a argumentação apresentada pelo recorrente a respeito dos outros motivos diferentes daquele que figura no ponto 2.2.2 da decisão impugnada.

 Quanto às despesas

128    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o BCE sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido do recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      A Decisão ECBSSM2019FRCAG39 do Banco Central Europeu (BCE), de 3 de maio de 2019, é anulada na medida em que recusou autorizar o Crédit lyonnais a excluir do cálculo do seu rácio de alavancagem 34 % das suas posições em risco sobre a Caisse des dépôts et consignations.

2)      O BCE é condenado nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de abril de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.