CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE
apresentadas em 10 de setembro de 2020 (1)
Processo C‑59/19
Wikingerhof GmbH & Co. KG
contra
Booking.com BV
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)]
«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Competência internacional — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 7.o, ponto 1, e artigo 7.o, ponto 2 — Competências especiais em “matéria contratual” e em “matéria extracontratual” — Conceitos — Qualificação das ações de responsabilidade civil intentadas entre partes contratantes — Ação de responsabilidade civil fundada em infração às regras do direito da concorrência»
I. Introdução
1. A Wikingerhof GmbH & Co. KG celebrou um contrato com a Booking.com BV para que o hotel que explora figure na plataforma em linha de reservas de alojamentos com o mesmo nome. A primeira sociedade considera, no entanto, que a segunda impõe condições iníquas aos hoteleiros inscritos na sua plataforma, o que constituía um abuso de posição dominante suscetível de lhes causar prejuízo.
2. Neste contexto, a Wikingerhof intentou, num órgão jurisdicional alemão, uma ação inibitória contra a Booking.com, baseada nas regras do direito alemão em matéria de concorrência. A recorrida no processo principal sustenta, contudo, que esse órgão jurisdicional não é competente para conhecer da referida ação. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), conhecendo de um recurso de «Revision» sobre essa questão, interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do Regulamento (UE) n.o 1215/2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2) (a seguir «Regulamento Bruxelas I bis»).
3. Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma ação como a que a Wikingerhof propôs contra a Booking.com, que é fundada em regras jurídicas consideradas como sendo de natureza extracontratual em direito nacional, é abrangida pela «matéria extracontratual» (3), na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento — caso em que o órgão jurisdicional no qual a ação foi intentada podia considerar‑se competente ao abrigo dessa disposição —, ou então pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do referido regulamento, atendendo a que os alegados comportamentos anticoncorrenciais censurados pela primeira sociedade à segunda se materializam na respetiva relação contratual — caso em que a Wikingerhof, ao abrigo desta última disposição, deveria provavelmente propor a sua ação num órgão jurisdicional neerlandês. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) convida, portanto, o Tribunal de Justiça a precisar o conteúdo das categorias que constituem as referidas «matérias» assim como o modo como estas categorias se articulam entre si.
4. As questões evocadas no número anterior estão longe de ser inéditas. Já deram origem a jurisprudência consequente do Tribunal de Justiça (4), iniciada há cerca de trinta de anos com os Acórdãos Kalfelis (5) e Handte (6). Não obstante isso, subsistem algumas incertezas no que respeita ao problema da qualificação de certas ações que se situam na fronteira das categorias em questão, como as ações de responsabilidade civil intentadas entre partes contratantes. Essas incertezas resultam, em particular, do Acórdão Brogsitter (7), no qual o Tribunal de Justiça procurou formular um método abstrato para a conexão destas últimas ações, mas cujos termos são, com regularidade, objeto de debate na doutrina e nos órgãos jurisdicionais nacionais (8).
5. O presente pedido de decisão prejudicial oferece assim ao Tribunal de Justiça a oportunidade de fazer a síntese, em Grande Secção, dessa jurisprudência e, ao fazê‑lo, clarificar as zonas de sombra que subsistem. Este exercício é tanto mais justificado quanto, após a entrada em vigor do Regulamento (CE) n.o 593/2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (9) (a seguir «Regulamento Roma I») e do Regulamento (CE) n.o 864/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (10) (a seguir «Regulamento Roma II»), as soluções encontradas pelo Tribunal de Justiça em matéria de competência judiciária extrapolam para o domínio dos conflitos de leis. Com efeito, estes regulamentos constituem, neste domínio, o contrapeso do artigo 7.o, ponto 1, e do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis e este conjunto regulamentar deve ser interpretado, dentro do possível, de modo coerente (11). Além disso, as clarificações que o Tribunal de Justiça fará no que respeita a essas questões gerais esclarecerão, de modo específico, as regras de direito internacional privado aplicáveis às ações de responsabilidade civil por infrações ao direito da concorrência (12).
6. Nas presentes conclusões, explicarei que, de um modo geral, a conexão de um pedido em matéria de responsabilidade civil à «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, ou à «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento, depende essencialmente da sua causa, ou seja, da obrigação — «contratual» ou «extracontratual» — em que a ação assenta e que é invocada pelo demandante contra o demandado. A mesma lógica se aplica às ações de responsabilidade civil intentadas entre contratantes. Explicarei, assim, por que razão, em aplicação desses princípios, uma ação inibitória, como a intentada pela Wikingerhof contra a Booking.com, baseada numa infração às regras do direito da concorrência, se enquadra na «matéria extracontratual», na aceção da segunda disposição.
II. Quadro jurídico
7. O considerando 16 do Regulamento Bruxelas I bis enuncia:
«O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado‑Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. […]»
8. A secção 2 do capítulo II desse regulamento, sob a epígrafe «Competências especiais», inclui, designadamente, o artigo 7.o do referido regulamento. Este artigo estabelece, nos seus pontos 1 e 2:
«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:
1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
– no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
– no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);
2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.»
III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça
9. A Wikingerhof, uma sociedade de direito alemão com sede em Kropp (Alemanha), explora um hotel situado no Land de Schleswig‑Holstein (Alemanha). A Booking.com, cuja sede se situa em Amesterdão (Países Baixos), explora a plataforma em linha de reservas de alojamento com o mesmo nome.
10. Em março de 2009, a Wikingerhof assinou um contrato de adesão fornecido pela Booking.com. Esse contrato estipula que as condições gerais que esta sociedade aplica fazem parte integrante desse contrato. O referido contrato estipula ainda que, ao assiná‑lo, o hoteleiro declara ter recebido cópia dessas condições gerais e confirma tê‑las lido, compreendido e aceite.
11. As condições gerais da Booking.com estabelecem, designadamente, que esta sociedade coloca à disposição dos hoteleiros inscritos na sua plataforma um sistema Internet, denominado «Extranet», que lhe permite atualizar as informações relativas aos seus estabelecimentos e consultar os dados referentes às reservas feitas através dessa plataforma. Além disso, essas condições gerais incluem um pacto atributivo de jurisdição que, em princípio, confere competência exclusiva aos tribunais de Amesterdão para conhecer dos litígios decorrentes do contrato.
12. A Booking.com modificou por várias vezes as suas condições gerais. Por carta de 30 de junho de 2015, a Wikingerhof contestou uma dessas modificações. Consecutivamente, essa sociedade intentou no Landgericht Kiel (Tribunal Regional de Kiel, Alemanha) uma ação inibitória contra a Booking.com, com base numa infração às regras do direito alemão em matéria de concorrência (13). Nesse contexto, a Wikingerhof alegou que os pequenos operadores de hotelaria, como é o seu caso, são obrigados a contratar com a Booking.com devido à posição dominante que esta detém no mercado dos serviços de intermediação e nos portais de reservas hoteleiras. A Wikingerhof considera que certas práticas adotadas pela Booking.com quando da comunicação das reservas hoteleiras são iníquas e constituem uma exploração abusiva dessa posição, contrária ao direito da concorrência. A Wikingerhof pediu assim, a esse órgão jurisdicional, que proibisse a Booking.com, sob pena de cominação de uma sanção pecuniária compulsória:
– de exibir na sua plataforma um determinado preço como tendo sido indicado pela Wikingerhof para o seu hotel, acompanhado da indicação «melhor preço» ou «preço reduzido», sem o prévio consentimento desta;
– de privar a Wikingerhof do acesso, total ou parcial, aos dados de contacto fornecidos pelos clientes do seu hotel através da referida plataforma e de exigir dessa sociedade que os contactos com os clientes se façam apenas através da funcionalidade «contacto» disponibilizada pela Booking.com, e
– de fazer depender o posicionamento do hotel explorado pela Wikingerhof, nos resultados de busca efetuados nessa mesma plataforma, da concessão de uma comissão superior a 15 %.
13. A Booking.com suscitou a incompetência internacional e territorial do Landgericht Kiel (Tribunal Regional de Kiel). Por Decisão de 27 de janeiro de 2017, e com esse fundamento, esse tribunal julgou inadmissível a ação intentada pela Wikingerhof. Considerou, mais especificamente, que o pacto atributivo de jurisdição constante das condições gerais da Booking.com, que confere competência exclusiva aos tribunais de Amesterdão, foi validamente celebrado entre as partes, em conformidade com o disposto no artigo 25.o do Regulamento Bruxelas I bis, e aplica‑se no que diz respeito a este tipo de ação.
14. O Oberlandesgericht Schleswig (Tribunal Regional Superior de Schleswig, Alemanha), no recurso aí interposto, confirmou, por Acórdão de 12 de outubro de 2018, a decisão proferida em primeira instância, embora com base em fundamentos diferentes. Em substância, esse órgão jurisdicional considerou que o Landgericht Kiel (Tribunal Regional de Kiel) não podia fundar a sua competência na regra «em matéria extracontratual» prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis, uma vez que a ação proposta pela Wikingerhof é intentada em «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, desse regulamento. A competência do órgão jurisdicional no qual a ação foi intentada também não pode ser fixada com fundamento no referido artigo 7.o, ponto 1, pois o «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão» na aceção da referida disposição não se encontra sob a sua jurisdição (14). Por conseguinte, o órgão jurisdicional de recurso não considerou necessário determinar se o pacto atributivo de jurisdição constante das condições gerais de Booking.com tinha sido validamente celebrado entre as partes no processo principal.
15. A Wikingerhof interpôs recurso de «Revision» desse acórdão no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), que autorizou o recurso. Nesse contexto, essa sociedade sustenta que o órgão jurisdicional de recurso cometeu um erro de direito ao excluir a aplicação, no que respeita à ação intentada pela referida sociedade, da regra da competência «em matéria extracontratual» constante do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis.
16. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) observa que o recurso de «Revision» nele interposto não é dirigido contra a decisão do órgão jurisdicional de recurso, segundo a qual o Landgericht Kiel (Tribunal Regional de Kiel) não pode ser competente ao abrigo do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis para conhecer da ação intentada pela Wikingerhof. A questão da validade do pacto atributivo de jurisdição incluído nas condições gerais da Booking.com também não é objeto desse recurso (15). Assim, o provimento do referido recurso depende unicamente da questão de saber se essa ação pode integrar o âmbito do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento.
17. Foi nestas condições que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Deve o artigo 7.o, ponto 2, do [Regulamento Bruxelas I bis] ser interpretado no sentido de que [se] pode [aplicar] a regra da competência do foro em matéria de responsabilidade extracontratual no caso de uma ação destinada a fazer cessar determinados comportamentos, quando o comportamento contestado estiver abrangido por disposições contratuais, mas o autor alegar que essas disposições assentam numa exploração abusiva de uma posição dominante do réu no mercado?»
18. O pedido de decisão prejudicial, datado de 11 de dezembro de 2018, deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de janeiro de 2019. A Booking.com, o Governo checo e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. A Wikingerhof, a Booking.com e a Comissão estiveram representadas na audiência de alegações, que se realizou em 27 de janeiro de 2020.
IV. Análise
19. O presente processo tem como pano de fundo as ações de responsabilidade civil por infrações ao direito da concorrência, intentadas entre particulares, características daquilo que comummente se denomina «private enforcement». A ação intentada pela Wikingerhof contra a Booking.com baseia‑se, mais precisamente, na infração às regras de direito alemão que proíbem, à semelhança do artigo 102.o TFUE, os abusos de posição dominante. A primeira sociedade alega, em substância, que a segunda explora de forma abusiva a posição dominante que alegadamente detém no mercado dos serviços de intermediação e dos portais de reservas hoteleiras, ao impor condições de transação não equitativas (16) aos pequenos hoteleiros inscritos na sua plataforma. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça não é convidado a precisar o alcance do referido artigo 102.o Em contrapartida, é interrogado sobre as regras de competência aplicáveis a essa ação.
20. O Tribunal de Justiça já declarou que as ações de responsabilidade civil baseadas em infração às regras do direito da concorrência se integram no conceito de «matéria civil e comercial», na aceção do artigo 1.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, e, por conseguinte, integram o âmbito de aplicação material desse regulamento (17).
21. O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I bis prevê, como regra geral, a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do demandado. No presente caso, é certo que o domicílio da Booking.com, na aceção desse regulamento (18), é nos Países Baixos e, por conseguinte, a Wikingerhof não podia, ao abrigo dessa disposição, intentar a sua ação num órgão jurisdicional alemão.
22. Porém, o Regulamento Bruxelas I bis inclui igualmente regras que, em determinados casos, permitem ao demandante intentar a sua ação contra o demandado nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro (19). Esse regulamento define, nomeadamente, competências especiais, para diferentes «matérias», que oferecem ao demandante a possibilidade de intentar a sua ação perante um ou mais foros suplementares.
23. Essas competências especiais existem, em particular, «em matéria contratual» e «em matéria extracontratual». Para as ações da primeira categoria, o artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis permite ao demandante intentar a sua ação no tribunal do «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão». Para as da segunda categoria, o artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento prevê que podem ser intentadas no tribunal do «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso».
24. A opção de competência oferecida ao demandante varia, assim, em função da qualificação da ação em causa. Ora, no presente caso, as partes no processo principal opõem‑se acerca da questão de saber a qual das categorias evocadas no número anterior está ligada a ação intentada pela Wikingerhof. O sucesso da exceção de incompetência suscitada pela Booking.com depende, com efeito, dessa qualificação: enquanto o «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis, pode estar sob jurisdição do tribunal alemão onde o recorrente no processo principal intentou a sua ação (20), ficou assente no recurso não ser esse o caso do «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, desse regulamento (21).
25. Conforme observado pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em princípio, as ações de responsabilidade civil baseadas numa infração às regras do direito da concorrência estão abrangidas pelo domínio da «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis (22).
26. Contudo, a ação em causa no presente processo tem de particular o facto de ser intentada entre partes contratantes e de os pretensos comportamentos anticoncorrenciais que a Wikingerhof imputa à Booking.com se materializarem na respetiva relação contratual, dado que consistem no facto de a segunda sociedade impor à primeira, no contexto dessa relação, condições de transação não equitativas. De resto, é possível que algumas das práticas contestadas, ou mesmo todas (23), sejam abrangidas pelas cláusulas das condições gerais aplicáveis ao contrato em questão. Trata‑se, portanto, de saber se, nessas circunstâncias, a qualificação «em matéria contratual» prevalece sobre a qualificação «em matéria extracontratual» para efeitos do Regulamento Bruxelas I bis.
27. O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) considera que se deve responder negativamente a essa questão. Tal como a Wikingerhof e a Comissão, partilho dessa opinião. A posição contrária, defendida pela Booking.com e pelo Governo checo, reflete, a meu ver, as incertezas que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, pairam sobre a fronteira que separa «em matéria contratual» de «em matéria extracontratual». Conforme referi na introdução às presentes conclusões, este processo oferece ao Tribunal de Justiça uma boa oportunidade para fazer a síntese dessa jurisprudência e eliminar essas incertezas. Recordarei, portanto, as grandes linhas (secção A) antes de examinar especificamente a qualificação das ações de responsabilidade civil intentadas entre partes contratantes (secção B). Desenvolverei, nesse contexto, algumas reflexões esboçadas nas Conclusões que apresentei no processo Bosworth e Hurley (24). Por último, aplicarei o quadro de análise que resultar da referida jurisprudência à hipótese de uma ação de responsabilidade por infração às regras do direito da concorrência, como a intentada, no presente caso, pela Wikingerhof contra a Booking.com (secção C).
A. As grandes linhas da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a «matéria contratual» e a «matéria extracontratual»
28. Importa recordar, a título preliminar, que o Regulamento Bruxelas I bis não define o conceito de «matéria contratual» a que se refere o artigo 7.o, ponto 1, desse regulamento, ou de «matéria extracontratual», a que se refere o artigo 7.o, ponto 2. O conteúdo dessas categorias está, portanto, longe de se impor de forma evidente. Embora reflitam conceitos bem conhecidos do direito civil — «contrato» e «facto danoso» —, os contornos desses conceitos variam de um Estado‑Membro para outro. Além disso, existem divergências significativas entre as diferentes versões linguísticas do referido regulamento no que respeita a uma (25) e à outra (26) disposições.
29. Neste contexto, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que «matéria contratual» e «matéria extracontratual» na aceção do Regulamento Bruxelas I bis constituem conceitos autónomos de direito da União, que devem ser interpretados principalmente por referência ao sistema e aos objetivos desse regulamento, a fim de garantir a aplicação uniforme das regras de competência que institui em todos os Estados‑Membros (27). A ligação de uma ação a uma ou outra categoria não depende, portanto, em particular, das soluções previstas no ordenamento jurídico interno do órgão jurisdicional que conhece da ação (dito «lex fori»).
30. No que respeita ao sistema do Regulamento Bruxelas I bis, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que este assenta na regra geral da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, prevista no artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento, e que as competências especiais que figuram no seu artigo 7.o constituem derrogações a essa regra geral e que, enquanto tais, são de interpretação estrita (28).
31. Quanto aos objetivos do Regulamento Bruxelas I bis, cabe recordar que, de modo geral, as regras de competência previstas nesse regulamento visam garantir a segurança jurídica e, nesse âmbito, reforçar a proteção jurídica das pessoas estabelecidas no território dos Estados‑Membros. Essas regras devem, a esse título, possuir um alto grau de previsibilidade: o demandante deve poder determinar com facilidade os órgãos jurisdicionais onde pode intentar a sua ação e o demandado prever razoavelmente em que órgãos jurisdicionais poderá ser demandado. Além disso, as referidas regras destinam‑se a assegurar uma boa administração da justiça (29).
32. As competências especiais «em matéria contratual» e «em matéria extracontratual» previstas no artigo 7.o, ponto 1, e no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis prosseguem, especificamente, um objetivo de proximidade, que concretiza os dois imperativos evocados no número anterior. A este respeito, o Tribunal de Justiça tem repetidamente declarado que a opção que essas disposições oferecem ao demandante foi introduzida tendo em atenção a existência, nas «matérias» a que se referem, de uma ligação especialmente estreita, para efeito da organização útil do processo, entre a ação e o órgão jurisdicional que pode ser chamado a conhecê‑la (30). Com efeito, em «matéria contratual», considera‑se que o órgão jurisdicional do «lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão» é o que está em melhores condições para se pronunciar, designadamente por razões de proximidade do litígio e de facilidade na produção da prova. O mesmo se passa, «em matéria extracontratual», relativamente ao órgão jurisdicional do «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» (31). A existência dessa ligação estreita garante simultaneamente a segurança jurídica, ao evitar a possibilidade de o demandado o ser num órgão jurisdicional que não lhe era razoavelmente possível prever.
33. À luz destas considerações gerais, o Tribunal de Justiça foi consagrando, na sua jurisprudência, definições autónomas da «matéria contratual» e da «matéria extracontratual». Examinarei essas definições, sucessivamente, nas duas subsecções que seguem.
1. Definição de «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis
34. O Tribunal de Justiça formulou um primeiro esboço da definição de «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, no Acórdão Handte, nos termos do qual esse conceito «não pode ser entendid[o] como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte relativamente à outra» (32).
35. O Tribunal de Justiça consolidou essa definição no Acórdão Engler (33). Ao partir da conclusão de que a identificação de uma obrigação é indispensável para a aplicação do referido artigo 7.o, ponto 1, dado que a competência judiciária, nos termos dessa disposição, é fixada em função do lugar onde a «obrigação que serve de fundamento à ação» foi ou deve ser cumprida, o Tribunal de Justiça entendeu que a aplicação da referida disposição «pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente assumida por uma pessoa para com outra e que está na origem da ação do demandante» (34).
36. Desta definição, ora constante na jurisprudência do Tribunal de Justiça, decorrem duas condições cumulativas (35): um pedido é abrangido pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, desde que (1) diga respeito a uma «obrigação contratual», entendida como sendo uma «obrigação jurídica livremente consentida por uma pessoa para com outra» (36), e (2) esse pedido se baseie, de forma mais específica, nessa «obrigação».
37. Quanto à primeira condição, o Tribunal de Justiça esclareceu que as «obrigações contratuais» incluem, antes de mais, as obrigações que têm a sua origem (37) num contrato (38), isto é, em substância, um acordo de vontades celebrado entre duas pessoas (39). Em seguida, o Tribunal de Justiça integrou na «matéria contratual», por analogia, as relações próximas dos contratos na medida em que criam entre as pessoas em causa «laços estreitos do mesmo tipo» daqueles que se estabelecem entre partes contratantes. O mesmo sucede, designadamente, no caso dos vínculos entre uma associação e os seus membros assim como dos vínculos dos membros da associação entre eles (40), das relações entre os acionistas de uma sociedade assim como dos vínculos entre os acionistas e a sociedade que criaram (41), das relações entre o dirigente de uma sociedade e a sociedade que dirige, conforme previstos no direito das sociedades (42), ou ainda das obrigações que os comproprietários de um imóvel assumem, nos termos da lei, em relação à compropriedade (43). Por último, uma vez que a aplicação do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis «não exige a celebração de um contrato», mas apenas «a identificação de uma obrigação» (44), o Tribunal de Justiça entendeu que a «matéria contratual» inclui igualmente as obrigações que se impõem em razão não de tal acordo de vontades, mas de um compromisso unilateral voluntário de uma pessoa para com outra. É o caso, nomeadamente, da promessa de prémio feita aos consumidores por um profissional (45) e das obrigações de um avalista de uma livrança em relação ao beneficiário dessa livrança (46).
38. Em suma, o Tribunal de Justiça acolhe uma interpretação «flexível» do conceito de «obrigação contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis (47). Esta conclusão poderia, à primeira vista, surpreender, tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual essa disposição deve ser interpretada de modo estrito. Na realidade, segundo entendo, essa exigência impede unicamente o Tribunal de Justiça de se desligar dos termos claros da referida disposição e de lhe atribuir um sentido mais amplo do que aquele que o seu objetivo exige (48). É, portanto, possível e, a meu ver, justificado interpretar a categoria constituída pela «matéria contratual» de forma a nela incluir institutos próximos dos contratos, com uma preocupação de boa administração do contencioso internacional (49).
39. Quanto à segunda condição, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um pedido não é abrangido pela «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis pelo simples facto de o mesmo dizer, de perto ou de longe, respeito a uma «obrigação contratual». É, além disso, necessário que esse pedido tenha por fundamento uma tal obrigação. A aplicação dessa disposição depende portanto, conforme recentemente declarado pelo Tribunal de Justiça, da «causa de pedir» (50). Por outras palavras, o demandante deve invocar semelhante obrigação para justificar o referido pedido (51).
40. Através dessa condição, o Tribunal de Justiça reserva, em minha opinião, acertadamente, a aplicação da regra da competência em «matéria contratual», constante do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, aos pedidos que são de natureza contratual, ou seja, aqueles que, quanto ao mérito, suscitam principalmente questões de direito dos contratos (52) ou, dito de outra forma, questões abrangidas pelo domínio da lei do contrato (dita «lex contractus»), na aceção do Regulamento Roma I (53). O Tribunal de Justiça garante assim. Em harmonia com o objetivo de proximidade subjacente a esta disposição, que o juiz que aprecia o contrato se pronuncia essencialmente sobre tais questões (54). Mais importante ainda, o Tribunal de Justiça garante a coerência interna da «matéria contratual», conforme prevista, no que respeita à regras de competência, no artigo 7.o, ponto 1, e, no que respeita aos conflitos de leis, no Regulamento Roma I (55).
41. Concretamente, preenchem estas duas condições e são, portanto, abrangidas pela «matéria contratual», na aceção do referido artigo 7.o, ponto 1, designadamente, as ações destinadas à execução coerciva de uma «obrigação contratual» (56) ou as ações de responsabilidade civil ou destinadas à resolução do contrato por incumprimento dessa obrigação (57). Em todas essas hipóteses, a obrigação em questão corresponde a um «direito contratual» que justifica o pedido. Determinar a justeza do pedido implica, para o juiz que dele conhece, decidir essencialmente questões de ordem contratual — como as do conteúdo da obrigação em causa, da forma como devia ser executada, das consequências da sua não execução, etc. (58) São igualmente abrangidas pela «matéria contratual» as ações de declaração de nulidade de um contrato, desde que essa ação tenha por base a violação das suas regras de formação e implique que o juiz se pronuncie sobre a validade das «obrigações contratuais» dele decorrentes (59). Remeto o leitor que pretenda mais detalhes sobre a «matéria contratual» para a vasta doutrina sobre o tema (60).
2. Definição de «em matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis
42. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resultante do seu Acórdão Kalfelis, o conceito de «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis, abrange «qualquer ação que tenha em vista desencadear a responsabilidade civil do demandado e que não esteja relacionada com a “matéria contratual”», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, desse regulamento (61).
43. Duas condições cumulativas resultam dessa definição: uma, positiva, segundo a qual o pedido deve invocar a responsabilidade civil do demandado; a outra, negativa, segundo a qual essa ação não deve estar ligada à «matéria contratual».
44. A primeira condição é relativa ao objeto da ação. Esta deve, em princípio, obrigar judicialmente o demandado a pôr termo a um comportamento suscetível de causar dano — hipótese de um pedido inibitório como o apresentado pela Wikingerhof no presente caso — ou a repará‑lo se este se tiver produzido — hipótese de um pedido de indemnização (62).
45. Contudo, o Tribunal de Justiça adota, também aqui, uma interpretação «flexível» desta condição. Com efeito, uma ação declarativa, mediante a qual o demandante visa obter o reconhecimento judicial da violação pelo demandado, de um dever legal, ou ainda uma ação de declaração negativa através da qual o demandante pretende obter a declaração de que não cometeu atos ou omissões que desencadeiem a sua responsabilidade extracontratual em relação ao demandado, pode ser igualmente abrangida pelo âmbito do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis (63).
46. A segunda condição é, do meu ponto de vista, o reflexo da estabelecida pelo Tribunal de Justiça no âmbito da sua jurisprudência relativa à «matéria contratual». Trata‑se, mais uma vez, de determinar a causa do pedido com base em responsabilidade. Para ser abrangido pela «matéria extracontratual», esse pedido deve fundar‑se não numa «obrigação jurídica livremente consentida», mas numa «obrigação extracontratual», ou seja, numa obrigação involuntária, que existe sem que o demandado tenha pretendido assumir um qualquer compromisso em relação ao demandante, e que decorre de um facto danoso que consiste na violação de um dever imposto pela lei a todo e qualquer um (64). Através desta condição, o Tribunal de Justiça garante, de acordo com o objetivo subjacente ao artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis, que o juiz que conhece do facto danoso se pronuncie unicamente sobre os pedidos de natureza danosa, isto é, sobre os pedidos que suscitem, quanto ao mérito, principalmente questões relativas às regras jurídicas que envolvam esses deveres. Garante igualmente a coerência interna da «matéria extracontratual», conforme referida, no que respeita às regras de competência, neste artigo 7.o, ponto 2, e, para os conflitos de leis, no Regulamento Roma II (65).
47. Não se pode, portanto, considerar, como por vezes se escreve, que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis é uma disposição puramente residual que absorve todos os pedidos que não sejam abrangidos pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, desse regulamento. Existem, pelo contrário, pedidos que não são abrangidos por nenhuma destas duas disposições, pois fundam‑se em obrigações que nem são «contratuais» nem «extracontratuais» (66).
48. Quanto ao restante, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis engloba uma grande diversidade de tipos de responsabilidade (67) — por culpa, sem culpa, etc. Para além das ações de responsabilidade civil por infração ao direito da concorrência, estão igualmente incluídos os pedidos baseados em responsabilidade por concorrência desleal (68), violação dos direitos de propriedade intelectual (69) ou ainda pelos danos acusados por produtos defeituosos (70). Aqui, mais uma vez, para mais detalhes sobre o conceito de «matéria extracontratual» remeto o leitor para a vasta doutrina sobre o tema (71).
B. Qualificação das ações de responsabilidade civil, intentadas entre as partes contratantes para efeitos do Regulamento Bruxelas I bis
49. Resulta das considerações que precedem que certas ações de responsabilidade civil são abrangidas pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, e outras são abrangidas pela «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento. Resulta igualmente dessas considerações que, no plano teórico, a ligação dessa ação a uma ou outra dessas categorias depende da sua causa, entendida esta como sendo a obrigação em que esse pedido se baseia. Se essa obrigação se impõe em razão de um contrato ou de outra forma de compromisso voluntário de uma pessoa em relação a outra, o pedido é «contratual». Se, em contrapartida, a obrigação em causa resulta da violação de um dever imposto pela lei a todo e cada um independentemente de qualquer compromisso voluntário, o pedido é «extracontratual» (72).
50. Feita esta precisão, quando duas pessoas estão vinculadas por um contrato e uma delas apresenta contra a outra um pedido baseado em responsabilidade civil, pode revelar‑se delicado, na prática, distinguir entre «matéria contratual» e «matéria extracontratual».
51. A este propósito, tal pedido não é necessariamente «contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis (73). Podem igualmente existir pedidos «extracontratuais» entre partes contratantes. Isso concebe‑se facilmente se se pensar nos pedidos completamente alheios ao contrato que vincula as partes (74), para os quais a aplicação do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento manifestamente se impõe.
52. As coisas são menos óbvias quando, como é o caso do processo principal, o pedido apresenta um certo vínculo com o contrato, designadamente porque se reporta a um facto danoso causado por ocasião da sua execução. Neste contexto, pode acontecer, em especial, que o facto danoso invocado constitua, simultaneamente, a inexecução de uma «obrigação contratual» e a violação de um dever decorrente da lei para todos e a qualquer um. Verifica‑se, então, um concurso de responsabilidades ou, dito de outra forma, concurso de obrigações «contratual» e «extracontratual» podendo, cada uma delas, servir potencialmente como causa do pedido (75).
53. O número de situações em que um mesmo facto danoso pode dar origem a semelhante concurso varia em função dos sistemas jurídicos nacionais, segundo o modo como concebem a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual (76). Porém, as ações de responsabilidade civil evocadas no n.o 48 das presentes conclusões — infrações ao direito da concorrência, factos abrangidos pela concorrência desleal, danos causados por produtos defeituosos, violação de um direito de propriedade intelectual — são suscetíveis, quando intentadas entre partes contratantes, de se inserir nesse concurso de responsabilidades.
54. Por exemplo, a recusa de venda de um fornecedor ao seu distribuidor poderia constituir não só um abuso de posição dominante mas igualmente uma infração às obrigações decorrentes do seu contrato‑quadro, conforme a Wikingerhof muito justamente referiu. O mesmo se verificaria numa situação em que o fornecedor beneficiasse a sua própria rede, em detrimento do distribuidor, podendo esse comportamento constituir, simultaneamente, uma violação contratual, um abuso desse tipo ou ainda um ato de concorrência desleal (77). Além disso, o defeito de um produto, vendido pelo seu fabricante, que causaria um dano ao comprador poderia ser abrangido tanto pela responsabilidade extracontratual — a título da violação de um dever legal em matéria de segurança dos produtos — como pela responsabilidade contratual — a título da violação da obrigação contratual de fornecer um produto conforme, ou mesmo de uma obrigação contratual de segurança. Por último, quando o titular de uma licença de utilização de uma obra protegida pelos direitos de autor excede os limites dessa licença, esse facto danoso é suscetível de constituir ao mesmo tempo um crime de contrafação — pois o titular da licença viola os direitos exclusivos do seu cocontratante — e uma violação desse contrato (78).
55. Perante estes concursos de responsabilidades, alguns sistemas jurídicos nacionais, como o inglês e o alemão, deixam ao demandante a opção de fundar a sua ação em responsabilidade extracontratual ou em responsabilidade contratual, de acordo com o que for mais conforme aos seus interesses (79), ou mesmo «cumular» pedidos que assentem nestes dois fundamentos (80).
56. Em contrapartida, outros sistemas jurídicos, como o francês e o belga, preveem uma regra de repartição das responsabilidades, dita de «não‑cúmulo», que não permite que o demandante opte: este não pode fundamentar a sua ação na responsabilidade extracontratual quando o facto danoso invocado corresponder também a uma inexecução de uma obrigação contratual. Por outras palavras, nesses sistemas «o contratual prima sobre o extracontratual» (81).
57. No quadro do Regulamento Bruxelas I bis, trata‑se de saber se, e, sendo caso disso, em que medida, a opção do demandante de invocar, para um mesmo facto danoso, a responsabilidade extracontratual e/ou a responsabilidade contratual do seu cocontratante tem influência na regra de competência aplicável (82). A este respeito, recordarei as soluções até agora adotadas pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência (subsecção 1) antes de examinar a interpretação que, em meu entender, se impõe nesta matéria (subsecções 2 e 3).
1. As soluções até agora adotadas pelo Tribunal de Justiça
58. O Tribunal de Justiça debruçou‑se uma primeira vez sobre a questão no Acórdão Kalfelis. No processo que esteve na origem desse acórdão, um particular intentou contra o seu banco uma ação a fim de obter a reparação do dano que tinha sofrido no quadro de operações de bolsa e tinha formulado, para este fim, pedidos cumulativos baseados em diversas regras do ordenamento jurídico alemão, sendo alguns relativos à responsabilidade contratual, outros à responsabilidade extracontratual e, por último, outros relativos ao enriquecimento sem causa — de ordem quase‑contratual. Colocava‑se principalmente a questão de saber se o tribunal competente por força do artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas — atual artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis — para se pronunciar sobre os pedidos baseados na responsabilidade extracontratual, o era igualmente, a título subsidiário, no que respeita aos pedidos que assentam em fundamentos contratuais e quase‑contratuais.
59. Nas suas conclusões, o advogado‑geral M. Darmon tinha proposto que a regra de competência em «matéria contratual» canalize toda a ação, incluindo os pedidos assentes em fundamentos jurídicos extracontratuais ou quase‑contratuais, e isto a fim de racionalizar a competência e centralizar o litígio no juiz que aprecia o contrato, que era, no entender do advogado‑geral, o que dispunha de melhores condições para apreciar o seu contexto e todas as suas implicações contenciosas (83).
60. O Tribunal de Justiça não seguiu, quanto a esse aspeto, as conclusões do seu advogado‑geral. Considerou na verdade, como referi no n.o 42 das presentes conclusões, que o conceito de «matéria extracontratual» abrange qualquer ação que tenha em vista desencadear a responsabilidade do demandante e que não diga respeito a «matéria contratual». Todavia, o Tribunal de Justiça de imediato esclareceu, invocando a natureza derrogatória das regras de competência especiais, «que o tribunal competente, nos termos do [artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis], para conhecer do elemento da ação baseado em facto ilícito não o é para conhecer dos outros elementos da mesma ação não baseados em facto ilícito» (84).
61. Apesar do caráter algo ambíguo desta resposta, o Tribunal de Justiça não pretendia indicar, no Acórdão Kalfelis, que o artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis prima sobre o seu artigo 7.o, ponto 2. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça considerou que uma ação de indemnização relativa a um mesmo facto danoso pode ser do foro contratual e/ou do foro extracontratual, em função dos fundamentos jurídicos invocados pelo demandante, ou seja, da regra material que este invoca na sua petição. Assim, quando são formulados pedidos cumulativos no âmbito da mesma ação, deve ser classificada na «matéria contratual» ou na «matéria extracontratual» não a ação no seu todo mas cada um desses pedidos, em função do seu fundamento ‑ não podendo um e mesmo pedido/fundamento ser abrangido simultaneamente pelas duas categorias (85). Nesse âmbito, o juiz que aprecia o contrato é competente para conhecer dos pedidos que assentam em fundamentos extracontratuais. Nenhum desses juízes dispõe, aliás, de uma competência acessória para apreciar o que não faz parte da sua «matéria» (86).
62. Sublinho que não se trata de acolher, para efeitos do Regulamento Bruxelas I bis a qualificação dada às regras de direito material invocadas pelo demandante no direito nacional do qual emergem. Na fase da competência, a lei aplicável ainda não foi, de resto, determinada pelo juiz ao qual a ação foi submetida. Não é, portanto, certo que o pedido será decidido tendo em conta essas regras. As regras materiais invocadas como base de um pedido fornecem, no entanto, as indicações necessárias para identificar as características da «obrigação», na aceção autónoma do termo, que o demandante invoca. Como resulta do n.o 49 das presentes conclusões, é esta «obrigação» que, tendo em conta as suas características, deve, em conformidade com os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência, ser qualificada como «contratual» ou como «extracontratual» e que determina, assim, a regra de competência aplicável a esse pedido (87). Quando o demandante formula pedidos cumulativos assentes em regras de direito material de diferentes naturezas, invoca potencialmente estes dois tipos de «obrigações» (88), que são da competência de juízes distintos.
63. Em suma, a competência judiciária, ao abrigo do Regulamento Bruxelas I bis, para apreciar um pedido baseado em responsabilidade formulado entre partes contratantes é suscetível de variar em função das regras de direito material invocadas pelo demandante. Observo, aliás, que, no Acórdão Melzer (89), que dizia respeito a um pedido desse tipo, o Tribunal de Justiça seguiu essa abordagem. Nesse acórdão, limitou‑se a interpretar a regra de competência em «matéria extracontratual», como lhe pedia o órgão jurisdicional nacional, sem examinar a competência em «matéria contratual», invocada pelo demandado, pelo facto de a ação em causa se «fundar apenas no direito da responsabilidade extracontratual» (90).
64. Assim sendo, o Tribunal de Justiça reexaminou esta problemática no Acórdão Brogsitter. No processo que esteve na origem desse acórdão, um vendedor de relógios, com domicílio na Alemanha, tinha celebrado um contrato com um mestre relojoeiro, então domiciliado em França, com vista ao desenvolvimento de movimentos de relojoaria destinados a ser comercializados pelo primeiro. Paralelamente à sua atividade para o vendedor, o mestre relojoeiro desenvolveu outros movimentos de relojoaria que comercializara por conta própria. O vendedor, por considerar que essa atividade paralela violava uma obrigação de exclusividade decorrente desse contrato, demandou o seu cocontratante num órgão jurisdicional alemão. Nesse contexto, o vendedor pediu a cessação das atividades controvertidas e que lhe fosse concedida uma indemnização, formulando pedidos baseados, cumulativamente, na responsabilidade contratual e na responsabilidade extracontratual, mais precisamente, nas regras do direito alemão em matéria de concorrência desleal e responsabilidade por culpa. Hesitando em dividir o litígio em função dos fundamentos jurídicos invocados pelo demandante, o juiz nacional interrogou o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber que qualificação, na aceção do Regulamento Bruxelas I, havia que dar aos pedidos com fundamento extracontratual, tendo em conta o contrato que vinculava as partes.
65. Partindo do dictum do Acórdão Kalfelis, segundo o qual a «matéria extracontratual» abrange qualquer ação que tenha em vista desencadear a responsabilidade do réu e que não esteja relacionada com a «matéria contratual», o Tribunal de Justiça entendeu que, para associar os pedidos a uma ou outra dessas categorias, há que verificar «se estas revestem, independentemente da sua qualificação no direito nacional, natureza contratual» (91).
66. Segundo o Tribunal de Justiça, assim acontece «se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato». O Tribunal de Justiça esclareceu, a este respeito, que «[é] o caso, a priori, se a interpretação do contrato que vincula o demandado ao demandante for indispensável para estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, o caráter ilícito do comportamento censurado ao primeiro pelo segundo». Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional nacional «determinar se as ações intentadas [pelo demandante] têm por objeto um pedido de reparação cuja causa possa ser razoavelmente considerada uma violação dos direitos e das obrigações do contrato que vincula as partes […], o que se torna indispensável para decidir do recurso» (92).
67. O Acórdão Brogsitter traduz, em minha opinião, uma certa inflexão na perspetiva adotada no Acórdão Kalfelis. Com efeito, o Tribunal de Justiça parece ter mudado de método no que respeita à qualificação dos pedidos, para efeitos do Regulamento Bruxelas I bis. Não parece ter atendido às regras de direito material invocadas pelo demandante na sua petição e parece ter querido acolher uma qualificação mais objetiva dos factos.
68. Porém, o alcance exato do Acórdão Brogsitter é incerto. O raciocínio aberto e abstrato constante desse acórdão presta‑se, com efeito, a duas leituras.
69. Segundo uma primeira leitura do Acórdão Brogsitter, que qualificaria de «maximalista», o «critério» que resulta desse acórdão reside na afirmação segundo a qual um pedido é abrangido pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, «se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais». Esta afirmação deveria ser entendida no sentido de que um pedido que assente num fundamento extracontratual deveria ser associado a essa «matéria contratual», dado que diz respeito a um facto danoso que poderia (igualmente) consubstanciar um incumprimento de uma «obrigação contratual». Em concreto, tratar‑se‑ia, para o juiz que conhece da ação, de verificar se o demandante teria podido, por hipótese, formular o seu pedido com fundamento em violação das obrigações contratuais, o que implicaria examinar se existe, realmente, uma potencial correspondência entre o facto danoso alegado e o conteúdo dessas obrigações. Daqui decorreria que, em todas as situações em que um mesmo facto danoso possa ser constitutivo, simultaneamente, de um facto de natureza extracontratual e uma violação do contrato, a qualificação «contratual» primaria sobre a qualificação «extracontratual» para efeitos desse regulamento (93).
70. De acordo com uma segunda leitura do Acórdão Brogsitter, que eu qualificaria de «minimalista», o «critério» que resulta desse acórdão residiria, na realidade, na afirmação segundo a qual um pedido é abrangido pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, se «a interpretação do contrato que vincula o demandado ao demandante for indispensável para estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, o caráter ilícito do comportamento censurado ao primeiro pelo segundo». O Tribunal de Justiça pretendeu, assim, em minha opinião, qualificar de «contratuais» os pedidos formulados com base num fundamento extracontratual cuja procedência é apreciada à luz das obrigações contratuais que vinculam as partes em litígio (94).
71. Esta ambiguidade não foi resolvida pela jurisprudência subsequente do Tribunal de Justiça, que, no essencial, se limitou a repetir determinadas passagens do Acórdão Brogsitter sem fornecer mais explicações (95). Segundo entendo, é ao Tribunal de Justiça que cabe, portanto, no presente processo, clarificar a sua jurisprudência em matéria de potenciais concursos de responsabilidades. Com efeito, cabe‑lhe definir, nesta sede, critérios claros e previsíveis, suscetíveis de evitar qualquer incerteza jurídica para os pleiteantes.
72. Sublinho que os desafios que rodeiam o tratamento dos concursos potenciais de responsabilidades não são necessariamente os mesmos em direito material (96) e em direito internacional privado. Ora, a interpretação do artigo 7.o, ponto 1, e do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis no que respeita a esta questão deve, portanto, ser determinada unicamente à luz dos objetivos de segurança jurídica e de boa administração da justiça inerentes a esse regulamento (97).
73. Tendo em conta esses objetivos, sugiro ao Tribunal de Justiça que rejeite a leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter (subsecção 2). A meu ver, o Tribunal de Justiça deveria, em vez disso, adotar a interpretação «minimalista» desse acórdão, introduzindo‑lhe, porém, algumas precisões indispensáveis (subsecção 3).
2. Quanto à rejeição da leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter
74. À semelhança da Comissão, entendo que a leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter, além de ser dificilmente compatível com o Acórdão Kalfelis, não pode, de modo nenhum, ser acolhida.
75. Antes de mais, recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o objetivo de segurança jurídica prosseguido pelo Regulamento Bruxelas I bis exige que o juiz a quem foi submetido o processo possa facilmente pronunciar‑se sobre a sua própria competência, sem ser obrigado a proceder a um exame de mérito do processo (98).
76. Ora, o «critério» resultante da interpretação «maximalista» do Acórdão Brogsitter é, em minha opinião, contrário a esse imperativo de simplicidade. Exigir ao juiz a quem foi submetida a ação que determine se o facto danoso alegado com um fundamento jurídico extracontratual poderia (igualmente) constituir um incumprimento contratual equivaleria a obrigá‑lo a proceder a uma análise significativa do mérito do pedido na fase da apreciação da competência (99). Verificar, nessa fase, uma eventual correspondência entre esse facto danoso e o conteúdo das obrigações contratuais não seria tarefa fácil. Excluindo os (raros) casos em que as partes estão de acordo quanto à existência de um potencial concurso de responsabilidades (100), seria particularmente pesado para o juiz determinar o conteúdo dessas obrigações nessa fase.
77. Com efeito, como expliquei no n.o 53 das presentes conclusões, o domínio da responsabilidade contratual varia de um sistema jurídico para o outro. Em alguns ordenamentos jurídicos nacionais, as obrigações de segurança, consideradas como puros deveres legais extracontratuais, noutros integram‑se em diferentes contratos (101). O mesmo se verifica em relação à exigência de as convenções serem executadas de boa‑fé, que implica, por força de vários direitos nacionais, obrigações contratuais acessórias, mas que, uma vez mais, não se encontra noutros sistemas jurídicos. Concretamente, num certo número de casos, o juiz não poderá saber ou sequer imaginar que existe um concurso potencial de responsabilidades sem determinar a lei aplicável ao contrato em causa, que será a única que o poderá verdadeiramente informar das obrigações que daí decorrem (102). De resto, sucederá que, mesmo no contexto dessa lei, a extensão dessas obrigações não seja determinada com segurança. A previsibilidade das regras de competência corria o risco de se ressentir dessa complexidade (103). Abria aos pleiteantes um vasto terreno de discussão e deixava correlativamente ao juiz um amplo poder de apreciação, quando o Regulamento Bruxelas I bis visa atribuições de competência certas (104).
78. Em seguida, conforme a Wikingerhof e a Comissão referiram em resposta às perguntas do Tribunal de Justiça na audiência, nada justificaria, a meu ver, que a regra de competência em «matéria contratual», constante do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, prime sobre a regra de competência em «matéria extracontratual», constante do seu artigo 7.o, ponto 2.
79. Esse primado não se justificaria tendo em conta o sistema desse regulamento. Com efeito, conforme referiu o recorrente no processo principal, enquanto o referido regulamento estabelece uma relação de subsidiariedade entre alguns desses artigos (105), os foros contratual e extracontratual encontram‑se ao mesmo nível hierárquico. O legislador da União não parece ter pretendido excluir a possibilidade de, relativamente a um mesmo facto danoso, esses dois foros coexistirem em paralelo.
80. Esse primado também não se justificaria atento o objetivo de proximidade prosseguido pelo artigo 7.o, ponto 1, e pelo artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis. Com efeito, conforme a Wikingerhof e a Comissão referiram e também resulta dos n.os 40 e 46 das presentes conclusões, a proximidade concebe‑se por referência às principais questões suscitadas quanto ao mérito pelo pedido em questão. Neste quadro, um pedido baseado na violação de um dever imposto pela lei a todos e a qualquer um suscita principalmente questões de natureza extracontratual, e, em princípio, a sua natureza não se altera quando a ação decorre entre contratantes e a execução do contrato ocasionou essa violação.
81. Por último, a opção por uma interpretação «maximalista» do Acórdão Brogsitter geraria uma infeliz incoerência entre, por um lado, o artigo 7.o, ponto 1, e o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis e, por outro, os Regulamentos Roma I e Roma II. Com efeito, diversas disposições deste último regulamento (106) reconhecem, implicitamente mas necessariamente, que um mesmo facto danoso pode dizer simultaneamente respeito a uma «obrigação contratual», na aceção do Regulamento Roma I, e dar origem a uma «obrigação extracontratual», na aceção do Regulamento Roma II, sem que o primeiro regulamento prime sobre o segundo.
82. Se, pelo contrário, esta lógica de primado também vingasse no âmbito dos Regulamentos Roma I e Roma II, resultariam daí soluções que não podem ter sido desejadas pelo legislador da União. Por exemplo, este definiu, no artigo 6.o do Regulamento Roma II, regras para os conflitos de leis específicas aos atos de concorrência desleal e atos que restrinjam a concorrência. Os critérios de conexão previstos por este artigo — respetivamente, a lei do país em cujo território as relações de concorrência são afetadas ou passíveis de o ser e a lei do país em que o mercado é afetado ou suscetível de o ser — refletem um interesse público. Neste contexto, o referido artigo, no seu n.o 4, proíbe logicamente as partes de escolherem aplicar outra lei ao seu litígio (107). Ora, se uma ação de indemnização fundada num ato de concorrência desleal ou num ato que restrinja concorrência integrasse o âmbito do Regulamento Roma I — que prevê como principal critério de conexão, a lei da autonomia (108) — pelo facto de ser intentada entre partes contratantes e de o facto danoso poder (igualmente) consubstanciar um incumprimento contratual, esse mesmo artigo perderia boa parte do seu efeito útil (109).
83. Além disso, recordo que em «matéria contratual», no contexto do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, a competência é atribuída ao órgão jurisdicional do lugar onde a obrigação que serve de base ao pedido foi ou deva ser cumprida. Interrogo‑me, portanto, sobre a forma como essa regra deveria ser aplicada tratando‑se de um pedido que não é fundado numa «obrigação contratual» e que é abrangido por essa «matéria» pela simples razão de que teria hipoteticamente podido sê‑lo (110).
84. A minha convicção quanto à necessidade de rejeitar a leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter não é abalada pelo argumento, suscitado na doutrina (111), segundo o qual a solução que emerge dessa leitura asseguraria uma boa administração da justiça. A este propósito, ninguém contesta que essa solução tem a vantagem de concentrar no juiz que aprecia o contrato o conjunto dos litígios surgidos por ocasião da sua execução. Inversamente, fazer depender a competência judiciária do fundamento jurídico invocado ou dos fundamentos jurídicos invocados pelo demandante, seguindo a abordagem imposta pelo Acórdão Kalfelis, pode levar a uma divisão desses litígios, pois um mesmo facto danoso, apreendido sob o ângulo de fundamentos diferentes, pode ser da competência de juízes distintos.
85. Contudo, por um lado, a importância do problema descrito no número anterior deve ser relativizada. Com efeito, admitindo que o foro do contrato e o foro do facto danoso não coincidem na situação em questão (112), o demandante poderia sempre intentar a sua ação nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I bis, que serão então competentes para se pronunciar sobre a integralidade da ação (113). Por outro lado, o argumento relativo à boa administração da justiça serve ambos os lados. Embora a solução que resulta da leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter permitisse agrupar perante o juiz que aprecia o contrato os diferendos surgidos por ocasião da sua execução, essa solução seria, em contrapartida, suscetível de implicar a divisão do contencioso correspondente a um mesmo facto danoso: se, por exemplo, um facto danoso tivesse sido cometido conjuntamente por três pessoas e sucedesse que uma delas fosse o cocontratante da vítima, esta última corria o risco de não poder intentar uma ação única contra todos os coautores no foro do facto danoso, ao abrigo do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento (114).
86. A leitura «maximalista» do Acórdão Brogsitter também não encontra justificação em considerações relativas à luta contra o forum shopping. É certo que, fazer depender a competência judiciária, em caso de potencial concurso de responsabilidade, do fundamento jurídico material invocado ou dos fundamentos jurídicos materiais invocados pelo demandante permite esse forum shopping. Por um lado, este dispõe não só do foro do contrato, mas igualmente do foro do facto danoso, ou seja, potencialmente de dois foros suplementares (115). Por outro lado, pode, em certa medida, «escolher o seu juiz», formulando o seu pedido com fundamento nas regras adequadas (116).
87. No entanto, o facto de um demandante poder escolher entre diversos foros nada tem de inabitual no âmbito do Regulamento Bruxelas I bis. O próprio legislador da União permitiu um certo forum shopping ao prever opções de competência. Neste contexto, o facto de o demandante selecionar, de entre os foros disponíveis, aquele que melhor corresponde aos seus interesses, tendo em conta as vantagens processuais ou substantivas que o mesmo lhe oferece, não é em si criticável (117). O forum shopping só é problemático, do meu ponto de vista, quando degenera em abuso (118).
88. Ora, o risco de tal forum shopping abusivo é enquadrado pelo facto de, conforme a Wikingerhof sublinhou, as competências respetivas do juiz que aprecia o contrato e do juiz que aprecia o facto danoso estarem limitadas, em conformidade com o Acórdão Kalfelis, aos pedidos abrangidos pela respetiva «matéria». Além disso, como a Comissão alegou, eventuais abusos no modo como um demandante formulasse o seu pedido não deixariam de ter consequências para este último. Se este agisse no terreno extracontratual com o único objetivo de contornar o foro do contrato e se se verificasse que o direito aplicável (119) proíbe, à semelhança do direito francês e do direito belga, essa escolha, esse pedido seria julgado improcedente. Além disso, se um demandante formulasse um pedido extracontratual ou manifestamente mal fundamentado com um objetivo puramente dilatório, o seu comportamento poderia cair na alçada das regras em matéria de abuso de processo previstas pela lex fori.
89. De resto, recordo que é lícito às partes contratantes que desejem evitar qualquer possibilidade de forum shopping celebrar um pacto atributivo de jurisdição que confira, sendo caso disso, competência exclusiva a um órgão jurisdicional determinado, conforme previsto no artigo 25.o do Regulamento Bruxelas I bis. Com efeito, esse pacto, desde que válido e a sua formulação suficientemente abrangente, aplicar‑se‑á a todos os diferendos existentes ou que possam vir a existir no contexto da relação contratual existente, incluindo às ações em «matéria extracontratual» ligadas a essa relação (120).
3. Quanto à necessidade de precisar a leitura «minimalista» do Acórdão Brogsitter
90. Como resulta da subsecção anterior, a única leitura válida do Acórdão Brogsitter é, em meu entender, a «minimalista», evocada no n.o 70 das presentes conclusões. À semelhança da Comissão, entendo que essa leitura é conciliável com o Acórdão Kalfelis. Com efeito, contanto que se acolha a referida leitura, esses dois acórdãos assentam fundamentalmente na mesma lógica: a ligação à «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, ou à «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento, de um pedido baseado em responsabilidade formulado entre partes contratantes depende da obrigação «contratual» ou «extracontratual» que lhe serve de causa (121). Em caso de pedidos cumulativos baseados em «obrigações» distintas, cada um deve ser associado, individualmente, a uma ou a outra categoria.
91. Com efeito, não há razão para se afastar, no que respeita a tais pedidos, da abordagem resumida no n.o 49 das presentes conclusões. De um modo geral, o pedido submetido ao juiz define as questões que este deverá resolver e, por conseguinte, a natureza «contratual» ou «extracontratual» deste.
92. Os Acórdãos Kalfelis e Brogsitter, na realidade, divergem unicamente quanto ao método que permite identificar a «obrigação» que constitui a causa de um pedido. No primeiro acórdão, o Tribunal de Justiça baseou‑se nas regras de direito material invocadas pelo demandante na sua petição. No segundo, propôs um método de qualificação que pretendia ser mais objetivo, assente no caráter «indispensável» da «interpretação» ou da «tomada em consideração» de um contrato para «estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, ilícito do comportamento censurado» ao demandado pelo demandante (122). No entanto, a meu ver, esses métodos são conciliáveis, ou até complementares.
93. No entanto, estes métodos são conciliáveis ou até mesmo complementares.
94. Com efeito, para verificar a sua competência ao abrigo do artigo 7.o, ponto 1, ou do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis, é lógico que o juiz que conhece da ação atente prioritariamente às regras de direito material que o demandante invoca na sua petição. Como já expliquei no n.o 62 das presentes conclusões, essas regras fornecem um prisma de leitura dos factos e da «obrigação» que o demandante delas infere. Semelhante lógica, que consiste em examinar as regras de direito material que servem de base a um pedido a fim de determinar a sua qualificação encontra‑se, de resto, na jurisprudência relativa a outras disposições deste regulamento (123).
95. Concretamente, se o demandante invoca o estipulado num contrato e/ou regras de direito que são aplicáveis em razão desse contrato, como as relativas ao efeito obrigatório das convenções e à responsabilidade do devedor pelo não cumprimento das suas obrigações contratuais (124), conclui‑se daí que o pedido se baseia numa «obrigação contratual», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em contrapartida, se invoca regras de direito que impõem um dever a todos e a qualquer um independentemente de qualquer compromisso voluntário, o pedido assenta numa «obrigação extracontratual» na aceção dessa jurisprudência.
96. Na hipótese de o demandante não invocar regras de direito material na sua petição (125), o método não se altera fundamentalmente. Com efeito, como já referi, essas regras não são, em si mesmas, objeto da qualificação. da «obrigação» que o demandante delas infere. Concretamente, se a petição não referir regras de direito material, o juiz deve extrair dos outros elementos desta — como, da exposição dos factos ou dos pedidos — a «obrigação» que o demandante invoca.
97. Neste contexto, o «critério» resultante do Acórdão Brogsitter pode permitir ao juiz, em caso de dúvida, identificar a obrigação que serve de fundamento ao pedido mudando de perspetiva. Se a «interpretação» ou a «tomada em consideração» de um contrato (ou de outra forma de compromisso voluntário) se afigurar «indispensável» para «estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, o caráter ilícito do comportamento censurado» ao demandado pelo demandante, infere‑se daí que o pedido se baseia na violação de uma «obrigação contratual»: o comportamento censurado nesse pedido é ilícito e desencadeia a responsabilidade do demandado na medida em que este infringe essa «obrigação», o que depende do estipulado no contrato em questão e no direito que lhe é aplicável. Em contrapartida, se o pedido assentar em violação de um dever imposto pela lei a todos e a qualquer um não é necessário «interpretar» ou «ter em consideração» o contrato para determinar que o comportamento censurado nesse pedido é ilícito, uma vez que esse dever existe independentemente desse contrato: a ilicitude desse comportamento dependerá da regra ou das regras jurídicas que esse dever imponha (126).
98. Conforme alegado pela Comissão, o Acórdão Brogsitter permite, assim, ao juiz determinar a qualificação «contratual» ou «extracontratual» de um pedido em função do ponto de referência a que deverá atender para apreciar a licitude do comportamento que o demandante censura ao demandado, consoante se trate de um contrato — e do direito que lhe é aplicável — ou de regras jurídicas que imponham um dever a todos e a qualquer um independentemente desse contrato. Em meu entender, o método resultante do Acórdão Kalfelis e o método resultante do Acórdão Brogsitter, desde que interpretados dessa forma, conduzirão, na maioria dos casos, ao mesmo resultado, uma vez que o comportamento em questão e o ponto de referência para apreciar a legalidade deste dependem, em princípio, do que é invocado pelo demandante no seu pedido.
99. Porém, o Acórdão Brogsitter pode constituir um meio de correção para os casos particulares em que um demandante invoca regras jurídicas consideradas como sendo de natureza extracontratual em direito nacional que impõem o respeito de compromissos contratuais e cuja inobservância pressupõe, assim, a violação de um contrato. Concretamente, refiro‑me às hipóteses em que a violação de uma «obrigação contratual» é apresentada em si como um facto danoso (127). Nestas hipóteses, pronunciar‑se sobre o pedido implica, no essencial, «interpretar» e «tomar em consideração» o contrato em causa a fim de demonstrar essa violação e, em consequência, a existência do facto danoso alegado. Tal pedido suscita, portanto, na realidade principalmente questões contratuais. Por conseguinte, há que considerar que esse pedido se funda, em substância, na violação de uma «obrigação contratual» uma vez que a «obrigação extracontratual» invocada pelo demandante não tem existência autónoma.
100. Em suma, quando o demandante invoca, na sua petição, regras de direito material que imponham um dever a todos e a qualquer um e que não se afigura «indispensável» estabelecer o conteúdo de um contrato para apreciar o caráter lícito ou ilícito do comportamento censurado ao demandante, o pedido baseia‑se numa «obrigação extracontratual» e é abrangido, portanto, pela «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis (128).
101. Em contrapartida, quando, independentemente das regras jurídicas invocadas, o juiz só pode apreciar a legalidade do comportamento por referência a um contrato, o pedido baseia‑se, em substância, numa «obrigação contratual» e é, portanto, abrangido pela «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, deste regulamento.
102. Impõem‑se, porém, duas precisões. Em primeiro lugar, observo que o Acórdão Brogsitter, considerado em termos literais, poderia indicar que não deveria proceder‑se à «interpretação» ou à «tomada em consideração» de um contrato em nenhuma fase do exame do facto danoso para que um pedido de responsabilidade seja abrangido pela «matéria extracontratual».
103. A este respeito, pode igualmente suceder que, no contexto de um pedido em matéria de responsabilidade extracontratual, seja igualmente suscitada uma questão prévia ou um incidente de ordem extracontratual. Conforme precisarei no n.o 123 das presentes conclusões, é esse o caso do presente processo. Com efeito, é necessário, no presente caso, interpretar previamente o contrato que vincula a Wikingerhof à Booking.com a fim de apurar a materialidade de certos factos censurados pela primeira à segunda à luz do direito da concorrência (129).
104. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeito do Regulamento Bruxelas I bis, um pedido deve ser qualificado tendo em conta a questão principal de direito que aí é suscitada. A existência de uma simples questão prévia ou de um incidente de ordem contratual sobre a qual o juiz se deve pronunciar para conhecer desse pedido não pode determinar a qualificação deste (130). Caso contrário, isso equivaleria a atribuir competência ao foro do contrato para conhecer de um pedido que, no essencial, não levanta questões de ordem contratual e que, portanto, não apresenta uma conexão particularmente estreita com esse foro. Esse resultado seria contrário ao princípio de proximidade e, nessa medida, ao de uma boa administração da justiça (131). O Acórdão Brogsitter não pode, portanto, ser interpretado em sentido contrário.
105. Em segundo lugar, não resulta claramente do Acórdão Brogsitter se o caráter «indispensável» da interpretação do contrato ou da tomada em consideração do contrato, para efeitos de se determinar se um pedido de indemnização é abrangido pela «matéria contratual» ou pela «matéria extracontratual» é apreciado unicamente tendo em conta o referido pedido, tal como formulado pelo demandante, ou igualmente tendo em conta um eventual meio de defesa suscitado pelo demandado no órgão jurisdicional no qual foi submetido a fim de se lhe opor.
106. Estou a pensar, por exemplo, na situação em que um demandante intenta uma ação de responsabilidade extracontratual por violação de um direito de autor, à qual o demandante opõe a existência de um contrato de licença entre as partes. Como o crime de contrafação pressupõe que um terceiro utilize uma obra protegida pelos direitos exclusivos que a lei reconhece ao seu titular, sem autorização prévia deste (132), o juiz deveria, para se pronunciar sobre essa ação, interpretar o contrato a fim de determinar se o contrato autorizava ou não a utilização censurada da obra. Pode ainda ser evocado o exemplo de um pedido por responsabilidade extracontratual, formulado pela vítima de uma ofensa corporal, que se verificou por ocasião da utilização de um equipamento desportivo, contra o locador desse equipamento, ao qual o este último opõe uma cláusula do contrato de locação que tem por objeto isentá‑lo total ou parcialmente da sua responsabilidade no que respeita a essa ofensa.
107. Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, na fase da verificação da sua competência, o órgão jurisdicional demandado deve não apreciar a admissibilidade ou a procedência do pedido, mas limitar‑se a identificar os elementos de ligação ao Estado do foro que justifiquem a sua competência ao abrigo de uma disposição do Regulamento Bruxelas I bis. Para esse efeito, esse órgão jurisdicional pode dar como assentes as alegações pertinentes do demandante (133). Por outras palavras, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se deve determinar a sua competência tendo em conta o pedido formulado pelo demandante, sendo os fundamentos de defesa suscitados pelo demandado irrelevantes a este respeito (134).
108. Em conformidade com esta lógica, o Tribunal de Justiça sublinhou que um juiz que conhece de uma ação em execução de um contrato é competente ao abrigo do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, mesmo quando o demandado suscita, como meio de defesa, a inexistência (ou a nulidade) desse contrato (135). Por analogia, um órgão jurisdicional que conhece de um pedido baseado numa «obrigação extracontratual» não pode considerar que esse pedido está abrangido pela «matéria contratual» apenas porque o demandado alegou, como meio de defesa, a existência de um contrato entre as partes. Também neste caso, o Acórdão Brogsitter não pode ser interpretado em sentido contrário. A questão de uma eventual justificação ou isenção contratual pelas condutas censuradas constitui, mais uma vez, uma simples questão incidental no âmbito da apreciação do delito.
109. Esta interpretação garante, em meu entender, a segurança jurídica, porquanto permite ao órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se verificar a sua competência ab initio, tendo em conta o pedido, sem ser obrigado a proceder a uma análise aprofundada quanto ao mérito, e independentemente da questão de saber se o demandado é parte no processo (136). Inversamente, seria contrário ao princípio da segurança jurídica e ao objetivo de um elevado grau de previsibilidade das regras em matéria de competência fazer depender a aplicabilidade do artigo 7.o, ponto 1, e do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis desse meio de defesa, que pode ser suscitado tardiamente pelo demandado (137). Por outro lado, isso implicaria que seria suficiente este último invocar a existência de um contrato que o vincula ao demandante para excluir a regra de competência em «matéria extracontratual» prevista no referido artigo 7.o, ponto 2 (138).
110. A referida interpretação parece‑me ser corroborada pelo Acórdão Hi Hotel HCF (139). No processo que deu origem a esse acórdão, proferido pouco tempo depois do Acórdão Brogsitter, um demandante tinha intentado num órgão jurisdicional em conformidade com o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis uma ação de responsabilidade extracontratual baseada em violação dos direitos de autor. O demandado opôs a essa ação um contrato anteriormente celebrado entre as partes, que previa, segundo afirmou, uma cessão em seu favor dos direitos em questão e contestava, por essa razão, a existência do delito e a pertinência dessa disposição. Ora, o Tribunal de Justiça recordou, em substância, que o órgão jurisdicional demandado devia determinar a sua competência tendo em conta o pedido de natureza extracontratual formulado pelo demandante independentemente do meio de defesa de ordem contratual deduzido pelo demandado (140).
111. Dois aspetos devem ser ainda examinados antes de concluir a presente secção. Em primeiro lugar, como a Comissão alegou na audiência, a qualificação de um pedido não é feita do mesmo modo quando as partes estão vinculadas por um contrato de seguro, de consumo ou de trabalho. Com efeito, contrariamente às regras em matéria de competências especiais constantes do artigo 7.o do Regulamento Bruxelas I bis (141), as secções 3, 4 e 5 do capítulo II deste regulamento, relativas aos pedidos, respetivamente, «em matéria de seguros», «em matéria de contratos de consumo» e «em matéria de contratos individuais de trabalho», prosseguem um objetivo de proteção da parte mais fraca no contrato — segurado, consumidor ou trabalhador — (142) e têm caráter imperativo. Trata‑se, portanto, de evitar que a outra parte no contrato possa contornar essas secções baseando o seu pedido em responsabilidade extracontratual. Além disso, as referidas secções não prosseguem, enquanto tal, um objetivo de proximidade e a identificação de uma obrigação contratual na qual se baseia o pedido em questão não é necessária à aplicação dos critérios de competência nelas previstos. Por conseguinte, todos os pedidos, formulados entre as partes nos referidos contratos, que digam respeito a diferendos que tenham surgido por ocasião da sua execução são, em princípio, abrangidos por essas mesmas secções, pouco importando a causa desses pedidos (143).
112. Em segundo lugar, uma parte da doutrina (144) sugere que seja reconhecida ao juiz do contrato, ao abrigo do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, competência acessória para conhecer dos pedidos «matéria extracontratual» em estreita conexão com pedidos em «matéria extracontratual», em especial nos litígios que implicam um concurso potencial de responsabilidades. Trata‑se, portanto, de saber se há que tornar preciso, sobre este aspeto, o Acórdão Kalfelis.
113. Sublinho que esta questão difere da questão da qualificação discutida nos números anteriores das presentes conclusões. Com efeito, um pedido, quando é baseado num fundamento considerado em direito nacional como sendo em matéria extracontratual, que deva ser qualificado como sendo em «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, em aplicação do Acórdão Brogsitter, não pode, por força dessa qualificação, ser apresentado ao juiz do delito, ao abrigo do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento. Em contrapartida, admitir a competência do juiz do contrato para apreciar pedidos em «matéria extracontratual», na acessão autónoma do termo, que são acessórios de pedidos em «matéria contratual», não obsta a que o demandante apresente os primeiros a esse mesmo juiz do delito. Simplesmente, dispõe igualmente da opção de apresentar o todo ao juiz do contrato.
114. É verdade que o princípio segundo o qual o acessório segue o principal não é completamente alheio à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao Regulamento Bruxelas I bis (145). Além disso, reconhecer essa competência acessória apresentaria vantagens em termos de boa administração da justiça, porquanto permitiria, em particular, uma certa economia processual.
115. Contudo, segundo entendo, acontece que, na sua atual redação, o Regulamento Bruxelas I bis não permite uma tal interpretação. Com efeito, recordo que as regras de competências especiais previstas neste Regulamento Bruxelas I bis dependem da «matéria» em litígio. O artigo 7.o, ponto 1, e o artigo 7.o, ponto 2, do referido regulamento estabelecem uma distinção clara entre os pedidos de natureza «contratual» e os pedidos de natureza «extracontratual». Não é, portanto, possível ligar a esse artigo 7.o, ponto 1, pedidos abrangidos pela segunda categoria sem violar esse sistema e sem alargar o âmbito de aplicação última disposição — que deve, quero recordar, ser interpretada de forma estrita — para lá do que exige o seu objetivo, que é garantir que as questões contratuais possam ser apreciadas, à escolha do demandante, pelo juiz mais próximo da obrigação contratual controvertida (146). Caberia ao legislador da União prever uma tal competência subsidiária, quer modificando para o efeito o referido artigo 7.o, ponto 1, quer transformando a regra de conexão constante do artigo 30.o do Regulamento Bruxelas I bis num critério de competência (147). Entretanto, conforme referi no n.o 85 das presentes conclusões, um demandante que queira fazer alguma economia processual dispõe da opção de submeter todos os pedidos aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento.
C. A qualificação das ações de indemnização, intentadas entre partes contratantes e baseadas numa infração às regras do direito da concorrência
116. À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, conforme clarificada nas duas secções anteriores das presentes conclusões, a qualificação de uma ação de responsabilidade civil, conforme intentada no presente caso pela Wikingerhof contra a Booking.com, levanta poucas dúvidas, em minha opinião.
117. Recordo que o facto de essas duas sociedades estarem vinculadas por um contrato não pode ser suficiente para se considerar que esse pedido é abrangido pela «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis. A questão de saber se o recorrente no processo principal teria podido, por hipótese, invocar uma violação desse contrato (148), também não é determinante a este respeito.
118. Com efeito, como referi ao longo destas conclusões, a conexão de um pedido à «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, ou à «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento, depende da sua causa, isto é, da obrigação em que esse pedido é (efetivamente) fundado.
119. No presente caso, a Wikingerhof invocou, na sua petição, as regras alemãs do direito da concorrência. Essas regras visam proteger o mercado e impõem, para esse fim, deveres a toda e qualquer empresa. Independentemente da questão de saber se o direito alemão é efetivamente aplicável à ação em causa no processo principal, o que não é determinado na fase do exame da competência (149), a invocação das regras em questão indica que a referida sociedade invoca a pretensa violação, pela Booking.com, de um dever imposto pela lei, independentemente de um contrato ou de outro compromisso voluntário. Essa ação baseia‑se, portanto, numa «obrigação extracontratual», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento Bruxelas I bis (150).
120. A natureza «extracontratual» desta obrigação é confirmada, como acertadamente sublinharam a Wikingerhof e a Comissão, pelo Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (151). Nesse acórdão, que dizia respeito, recordo‑o, a pedidos de reparação apresentados, com fundamento nas regras do direito da concorrência, pelos adquirentes (152) de um produto químico contra as empresas fabricantes desse produto, uma vez que estas últimas tinham participado num cartel anticoncorrencial no âmbito do qual tinham, designadamente, fixado os preços do produto em causa, o Tribunal de Justiça entendeu que, embora os adquirentes se tivessem efetivamente abastecido no âmbito de relações contratuais com diversos participantes no referido cartel, «o facto gerador do dano alegado não [residia] numa eventual infração às obrigações contratuais, mas na limitação da liberdade contratual resultante deste cartel, limitação que implica a impossibilidade de o comprador se fornecer a um preço determinado segundo as leis do mercado» (153).
121. De modo semelhante, no caso concreto, a Wikingherhof alega, não uma violação do contrato que a vincula à Booking.com, mas o facto de a segunda explorar de modo abusivo a sua posição dominante ao impor à primeira condições de transação não equitativas, designadamente através das condições gerais por ela aplicada no âmbito da sua relação.
122. Além disso, como a Comissão sublinha, a fim de «estabelecer o caráter lícito ou, pelo contrário, ilícito do comportamento censurado», não se afigura «indispensável» interpretar o contrato que vincula as partes no processo principal, na aceção do Acórdão Brogsitter, e isso ainda que as pretensas condutas anticoncorrenciais alegadas se materializem n sua relação contratual (154).
123. É certo que, uma vez que as diferentes práticas que a Wikingerhof censura à Booking.com (155) se inscrevem no âmbito da sua relação contratual, será necessário determinar o conteúdo exato dos seus compromissos a fim de estabelecer a materialidade dessas práticas. Observo, a este respeito, que a Wikingerhof alega, designadamente, que, quando a Booking.com apresenta os preços para o seu hotel como sendo os mais favoráveis, não existe base contratual válida. Não estando as partes de acordo quanto a este aspeto (156), o juiz terá de interpretar as condições gerais da Booking.com a fim de determinar o seu teor, o que constituirá inegavelmente uma questão de direito dos contratos, abrangida lex contractus.
124. Todavia, trata‑se de uma simples questão prévia que, enquanto tal, não pode arrogar‑se a qualificação do pedido. Uma vez decidida esta questão prévia e estabelecida a materialidade do comportamento censurado pela Wikingerhof à Booking.com, o juiz deverá decidir a questão principal da licitude desse comportamento, que determina o princípio e a extensão do direito à reparação (157).
125. Ora, o ponto de referência para apreciar a licitude do referido comportamento é, não o contrato ou as condições gerais e o direito que lhes são aplicáveis, mas, repito‑o, o direito da concorrência. A questão principal de saber se as práticas adotadas pela Booking.com acionam a sua responsabilidade depende dos critérios da proibição dos abusos de posição dominante, conforme previstos por estas últimas regras.
126. Como indica o órgão jurisdicional de reenvio e como a Wikingerhof e a Comissão alegaram, a questão de saber se a Booking.com cometeu um abuso de posição dominante na aceção das referidas regras do direito da concorrência subdivide‑se em várias subquestões, a saber, em substância, em primeiro lugar, qual é a delimitação do mercado relevante, em segundo lugar, quais são as relações de poder entre as empresas nesse mercado, a fim de saber se a Booking.com nele detinha uma posição dominante, bem como, em terceiro lugar, quais são os efeitos das práticas censuradas a esta sociedade nesse mercado, a fim de determinar se essa sociedade abusa dessa eventual posição.
127. Ora, trata‑se de puras questões de direito da concorrência, que devem ser resolvidas atendendo às regras nacionais designadas pelo artigo 6.o, n.o 3, do regulamento Roma II.
128. O contrato é ainda menos determinante para conhecer do caráter lícito ou ilícito do comportamento censurado pela Wikingerhof porquanto, como a Comissão sublinha, esse contrato nem sequer chega a constituir, a este respeito, um meio de defesa para a Booking.com (158). Com efeito, contrariamente à hipótese de uma ação por contrafação à qual o demandado opõe um contrato de licença, evocado no n.o 106 das presentes conclusões, as práticas contestadas, admitindo que ilícitas, não passariam a ser lícitas por estarem parcialmente ou totalmente cobertas pelas cláusulas do contrato ou das condições gerais que lhes são aplicáveis, pois um contrato não pode «autorizar» um comportamento contrário ao direito da concorrência.
129. Tendo em conta o que precede, entendo que uma ação como a intentada pela Wikingherhof está abrangida pela «matéria extracontratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis.
130. Como a Wikingerhof e a Comissão sublinharam, essa interpretação está em conformidade com o objetivo de proximidade prosseguido pelo artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis. Com efeito, o juiz do delito é o mais apto a pronunciar‑se sobre as questões principais suscitadas no âmbito de semelhante ação, designadamente em termos de recolha e avaliação dos elementos de prova correspondentes — quer se trate do mercado relevante, das relações de poder nesse mercado ou dos efeitos das práticas contestadas sobre o referido mercado (159).
131. Além disso, a referida interpretação garante a coerência entre o âmbito de aplicação material do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento Bruxelas I bis e o do artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento Roma II.
132. A interpretação sugerida nas presentes conclusões não é posta em causa com o argumento da Booking.com e do Governo checo segundo o qual uma ação como a intentada pela Wikingerhof é abrangida pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, porquanto, ao pedir a cessação de pretensas condutas anticoncorrenciais, a Wikingerhof pretendia, na verdade, obter uma alteração em seu favor, das condições gerais da Booking.com e, desse modo, novos direitos contratuais.
133. Com efeito, como o que a Wikingerhof pretende, com a sua ação, não é romper a sua relação contratual com a Booking.com, mas garantir que esta perdure no respeito do direito da concorrência, a Booking.com fatalmente deverá, admitindo que essa ação é procedente, adaptar o seu comportamento no que respeita à recorrente no processo principal, incluindo as condições gerais que aplica no âmbito dessa relação, de acordo com os limites impostos pelo referido direito. A este propósito, não é raro, tanto quanto é do meu conhecimento, que a cessação de um abuso de posição dominante acarrete novos direitos para o demandante, por exemplo quando o abuso consiste numa recusa de venda ou na fixação de preços abusivos. No primeiro caso, fazer cessar o abuso implicará, concretamente, forçar a empresa em posição dominante a contratar com o demandante e, no segundo caso — simplificando um pouco — a baixar os seus preços de modo favorável ao demandante.
134. Esta interpretação também não é posta em causa pelo argumento da Booking.com segundo o qual o pedido da Wikingerhof se destinava a obter a nulidade parcial do contrato que vinculava estas duas sociedades, uma vez que implicava verificar se determinadas cláusulas das condições gerais da primeira são contrárias ao direito da concorrência e, consequentemente, nulas. É certo que uma ação de declaração de nulidade de um contrato se inclui no âmbito do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis (160). Todavia, como a Wikingerhof alegou na audiência, em resposta a uma pergunta do Tribunal de Justiça, esta sociedade não visa, através do seu pedido, obter a nulidade do contrato que a vincula à Booking.com, com fundamento em regras do direito dos contratos relativas às condições da sua formação.
135. Neste contexto, a ilegalidade do estipulado nas condições gerais em questão constitui, quando muito, uma consequência indireta desse pedido (161).
136. A referida interpretação também não é posta em causa pelo argumento da Booking.com segundo o qual o pedido da Wikingerhof está abrangido pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, pelo facto de esta última ter «livremente consentido», na aceção da jurisprudência relativa a esta disposição, nas condições gerais da Booking.com., e isto mesmo admitindo que esta sociedade se encontra em posição dominante.
137. O argumento da Booking.com seria, em meu entender, procedente se o contexto processual fosse inverso. Com efeito, se essa sociedade tivesse intentado num órgão jurisdicional uma ação para execução das obrigações decorrentes das suas condições gerais e a Wikingerhof tivesse alegado, como meio de defesa, que não tinha «livremente consentido» nessas condições gerais, cuja imposição caracteriza, da parte da Boking.com, um abuso de exploração, incompatível com o direito da concorrência, essa ação seria abrangida pela «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis (162). Com efeito, como referi, essa qualificação depende do pedido formulado pelo demandante, e não dos fundamentos de defesa suscitados pelo demandado.
138. Todavia, no presente caso, a Wikingerhof invoca, enquanto demandante, uma «obrigação extracontratual» resultante da pretensa violação das regras do direito da concorrência. Nesse contexto processual, o órgão jurisdicional demandado deve, para determinar a sua competência, considerar as alegações da Wikingerhof assentes, mesmo o facto de ter sido constrangida a subscrever as condições gerais controvertidas devido à posição dominante da Booking.com. Esta sociedade não podia, portanto, alterar a qualificação da ação da recorrente no processo principal alegando, em sua defesa, que existem entre as partes «obrigações livremente consentidas», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
139. Por último, a interpretação sugerida nas presentes conclusões não é posta em causa pelo Acórdão Apple Sales International e o. (163), no qual o Tribunal de Justiça considerou que um pacto atributivo de jurisdição, na aceção do artigo 25.o do Regulamento Bruxelas I bis, incluído num contrato que vincula um distribuidor ao seu fornecedor, pode ser aplicado a uma ação de reparação intentada pelo primeiro contra o segundo com base no artigo 102.o TFUE, quando o abuso de posição dominante alegado se materializa, como no presente caso, nas suas relações contratuais (164).
140. Com efeito, como referi no n.o 89 das presentes conclusões, um pacto atributivo de jurisdição pode, em função da sua formulação, dizer respeito a todos os litígios que tenham surgido ou que possam surgir por ocasião de uma relação jurídica determinada (165). Esse «critério» exige nem mais nem menos unicamente um nexo (suficientemente direto) entre o contrato em questão e o pedido em questão. A causa deste não é determinante neste contexto. Este pacto pode, portanto, aplicar‑se tanto em relação a pedidos em «matéria contratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento Bruxelas I bis, como a pedidos em «matéria extracontratual», na aceção do artigo 7.o, ponto 2, desse regulamento, desde que esse vínculo exista (166). Por conseguinte, a interpretação segundo a qual uma ação de responsabilidade civil como a intentada pela Wikingerhof contra a Booking.com é abrangida pela «matéria extracontratual», é plenamente compatível com o Acórdão Apple Sales International e o. (167).
V. Conclusão
141. Atento o conjunto das considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à questão colocada pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) nos seguintes termos:
O artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação de responsabilidade civil, baseada na violação das regras do direito da concorrência, é abrangida pela «matéria extracontratual» na aceção dessa disposição, inclusive quando o demandante e o demandado são partes no mesmo contrato e os alegados comportamentos anticoncorrenciais que o primeiro imputa ao segundo se materializam na sua relação contratual.