Language of document : ECLI:EU:T:2020:609

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

16 de dezembro de 2020 (*)

«Função pública — Funcionários — Reembolso de despesas médicas — Limite de reembolso para os aparelhos para apneia do sono — Recurso de anulação — Inexistência de ato meramente confirmativo — Interesse em agir — Admissibilidade — Regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários — Disposições gerais de execução»

No processo T‑736/19,

HA, representada por S. Kreicher, advogada,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Bohr, A.‑C. Simon e M. Brauhoff, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 270.o TFUE e destinado a obter a anulação da decisão da Comissão que fixa um limite de reembolso de 3 100 euros para o aluguer de um aparelho médico durante o período compreendido entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2024,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise e P. Nihoul, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 72.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na versão aplicável ao litígio (a seguir «Estatuto»), dispõe:

«1.      Até ao limite de 80 % das despesas efetuadas e com base numa regulamentação estabelecida de comum acordo pelas entidades competentes para proceder a nomeações das instituições da União, após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário, o seu cônjuge, quando este não puder beneficiar de prestações da mesma natureza e do mesmo nível em aplicação de quaisquer outras disposições legais ou regulamentares, os seus filhos e as outras pessoas a seu cargo na aceção do artigo 2.o do anexo VII, são cobertos contra os riscos de doença. […]

2.      O funcionário que permaneça ao serviço da União até à idade de aposentação ou que seja titular de um subsídio de invalidez beneficia, após cessação das suas funções, do disposto no n.o 1. […]»

2        Nos termos do artigo 20.o da Regulamentação comum relativa à cobertura dos riscos de doença dos funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Regulamentação comum»), sob a epígrafe «Regras gerais de reembolso»:

«1.      No intuito de salvaguardar o equilíbrio financeiro do Regime Comum de Seguro de Doença e observando o princípio de cobertura social que inspira o artigo 72.o do Estatuto, as disposições gerais de execução podem fixar limites de reembolso de determinadas prestações.

[…]

2.      Quanto às prestações relativamente às quais não é fixado qualquer limite de reembolso, a parte das despesas considerada excessiva, tendo em conta os custos normais no país em que as despesas foram declaradas, não é reembolsada. A parte das despesas considerada excessiva é determinada casuisticamente pelo Serviço de Liquidação, após parecer do médico assessor.

[…]»

3        O artigo 35.o, n.o 2, da Regulamentação comum dispõe:

«Antes de tomar qualquer decisão sobre uma reclamação apresentada com base no artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, a entidade competente para proceder a nomeações ou, conforme o caso, o Conselho de Administração deve solicitar o parecer do Comité de Gestão.

[…]»

4        O artigo 52.o da Regulamentação comum, sob a epígrafe «Estabelecimento e atualização das regras que regulam o reembolso de despesas», dispõe:

«1.      Nos termos do artigo 72.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Estatuto, as instituições delegam na Comissão a competência para estabelecer, mediante disposições gerais de execução, as regras que regulam o reembolso de despesas, a fim de salvaguardar o equilíbrio financeiro do regime, observando o princípio de cobertura social que inspira o artigo 72.o, n.o 1, do Estatuto.

2.      As disposições gerais de execução são estabelecidas depois de obtido o parecer do Comité de Gestão e consultado o Comité do Estatuto.»

5        Na parte «Definições gerais» da Decisão da Comissão Europeia de 2 de julho de 2007 que estabelece disposições gerais de execução relativas ao reembolso das despesas médicas (a seguir «DGE»), refere‑se o seguinte:

«[…]

Para serem reembolsadas, certas prestações definidas por estas DGE estão sujeitas a autorização prévia, ou seja, a um procedimento necessário para o reembolso. O pedido de autorização prévia deve ser apresentado pela pessoa inscrita ao Serviço de Liquidação antes do início do tratamento ou das prestações, exceto em caso de emergência, no formulário previsto para o efeito e acompanhado de uma receita médica detalhada ou mesmo, dependendo das prestações, de um relatório médico completo. A decisão sobre o pedido é tomada após parecer do médico assessor que se pronuncia sobre a coerência médica da prestação.

[…]

Nos termos do artigo 20.o da Regulamentação comum, quando não é fixado qualquer limite de reembolso, incluindo em caso de doença grave, a parte das despesas que exceda sensivelmente os preços normais praticados no país onde as prestações foram efetuadas, pode ser excluída do reembolso.

A parte das despesas considerada excessiva é determinada casuisticamente pelo Serviço de Liquidação, após parecer do médico assessor. O médico assessor pronuncia‑se sobre a natureza exata da prestação médica para permitir ao Serviço de Liquidação uma comparação entre os preços praticados.

[…]»

6        O título II das DGE, sob a epígrafe «Regras de reembolso», inclui um capítulo 11, sob a epígrafe «Próteses, aparelhos ortopédicos e outro material médico», que inclui, ele próprio, um ponto 3, sob a epígrafe «Aparelhos ortopédicos, ligaduras e outros materiais médicos». No referido ponto 3, prevê‑se o seguinte:

«3.1.      As despesas de aquisição, aluguer ou reparação dos equipamentos ou materiais constantes da tabela do anexo II são reembolsadas em 85 % ou em 100 % em caso de doença grave, nos limites das condições fixadas para cada um deles e mencionadas na tabela.

[…]

3.4.      É necessária uma autorização prévia para o aluguer de aparelhos ou de material ortopédico que exceda um período de utilização igual ou superior a três meses consecutivos.

[…]»

7        O anexo II das DGE tem a epígrafe «Aparelhos ortopédicos, ligaduras e outro material médico reembolsados a 85 % ou a 100 % em caso de doença grave reconhecida». Consiste num quadro que é reproduzido a seguir:

Produtos

PM: prescrição médica

AP: autorização prévia (relatório médico detalhado e parecer exigidos)

Duração/prazo

Taxa de reembolso normal

Montante máximo reembolsável em 85 % (EUR)

Montante máximo reembolsável em 100 % (EUR)

Observações

Material relacionado com o estado de dependência

1

Compressas, ligaduras elásticas […]

PM

NÃO


85 %






Par de meias para varizes

PM

NÃO


85 %



3 pares por ano


2

Compra ou alteração de palmilhas ortopédicas (por palmilha)

PM

NÃO


85 %

65

65

4 peças por ano



Reparação de palmilhas

Não reembolsável


0 %





3

Muletas e bengalas










Compra

PM

Requisitos relativos às emissões secundárias, ponto 8.6


85 %






Aluguer

PM

NÃO


85 %






Reparação

Não reembolsável






4

Próteses mamárias externas

PM

NÃO


85 %



2 peças para cada lado por ano



Sutiãs ou fatos de banho adaptados às próteses

Não reembolsável


0 %





5

Cadeiras de rodas simples de propulsão manual









Compra

PM

AP

5 anos

85 %

650





Aluguer < 3 meses

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP

5 anos

85 %

650





Reparação

AP


85 %






Manutenção (pneus, etc.)

Não reembolsável


0 %





6

Andarilhos 2 rodas e assentos









Aquisição

PM

AP


85 %

140

140

1 acordo não renovável



Aluguer < 3 meses

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %






Reparações

Não reembolsável


0 %





7

Cadeira adaptada, cadeira de chuveiro (ao domicílio)









Compra

PM

AP


85 %

100

100

1 acordo não renovável



Aluguer < 3 meses

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %






Reparações

Não reembolsável


0 %





8

Cama de tipo hospital (ao domicílio)









Compra

PM

AP


85 %

1 000

1 000

1 acordo não renovável



Aluguer < 3 meses

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %






Reparação ou utilização em instituição clínica

Não reembolsável


0 %





9

Colchões anti escaras, incluindo compressor









Aquisição

PM

AP

3 anos

85 %

500

500




Aluguer < 3 meses

PM

Requisitos relativos às emissões secundárias, ponto 8.6


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %





10

Aparelho para apneias do sono (CPAP), incluindo humidificador










Compra

PM

AP

5 anos

85 %

1 700

1 700




Aluguer < 3 meses

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %






Acessórios e manutenção CPAP após um ano de compra

PM

AP

1 ano

85 %

350




11

Medidor de tensão

PM

AP

5 anos

85 %

125

125




Reparação

Não reembolsável


0 %





12

Aerossol










Compra

PM

AP

5 anos

85 %

125

125




Aluguer

PM

NÃO


85 %






Aluguer > = 3 meses

PM

AP


85 %






Reparação

Não reembolsável


0 %





13

Material para controlo e tratamento de diabetes tratado por insulina










Glicosímetro

PM

AP

3 anos

100 %


75




Fitas de teste, seringas para insulina, lancetas

PM

AP


100 %



PM apenas para a 1.a compra


14

Material para controlo e tratamento de diabetes […]










Glicosímetro

PM

AP

3 anos

85 %

75





Fitas de teste

PM

AP


85 %

500


Montante máximo reembolsável por ano


15

Material para incontinência

PM

AP

1 ano

85 %

600

600


16

Material para ostomia

PM

NÃO


85 %





17

Prótese capilar — peruca

PM

AP

1 ano

85 %

750

750



18

Par de sapatos ortopédicos corretivos por medida










Compra em caso de patologia do pé quadro 100 %

PM

AP


85 %

720

NA

2 pares por ano



Compra em caso de doença grave do pé

PM

AP


100 %

NA


2 pares por ano



Reparação com apresentação de fatura

NÃO

NÃO


85 %





19

Membros, segmento de membros, ortoses articuladas










Aquisição

PM

AP

A definir individualmente, exigido parecer



Reparação com apresentação de fatura

PM

AP

A definir individualmente


20

Outros aparelhos cujo custo estimado seja superior a 2 000 EUR,

PM

AP

A definir individualmente, exigido parecer



ou material específico, elétrico e/ou por medida em caso de doença grave (aquisição)

PM

AP

A definir individualmente, exigido parecer

21

Irrigadores e termómetros

Não reembolsável


0 %





22

Sistemas vacum para tratamento da impotência

PM

AP



200

200



23

Aparelho de medida do tempo de coagulação

PM

AP





Critérios: em caso de anti coagulação para a vida


24

Seringas

PM

AP





Critérios: em caso de diabete (ver 13) […]


25

Despesas fixas de adaptação do domicílio ou de um veículo, acessórios domóticos, […]

Não reembolsável


0 %




 Antecedentes do litígio

8        A recorrente, antiga funcionária da Comissão, está inscrita no regime comum de seguro de doença das instituições das Comunidades Europeias (RCAM).

9        Utiliza, desde 2012, um aparelho de assistência respiratória de pressão positiva contínua para as apneias do sono (a seguir «aparelho CPAP»).

10      A recorrente obteve autorização prévia do Serviço de Liquidação de Ispra (Itália) para o aluguer de um aparelho CPAP durante o período compreendido entre 1 de março de 2012 e 28 de fevereiro de 2014.

11      Em 10 de fevereiro de 2014, apresentou um novo pedido de autorização prévia para o aluguer de um aparelho CPAP.

12      Em resposta a esse pedido, o Serviço de Liquidação emitiu, em 24 de fevereiro de 2014, uma autorização prévia de compra de um aparelho CPAP para o período compreendido entre 1 de março de 2014 e 28 de fevereiro de 2019. Nessa autorização esclarecia‑se o seguinte:

«Tendo em conta o tratamento de longa duração e a sua eficácia, clinicamente só se justifica a compra de um [aparelho] CPAP e já não um aluguer. Material renovável de 5 em 5 anos, conforme previsto nas DGE, com manutenção a partir do segundo ano.»

13      Em 8 de novembro de 2014, a recorrente apresentou um pedido de reembolso relativo às despesas de aluguer do seu aparelho CPAP efetuadas a partir de 1 de março de 2014.

14      Por Decisão de 22 de dezembro de 2014, o Serviço de Liquidação concedeu à recorrente uma autorização relativa ao aluguer de um aparelho CPAP para o período compreendido entre 1 de março de 2014 e 28 de fevereiro de 2019 (a seguir «Decisão de 22 de dezembro de 2014»). Nessa decisão, era fixado um limite de reembolso de 1 700 euros, correspondente ao montante previsto nas DGE para a compra de um aparelho CPAP (v. linha 10 do quadro que consta do n.o 7, supra).

15      Por carta de 22 de fevereiro de 2015, a recorrente apresentou uma reclamação contra a Decisão de 22 de dezembro de 2014.

16      Por Decisão de 25 de junho de 2015, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») decidiu que o limite de 1 700 euros devia ser acrescido de um montante de 1 400 euros, elevando assim o montante total do reembolso para 3 100 euros. Este aumento correspondia ao reembolso durante quatro anos das despesas de manutenção e de compra de acessórios efetuadas após o primeiro ano subsequente à compra do aparelho CPAP (v. linha 10 do quadro que consta do n.o 7, supra).

17      O Serviço de Liquidação adotou então uma nova decisão, datada de 5 de outubro de 2015, pela qual concedeu à recorrente uma autorização relativa ao aluguer de um aparelho CPAP para o período compreendido entre 1 de março de 2014 e 28 de fevereiro de 2019 (a seguir «Decisão de 5 de outubro de 2015»). Nessa decisão, foi fixado um limite de reembolso de 3 100 euros.

18      Por carta de 20 de dezembro de 2018, a recorrente pediu uma prorrogação da autorização prévia para o aluguer de um aparelho CPAP.

19      Em resposta a esse pedido, o Serviço de Liquidação, por Decisão de 17 de janeiro de 2019, autorizou o aluguer de um aparelho CPAP, para o período compreendido entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2024, fixando um limite de reembolso de 3 100 euros (a seguir «Decisão de 17 de janeiro de 2019»).

20      A recorrente contestou a Decisão de 17 de janeiro de 2019 por carta de 1 de fevereiro de 2019 endereçada ao Serviço de Liquidação.

21      A Decisão de 17 de janeiro de 2019 foi confirmada pelo Serviço de Liquidação em 12 de abril de 2019.

22      Por carta de 14 de abril de 2019, a recorrente apresentou uma reclamação contra a Decisão de 17 de janeiro de 2019. Na sua reclamação invocava, nomeadamente, o facto de essa decisão ter sido adotada em violação da regulamentação aplicável. Além disso, invocava o interesse que havia em recorrer em França, país no qual residia, ao aluguer de um aparelho CPAP em vez da sua compra.

23      O Comité de Gestão, por parecer de 12 de julho de 2019, considerou que a Decisão de 17 de janeiro de 2019 devia ser confirmada.

24      A AIPN indeferiu a reclamação da recorrente por Decisão de 13 de agosto de 2019 (a seguir «Decisão de 13 de agosto de 2019»). Baseou‑se, nomeadamente, no facto de, em seu entender, os elementos relativos ao sistema de seguro de doença francês não produzirem efeitos na legalidade da Decisão de 17 de janeiro de 2019.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

25      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de novembro de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

26      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pediu às partes para responderem a determinadas questões escritas. As partes responderam às medidas de organização do processo no prazo fixado.

27      Não tendo nenhuma das partes pedido a realização de uma audiência de alegações, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos, decidiu julgar o recurso sem fase oral do processo.

28      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a Decisão de 13 de agosto de 2019;

–        condenar a Comissão nas despesas.

29      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

30      A título preliminar, importa precisar o objeto do presente litígio.

 Quanto ao objeto do litígio

31      A Comissão salienta que o presente recurso é dirigido contra a Decisão de 13 de agosto de 2019 que indeferiu a reclamação apresentada contra a Decisão de 17 de janeiro de 2019 e não contra esta última decisão. Todavia, em seu entender, o recurso destina‑se a obter a anulação da Decisão de 17 de janeiro de 2019, o que a recorrente confirmou na réplica.

32      Segundo jurisprudência constante, a reclamação administrativa, tal como prevista no artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, e o seu indeferimento, tácito ou expresso, fazem parte integrante de um processo complexo e constituem apenas uma condição prévia ao recurso para o tribunal. Nestas condições, um recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do tribunal o ato lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação (Acórdãos de 17 de janeiro de 1989, Vainker/Parlamento, 293/87, EU:C:1989:8, n.o 8, e de 13 de dezembro de 2018, CH/Parlamento, T‑83/18, EU:T:2018:935, n.o 56), exceto na hipótese em que o indeferimento da reclamação tem um alcance diferente do do ato contra o qual a reclamação foi apresentada (Acórdãos de 25 de outubro de 2006, Staboli/Comissão, T‑281/04, EU:T:2006:334, n.o 26, e de 28 de maio de 2020, Cerafogli/BCE, T‑483/16 RENV, não publicado, EU:T:2020:225, n.o 70).

33      No caso em apreço, embora a Decisão de 13 de agosto de 2019 que indefere a reclamação da recorrente contenha uma fundamentação de direito e de facto mais circunstanciada do que as indicações constantes do ofício que contém a Decisão de 17 de janeiro de 2019, não deixa de ter o mesmo alcance que esta última (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2006, Staboli/Comissão, T‑281/04, EU:T:2006:334, n.o 27).

34      Por conseguinte, deve considerar‑se que o presente recurso é dirigido contra a decisão inicial lesiva, concretamente, a Decisão de 17 de janeiro de 2019.

35      Além disso, dado que, no sistema do Estatuto, o interessado deve apresentar uma reclamação contra a decisão que impugna e recorrer da decisão que indefere essa reclamação, o Tribunal de Justiça declarou o recurso admissível quer seja dirigido apenas contra a decisão objeto da reclamação, quer contra a decisão que indefere a reclamação ou contra os dois atos conjuntamente, desde que a reclamação e o recurso tenham sido apresentados nos prazos previstos pelas disposições aplicáveis (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão, 224/87, EU:C:1989:38, n.o 7). Todavia, em conformidade com o princípio da economia processual, o juiz pode entender que não há que decidir especificamente sobre os pedidos dirigidos contra a decisão de indeferimento da reclamação, quando concluir que estes não têm conteúdo autónomo e se confundem, na realidade, com os pedidos dirigidos contra a decisão da qual a reclamação foi apresentada (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, LL/Parlamento, C‑326/16 P, EU:C:2018:83, n.o 38 e jurisprudência referida; Acórdão de 28 de maio de 2020, Cerafogli/BCE, T‑483/16 RENV, não publicado, EU:T:2020:225, n.o 72).

36      No caso em apreço, não há que decidir especificamente sobre a legalidade da Decisão de 13 de agosto de 2019 que indeferiu a reclamação, uma vez que os pedidos apresentados a seu respeito são desprovidos de conteúdo autónomo e se confundem, na realidade, com os pedidos relativos à decisão contra a qual a reclamação foi apresentada (v. n.o 33, supra).

 Quanto à admissibilidade do recurso

37      A Comissão alega, na sua contestação, uma primeira exceção de inadmissibilidade, relativa ao caráter confirmativo da Decisão de 17 de janeiro de 2019. Por outro lado, alega, na tréplica, uma segunda exceção de inadmissibilidade, relativa à falta de interesse da recorrente em agir. Ainda que uma exceção de inadmissibilidade seja de ordem pública e possa ser examinada pelo juiz da União em qualquer fase do processo, há que salientar, a este respeito, que a Comissão não expôs os fundamentos pelos quais tinha aguardado pela tréplica para alegar essa segunda exceção de inadmissibilidade, quando dispunha de elementos suficientes para o fazer na contestação.

 Quanto à primeira exceção de inadmissibilidade, relativa ao caráter confirmativo da Decisão de 17 de janeiro de 2019

38      A Comissão alega que a Decisão de 17 de janeiro de 2019 é meramente confirmativa da Decisão de 5 de outubro de 2015, a qual, uma vez que não foi contestada pela recorrente no prazo previsto, se tornou definitiva.

39      A Comissão acrescenta que só a existência de factos novos e substanciais pode justificar um reexame de uma decisão anterior que se tenha tornado definitiva. Especifica que um facto é substancial quando altera as condições que regeram o ato anterior. Ora, no caso em apreço, a recorrente não podia invocar nenhum facto substancial, uma vez que as duas decisões referidas no n.o 38, supra, têm o mesmo objeto, aplicam as mesmas regras, dizem respeito à mesma pessoa e fixam o mesmo limite de reembolso. A única diferença entre estas duas decisões é relativa ao período de aplicação da autorização que concedem. Ora, esta diferença não tem nenhuma incidência no caráter confirmativo da Decisão de 17 de janeiro de 2019.

40      Por outro lado, a Comissão refere que a recorrente se limitou a pedir uma prorrogação da autorização prévia anteriormente concedida.

41      A recorrente alega que o seu recurso é admissível e que a afirmação da Comissão de que a Decisão de 17 de janeiro de 2019 é meramente confirmativa da Decisão de 5 de outubro de 2015 está errada. Especificamente, segundo a recorrente, uma vez que a Decisão de 5 de outubro de 2015 só era válida até 28 de fevereiro de 2019, a sua caducidade tornou necessária a adoção de uma nova decisão para o período seguinte.

42      A recorrente acrescenta que a Decisão de 17 de janeiro de 2019 não é uma mera prorrogação de uma autorização previamente concedida, mas constitui uma verdadeira decisão, uma vez que a concessão de autorização prévia não é determinada pelas decisões de autorização anteriores.

43      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que um ato é considerado puramente confirmativo de um ato anterior se o ato em questão não contiver nenhum elemento novo em relação ao ato anterior e não tiver sido precedido de um reexame da situação do destinatário desse ato (Acórdão de 13 de novembro de 2014, Espanha/Comissão, T‑481/11, EU:T:2014:945, n.o 28; v., igualmente, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Itália/Comissão, T‑353/14 e T‑17/15, EU:T:2016:495, n.o 63 e jurisprudência referida).

44      É evidente que a questão da existência de um ato confirmativo nem sequer se coloca nos casos em que o conteúdo do ato posterior é diferente do do ato anterior (Acórdão de 13 de novembro de 2014, Espanha/Comissão, T‑481/11, EU:T:2014:945, n.o 30).

45      É o que acontece no presente caso. Com efeito, a Decisão de 17 de janeiro de 2019 não tem o mesmo objeto que a de 5 de outubro de 2015: enquanto esta última autorizava a recorrente a proceder ao aluguer de um aparelho CPAP para o período compreendido entre 1 de março de 2014 e 28 de fevereiro de 2019 (v. n.o 17, supra), a Decisão de 17 de janeiro de 2019 autorizou‑a a proceder ao aluguer desse aparelho para o período compreendido entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2024 (v. n.o 19, supra).

46      Dado que os efeitos da Decisão de 5 de outubro de 2015 eram limitados no tempo, a recorrente, na falta de adoção de uma nova decisão, não poderia obter o reembolso das despesas do aluguer do aparelho CPAP em que incorreria a partir de 1 de março de 2019. A Decisão de 17 de janeiro de 2019, ao autorizar a recorrente a proceder a esse aluguer, teve precisamente o efeito de lhe dar a possibilidade de obter o reembolso dessas despesas.

47      Por conseguinte, a Decisão de 17 de janeiro de 2019 é uma nova decisão que não pode, portanto, ser considerada meramente confirmativa da Decisão de 5 de outubro de 2015.

48      Deve acrescentar‑se que o facto de a Decisão de 17 de janeiro de 2019 aplicar o mesmo limite de reembolso que a Decisão de 5 de outubro de 2015 não pode ter como consequência torná‑la meramente confirmativa desta última decisão. Com efeito, o alcance temporal da Decisão de 5 de outubro de 2015, que era limitado no que diz respeito à autorização que concedia (v. n.o 46, supra), também o era necessariamente no que respeita ao limite de reembolso que fixava, dado que esse limite apresenta um caráter acessório em relação à autorização de aluguer à qual se aplica.

49      Por outro lado, é indiferente o facto de, por um lado, o formulário de autorização prévia distinguir os pedidos de «autorização» dos pedidos de «prorrogação da autorização» e, por outro, a recorrente ter considerado que o seu pedido pertencia a esta última categoria, uma vez que é a substância do ato contestado que permite determinar se se trata de um ato lesivo e não a designação que lhe dá a administração (v, neste sentido, Despacho de 15 de janeiro de 2009, Braun‑Neumann/Parlamento, T‑306/08 P, EU:T:2009:6, n.o 32) ou o seu destinatário.

50      Consequentemente, a primeira exceção de inadmissibilidade deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda exceção de inadmissibilidade, relativa à alegada falta de interesse da recorrente em agir

51      A Comissão refere que a recorrente não assinala nenhum dado quantitativo relativo ao custo do aluguer do aparelho CPAP cujo reembolso pede. Considera, por isso, não estar em condições de apreciar o interesse da recorrente em agir.

52      Segundo jurisprudência constante, a admissibilidade de um recurso está subordinada à condição de que a parte recorrente tenha interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55, e de 24 de setembro de 2019, VF/BCE, T‑39/18, não publicado, EU:T:2019:683, n.o 139).

53      Além disso, quando uma decisão não satisfaz inteiramente o requerente, deve ser‑lhe reconhecido um interesse em agir para fazer verificar, pelo juiz da União, a legalidade dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.os 85 e 86).

54      No caso em apreço, com a Decisão de 17 de janeiro de 2019, adotada em resposta ao pedido de autorização prévia de 20 de dezembro de 2018 (v. n.o 18, supra), o Serviço de Liquidação impôs à recorrente um limite para o reembolso das despesas em que incorreria com o aluguer do CPAP.

55      É claro que a supressão desse limite, que poderia resultar da eventual anulação da Decisão de 17 de janeiro de 2019 e da de 13 de agosto de 2019, conferiria um benefício à recorrente.

56      Além disso, não cabe à recorrente, contrariamente ao que sustenta a Comissão, apresentar elementos quantitativos que permitam avaliar esse benefício, uma vez que essa avaliação resulta, se for caso disso, do mérito e não da admissibilidade do recurso (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 86).

57      Por conseguinte, há que julgar também improcedente a segunda exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão.

 Quanto ao mérito

58      Em apoio do seu pedido de anulação, a recorrente invoca um fundamento único, relativo ao facto de nenhuma das disposições aplicáveis prever um limite de reembolso para o aluguer de um aparelho CPAP. A Decisão de 17 de janeiro de 2019, uma vez que aplica esse limite, viola assim, na sua opinião, as referidas disposições e, consequentemente, é ilegal.

59      Por outro lado, a recorrente refere que a Comissão não apresentou nenhum elemento objetivo que permita concluir que o preço do aluguer de aparelhos CPAP praticado em França é excessivo.

60      A recorrente sublinha também que a Comissão não demonstra que a compra de um aparelho CPAP se impunha para uma utilização de longo prazo.

61      A recorrente menciona, além disso, as vantagens do recurso ao aluguer de um aparelho CPAP em relação à compra desse aparelho.

62      Por último, a recorrente contesta a existência de uma discriminação entre as pessoas inscritas que alugam um aparelho CPAP e as que o compram.

63      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

64      A título preliminar, importa recordar que, no caso em apreço, o Serviço de Liquidação, quando adotou a Decisão de 17 de janeiro de 2019, aplicou um limite de reembolso (v. n.o 19, supra). Aliás, a Comissão confirmou‑o na sua resposta à medida de organização do processo decidida pelo Tribunal Geral (v. n.o 26, supra), ao esclarecer que a limitação do reembolso pedido pela recorrente a 3 100 euros não se baseava no artigo 20.o, n.o 2, da Regulamentação comum que, segundo a Comissão, não era aplicável no caso em apreço.

65      Depois, importa sublinhar que o artigo 20.o da Regulamentação comum, que se refere ao objetivo de salvaguarda do equilíbrio financeiro do RCAM, prevê, no seu n.o 1, a fixação, pelas DGE, de limites de reembolso para determinadas prestações. Prevê também, no seu n.o 2, quando não seja fixado qualquer limite, a possibilidade de o Serviço de Liquidação não reembolsar a parte das despesas considerada excessiva, tendo em conta os custos normais no país em que essas despesas foram declaradas (v. n.o 2, supra).

66      Por conseguinte, a possibilidade de as DGE não fixarem limites de reembolso está expressamente prevista na Regulamentação comum. Nesse caso, está mesmo previsto um procedimento específico a fim de salvaguardar o equilíbrio financeiro do RCAM.

67      As DGE esclarecem o procedimento aplicável quando não for fixado nenhum limite de reembolso. Assim, na parte «Definições gerais» das DGE, refere‑se que a parte das despesas considerada excessiva é determinada casuisticamente pelo Serviço de Liquidação, após parecer do médico assessor que se pronuncia sobre a natureza exata da prestação médica para permitir ao Serviço de Liquidação uma comparação entre os preços praticados (v. n.o 2, supra).

68      Resulta pois da economia das disposições pertinentes da Regulamentação comum e das DGE, conforme resulta dos n.os 65 a 67, supra, que cabe à Comissão, autoridade competente para adotar as DGE, se pretender fixar um limite de reembolso para uma prestação, revelar esse limite de forma explícita nas suas disposições.

69      Por conseguinte, na hipótese de não ser expressamente mencionado nenhum limite para uma prestação nas DGE, estas não podem ser interpretadas, contrariamente ao que alega a Comissão, no sentido de que fixam implicitamente esse limite. É então o procedimento específico mencionado no n.o 66, supra, que tem por objeto assegurar o equilíbrio financeiro do RCAM.

70      Ora, há que constatar, como resulta do quadro reproduzido no n.o 7, supra, que as DGE não preveem um limite de reembolso para o aluguer de um aparelho CPAP.

71      Com efeito, nesse quadro, há uma coluna especificamente consagrada ao montante máximo ao qual é aplicada a taxa de reembolso e não aparece nenhum valor para as linhas relativas ao aluguer de aparelhos CPAP, seja por um prazo inferior ou superior a três meses.

72      Assim, a análise da redação das disposições aplicáveis, que é desprovida de qualquer ambiguidade, permite concluir pela inexistência de um limite de reembolso no que respeita ao aluguer de um aparelho CPAP.

73      Aliás, o Comité de Gestão salienta, no seu parecer de 12 de julho de 2018 (v. n.o 23, supra), que as DGE só preveem esse limite para a compra de um aparelho CPAP.

74      Além disso, o quadro reproduzido no n.o 7, supra, revela um limite para o reembolso das despesas geradas pelo aluguer das cadeiras de rodas, aplicando‑se esse limite a um determinado prazo de aluguer também mencionado no referido quadro. A circunstância de, num mesmo quadro, figurar um limite de reembolso para o aluguer de um material médico quando tal limite não figura para o de outro material confirma que não foi fixado qualquer limite, mesmo implícito, para o aluguer deste último.

75      A conclusão que consta do n.o 72, supra, não pode ser posta em causa pelos outros argumentos da Comissão.

76      Em primeiro lugar, segundo a Comissão, as DGE partem da premissa de que, em caso de utilização de um aparelho CPAP por longo prazo, a compra do aparelho se impõe tanto por razões médicas como orçamentais. Isto explica que não tenha sido considerado útil introduzir nas DGE um limite para o reembolso de um aluguer que dure vários anos, uma vez que esse caso não deve ocorrer.

77      Todavia, a interpretação das DGE que a Comissão propõe não resulta da redação das mesmas. Com efeito, as suas disposições limitam‑se a distinguir o aluguer dos aparelhos CPAP por menos de três meses, para o qual não é necessária qualquer autorização prévia, do aluguer por um prazo superior, para o qual essa autorização é obrigatória, sem revelar qualquer limite temporal para este último.

78      Além disso, não se indica, na coluna «Observações», dedicada aos esclarecimentos necessárias à interpretação do quadro reproduzido no n.o 7, supra, que a compra de um aparelho CPAP se imponha na hipótese de uma utilização por longo prazo. A possibilidade de alugar um aparelho CPAP por um período superior a três meses podia, aliás, não ser mencionada no referido quadro.

79      Por último, a circunstância, admitindo‑a demonstrada, de que motivos médicos possam impor a compra de um aparelho CPAP, em vez de um aluguer, na hipótese de uma utilização por longo prazo, não justifica, não obstante, a inexistência de qualquer menção a este respeito nas DGE que se destinam a ser lidas e compreendidas pelas pessoas inscritas. De resto, a Comissão não referiu as razões médicas que devem levar a privilegiar a compra de um aparelho CPAP relativamente ao seu aluguer.

80      Em segundo lugar, o facto de o aluguer de um aparelho CPAP por um prazo superior a três meses estar sujeito, tal como a compra desse aparelho, a uma autorização prévia não implica, contrariamente ao que sustenta a Comissão, que o limite de reembolso previsto pelas DGE para a compra do mesmo aparelho se aplique igualmente ao seu aluguer por longo prazo.

81      Com efeito, a existência de uma autorização prévia não implica necessariamente a aplicação de um limite de reembolso, como resulta das linhas do quadro reproduzido no n.o 7, supra, relativas ao aluguer por um prazo superior a três meses de andarilhos, de cadeiras adaptadas, de camas de tipo hospital, de colchões antiescaras e de aerossóis.

82      Além disso, a Comissão não cita nenhuma disposição que estabeleça um nexo entre a obrigação de obter uma autorização prévia e a existência de um limite de reembolso.

83      Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento da Comissão de que as DGE deviam ser interpretadas, para serem conformes ao princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas inscritas, no sentido de que fixam um limite para o aluguer dos aparelhos CPAP por longo prazo, há que salientar que uma diferença de tratamento injustificada entre as pessoas inscritas que compram um aparelho CPAP e as que alugam o mesmo aparelho por longo prazo, admitindo que está demonstrada, não é suscetível de conduzir, para efeitos de observância do princípio da igualdade de tratamento, a uma interpretação das DGE que seria contrária à sua redação e à economia das disposições pertinentes da Regulamentação comum e das DGE (v., neste sentido, Despacho de 17 de julho de 2015, EEB/Comissão, T‑685/14, não publicado, EU:T:2015:560, n.o 31 e jurisprudência referida). O mesmo se diga da existência de um risco de o limite previsto para a compra de um aparelho CPAP ser contornado ou de um risco para o equilíbrio financeiro do RCAM. De resto, a Regulamentação comum prevê, como resulta nomeadamente do seu artigo 20.o, n.o 2, mecanismos que permitem evitar que o RCAM assuma determinadas despesas excessivas.

84      Em todo o caso, a existência de uma diferença entre os montantes das despesas geradas pelo aluguer de aparelhos CPAP e as geradas pela compra de tais aparelhos, suficientemente sistemática e substancial para constituir uma discriminação, não é corroborada por nenhum elemento de prova. Do mesmo modo, a existência de uma prática para contornar o limite aplicável à compra de um aparelho CPAP também não está demonstrada. Por último, a existência de um risco para o equilíbrio financeiro do RCAM que resultaria da inexistência de limite de reembolso para o aluguer dos aparelhos CPAP não está demonstrada.

85      Assim, mesmo no pressuposto de que seja admitida uma interpretação construtiva das DGE enquanto, como a Comissão refere com razão, de acordo com jurisprudência constante, as disposições do direito da União que dão direito a prestações financeiras devam ser interpretadas restritivamente (v. Acórdão de 18 de setembro de 2003, Lebedef e o./Comissão, T‑221/02, EU:T:2003:239, n.o 38 e jurisprudência referida), nenhum dos motivos invocados é suscetível de justificar uma tal interpretação (v. n.o 84, supra).

86      Em quarto lugar, a Comissão contesta diversos argumentos invocados, em seu entender, pela recorrente. Assim, refere que não se recusa a assumir o encargo do aluguer de um aparelho CPAP. Alega que a acusação relativa à falta de fundamentação invocada pela recorrente é inadmissível. Recorda que o RCAM constitui um sistema autónomo e que o Serviço de Liquidação está obrigado a aplicar a Regulamentação comum e as DGE. Salienta que a recorrente não alega nenhum dado quantitativo relativo ao custo do aluguer de um aparelho CPAP. Contesta a existência de uma discriminação entre as pessoas inscritas consoante o seu local de residência. Refere que o Serviço de Liquidação, que tinha pedido à recorrente para apresentar um certificado médico que atestasse a impossibilidade de compra de um aparelho CPAP, se mostrou disposto a receber informações complementares que a recorrente não transmitiu. Por último, sublinha que a recorrente não apresentou, na sua petição, qualquer argumento relativo ao facto de o sistema de assunção dos encargos dos aparelhos CPAP em França favorecer o seu aluguer e acrescenta que tal alegação não foi, em todo o caso, demonstrada.

87      Basta salientar que os argumentos da recorrente assim criticados pela Comissão não têm relação com a questão da existência, nas DGE, de um limite de reembolso. Por conseguinte, mesmo admitindo que fossem fundados, esses argumentos não têm relevância para a conclusão referida no n.o 72, supra.

88      Tendo em conta as considerações expostas nos n.os 64 a 87, supra, há que concluir que o Serviço de Liquidação violou as DGE ao fixar um limite de reembolso na sua resposta ao pedido de autorização prévia apresentado pela recorrente.

89      Ora, estando ao serviço de uma União de direito, as instituições, quaisquer que sejam, não podem eximir‑se às regras que lhes são aplicáveis (Acórdão de 10 de abril de 2019, Gamaa Islamya Égypy/Conselho, T‑643/16, EU:T:2019:238, n.o 228).

90      Resulta de tudo o que precede que há que julgar procedente o fundamento invocado pela recorrente e, consequentemente, anular a Decisão de 17 de janeiro de 2019 e a Decisão de 13 de agosto de 2019.

 Quanto às despesas

91      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

decide:

1)      A Decisão da Comissão Europeia de 17 de janeiro de 2019 que fixa um limite de reembolso de 3 100 euros para o aluguer de um aparelho médico no período compreendido entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2024 e a Decisão da Comissão de 13 de agosto de 2019 que indefere a reclamação apresentada contra aquela decisão são anuladas.

2)      A Comissão é condenada nas despesas.

Gervasoni

Madise

Nihoul

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de dezembro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.