Language of document : ECLI:EU:C:2023:296

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de abril de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de imigração — Diretiva 2003/86/CE — Direito ao reagrupamento familiar — Artigo 5.o, n.o 1 — Apresentação de um pedido de entrada e residência para efeitos do exercício do direito ao reagrupamento familiar — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê a obrigação de os membros da família do requerente do reagrupamento apresentarem pessoalmente o pedido no posto diplomático competente desse Estado‑Membro — Impossibilidade ou dificuldade excessiva de deslocação ao referido posto — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 7.o e 24.o»

No processo C‑1/23 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 2 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

X,

Y,

A, legalmente representado por X e Y,

B, legalmente representado por X e Y

contra

État belge,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, M. Safjan (relator), N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretária: K. Hötzel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de X e Y, bem como de A e B, legalmente representados por X e Y, por C. D’Hondt e P. Robert, avocats,

—        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes, assistidas por S. Matray e C. Piront, avocates,

—        em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo francês, por B. Fodda e J. Illouz, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, na qualidade de agente,

—        em representação do Conselho da União Europeia, por R. Meyer e O. Segnana, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12), dos artigos 23.o e 24.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), bem como dos artigos 7.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X e Y e os seus filhos menores A e B (a seguir, em conjunto, «recorrentes no processo principal») ao État belge (Estado belga), por este ter recusado registar o pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar apresentado por X e pelos filhos A e B.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/86

3        Os considerandos 2 e 8 da Diretiva 2003/86 têm a seguinte redação:

«(2)      As medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.o da Convenção Europeia [para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] e na [Carta].

[…]

(8)      A situação dos refugiados requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias. Por isso, convém prever, para estas pessoas, condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar.»

4        Nos termos do artigo 2.o desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Refugiado”: qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que beneficie do estatuto de refugiado, na aceção da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951, com a redação que lhe foi dada pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967;

c)      “Requerente do reagrupamento”: o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem;

d)      “Reagrupamento familiar”: a entrada e residência num Estado‑Membro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente;

[…]»

5        O artigo 4.o da referida diretiva, disposição única que figura no seu capítulo II, sob a epígrafe «Familiares», prevê:

«1.      Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.o, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)      O cônjuge do requerente do reagrupamento;

b)      Os filhos menores do requerente do reagrupamento e do seu cônjuge […]

[…]»

6        O artigo 5.o da mesma diretiva, que figura no seu capítulo III, sob a epígrafe «Apresentação e apreciação do pedido», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros determinam se, para exercer o direito ao reagrupamento familiar, cabe ao requerente do reagrupamento ou aos seus familiares apresentar o pedido de entrada e residência às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa.

[…]

4.      Logo que possível e em todo o caso no prazo de nove meses a contar da data de apresentação do pedido, as autoridades competentes do Estado‑Membro devem notificar por escrito a decisão tomada à pessoa que apresentou o pedido.

[…]

5.      Na análise do pedido, os Estados‑Membros devem procurar assegurar que o interesse superior dos filhos menores seja tido em devida consideração.»

7        O artigo 7.o da Diretiva 2003/86, que figura no seu capítulo IV, sob a epígrafe «Requisitos para o exercício do direito ao reagrupamento familiar», dispõe, no seu n.o 1:

«Por ocasião da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, o Estado‑Membro em causa pode exigir ao requerente do reagrupamento que apresente provas de que este dispõe de:

a)      Alojamento considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade em vigor no Estado‑Membro em causa;

b)      Um seguro de doença, para si próprio e para os seus familiares, que cubra todos os riscos normalmente cobertos no Estado‑Membro em causa para os próprios nacionais;

c)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões e o número de familiares.»

8        O artigo 12.o desta diretiva figura no seu capítulo V, sob a epígrafe «Reagrupamento familiar de refugiados». Este artigo prevê, no seu n.o 1:

«Em derrogação do artigo 7.o, no que diz respeito aos pedidos relativos aos familiares a que se refere o n.o 1 do artigo 4.o, os Estados‑Membros não podem exigir ao refugiado e/ou a um seu familiar que apresente provas de que o refugiado preenche os requisitos estabelecidos no artigo 7.o

[…]

Se o pedido de reagrupamento familiar não for apresentado no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado, os Estados‑Membros podem exigir do refugiado o preenchimento das condições referidas no n.o 1 do artigo 7.o»

 Diretiva 2011/95

9        O artigo 2.o da Diretiva 2011/95 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

j)      “Membros da família”, desde que a família já esteja constituída no país de origem, os seguintes familiares do beneficiário de proteção internacional que se encontrem presentes no mesmo Estado‑Membro devido ao seu pedido de proteção internacional:

–        o cônjuge do beneficiário de proteção internacional […]

–        os filhos menores dos casais referidos no primeiro travessão […]

[…]»

 Direito belga

10      O artigo 10.o da loi du 15 décembre 1980 sur l'accès au territoire, le séjour, l'établissement et l'éloignement des étrangers (Lei de 15 de dezembro de 1980, relativa ao Acesso ao Território, à Residência, ao Estabelecimento e ao Afastamento dos Estrangeiros) (Moniteur belge, de 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei de 15 de dezembro de 1980»), transpõe para a ordem jurídica belga, nomeadamente, o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86. Este artigo 10.o tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 9.o e 12.o, serão automaticamente admitidos a residir no Reino por um período superior a três meses:

[…]

4.o      os seguintes membros da família de um estrangeiro admitido ou autorizado, há pelo menos doze meses, a residir no Reino por um período de tempo ilimitado, ou autorizado, há pelo menos doze meses, a aí se estabelecer. Este prazo de doze meses é suprimido se o vínculo conjugal ou a união de facto registada já existissem antes de o estrangeiro com o qual é efetuado o agrupamento ter chegado ao Reino ou se tiverem um filho menor comum. Estes requisitos relativos ao tipo e duração da estada não se aplicam no caso de membros da família de um estrangeiro que, nos termos do artigo 49.o, n.o 1, segundo ou terceiro parágrafos, ou do artigo 49.o/2, n.o 2 ou 3, tenha sido admitido a residir no Reino enquanto beneficiário de proteção internacional:

–        o cônjuge estrangeiro […], que vem viver com ele, desde que as duas pessoas em causa tenham mais de vinte e um anos. Todavia, este limite de idade é reduzido para dezoito anos se, consoante o caso, o vínculo matrimonial ou a união de facto registada já existia antes de o estrangeiro que pretende reagrupar‑se ter chegado ao Reino;

–        os seus filhos, que venham viver com eles antes de terem atingido a idade de dezoito anos e que sejam solteiros;

[…]

2. […]

Os estrangeiros referidos no n.o 1, primeiro parágrafo, 4.o a 6.o, devem apresentar provas de que o estrangeiro com o qual é efetuado o agrupamento dispõe de alojamento suficiente para receber o ou os membros da sua família que requerem o reagrupamento familiar para se reunificarem […], bem como de um seguro de doença que cubra os riscos na Bélgica do próprio e dos membros da sua família. […]

[…]

O estrangeiro referido no n.o 1, primeiro parágrafo, 4.o e 5.o, deve ainda apresentar provas de que o estrangeiro com o qual é efetuado o agrupamento dispõe de meios de subsistência estáveis, regulares e suficientes, como previsto no n.o 5, para prover à sua própria subsistência e à dos membros da sua família e para evitar que se tornem uma sobrecarga para os poderes públicos. Este requisito não é aplicável caso o reagrupamento do estrangeiro seja apenas com os membros da sua família referidos no n.o 1, primeiro parágrafo, 4.o, travessões 2 e 3.

[…]

O segundo, terceiro e quarto parágrafos não são aplicáveis aos membros da família de um estrangeiro ao qual foi reconhecido o estatuto de refugiado e de um estrangeiro que beneficie da proteção subsidiária referidos no n.o 1, primeiro parágrafo, 4.o a 6.o, quando o vínculo parental, conjugal ou a união de facto registada sejam anteriores à sua entrada no Reino e desde que o pedido de residência com base neste artigo tenha sido apresentado no prazo de um ano a contar da decisão de reconhecimento do estatuto de refugiado ou de concessão da proteção subsidiária ao estrangeiro com o qual é efetuado o agrupamento.

[…]»

11      O artigo 12.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, da Lei de 15 de dezembro de 1980, que transpõe para a ordem jurídica belga o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86, enuncia:

«Um estrangeiro que declare que se encontra num dos casos referidos no artigo 10.o deve apresentar o seu pedido junto da representação diplomática ou consular belga competente em função do local da sua residência ou da sua estada no estrangeiro.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      X e Y, nacionais sírios, casaram em 2016 na Síria. Tiveram dois filhos, nascidos, respetivamente, em 2016 e 2018.

13      Em 2019, Y deixou a Síria, passando pela Turquia, para se deslocar para a Bélgica, enquanto X e os seus dois filhos permaneceram na cidade de Afrin, situada no noroeste da Síria, onde ainda se encontram atualmente. Em 25 de agosto de 2022, a administração belga competente reconheceu a Y o estatuto de refugiado na Bélgica. Esta decisão foi notificada por mensagem de correio eletrónico ao advogado de Y em 29 de agosto de 2022.

14      Por mensagem de correio eletrónico de 28 de setembro de 2022 e por carta de 29 de setembro de 2022, enviadas ao Office des étrangers (Serviço de Estrangeiros, Bélgica) (a seguir «Serviço de Estrangeiros»), o advogado dos recorrentes no processo principal apresentou um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar em nome de X e dos filhos A e B, para que pudessem juntar‑se a Y na Bélgica (a seguir «pedido do mês de setembro de 2022»). Nessa correspondência, os recorrentes no processo principal referiram que esse pedido era apresentado no Serviço de Estrangeiros pelo seu advogado, uma vez que X e os seus filhos se encontravam em «circunstâncias excecionais que os impedem efetivamente de comparecerem num posto diplomático belga para aí apresentarem um pedido de reagrupamento familiar», conforme é exigido pela legislação belga.

15      Em 29 de setembro de 2022, o Serviço de Estrangeiros respondeu que, segundo essa legislação, não era possível apresentar um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar por correio eletrónico e aconselhou os recorrentes no processo principal a contactarem a embaixada belga competente.

16      Por requerimento em processo de medidas provisórias de 9 de novembro de 2022, os recorrentes no processo principal pediram ao tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), o órgão jurisdicional de reenvio, que condenasse o Estado belga a registar o pedido do mês de setembro de 2022.

17      A este respeito, alegaram que, tendo em conta a impossibilidade de X e os seus filhos se deslocarem a um posto diplomático belga competente, o pedido apresentado no Serviço de Estrangeiros devia ser deferido ao abrigo do direito da União. Com efeito, a legislação belga, que apenas permite que os membros da família de um refugiado apresentem um pedido de entrada e residência pessoalmente e em tal posto diplomático, mesmo nos casos em que esses membros da família estão impossibilitados de aí se deslocarem, não está em conformidade com esse direito.

18      O órgão jurisdicional de reenvio confirma que, por força do direito belga, o cônjuge e os filhos menores do requerente do reagrupamento devem apresentar o seu pedido de reagrupamento familiar ao representante diplomático ou consular belga competente para o local da sua residência ou da sua estada no estrangeiro e que não está prevista nenhuma derrogação a esta obrigação de comparência pessoal no início do procedimento numa situação como a que está em causa no processo principal. Por conseguinte, em aplicação deste direito, X e os seus filhos não poderiam apresentar esse pedido na Bélgica.

19      No entanto, esse órgão jurisdicional observa que a região de Afrin está atualmente sob o controlo efetivo da Turquia e que X e os seus filhos não têm a possibilidade real de deixar essa cidade para comparecerem num posto diplomático belga competente a fim de aí apresentarem um pedido de reagrupamento familiar. Assim, por um lado, X e os seus filhos não podem comparecer, contrariamente ao que sugere o Estado belga, no posto diplomático belga de Ancara (Turquia) ou de Istambul (Turquia), uma vez que a Turquia não é segura para as pessoas que fogem da Síria e que, além disso, as fronteiras turcas estão encerradas para essas pessoas. Por outro lado, a partida para o sul da Síria em direção ao Líbano ou à Jordânia está igualmente excluída, visto que tal deslocação implica a passagem de uma linha da frente.

20      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, uma vez que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 deixa aos Estados‑Membros a tarefa de determinar quem, entre o requerente do reagrupamento e membros da família, pode apresentar o pedido de reagrupamento familiar, a opção do legislador belga afigura‑se, em princípio, conforme a essa disposição. No entanto, no caso em apreço, essa opção equivaleria a recusar ao cônjuge e aos filhos menores do requerente do reagrupamento qualquer possibilidade de apresentarem um pedido de reagrupamento familiar. Por conseguinte, há que apreciar se, em tal situação, a recusa em permitir que esse cônjuge e esses menores apresentem tal pedido na Bélgica põe em causa o efeito útil da referida diretiva ou, além disso, viola os direitos fundamentais que esta visa proteger, designadamente, o direito ao respeito pela vida privada e familiar garantido no artigo 7.o da Carta e o direito à tomada em consideração do interesse superior da criança, bem como o direito de esta manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores, consagrados no artigo 24.o da mesma.

21      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, para justificar essa recusa, o Estado belga alega que a presença de X e dos seus filhos num posto diplomático belga na Turquia, no Líbano ou na Jordânia é indispensável para que aí se possa verificar a sua identidade através da recolha dos seus identificadores biométricos. Embora este objetivo de identificação dos requerentes do reagrupamento familiar pareça legítimo, é necessário, contudo, que o meio utilizado pelo Estado belga, ou seja, exigir a presença dos requerentes num posto diplomático logo no início do procedimento, respeite o princípio da proporcionalidade.

22      Nestas condições, o tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A legislação de um Estado‑Membro que apenas permite que os membros da família de uma pessoa à qual foi reconhecido o estatuto de refugiado apresentem um pedido de entrada e [residência] num posto diplomático desse Estado, mesmo nos casos em que esses membros da família estão impossibilitados de comparecer nesse posto, é compatível com o artigo 5.o, n.o 1, da [Diretiva 2003/86], lido eventualmente em conjugação com o objetivo prosseguido pela mesma diretiva de promover o reagrupamento familiar, com os artigos 23.o e 24.o da [Diretiva 2011/95], com os artigos 7.o e 24.o da [Carta] e com obrigação de garantir o efeito útil do direito da União?»

 Quanto ao pedido de aplicação da tramitação prejudicial urgente

23      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24      Em apoio do seu pedido, esse órgão jurisdicional invocou motivos ligados à situação de segurança na Síria e à circunstância de uma decisão tardia sobre o registo do pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar poder tornar esse reagrupamento mais difícil, uma vez que o direito belga prevê exigências acrescidas quando o pedido de reagrupamento familiar é apresentado depois do decurso do prazo de um ano após o reconhecimento do estatuto de refugiado ao requerente do reagrupamento.

25      A este respeito, em primeiro lugar, há que observar que o presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação, nomeadamente, das disposições da Diretiva 2003/86, que foi adotada com base no artigo 63.o, primeiro parágrafo, ponto 3, alínea a), CE, atual artigo 79.o TFUE. Assim, este ato está abrangido pelo título V da terceira parte do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Em conformidade com o artigo 107.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, este pedido é, assim, suscetível de ser submetido a tramitação prejudicial urgente.

26      No que respeita, em segundo lugar, ao requisito relativo à urgência, resulta nomeadamente da decisão de reenvio que os filhos menores A e B estão separados do pai há mais de três anos e que o prolongamento desta situação, que decorre da falta de registo do pedido do mês de setembro de 2022, pode prejudicar seriamente a relação futura desses menores com o pai [v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Rzecznik Praw Dziecka e o. (Suspensão da decisão de regresso), C‑638/22 PPU, EU:C:2023:103, n.o 42].

27      Nestas circunstâncias, a Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 11 de janeiro de 2023, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente pedido de decisão prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à manutenção do objeto da questão prejudicial

28      Resulta das observações escritas apresentadas pelos recorrentes no processo principal e pelo Governo belga que, por mensagem de correio eletrónico de 3 de fevereiro de 2023, o Serviço de Estrangeiros informou os recorrentes no processo principal que, tendo em conta a sua situação e a título excecional, os autorizava a apresentar o seu pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar num posto diplomático ou consular belga da sua escolha, sem serem obrigados, na fase da apresentação, a comparecer pessoalmente.

29      À luz desta mensagem de correio eletrónico, o Governo belga alega, a título principal, que o pedido de decisão prejudicial deixou de ter objeto, uma vez que já não se exige que, para apresentarem o seu pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar, os recorrentes no processo principal compareçam pessoalmente no posto diplomático ou consular competente.

30      A este respeito, importa recordar que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (Acórdão de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.o 47 e jurisprudência referida).

31      A justificação do reenvio prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva resolução de um litígio. Por conseguinte, se se verificar que as questões submetidas já não são manifestamente pertinentes para a resolução desse litígio, o Tribunal de Justiça deve declarar que não há que conhecer do mérito (Acórdão de 30 de junho de 2022, Valstybės sienos apsaugos tarnyba e o., C‑72/22 PPU, EU:C:2022:505, n.o 48 e jurisprudência referida).

32      No caso em apreço, o litígio no processo principal tem origem na citação em processo de medidas provisórias de 9 de novembro de 2022, que tinha por objeto obter o registo do pedido do mês de setembro de 2022 e fazer com que qualquer mora nesse registo fosse acompanhada de uma sanção pecuniária diária. Conforme alegaram os recorrentes no processo principal nas suas observações escritas e na audiência no Tribunal de Justiça, continuam a ter um interesse concreto em que esse pedido seja registado.

33      Com efeito, resulta do artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva 2003/86 que as autoridades nacionais competentes devem notificar a sua decisão sobre o pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar logo que possível e, em todo o caso, no prazo de nove meses a contar da data de apresentação desse pedido. Assim, como referiu o advogado‑geral, no n.o 28 das suas conclusões, tendo em conta a situação de segurança em que X e os filhos A e B se encontram e a circunstância de estarem separados de Y há mais de três anos, a data em que esse pedido é considerado validamente apresentado reveste uma importância concreta para estes últimos. Assim, os recorrentes no processo principal continuam a ter interesse em que o prazo, previsto no artigo 5.o, n.o 4, desta diretiva, de que dispõem as autoridades nacionais competentes para tomar uma decisão sobre o seu pedido, comece a correr o mais rapidamente possível.

34      Ora, importa referir que a mensagem de correio eletrónico de 3 de fevereiro de 2023 não constitui uma aceitação por parte do Serviço de Estrangeiros do registo do pedido do mês de setembro de 2022, mas um simples convite à apresentação de um novo pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar, sem dever de comparência pessoal, à data da apresentação desse novo pedido, no posto diplomático ou consular escolhido.

35      Nestas condições, há que concluir que continua a ser necessária uma resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio para a resolução do litígio no processo principal.

36      Por conseguinte, há que se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto ao mérito

37      A título preliminar, importa observar que, com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça tanto sobre o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 como sobre os artigos 23.o e 24.o da Diretiva 2011/95, relativos à preservação da unidade familiar e à autorização de residência. Ora, como o advogado‑geral referiu, no n.o 31 das suas conclusões, estas últimas disposições não se afiguram pertinentes relativamente à situação em causa no processo principal, uma vez que, em conformidade com o artigo 2.o, alínea j), desta diretiva, as referidas disposições não se aplicam aos membros da família de um refugiado que se encontrem, não no território do Estado‑Membro em causa, mas ainda no território de um país terceiro.

38      Nestas condições, há que considerar que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 7.o e com o artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que exige, para efeitos da apresentação de um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar, que os membros da família do requerente do reagrupamento, especialmente de uma pessoa à qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, se desloquem pessoalmente ao posto diplomático ou consular de um Estado‑Membro competente em função do local da sua residência ou da sua estada no estrangeiro, incluindo numa situação em que lhes seja impossível ou excessivamente difícil deslocarem‑se a esse posto.

39      O artigo 5.o desta diretiva prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros determinam se, para exercer o direito ao reagrupamento familiar, cabe ao requerente do reagrupamento ou aos seus familiares apresentar o pedido de entrada e residência às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa.

40      Decorre desta disposição que cabe aos Estados‑Membros determinar, por um lado, a pessoa que, para efeitos do exercício do direito ao reagrupamento familiar, está autorizada a apresentar um pedido de entrada e residência e, por outro, as autoridades competentes para registar esse pedido.

41      No entanto, importa recordar, em primeiro lugar, que, embora o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86 reconheça assim aos Estados‑Membros uma margem de apreciação a este respeito, essa margem não deve ser utilizada por estes de uma maneira que prejudique o objetivo desta diretiva e o seu efeito útil [v., por analogia, Acórdãos de 13 de março de 2019, E., C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 53, e de 12 de dezembro de 2019, G. S. e V. G. (Ameaça para a ordem pública), C‑381/18 e C‑382/18, EU:C:2019:1072, n.o 62 e jurisprudência referida].

42      Ora, no que respeita ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que esta diretiva visa favorecer o reagrupamento familiar e conferir uma proteção aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores. Para alcançar esse objetivo, o artigo 4.o, n.o1, da referida diretiva impõe aos Estados‑Membros obrigações positivas precisas, às quais correspondem direitos subjetivos claramente definidos. Exige‑lhes, assim, que autorizem o reagrupamento familiar de certos familiares do requerente do reagrupamento, sem que possam exercer a sua margem de apreciação, desde que os requisitos previstos no capítulo IV estejam preenchidos [Acórdão de 12 de dezembro de 2019, G.S. e V.G. (Ameaça para a ordem pública), C‑381/18 e C‑382/18, EU:C:2019:1072, n.os 60 e 61 e jurisprudência referida].

43      Por outro lado, a Diretiva 2003/86 visa, como resulta do seu considerando 8, conferir uma maior proteção aos nacionais de países terceiros a quem tenha sido concedido o estatuto de refugiado, uma vez que prevê condições mais favoráveis para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, uma vez que a sua situação requer uma consideração especial devido às razões que obrigaram estas pessoas a abandonar os seus países e que as impedem de neles viverem com as respetivas famílias.

44      Em segundo lugar, como decorre do considerando 2 da Diretiva 2003/86, esta reconhece os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta. Por conseguinte, incumbe aos Estados‑Membros não só interpretarem o direito nacional em conformidade com o direito da União mas também evitarem basear‑se numa interpretação de um diploma de direito derivado que seja suscetível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União (Acórdão de 13 de março de 2019, E., C‑635/17, EU:C:2019:192, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida).

45      A este respeito, importa referir que o artigo 7.o da Carta, que consagra direitos correspondentes aos garantidos no artigo 8.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, expressamente mencionado no considerando 2 da referida diretiva, reconhece o direito ao respeito pela vida privada e familiar. Esta disposição da Carta deve ser lida em conjugação com o artigo 24.o, n.o 2, da mesma, relativo à obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, e com o n.o 3 do mesmo artigo, relativo à necessidade de a criança manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores [Acórdão de 16 de julho de 2020, État belge (Reagrupamento familiar) — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 34 e jurisprudência referida].

46      Daqui resulta que as disposições da Diretiva 2003/86 devem ser interpretadas e aplicadas à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, como decorre dos termos do considerando 2 e do artigo 5.o, n.o 5, da referida diretiva, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de analisarem os pedidos de reagrupamento familiar em questão no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar [Acórdão de 16 de julho de 2020, État belge (Reagrupamento familiar — Filho menor), C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 35 e jurisprudência referida].

47      Assim, incumbe às autoridades nacionais competentes proceder a uma apreciação equilibrada e razoável de todos os direitos e interesses em jogo, tendo especialmente em conta os das crianças em causa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2019, E., C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 57 e jurisprudência referida).

48      É à luz de todas as considerações precedentes que há que apreciar se o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86, lido à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, se opõe a que um Estado‑Membro exija a comparência pessoal dos membros da família do requerente do reagrupamento no posto diplomático ou consular competente desse Estado‑Membro no momento da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, mesmo quando, devido à sua situação concreta, essa comparência é impossível ou excessivamente difícil.

49      A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 12.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, da Lei de 15 de dezembro de 1980, que transpõe para o direito belga o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86, prevê que cabe aos membros da família do requerente do reagrupamento e não ao próprio requerente do reagrupamento apresentar um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar e que esses familiares devem apresentar esse pedido pessoalmente ao representante diplomático ou consular belga competente em função do seu local de residência ou de estada no estrangeiro.

50      Como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, o direito belga não prevê derrogações a esta exigência de comparência pessoal no momento da apresentação do pedido de reagrupamento familiar em situações em que essa comparência é impossível ou excessivamente difícil, especialmente aquelas em que os familiares do requerente do reagrupamento vivem numa zona de conflito e correm o risco, ao deslocar‑se, de se expor a tratamentos desumanos ou degradantes, ou mesmo de pôr em perigo a sua vida.

51      Ora, importa referir que, para alcançar o objetivo da Diretiva 2003/86 de favorecer o reagrupamento familiar, conforme recordado no n.o 42 do presente acórdão, é indispensável que, em tais situações, os Estados‑Membros demonstrem ter a flexibilidade necessária para permitir que os interessados possam efetivamente apresentar o seu pedido de reagrupamento familiar em tempo útil, facilitando a apresentação desse pedido e admitindo, sobretudo, o recurso a meios de comunicação à distância.

52      Com efeito, sem essa flexibilidade, a exigência, sem exceção, de comparência pessoal no momento da apresentação do pedido, como a prevista na regulamentação nacional em causa no processo principal, não permite ter em conta os eventuais obstáculos suscetíveis de impedir a apresentação efetiva desse pedido e, por conseguinte, tornar impossível o exercício do direito ao reagrupamento familiar, perpetuando assim a separação do requerente do reagrupamento dos membros da sua família e a situação frequentemente precária destes últimos. Em especial, quando estes se encontram num país marcado por um conflito armado, as possibilidades de comparecerem em postos diplomáticos ou consulares competentes podem ser consideravelmente limitadas, de modo que, para cumprirem a exigência de comparência pessoal, essas pessoas, que, além disso, podem ser menores, ver‑se‑iam obrigadas a aguardar que a situação de segurança permitisse a sua deslocação, a menos que se expusessem a tratamentos desumanos ou degradantes, ou mesmo que colocassem a sua vida em perigo.

53      No que respeita à situação específica dos refugiados, como Y no processo principal, importa acrescentar que a falta de flexibilidade por parte do Estado‑Membro em causa, que impede os membros da sua família de apresentarem o seu pedido de reagrupamento familiar, independentemente das circunstâncias, pode levar a que os interessados não consigam respeitar o prazo previsto no artigo 12.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/86, ou na disposição do direito nacional que o transpõe, e a que o seu reagrupamento familiar fique, assim, sujeito a requisitos adicionais mais difíceis de preencher, previstos no artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, em violação do objetivo, recordado no n.o 43 do presente acórdão, de prestar uma consideração especial à situação dos refugiados.

54      Atendendo a estas considerações, há que concluir que a exigência de comparência pessoal no momento da apresentação de um pedido de reagrupamento, sem que sejam admitidas derrogações a esta exigência para ter em conta a situação concreta em que se encontram os familiares do requerente do reagrupamento, nomeadamente, o facto de lhes ser impossível ou excessivamente difícil cumprir a referida exigência, torna impossível, na prática, o exercício do direito ao reagrupamento familiar, de modo que essa regulamentação, aplicada sem a necessária flexibilidade, prejudica o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86 e priva‑a do seu efeito útil.

55      Em segundo lugar, conforme recordado no n.o 44 do presente acórdão, a Diretiva 2003/86 reconhece os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta.

56      A este respeito, importa referir que uma disposição nacional que exige, sem exceções, a comparência pessoal dos familiares do requerente do reagrupamento na apresentação de um pedido de reagrupamento familiar, mesmo quando essa comparência é impossível ou excessivamente difícil, viola o direito ao respeito pela unidade familiar consagrado no artigo 7.o da Carta, eventualmente conjugado com o artigo 24.o, n.os 2 e 3, da mesma.

57      Com efeito, como o advogado‑geral referiu, no n.o 65 das suas conclusões, essa obrigação constitui uma ingerência desproporcionada no direito ao respeito pela unidade familiar relativamente à finalidade, certamente legítima, invocada pelo Governo belga, de combater as fraudes relacionadas com o reagrupamento familiar, violando o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

58      As considerações expressas nos n.os 56 e 57 do presente acórdão são corroboradas pela circunstância de o procedimento de pedido de reagrupamento familiar decorrer por fases, conforme resulta da estrutura do artigo 5.o da Diretiva 2003/86. Assim, os Estados‑Membros podem exigir a comparência pessoal dos membros da família do requerente do reagrupamento num fase posterior desse procedimento, a fim de, nomeadamente, verificarem os laços familiares e a identidade dos interessados, sem que seja necessário impor, para efeitos do tratamento do pedido de reagrupamento familiar, essa comparência logo na apresentação do pedido.

59      No entanto, para não prejudicar o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86 de favorecer o reagrupamento familiar nem os direitos fundamentais que esta visa proteger, sempre que o Estado‑Membro exija a comparência pessoal dos familiares do requerente do reagrupamento numa fase posterior do procedimento, esse Estado‑Membro deve facilitar tal comparência, nomeadamente através da emissão de documentos consulares ou de livres‑trânsitos, e reduzir ao estritamente necessário o número de comparências. Assim, incumbe‑lhe prever a possibilidade de efetuar as verificações dos laços familiares e da identidade que exigem a presença desses membros da família no termo do procedimento e, se possível, no mesmo momento em que eventualmente lhes são emitidos os documentos que autorizam a entrada no território do Estado‑Membro em causa.

60      Tendo em conta os fundamentos precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86, lido em conjugação com o artigo 7.o e com o artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que exige, para efeitos da apresentação de um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar, que os membros da família do requerente do reagrupamento, especialmente de uma pessoa à qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, se desloquem pessoalmente ao posto diplomático ou consular de um Estado‑Membro competente em função do local da sua residência ou da sua estada no estrangeiro, incluindo numa situação em que lhes seja impossível ou excessivamente difícil deslocarem‑se a esse posto, sem prejuízo da possibilidade de esse Estado‑Membro exigir a comparência pessoal desses familiares numa fase posterior do procedimento de pedido de reagrupamento familiar.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, lido em conjugação com o artigo 7.o e com o artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional que exige, para efeitos da apresentação de um pedido de entrada e residência ao abrigo do reagrupamento familiar, que os membros da família do requerente do reagrupamento, especialmente de uma pessoa à qual foi reconhecido o estatuto de refugiado, se desloquem pessoalmente ao posto diplomático ou consular de um EstadoMembro competente em função do local da sua residência ou da sua estada no estrangeiro, incluindo numa situação em que lhes seja impossível ou excessivamente difícil deslocaremse a esse posto, sem prejuízo da possibilidade de esse EstadoMembro exigir a comparência pessoal desses familiares numa fase posterior do procedimento de pedido de reagrupamento familiar.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.