Language of document : ECLI:EU:T:2002:147

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

6 de Junho de 2002 (1)

«Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional - Projectos co-financiados pelo FEDER - Recusa de prorrogar o prazo para apresentação de um pedido de pagamento definitivo - Recurso de anulação - Admissibilidade»

No processo T-105/01,

Società Lavori Impianti Metano Sicilia (SLIM Sicilia), com sede em Siracusa (Itália), representada por N. Saitta, F. Saitta, M. Siragusa, F. M. Moretti e C. Lanciani, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Van Vliet, na qualidade de agente, assistido por M. Moretto, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão constante de uma carta dirigida, em 12 de Dezembro de 2000, ao Governo italiano, que recusa prorrogar o prazo para apresentação do pedido de pagamento definitivo e encerramento do processo relativo à contribuição concedida ao abrigo do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional n.° 840503013/001, relativo à ligação da comuna de Siracusa à rede de gás metano,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

     Enquadramento regulamentar

Direito comunitário

1.
    O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) foi criado pelo Regulamento (CEE) n.° 724/75 do Conselho, de 18 de Março de 1975 (JO L 73, p. 1). Este regulamento, alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 214/79 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1979 (JO L 35, p. 1), e pelo Regulamento (CEE) n.° 3325/80 do Conselho, de 16 de Dezembro de 1980 (JO L 349, p. 10), contém, nos seus artigos 4.° a 12.°, disposições relativas às acções comunitárias de apoio às medidas de política regional adoptadas pelos Estados-Membros. A partir de 1 de Janeiro de 1985, o Regulamento n.° 724/75 foi substituído pelo Regulamento (CEE) n.° 1787/84 do Conselho, de 19 de Junho de 1984, relativo ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (JO L 169, p. 1; EE 14 01 p. 88).

2.
    Em 1988, o regime dos fundos estruturais foi reformado. Pelo seu Regulamento (CEE) n.° 2052/88, de 24 de Junho de 1988 (JO L 185, p. 9), o Conselho adoptou disposições relativas às missões dos Fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes. Em 19 de Dezembro de 1988, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 4254/88, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (JO L 374, p. 15). Este último substituiu o Regulamento n.° 1787/84.

3.
    No quadro da aplicação da regulamentação respeitante aos fundos estruturais, surgiram problemas ao nível orçamental pelo facto de, em certos projectos, ter decorrido um prazo longo entre a autorização da despesa no orçamento comunitário e o encerramento definitivo do projecto. Este último verifica-se com o pagamento do saldo final na sequência do acabamento material do projecto e na condição de o controlo financeiro que incumbe ao Estado-Membro em causa ter um resultado positivo. Os atrasos ocorridos deram lugar a críticas do Tribunal de Contas e do Parlamento Europeu. Para lhes dar satisfação, o Conselho alterou, no quadro de nova reforma dos fundos estruturais ocorrida em 1993, os Regulamentos n.° 2052/88 e n.° 4254/88, introduzindo algumas disposições transitórias para resolver o problema dos projectos para os quais a contribuição tinha sido decidida antes de 1 de Janeiro de 1989, mas não tinham ainda sido objecto de encerramento definitivo.

4.
    A esse propósito, resulta do n.° 3 do artigo 15.° do Regulamento n.° 2052/88, com as alterações do Regulamento (CEE) n.° 2081/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 5), que «as concessões de contribuição para os projectos que tenham sido objecto de uma decisão de concessão de contribuição antes de 1 de Janeiro de 1989» deviam estar definitivamente encerradas até 30 de Setembro de 1995, o mais tardar.

5.
    No tocante ao FEDER, o artigo 12.° do Regulamento n.° 4254/88, com as alterações do Regulamento (CEE) n.° 2083/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 34), prevê:

«Disposições transitórias

As fracções dos montantes autorizados a título da concessão de contribuições para os projectos decididos pela Comissão antes de 1 de Janeiro de 1989 ao abrigo do FEDER, e que não tenham sido objecto de um pedido de pagamento definitivo à Comissão antes de 31 de Março de 1995, serão automaticamente anuladas pela Comissão o mais tardar em 30 de Setembro de 1995, sem prejuízo dos projectos suspensos por razões judiciais.»

Direito italiano

6.
    O projecto a que o presente litígio diz respeito inscreve-se no programa de ligação do Mezzogiorno italiano à rede de distribuição de gás metano. Esse programa é baseado no artigo 11.° da Lei italiana n.° 784, de 28 de Novembro de 1980 (a seguir «Lei n.° 784»), com as alterações da Lei italiana n.° 51, de 26 de Fevereiro de 1982. Segundo o texto do artigo 11.°, primeiro e segundo parágrafos, da Lei n.° 784, apresentado pela recorrente, o programa de metanização do Mezzogiorno deve ser aprovado pelo Comitato Interministeriale di Programmazione Economica (comité interministerial de programação económica, a seguir «CIPE». A Lei n.° 784 autoriza, no terceiro parágrafo do seu artigo 11.°, a despesa de 605 mil milhões de liras italianas (ITL) para o financiamento nacional desse programa. Cabe ao CIPE fixar os critérios e as modalidades para a concessão das contribuições. Estas são concedidas por decreto do Ministro do Tesouro após instrução técnica pela Cassa per il Mezzogiorno (Caixa para o Mezzogiorno) (décimo terceiro parágrafo do artigo 11.°). As contribuições nacionais, bem como as concedidas pelo FEDER, são pagas aos beneficiários pela Cassa depositi e prestiti (Caixa de Depósitos e Empréstimos, a seguir «Cassa DD.PP:» (décimo quarto parágrafo do artigo 11.°). A Lei n.° 784 autoriza nomeadamente a concessão, às comunas ou às associações de comunas (consorzi), de contribuições em capital ou bonificação de juros (quarto parágrafo, pontos 1 e 2, do artigo 11.°).

Factos

7.
    Pela decisão C(84) 1819/242, de 12 de Dezembro de 1984, enviada no mesmo dia à República Italiana, a Comissão concedeu uma contribuição ao abrigo do FEDER ao projecto de ligação da cidade de Siracusa à rede de gás metano. A contribuição do FEDER ascendia a 40% do custo do projecto (estimado em 27,5 mil milhões de ITL) e, portanto, num montante máximo de 11 mil milhões de ITL. Segundo o anexo da decisão, a autoridade responsável pela realização do projecto era a comuna de Siracusa. Estava previsto que os trabalhos deviam decorrer entre Janeiro de 1984 e Dezembro de 1986. Por decreto do Ministro do Tesouro de 31 de Outubro de 1983, o Estado italiano concedeu, ao abrigo do disposto no quarto parágrafo do artigo 11.° da Lei n.° 784, uma contribuição nacional cujo montante estava fixado igualmente em 11 mil milhões de ITL.

8.
    A cidade de Siracusa confiou a realização do projecto à recorrente, com base em contrato de concessão celebrado em Dezembro de 1983 (a seguir «contrato de concessão»).

9.
    O artigo 20.° desse contrato dispõe:

«A administração comunal, que designa o concessionário, apresentará, nos prazos previstos, o pedido para beneficiar da contribuição financeira referida no quarto parágrafo, ponto 1, do artigo 11.° da Lei n.° 784, de 28 de Novembro de 1980, bem como da contribuição financeira prevista pelo Regulamento FEDER-CEE n.° 724/75 e dará mandato à Cassa del Mezzogiorno para apresentar o pedido no Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

O concessionário, por seu lado, submeterá ao Ministro do Tesouro e à Cassa per il Mezzogiorno o pedido de benefício dos auxílios previstos pelo quarto parágrafo, ponto 2, do artigo 11.° da Lei n.° 784/80.

A comuna delegará, na medida do possível, no concessionário o recebimento dos montantes provenientes das contribuições já referidas, à medida que forem creditadas à administração comunal.

De qualquer forma, o concessionário compromete-se formalmente a proceder directamente ao financiamento das despesas não cobertas pelos auxílios acima referidos.»

10.
    Segundo a versão dada pela recorrente da legislação italiana na matéria e do contrato de concessão, tal concessão implica que o concessionário assume, por si só, o financiamento da obra em substituição da comuna concedente. Para esse efeito, o concessionário tem direito ao pagamento, pela comuna, das contribuições financeiras nacionais e comunitárias a ela atribuídas. Deve, em contrapartida, financiar as despesas do projecto não cobertas pelas contribuições. A remuneração do concessionário consiste não num preço pago pela administração, mas na autorização de explorar a seguir a obra realizada e de conservar as receitas de exploração.

11.
    O pagamento da contribuição comunitária foi efectuado em prestações, pagas pela Comissão ao Ministério do Tesouro italiano e por este à comuna de Siracusa que, por seu lado, as pagou à recorrente. Estes pagamentos foram efectuados em função de diferentes estados de avanço dos trabalhos (a seguir «EAT») determinados consoante esse avanço.

12.
    Em 31 de Agosto de 1989, foi estabelecido um primeiro EAT final para os trabalhos executados até 3 de Março de 1989. Segundo esse EAT, os trabalhos efectuados correspondiam a um montante de 24 110 190 502 ITL.

13.
    A comuna de Siracusa procedeu a um controlo de que resultou um diferendo com a recorrente. Segundo o relatório de controlo de 12 de Outubro de 1991, o custo da obra que podia ser admitido era apenas de 21 395 087 275 ITL. Segundo os controladores, os trabalhos inicialmente previstos pelo projecto tinham um custo inferior ao previsto e admitido ao benefício das contribuições financeiras. Os controladores indicaram que, se a recorrente desejasse receber uma contribuição de montante mais aproximado do inicialmente previsto, devia eventualmente executar outros trabalhos no quadro de uma variante do projecto de extensão da rede de distribuição.

14.
    Seguiram-se um processo de arbitragem e um litígio perante os órgãos jurisdicionais administrativos italianos. Na sequência de uma decisão do tribunal administrativo regional da Sicília de 22 de Novembro de 1993, foi efectuado um novo controlo a partir de 16 de Novembro de 1994. Este terminou em 8 de Junho de 1995. O novo controlador tomou em consideração trabalhos suplementares executados pela recorrente entre 4 de Março de 1989 e 13 de Abril de 1995. Segundo o EAT final aprovado por ocasião dessa operação de controlo, o custo do projecto era de 26 037 671 249 ITL.

15.
    Em 25 de Julho de 1995, a comuna de Siracusa aceitou os resultados do segundo controlo.

16.
    Entretanto, isto é, em 29 de Março de 1995, o Ministério do Orçamento italiano enviou à Comissão uma lista das obras para as quais era pedida uma prorrogação do prazo para apresentar o pedido de pagamento definitivo devido a uma suspensão por razões de carácter judicial, em conformidade com o disposto no artigo 12.° do Regulamento n.° 4254/88, com as alterações do Regulamento n.° 2083/93. O projecto controvertido figurava nessa lista.

17.
    Em 25 de Outubro de 1996, o Ministério da Indústria informou o Ministério do Tesouro e o Ministério do Orçamento de que todos os projectos para os quais tinha sido pedida a prorrogação do prazo de apresentação do pedido de pagamento definitivo «[podiam] ser considerados prorrogados de facto». Nenhuma decisão da Comissão para esse efeito tinha, no entanto, ocorrido.

18.
    Por decreto de 3 de Dezembro de 1996, o Ministério do Tesouro fixou o dia 7 de Abril de 1995 como data de acabamento dos trabalhos do projecto controvertido e aprovou, por um montante global de 25 095 000 000 ITL, as despesas permitidas no quadro do projecto. Em 12 de Dezembro de 1996, a Cassa DD.PP. pagou um adiantamento por conta da última prestação do financiamento à comuna de Siracusa. A Comissão não foi disso informada. Em 30 de Dezembro de 1996, a Cassa DD.PP informou o Ministério da Indústria de que, com base nos documentos definitivos relativos às despesas, tinha sido decidido proceder ao pagamento do saldo de 2 703 916 079 ITL, convidando esse mesmo ministério a enviar ao FEDER um pedido de afectação de um montante de 456 060 000 ITL para o saldo da contribuição - montante pago pela Cassa antecipadamente, em conformidade com a legislação nacional. Com base numa decisão da comuna de Siracusa de 16 de Janeiro de 1997, foi paga à recorrente o montante de 2 703 913 080 ITL.

19.
    No decurso de 1999, foram definidos prazos-limite para que as autoridades italianas obtivessem e verificassem os documentos que atestam que os projectos para os quais fora pedida uma prorrogação do prazo para a apresentação do pedido de pagamento final tinham sido suspensos por razões de carácter judicial. No início do ano de 2000, a Comissão recebeu os resultados das verificações supramencionadas. No que respeita ao projecto controvertido, recebeu uma ficha de controlo da qual resultava que esse controlo tinha sido efectuado em 11 de Outubro de 1999. Nessa ocasião, a Comissão soube que os trabalhos de execução do projecto inicialmente previstos tinham sido acabados em Março de 1989 e que a avaliação dos trabalhos tinha sido objecto de um litígio. Foi igualmente informada de que os trabalhos complementares tinham sido efectuados e de que estes estavam ainda em curso na data de 31 de Março de 1995 (v. supra n.° 16). Com base nestas informações, a Comissão considerou que o projecto não tinha sido suspenso na sequência dos processos judiciais invocados.

20.
    Por carta de 12 de Dezembro de 2000, que é a decisão impugnada pelo presente recurso, a Comissão indicou ao Governo italiano que não podia dar seguimento favorável ao pedido de prorrogação do prazo para uma série de projectos entre os quais figurava o projecto controvertido, e propôs ao Governo italiano o encerramento, nomeadamente, do projecto em questão. Em anexo a essa carta, a Comissão indicou que o montante das despesas elegíveis para esse investimento ascendia a 23 930 772 264 ITL, ao passo que o montante previsto na decisão de concessão era de 27 500 000 000 ITL. Em consequência, em vez da contribuição inicialmente atribuída, limitada a 11 mil milhões de ITL, o montante vencido era reduzido a 9 572 308 905 ITL (ou seja, 40% das despesas autorizadas), montante já pago (com excepção do montante de 8 905 ITL, cujo pagamento era anunciado) antes de 31 de Março de 1995.

21.
    Através dessa carta, a Comissão convidou as autoridades italianas a comunicar-lhe, no prazo de três semanas, as suas eventuais observações. Por nota de 19 de Dezembro de 2000, o Ministério do Tesouro respondeu que não tinha qualquer observação a formular em relação à carta de 12 de Dezembro de 2000 e à proposta de encerramento que continha.

22.
    Em 9 de Janeiro de 2001, o Ministério do Tesouro notificou o indeferimento do pedido de prorrogação à comuna de Siracusa e, para informação, ao Ministério da Indústria. Por nota de 13 de Fevereiro de 2001, recebida pela recorrente em 5 de Março de 2001, o Ministério da Indústria informou a recorrente dessa decisão, observando que a parte da contribuição comunitária julgada inelegível deveria, em consequência, ficar a seu cargo.

23.
    A recorrente recorreu das decisões contidas nessas notas para o tribunal administrativo regional da Sicília, pedindo a sua anulação.

24.
    Paralelamente, tentou obter o texto da carta da Comissão de 12 de Dezembro de 2000, por um lado, junto desta, que a convidou a dirigir-se às autoridades italianas, e, por outro, junto destas últimas. Em 11 de Abril de 2000, a recorrente obteve do Ministério do Tesouro uma cópia da carta.

Tramitação processual e pedidos das partes

25.
    Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 14 de Maio de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso, pedindo a anulação da decisão de 12 de Dezembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada») na parte a ela respeitante, e, a título subsidiário, a anulação da decisão impugnada na parte em que fixa, em relação à recorrente, as «despesas declaradas» antes de 31 de Março de 1995 em 23 930 772 264 ITL em vez de 24 110 190 502 ITL ou em montante superior a este.

26.
    Por acto separado, apresentado na Secretaria do Tribunal em 27 de Julho de 2001, a Comissão suscitou a questão prévia de admissibilidade ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

27.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso manifestamente inadmissível;

-    condenar a recorrente nas despesas do processo.

28.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    indeferir a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão;

-    dar provimento ao recurso em conformidade com os pedidos que figuram na petição;

-    condenar a Comissão nas despesas.

Quanto à admissibilidade

29.
    Nos termos do n.° 4 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode, a pedido de uma das partes, conhecer da inadmissibilidade de um recurso, antes de o fazer do mérito. Por força do n.° 3 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, a tramitação ulterior do processo quanto à questão prévia de admissibilidade é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. O Tribunal considera que, no caso concreto, está suficientemente informado pelos elementos dos autos e que não há que abrir a fase oral do processo.

Argumentos das partes

30.
    A Comissão sustenta que a decisão impugnada não diz directamente respeito à recorrente. Afirma que a recorrente não é o beneficiário nem o destinatário da contribuição controvertida e que nem é identificada pela decisão de concessão dessa contribuição, nem pela decisão impugnada. Nenhuma relação directa existe entre a Comissão e a recorrente. Esta é um simples contratante do beneficiário do auxílio, isto é, da autoridade pública responsável pela execução do projecto.

31.
    Segundo a Comissão, o efeito jurídico receado pela recorrente é o de ter de suportar uma parte suplementar dos custos do investimento. A Comissão considera que esse efeito não decorre da decisão impugnada nem do direito comunitário, mas unicamente da decisão da comuna de Siracusa de subordinar a concessão da obra à obrigação de o concessionário assumir ele próprio o encargo de todas as despesas não cobertas pelas contribuições comunitárias ou nacionais. Essa decisão está na origem do artigo 20.° do contrato de concessão. A Comissão considera que, sem essa cláusula, a comuna de Siracusa teria o encargo das despesas não cobertas pelas contribuições comunitárias ou nacionais. Acrescenta que a recorrente aceitou o artigo 20.° do contrato de concessão e que assumiu assim o risco de ter de suportar as despesas não cobertas pelas contribuições.

32.
    A Comissão sublinha que a decisão impugnada não impõe a repetição do montante pago à recorrente que ultrapasse o da contribuição comunitária definitiva resultante da decisão impugnada.

33.
    A recorrente sustenta que a decisão impugnada produz efeitos jurídicos directos a seu respeito, independentemente de qualquer acto de execução, discricionário ou não, do Estado italiano que é o seu destinatário.

34.
    Afirma que o contrato de concessão tem por consequência que a recorrente é, ela própria, o «beneficiário» das contribuições financeiras e, portanto, o destinatário efectivo de qualquer decisão da Comissão neste contexto. Descreve em pormenor o regime italiano da «concessão de construção e de exploração» e o quadro normativo do projecto segundo o direito italiano.

35.
    A recorrente considera que o efeito principal da decisão impugnada é reduzir o montante da contribuição comunitária concedida para o projecto controvertido de 11 mil milhões de ITL para 9 572 308 905 ITL. Censura à Comissão não tomar em conta, na questão prévia de admissibilidade, o efeito jurídico da decisão impugnada que consiste na «amputação parcial da contribuição financeira» e ter baseado a sua argumentação unicamente no encargo que constitui, para a recorrente, a obrigação de suportar uma parte adicional do custo do investimento. Segundo a recorrente, a amputação do seu direito à intervenção financeira do FEDER implica automaticamente um esforço financeiro directo mais elevado, o que constitui um efeito directo da decisão que, para se produzir, não necessita de outros actos da parte do Estado-Membro ou da comuna.

36.
    A recorrente contesta ter consentido, ao aceitar o artigo 20.° do contrato de concessão, no risco de assumir inteiramente a parte de financiamento prevista a cargo do FEDER no caso de a Comissão decidir não conceder a sua contribuição. Afirma ter subordinado, no contrato de concessão, a execução dos trabalhos à condição suspensiva da admissão do projecto às contribuições financeiras nacional e comunitária.

37.
    A recorrente é de opinião de que a decisão impugnada lhe impõe, além disso, a obrigação de restituir ao Estado italiano o saldo da contribuição avançada por este, mas cujo pagamento foi recusado pela decisão impugnada. Segundo a recorrente, essa obrigação decorre directamente da decisão impugnada, sem necessidade de outras medidas da parte do Estado ou da comuna.

38.
    A recorrente deduz do que antecede que a decisão impugnada teve consequências «formais» directas a seu respeito, sem qualquer intervenção suplementar da parte da administração italiana.

39.
    Alega, além disso, que a jurisprudência não exige sequer tal efeito «formal» directo. Com efeito, é reconhecido que uma decisão pode dizer directamente respeito a um particular não só quando nenhuma intervenção suplementar das autoridades nacionais é necessária, mas também quando existe um efeito «material» directo, isto é, quando é certo que o acto necessita de uma medida de execução nacional, mas é possível prever com certeza ou com forte probabilidade que a medida de execução afectará esse particular.

40.
    Sustenta que a possibilidade de o Estado italiano não dar seguimento à decisão impugnada é, no caso em apreço, puramente teórica. As autoridades italianas nunca se mostraram dispostas a conceder um aumento da sua própria contribuição para fazer face a uma eventual redução da contribuição comunitária. Além disso, é muito duvidoso, à luz da regulamentação italiana, que tal aumento lhe possa ser regularmente concedido.

41.
    A recorrente contesta o argumento da Comissão assente no poder discricionário das autoridades nacionais quanto à recuperação do adiantamento que lhe foi pago. Considera que não é pertinente saber se o Estado italiano é obrigado, devido à decisão impugnada, a efectuar reembolsos à Comissão. Devido à decisão, a recorrente é, de qualquer maneira, obrigada a reembolsar o adiantamento que lhe foi feito sobre o resto da contribuição financeira.

42.
    A recorrente considera, em seguida, que é sem pertinência, para efeitos do presente recurso, saber se o dano sofrido pela empresa concessionária na sequência da redução da contribuição financeira fica em definitivo a cargo do Estado-Membro ou da comuna em razão de actos ou de factos que nada têm a ver com a execução da decisão impugnada. Considera que a eventual responsabilidade da comuna pelo atraso ocorrido na apresentação do pedido de pagamento definitivo não tem qualquer incidência no facto de o efeito jurídico da decisão impugnada (isto é, a redução da contribuição financeira) ter origem nessa decisão.

43.
    A recorrente acrescenta que a sua protecção jurisdicional não pode ser garantida só pelas vias de recurso a nível nacional e que a declaração do presente recurso como inadmissível não é conforme às exigências de uma boa administração da justiça.

44.
    A título subsidiário, a recorrente alega finalmente que, na hipótese de o Tribunal considerar que a decisão impugnada não lhe diz directamente respeito quanto ao fundo, o recurso deveria, todavia, ser considerado admissível, a fim de o juiz comunitário poder fiscalizar se as garantias processuais, a que tinha direito no quadro do procedimento administrativo, não foram violadas.

Apreciação do Tribunal

45.
    É jurisprudência constante que, para o acto comunitário adoptado dizer directamente respeito a um recorrente particular que não é o seu destinatário, este acto deve produzir efeitos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação revestir carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2000, DSTV/Comissão, T-69/99, Colect., p. II-4039, n.° 24, e de 22 de Novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl-Raffinerie/Comissão, T-9/98, Colect., p. II-3367, n.° 47).

46.
    Quando o acto é executado por autoridades nacionais suas destinatárias, é o que acontece quando a medida não deixa qualquer poder de apreciação a essas autoridades (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Oleifici Italiani e Fratelli Rubino/Comissão, T-54/96, Colect., p. II-3377, n.° 56). O mesmo se passa quando a possibilidade de os destinatários não darem seguimento ao acto comunitário for puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas sobre a sua vontade de tirar consequências conformes ao referido acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 8 a 10, e Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 44).

47.
    No caso em apreço, deve salientar-se que a decisão impugnada, pela recusa de prorrogar o prazo para apresentação do pedido de pagamento definitivo, exclui qualquer pagamento da Comissão ao Estado italiano, a título da contribuição controvertida, que não foi pedida antes de 31 de Março de 1995. Produz, portanto, nas relações entre a Comissão e o Estado italiano, um efeito que a recorrente qualificou, com razão, de «amputação» da contribuição financeira.

48.
    No tocante aos efeitos dessa decisão para a recorrente, há que recordar que esta recebeu, da comuna de Siracusa, o pagamento dos montantes correspondentes às contribuições comunitária e nacional para a integralidade das despesas do projecto reconhecidas pelo decreto do Ministério do Tesouro de 3 de Dezembro de 1996 (v. supra n.° 18).

49.
    Com efeito, como resulta dos autos, as autoridades italianas agiram sem esperar a decisão da Comissão sobre o pedido de prorrogação do prazo para a apresentação do pedido definitivo, como se esse pedido tivesse recebido resposta positiva (v. supra n.os 17 e 18). A esse propósito, é certo que resulta da decisão do director-geral da Cassa DD.PP., de 12 de Dezembro de 1996, que o pagamento efectuado por esta à comuna de Siracusa foi efectuado «a título de adiantamento temporário». Em contrapartida, a decisão da comuna de Siracusa de 16 de Janeiro de 1997, que autoriza o pagamento de um montante de 2 703 913 080 ITL à recorrente, não contém qualquer reserva e indica que se trata do saldo da contribuição relativa aos trabalhos efectuados pela recorrente.

50.
    Nesta situação, a decisão impugnada produz efeitos na situação jurídica da recorrente unicamente se esta for obrigada, devido a essa decisão, a reembolsar a diferença entre o montante que recebeu a título da contribuição comunitária e o montante pago pela Comissão ao Estado italiano em conformidade com a decisão impugnada.

51.
    Ora, nenhuma obrigação nesse sentido decorre da própria decisão impugnada, nem de qualquer disposição do direito comunitário que reja o efeito jurídico dessa decisão.

52.
    Além disso, nenhum elemento dos autos permite concluir que as autoridades italianas competentes não dispõem de qualquer poder discricionário, mesmo de qualquer poder decisório, no que respeita ao reembolso. A esse propósito, a circunstância de o artigo 20.° do contrato de concessão parecer exprimir a intenção das autoridades nacionais de repercutir sobre a recorrente as consequências financeiras de qualquer decisão da Comissão relativa à contribuição comunitária não basta para demonstrar o interesse directo exigido pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

53.
    Assim, a decisão, tomada autonomamente pelas autoridades italianas, de pagar à recorrente um montante correspondente à integralidade da contribuição comunitária inicialmente prevista, sem esperar pela decisão da Comissão relativa à prorrogação pedida, fica intercalada entre a decisão impugnada e a situação jurídica da recorrente.

54.
    Por conseguinte, a decisão impugnada não diz directamente respeito à recorrente.

55.
    No tocante ao argumento da recorrente de que não beneficia, a nível nacional, de protecção jurídica eficaz, basta recordar que a eventual ausência de recurso em direito nacional não poderá conduzir o Tribunal a exceder os limites da sua competência estabelecidos no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Kahn Scheepvaart/Comissão, T-398/94, Colect., p. II-477, n.° 50).

56.
    Deve afastar-se igualmente o argumento da recorrente de que o seu recurso deveria ser considerado admissível para permitir ao Tribunal verificar se o direito a ser ouvida antes da adopção da decisão impugnada foi respeitado pela Comissão. A esse propósito, deve salientar-se que a situação no caso em apreço não poderá ser equiparada à que está na origem do processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal e o./Comissão (T-450/93, Colect., p. II-1177, n.os 46 e 47, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 28), invocada pela recorrente.

57.
    Com efeito, diferentemente das recorrentes no processo que deu lugar ao acórdão Lisrestal e o./Comissão, já referido, a recorrente, no caso em apreço, não é designada especialmente pelas decisões da Comissão relativas à contribuição controvertida. A decisão impugnada é baseada em razões de carácter processual, independentes do comportamento da recorrente, à qual nenhuma irregularidade é censurada, e essa decisão não impõe qualquer obrigação de reembolso à recorrente. Por conseguinte, uma relação directa, como existia no processo Lisrestal, que deu lugar ao acórdão Lisrestal e o./Comissão, já referido, susceptível de conferir à recorrente um interesse directo na anulação da decisão impugnada e um direito a ser ouvida antes da sua adopção, não existe.

58.
    Deve, portanto, julgar-se o recurso inadmissível, em aplicação do artigo 114.° do Regulamento de Processo.

Quanto às despesas

59.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido.

60.
    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la a suportar também as despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    O recurso é julgado inadmissível.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 6 de Junho de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: italiano.