Language of document : ECLI:EU:T:2021:632

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

29 de setembro de 2021 (*)

«Agricultura — Regulamento (UE) 2016/2031 — Medidas de proteção contra as pragas dos vegetais — Lista das pragas regulamentadas não sujeitas a quarentena da União — Limiar a partir do qual a presença de uma praga regulamentada não sujeita a quarentena da União nos vegetais para plantação tem um impacto económico inaceitável — Regulamento de Execução (UE) 2019/2072 — Associações profissionais — Recurso de anulação — Legitimidade — Admissibilidade — Proporcionalidade — Dever de fundamentação»

No processo T‑116/20,

Società agricola Vivai Maiorana Ss, estabelecida em Curinga (Itália),

Confederazione Italiana Agricoltori — CIA, estabelecida em Roma (Itália),

MIVA — Moltiplicatori Italiani Viticoli Associati, estabelecida em Faenza (Itália),

representadas por E. Scoccini e G. Scoccini, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Eggers e F. Moro, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por S. Emmerechts, A. Vitro e S. Barbagallo, na qualidade de agentes,

e por

Parlamento Europeu, representado por L. Knudsen e G. Mendola, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação do anexo IV, partes A, B, C, F, I e J, do Regulamento de Execução (UE) 2019/2072 da Comissão, de 28 de novembro de 2019, que estabelece condições uniformes para a execução do Regulamento (UE) 2016/2031 do Parlamento Europeu e do Conselho, no que se refere a medidas de proteção contra as pragas dos vegetais, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 690/2008 da Comissão e altera o Regulamento de Execução (UE) 2018/2019 da Comissão (JO 2019, L 319, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: M. J. Costeira, presidente, D. Gratsias (relator) e M. Kancheva, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O Regulamento (UE) 2016/2031 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2016, relativo a medidas de proteção contra as pragas dos vegetais, e que altera os Regulamentos (UE) n.o 228/2013, (UE) n.o 652/2014 e (UE) n.o 1143/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 69/464/CEE, 74/647/CEE, 93/85/CEE, 98/57/CE, 2000/29/CE, 2006/91/CE e 2007/33/CE do Conselho (JO 2016, L 317, p. 4), tem por objeto estabelecer medidas para determinar os riscos fitossanitários colocados pelas pragas nocivas que ameaçam a saúde dos vegetais e reduzir esses riscos para um nível aceitável.

2        Nos termos do artigo 36.o do Regulamento n.o 2016/2031:

«Uma praga é uma “praga regulamentada não sujeita a quarentena da União” se preencher todas as seguintes condições e estiver incluída na lista referida no artigo 37.o:

a)      A sua identidade está estabelecida nos termos do anexo I, secção 4, ponto 1;

b)      Está presente no território da União;

c)      Não é uma praga de quarentena da União nem uma praga sujeita a medidas adotadas nos termos do artigo 30.o, n.o 1;

d)      Transmite‑se essencialmente através de vegetais para plantação específicos, nos termos do anexo I, secção 4, ponto 2;

e)      A sua presença nesses vegetais para plantação tem um impacto económico inaceitável, no que se refere à utilização prevista desses vegetais para plantação, nos termos do anexo I, secção 4, ponto 3;

f)      Estão disponíveis medidas viáveis e eficazes para prevenir a sua presença nos vegetais para plantação em causa.»

3        O artigo 37.o, n.o 2, do Regulamento 2016/2031 prevê, no essencial, que a Comissão Europeia estabelece, por meio de um ato de execução, uma lista das pragas regulamentadas não sujeitas a quarentena da União (a seguir «RNQP») e dos vegetais para plantação específicos. Segundo o artigo 37.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento 2016/2031, «[o]s operadores não podem introduzir, nem fazer circular, no território da União, [RNQP] nos vegetais para plantação através dos quais são transmitidas, tal como se especifica na lista referida no n.o 2».

4        O artigo 37.o, n.o 8, do Regulamento 2016/2031 dispõe que, caso o disposto no artigo 36.o, alínea e), do mesmo regulamento só esteja preenchido se a praga em causa estiver presente com incidência acima de um determinado limiar, superior a zero, a lista referida no artigo 37.o, n.o 2, menciona esse limiar e estabelece que a proibição de introdução e circulação prevista no n.o 1 do presente artigo só se aplica acima desse limiar. Todavia, para que a Comissão estabeleça tal limiar, é ainda necessário, segundo a mesma disposição, que os operadores profissionais garantam que a incidência das RNQP nos vegetais para plantação não exceda esse limiar e que seja possível verificar se o limiar não é excedido em lotes dos vegetais em causa.

5        O conceito de «[o]perador profissional» é definido no artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 no sentido de que abrange qualquer pessoa de direito público ou privado, profissionalmente envolvida numa ou em várias das seguintes atividades relacionadas com os vegetais, produtos vegetais e outros objetos, e que é por elas legalmente responsável:

—        plantação;

—        melhoramento;

—        produção, incluindo o cultivo, a multiplicação e a manutenção;

—        introdução, circulação e saída do território da União Europeia;

—        disponibilização no mercado;

—        armazenamento, recolha, expedição e transformação.

6        Com base, nomeadamente, no artigo 37.o, n.o 2, do Regulamento 2016/2031 (v. n.o 3, supra), a Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) 2019/2072, de 28 de novembro de 2019, que estabelece condições uniformes para a execução do Regulamento 2016/2031 no que se refere a medidas de proteção contra as pragas dos vegetais, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 690/2008 da Comissão e altera o Regulamento de Execução (UE) 2018/2019 da Comissão (JO 2019, L 319, p. 1) (a seguir «regulamento de execução impugnado»).

7        O artigo 5.o do regulamento de execução impugnado dispõe:

«A lista de [RNQP] e dos vegetais específicos para plantação, com categorias e limiares, como referida no artigo 37.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2016/2031, é estabelecida no anexo IV do presente regulamento. Esses vegetais para plantação não podem ser introduzidos nem circular na União se a presença de RNQP, ou de sintomas causados por estas, nesses vegetais para plantação for superior a esses limiares.

A proibição de introdução e circulação prevista no primeiro parágrafo aplica‑se apenas às categorias de vegetais para plantação estabelecidas no anexo IV.»

8        O anexo IV do regulamento de execução impugnado cria a lista das RNQP relativas a doze vegetais específicos. O anexo em questão está, assim, dividido em doze partes, que vão de A a L, entre as quais:

—        a parte A, que menciona duas combinações de RNQP e de sementes de espécies forrageiras;

—        a parte B, que menciona duas combinações de RNQP e de sementes de cereais;

—        a parte C, que menciona nove combinações de RNQP e de material de propagação da videira;

—        a parte F, que menciona treze combinações de RNQP e de sementes de espécies hortícolas;

—        a parte I, que menciona quinze combinações de RNQP e de material de propagação e de plantação de espécies hortícolas, com exceção de sementes;

—        a parte J, que menciona 155 conjuntos de RNQP e de material de propagação de fruteiras e de fruteiras destinadas à produção de frutos.

9        Ao abrigo dessas partes do anexo IV do regulamento de execução impugnado, a Comissão fixou, com quatro exceções, o limiar de presença das RNQP em 0 %.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de fevereiro de 2020, as recorrentes, Società agricola Vivai Maiorana Ss, Confederazione Italiana Agricoltori — CIA (a seguir «CIA») e MIVA — Moltiplicatori Italiani Viticoli Associati (a seguir «MIVA»), interpuseram o presente recurso.

11      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 11 e 27 de maio de 2020, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por decisões, respetivamente, de 8 e 22 de julho de 2020, a presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu essas intervenções. Os intervenientes apresentaram os seus articulados e as partes principais apresentaram as suas observações sobre os mesmos nos prazos fixados.

12      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular o anexo IV, partes A, B, C, F, I e J, do regulamento de execução impugnado, na medida em que, por força destas últimas, são estabelecidos limiares de presença das RNQP nos vegetais em causa;

—        declarar a invalidade do artigo 36.o, do artigo 37.o, n.o 2, e do anexo I, secção 4, ponto 3, do Regulamento 2016/2031;

—        condenar a Comissão nas despesas.

13      A Comissão, o Parlamento e o Conselho concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        julgar o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente;

—        condenar as recorrentes nas despesas.

14      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, este colocou questões escritas às recorrentes em 8 de fevereiro e 30 de abril de 2021. As recorrentes deram cumprimento a essas medidas por cartas de 24 de fevereiro e 14 de maio de 2021, respetivamente. Por carta de 17 de maio de 2021, a Comissão apresentou as suas observações sobre os elementos apresentados pelas recorrentes em 24 de fevereiro de 2021.

15      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

16      Por impedimento do juiz‑relator inicialmente designado, o presente processo foi atribuído a um novo juiz‑relator, pertencente à formação da Nona Secção, por Decisão do presidente do Tribunal Geral de 8 de junho de 2021. Além disso, por Decisão de 8 de junho de 2021, a presidente da Nona Secção designou outro juiz para completar a Secção.

 Questão de direito

17      As recorrentes invocam quatro fundamentos de recurso, relativos, respetivamente:

—        à violação do artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031, à violação do princípio da proporcionalidade e do dever de fundamentação;

—        à violação do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (a seguir «Tirfaa»), cuja celebração foi aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2004/869/CE do Conselho, de 24 de fevereiro de 2004 (JO 2004, L 378, p. 1);

—        à violação do Regulamento (UE) 2018/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos e que revoga o Regulamento (CE) n.o 834/2007 do Conselho (JO 2018, L 150, p. 1);

—        à incompatibilidade das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado com a política agrícola comum.

18      Antes de contestar o mérito do recurso, a Comissão manifesta dúvidas quanto à admissibilidade do recurso à luz do interesse em agir e da legitimidade das recorrentes, bem como da clareza dos fundamentos invocados. O Parlamento e o Conselho, por seu turno, consideram que a exceção de ilegalidade suscitada a respeito do Regulamento 2016/2031 não revela com a clareza exigida os fundamentos em que se baseia, pelo que deve ser julgada inadmissível.

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à legitimidade

19      Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que o regulamento de execução impugnado constitui um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Daqui resulta que, para que o recurso controvertido seja admissível, é necessário que o referido regulamento afete diretamente as recorrentes na aceção desta última disposição.

20      Ora, não é esse o caso da Società agricola Vivai Maiorana, viveirista vitícola e primeira recorrente, na medida em que esta não alega ser um operador profissional afetado pelo anexo IV, partes A, B, F, I e J, do regulamento de execução impugnado. Como viveirista vitícola, apenas a parte C do referido anexo diz diretamente respeito à primeira recorrente.

21      No que se refere às duas associações recorrentes, a saber, a CIA e a MIVA, a Comissão alega que apenas têm legitimidade processual para pedir a anulação do regulamento de execução impugnado em três situações: em primeiro lugar, quando a lei lhes confere expressamente tal direito, em segundo lugar, quando certos membros por si representados têm legitimidade a título individual ou, em terceiro lugar, quando podem alegar interesse próprio.

22      Ora, em primeiro lugar, estas recorrentes não alegam que a primeira destas situações esteja preenchida no caso em apreço.

23      Em segundo lugar, as associações recorrentes não esclarecem quais dos seus membros são operadores profissionais ativos na produção e comercialização dos vegetais a que dizem respeito as partes do anexo IV do regulamento de execução impugnado cuja anulação pedem. Esta informação não resulta dos estatutos da CIA e da MIVA, nem pode ser extraída dos documentos apresentados em anexo à réplica. Por outro lado, uma vez que a primeira recorrente interpôs o recurso em nome próprio, a MIVA não pode basear a sua legitimidade no facto de a recorrente em questão figurar entre os seus membros. No que respeita aos operadores citados na resposta das recorrentes de 24 de fevereiro de 2021, estas não demonstraram que aqueles estavam inscritos no registo oficial dos operadores profissionais que os Estados‑Membros devem conservar e manter atualizado em conformidade com o artigo 65.o do Regulamento 2016/2031. Além disso, a Comissão contesta a pertinência das faturas apresentadas pelas recorrentes. A este respeito, a Comissão alega, consoante o operador profissional em causa, que estas não dizem respeito aos vegetais que constam das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, ou que dizem respeito apenas a alguns desses vegetais, ou que têm uma data posterior à data da interposição do recurso. A Comissão acrescenta que as dúvidas que persistem quanto à legitimidade processual das recorrentes tornam incerto o alcance do recurso e podem violar os seus direitos de defesa.

24      Em terceiro lugar, na medida em que a CIA alega um interesse próprio para demonstrar a sua legitimidade processual, a Comissão sublinha que as partes do anexo IV do Regulamento impugnado cuja anulação é pedida não alteram os direitos ou as obrigações da CIA como associação, pelo que as partes em causa não lhe dizem diretamente respeito.

25      As recorrentes, por seu turno, consideram igualmente que o regulamento de execução impugnado constitui um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução, mas consideram que as disposições desse regulamento lhes dizem diretamente respeito. A este respeito, as recorrentes retorquem, em primeiro lugar, que os membros da CIA são operadores que cobrem todo o espetro das atividades agrícolas, ao passo que os membros da MIVA são exclusivamente produtores de material de propagação da videira. Daqui resulta que todos os membros das associações recorrentes têm legitimidade processual para pedir a anulação das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado enquanto produtores ou adquirentes de sementes visadas por essas partes. A este respeito, em resposta a uma medida de organização do processo, as associações recorrentes apresentaram elementos que demonstram, em seu entender, que tinham pelo menos um operador profissional cuja atividade estava abrangida pelo anexo IV, partes A, B, C, F, I ou J, do regulamento de execução impugnado.

26      Por outro lado, tendo em conta o número dos seus membros, a CIA é uma associação particularmente representativa. No caso em apreço, a CIA pretende proteger um interesse coletivo em conformidade com o seu objeto estatutário relativo ao desenvolvimento e à valorização do mundo rural, ao desenvolvimento da agricultura e à promoção da biodiversidade.

27      Antes de mais, importa recordar que o regulamento de execução impugnado foi adotado com base, nomeadamente, no artigo 37.o, n.o 2, do Regulamento 2016/2031. Na medida em que se destina a dar execução a esta última disposição, o regulamento de execução impugnado tem por objeto, segundo os seus considerandos 2, 14 e 15, listar as RNPQ e as categorias específicas dos vegetais para plantação, estabelecendo, simultaneamente, limiares de presença máxima de RNQP, se estiverem preenchidos os requisitos para o fazer (v. n.os 3, 4 e 6, supra).

28      Neste contexto, o anexo IV do regulamento de execução impugnado contém a lista das RNQP e dos vegetais específicos para plantação com categorias e limiares. Segundo o artigo 5.o do regulamento de execução impugnado, esses vegetais para plantação não podem ser introduzidos nem circular na União se a presença de RNQP, ou de sintomas causados por estas, nesses vegetais para plantação for superior a esses limiares (v. n.os 7 a 9, supra).

29      A esse respeito, como alegam as recorrentes e a Comissão (v. n.os 19 e 25, supra), enquanto ato de alcance geral não legislativo, o regulamento de execução impugnado constitui um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, Despacho de 6 de setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, T‑18/10, EU:T:2011:419, n.o 56).

30      Além disso, importa salientar, ainda à semelhança do que referem as recorrentes e a Comissão, que, na medida em que estabelecem os limiares de presença de RNQP nos vegetais para plantação em causa, as partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não necessitam de medidas de execução na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Além disso, o artigo 5.o deste último regulamento estabelece uma proibição de introdução e de circulação na União se a presença de RNQP, ou de sintomas causados por estas, nesses vegetais para plantação for superior a esses limiares, proibição que também não necessita de medidas de execução.

31      Por conseguinte, para que as recorrentes tenham legitimidade processual, basta demonstrar que as disposições cuja anulação pretendem obter lhes dizem diretamente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

32      A condição segundo a qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos. Por um lado, a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica do particular. Por outro lado, essa medida não deve deixar nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida).

33      Sem suscitar uma exceção de inadmissibilidade em requerimento separado, a Comissão contesta que a primeira condição, relativa à afetação da situação jurídica das recorrentes, esteja preenchida no caso em apreço em relação a todas as recorrentes e no que respeita a todas as partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado (v. n.os 19 a 24, supra).

34      Cabe salientar que a proibição decorrente do artigo 5.o do regulamento de execução impugnado de introduzir e de fazer circular vegetais para plantação, se a presença de RNQP, ou de sintomas causados por estas, for superior aos limiares estabelecidos pelas partes controvertidas do anexo IV desse regulamento, diz diretamente respeito aos «operadores profissionais» na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 (v. n.o 5, supra). Com efeito, em conformidade com o artigo 37.o, n.o 1, do Regulamento 2016/2031, são esses operadores que são abrangidos pela proibição em causa (v. n.o 3, supra). Essa proibição não deixa nenhum poder de apreciação aos Estados‑Membros encarregados da sua execução. Por conseguinte, um operador profissional, na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031, que exerce as suas atividades relativamente à categoria dos vegetais a que dizem respeito uma ou várias das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, vê a sua situação jurídica diretamente afetada pela proibição estabelecida por este último regulamento.

35      A este respeito, impõe‑se salientar, em primeiro lugar, que o Regulamento 2016/2031 faz uma distinção, entre, por um lado, os «operadores profissionais», tal como definidos no seu artigo 2.o, ponto 9, e, por outro, os «operadores registados», que, segundo o artigo 2.o, ponto 10, do mesmo regulamento, são os operadores profissionais registados em conformidade com o artigo 65.o deste. Esta última disposição prevê essencialmente que a autoridade nacional competente conserva e mantém atualizado um registo do qual constam os operadores profissionais que preencham certas condições. Todavia, resulta do artigo 65.o, n.o 3, do Regulamento 2016/2031 que os operadores profissionais que preencham certos critérios relacionados com o risco de pragas apresentado pelos vegetais por eles produzidos não têm de ser inscritos no registo em questão.

36      Por conseguinte, a proibição de introduzir e de fazer circular vegetais para plantação se a presença das RNQP ou dos sintomas causados por RNQP for superior aos limiares estabelecidos pelas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, visa os operadores profissionais na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 e não apenas os operadores registados na aceção do artigo 2.o, ponto 10, do mesmo regulamento. O argumento da Comissão de que não é certo que os operadores membros da segunda e da terceira recorrente sejam operadores registados deve, portanto, ser afastado.

37      Em segundo lugar, em conformidade com o artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031, o conceito de «operador profissional» inclui qualquer pessoa de direito público ou privado, profissionalmente envolvida numa ou em várias atividades acima referidas no n.o 5, nomeadamente relacionadas com os vegetais.

38      Ora, o termo «vegetais» é definido no artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento 2016/2031 no sentido de que inclui as plantas vivas e as partes vivas de plantas, tais como, nomeadamente, as sementes, os frutos, os produtos hortícolas, os tubérculos, as varas de enxertia, as estacas e os garfos.

39      Além disso, resulta do artigo 37.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2016/2031 que a lista das RNQP e dos vegetais específicos para plantação, que a Comissão estabelece por meio de um regulamento de execução como o regulamento de execução impugnado, não inclui necessariamente todos os vegetais para plantação, mas apenas os vegetais para plantação «através dos quais são transmitidas [RNQP]». Em especial, como exposto no n.o 8, supra, o anexo IV do regulamento de execução impugnado está dividido em doze partes, que vão de A a L, cada uma das quais mencionando um certo número de combinações de vegetais e de RNQP.

40      Assim, a título de exemplo, a Diretiva 66/401/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de plantas forrageiras (JO 1966, P 125, p. 2298; EE 03 F1 p. 174), enumera, no seu artigo 2.o, n.o 1, alínea A), 87 géneros ou espécies de plantas forrageiras. Todavia, a parte A do anexo IV do regulamento de execução impugnado, intitulada «RNQP relativas a sementes de espécies forrageiras», apenas refere a espécie luzerna (Medicago sativa L.), através da qual são transmitidas as duas RNQP aí mencionadas (Clavibacter michiganensis e Ditylenchus dipsaci).

41      Daqui resulta que o conceito de «operador profissional» inclui todos os operadores envolvidos numa ou em várias das atividades enumeradas no artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 e relacionadas com os «vegetais», tal como definidos no artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento 2016/2031 e enumerados em cada uma das diretivas relativas à sua comercialização.

42      Assim, é certo que a proibição que decorre do artigo 5.o do regulamento de execução impugnado, lido em conjugação com o artigo 37.o, n.o 1, do Regulamento 2016/2031, de introduzir e fazer circular RNQP no território da União visa, ratione materiae, os vegetais para plantação enumerados no anexo IV do regulamento de execução impugnado. Todavia, essa proibição visa, ratione personae, todos os operadores profissionais na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031.

43      Desta forma, o legislador pretendeu limitar o risco de propagação de RNQP provenientes não apenas dos «operadores registados» ou dos operadores que exerceram atividades especificamente relacionadas com os vegetais que figuram no anexo IV do regulamento de execução impugnado, mas de qualquer operador profissional ativo no domínio dos vegetais, o qual, por esse facto, é suscetível de exercer atividades relacionadas com os vegetais através dos quais são transmitidas RNQP elencadas no referido anexo IV.

44      Daqui resulta que não pode ser acolhida a abordagem da Comissão, segundo a qual só os operadores profissionais que exerceram a sua atividade apenas em relação aos vegetais enumerados nos anexos controvertidos do regulamento de execução impugnado veem a sua situação jurídica afetada. Além do facto de a abordagem em questão ser contrária às disposições aplicáveis (v. n.os 35 a 41, supra), a mesma assenta na premissa de que a proibição que decorre do artigo 5.o do regulamento de execução impugnado não se impõe a todos os operadores profissionais na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031, mas unicamente aos que exerceram no passado a sua atividade relativamente aos vegetais através dos quais são transmitidas RNQP. Ora, aceitar essa tese teria a consequência de comprometer seriamente o efeito útil da política que visa a prevenção da propagação de RNQP na União.

45      Neste contexto, há que observar que, enquanto empresa viveirista vitícola ativa no setor dos materiais de propagação da videira, a primeira recorrente é um operador profissional na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031. Todavia, nessa qualidade, e como alega a Comissão a primeira recorrente vê a sua situação jurídica afetada apenas pela parte C do anexo IV do regulamento de execução impugnado, que se refere às RNQP relativas a material de propagação da videira. Por conseguinte, a primeira recorrente apenas tem legitimidade processual na medida em que pede a anulação desta parte do regulamento de execução impugnado.

46      No que respeita às duas associações recorrentes, a CIA e a MIVA, importa recordar que uma associação encarregada de defender os interesses coletivos dos seus membros tem legitimidade para interpor um recurso de anulação devido à afetação dos seus interesses próprios enquanto associação ou quando as pessoas que representa ou algumas delas têm legitimidade a título individual (Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 20).

47      No que respeita à primeira das condições que a CIA invoca (v. n.o 26, supra), há que constatar, à semelhança do que observa a Comissão, que as partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não alteram os direitos ou as obrigações desta associação enquanto tal, pelo que não afetam a sua posição jurídica. Daqui resulta que a CIA não pode validamente pretender ter legitimidade processual devido à afetação dos seus interesses próprios.

48      No que respeita à legitimidade processual das pessoas que a CIA representa, há que salientar antes de mais que, segundo o artigo 3.o, décimo oitavo travessão, dos seus estatutos, esta organização tem por objeto promover os interesses dos seus membros. As recorrentes juntaram à réplica uma lista com os nomes e os endereços de 584 842 membros desta última. Em resposta às medidas de organização do processo (v. n.o 14, supra), as recorrentes apresentaram elementos suscetíveis de demonstrar que oito membros da CIA são operadores profissionais ativos nos setores das sementes de espécies forrageiras, das sementes de cereais, de material de propagação da videira, das sementes de produtos hortícolas, das espécies hortícolas e das fruteiras. Esses setores estão compreendidos no anexo IV, partes A, B, C, F, I e J, do regulamento de execução impugnado.

49      No que respeita à MIVA, resulta do artigo 8.o dos estatutos desta associação que esta tem como membros operadores profissionais na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 no que respeita ao material de propagação da videira. É certamente esse o caso da primeira recorrente. Todavia, esta circunstância não é adequada para determinar a admissibilidade do recurso na parte em que foi interposto pela MIVA, uma vez que a primeira recorrente interpôs o recurso em seu próprio nome (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.os 25 a 27).

50      Ora, em resposta à medida de organização do processo adotada em 8 de fevereiro de 2021, as recorrentes apresentaram elementos suscetíveis de demonstrar que três membros da MIVA, que não a primeira recorrente, são operadores profissionais ativos nos setores do material de propagação da videira, das espécies hortícolas e das fruteiras. Esses setores estão compreendidos no anexo IV, partes C, I e J, do Regulamento de Execução (UE) 2019/2072. Importa acrescentar, a este respeito, que, segundo o artigo 3.o dos estatutos da MIVA, esta associação tem por objeto promover os interesses relativos às atividades dos seus membros, sem excluir atividades agrícolas relativas a vegetais que não as do material de propagação da videira.

51      Quanto ao argumento da Comissão, segundo o qual certas faturas apresentadas pelas recorrentes têm data posterior à data da interposição do recurso, o mesmo não pode ser acolhido. Com efeito, a qualidade de «operador profissional» na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031 deve, por natureza, ser demonstrada recorrendo a um conjunto de indícios concordantes. Com efeito, seguir a lógica da Comissão implica que apenas as provas com a mesma data que aquela em que o recurso foi interposto são suscetíveis de demonstrar a qualidade de operador profissional, uma vez que, por exemplo, faturas anteriores a essa data não permitiriam excluir que o operador em questão não tivesse, entretanto, abandonado a atividade relativa aos vegetais em causa.

52      Ora, no caso em apreço, as recorrentes apresentaram várias faturas, relativas a montantes não insignificantes, das quais resulta que os seus emitentes, membros das associações recorrentes, são operadores profissionais na aceção do artigo 2.o, ponto 9, do Regulamento 2016/2031. Além disso, como alegaram as recorrentes na audiência, a comercialização dos vegetais para plantação exige a realização de toda uma série de ações prévias que, consoante o vegetal em causa, se estendam por períodos mais ou menos longos. Daqui resulta que o facto de ter apresentado faturas com data posterior à da interposição do recurso para demonstrar que os membros da segunda e terceira recorrentes têm a qualidade de operadores profissionais, na aceção acima referida, não é, por si só, suscetível de excluir a pertinência desses elementos de prova.

53      Por último, uma vez que foi dada à Comissão a possibilidade de apresentar utilmente, por escrito e oralmente, as suas observações sobre todos os elementos apresentados pelas recorrentes a respeito da sua legitimidade processual, não pode ser declarada uma violação dos seus direitos de defesa.

54      Daqui resulta que as recorrentes têm legitimidade processual de acordo com as seguintes precisões:

—        a primeira recorrente tem legitimidade processual para pedir a anulação do anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado;

—        A CIA tem legitimidade processual para pedir a anulação do anexo IV, partes A, B, C, F, I e J, do regulamento de execução impugnado;

—        A MIVA tem legitimidade processual para pedir a anulação do anexo IV, partes C, I e J, do regulamento de execução impugnado.

 Quanto ao interesse em agir

55      A Comissão alega que a eventual anulação do anexo IV, partes A, B, C, F, I e J, do regulamento de execução impugnado invalidaria os limiares de presença das RNQP fixados por força das partes em questão, pelo que os vegetais em causa já não estariam sujeitos à proibição de introdução e de circulação no território da União. Todavia, tal anulação não afetaria as obrigações de saneamento que impendem sobre os operadores profissionais, tal como resultam das diversas diretivas que regulam a comercialização dos mesmos vegetais. Essas diretivas constituem atos autónomos que têm em conta simplesmente os limiares de presença das RNQP determinados pelas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado. Não podem, portanto, ser qualificadas de atos de execução do regulamento de execução impugnado, cuja validade seria afetada na sequência da eventual anulação deste último. Daqui resulta que, mesmo que as recorrentes obtivessem a anulação pretendida no caso em apreço, os operadores profissionais em causa seriam sempre obrigados a respeitar os requisitos fitossanitários previstos pelas referidas diretivas no que respeita tanto ao saneamento pouco oneroso na fase da produção como ao necessário para a comercialização dos vegetais em causa. Por último, o interesse das recorrentes que consiste na proteção da biodiversidade baseia‑se em meras hipóteses.

56      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de ter consequências jurídicas e que o resultado do recurso possa, assim, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55 e jurisprudência referida).

57      A este respeito, a Comissão alega que as recorrentes não retiram nenhum benefício da eventual anulação das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, porque tal anulação deixaria intactas as obrigações de saneamento dos vegetais para plantação em causa, tal como essas obrigações resultam das respetivas diretivas que regulam a comercialização dos referidos vegetais.

58      Para apreciar a procedência deste argumento da Comissão, cabe expor os elementos de base do regime fitossanitário da União relativos às RNQP, tal como estes elementos decorrem do Regulamento 2016/2031, do regulamento de execução impugnado e das diretivas que regulam a comercialização dos vegetais objeto do presente recurso.

59      Em especial, por um lado, como resulta do artigo 36.o do Regulamento 2016/2031, as RNQP são pragas, presentes no território da União, que são transmitidas sobretudo através de certos vegetais para plantação e cuja presença nos referidos vegetais tem um impacto económico inaceitável no que se refere à utilização prevista dos vegetais em questão.

60      Segundo o considerando 23 do Regulamento 2016/2031, a fim de limitar a presença das RNQP, deverá proibir‑se a sua introdução ou circulação no território da União nos vegetais para plantação em causa, se essas pragas estiverem presentes com uma incidência superior a um determinado limiar.

61      Como exposto nos n.os 3 e 4, supra, a Comissão elabora a lista das RNQP e dos vegetais específicos para plantação e, se for caso disso, com limiares superiores a zero a partir dos quais a presença de uma RNQP nos vegetais para plantação tem um impacto económico inaceitável. Essa lista encontra‑se no anexo IV do regulamento de execução impugnado (v. n.o 8, supra).

62      Por outro lado, as regras que regulam a comercialização de cada vegetal para plantação e a que diz respeito uma parte do anexo IV do regulamento de execução impugnado são definidas por força de diretivas. A correspondência entre as RNQP enumeradas em cada parte controvertida do anexo IV do regulamento de execução impugnado e as respetivas diretivas de comercialização consta do quadro seguinte:

Parte do anexo IV do regulamento de execução impugnado

Diretiva relativa à comercialização

Parte A

RNQP relativas a sementes de espécies forrageiras

Diretiva 66/401

Parte B

RNQP relativas a sementes de cereais

Diretiva 66/402/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de cereais (JO 1966, 125, p. 2309)

Parte C

RNQP relativas a material de propagação da videira

Diretiva 68/193/CEE do Conselho, de 9 de abril de 1968, relativa à comercialização dos materiais de propagação vegetativa da vinha (JO 1968, L 93, p. 15)

Parte F

RNQP relativas a sementes de espécies hortícolas

Diretiva 2002/55/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas (JO 2002, L 193, p. 33)

Parte I

RNQP relativas a material de propagação e de plantação de espécies hortícolas, com exceção de sementes

Diretiva 2008/72/CE do Conselho, de 15 de julho de 2008, relativa à comercialização de material de propagação e plantação de produtos hortícolas, com exceção das sementes (JO 2008, L 205, p. 28)

Diretiva 93/61/CEE da Comissão, de 2 de julho de 1993 que estabelece a ficha relativa às condições a satisfazer pelos materiais de propagação e plantação de produtos hortícolas, com exceção das sementes, em conformidade com a Diretiva 92/33/CEE do Conselho (JO 1993, L 250, p. 19)

Parte J

RNQP relativas a material de propagação de fruteiras e de fruteiras destinadas à produção de frutos

Diretiva 2008/90/CE do Conselho, de 29 de setembro de 2008, relativa à comercialização de material de propagação de fruteiras e de fruteiras destinados à produção de frutos (JO 2008, L 267, p. 8)

Diretiva de Execução 2014/98/UE da Comissão, de 15 de outubro de 2014, que dá execução à Diretiva 2008/90 no que se refere aos requisitos específicos aplicáveis aos géneros e às espécies de fruteiras referidos no anexo I, aos requisitos específicos aplicáveis aos fornecedores e às normas de execução relativas às inspeções oficiais (JO 2014, L 298, p. 22)

63      As diretivas que regulam a comercialização preveem as medidas fitossanitárias que devem ser tomadas a fim de gerir o risco de presença de RNQP e assegurar que os vegetais introduzidos e que circulam na União estão em conformidade com os requisitos da parte pertinente do anexo IV do regulamento de execução impugnado no que respeita à presença de RNQP.

64      Assim, na sequência da adoção do regulamento de execução impugnado, as diretivas que regulam a comercialização dos vegetais foram alteradas pela Diretiva de Execução (UE) 2020/177 da Comissão, de 11 de fevereiro de 2020, que altera as Diretivas 66/401, 66/402, 68/193, 2002/55, 2002/56/CE e 2002/57/CE do Conselho, as Diretivas 93/49/CEE e 93/61 da Comissão e as Diretivas de Execução 2014/21/UE e 2014/98 no que diz respeito às pragas dos vegetais em sementes e noutros materiais de reprodução vegetal (JO 2020, L 41, p. 1).

65      Em especial, resulta dos considerandos 5, 6, 8, 10 a 12, 14 e 19 a 23 da Diretiva de Execução 2020/177 que as diretivas que regulam a comercialização dos vegetais compreendidos nas partes controvertidas do regulamento de execução impugnado tiveram de ser alteradas para prever medidas a fim de que os materiais de reprodução dos vegetais abrangidos pelo seu âmbito de aplicação cumpram os requisitos relativos, nomeadamente, às RNQP referidas nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado. A Diretiva 66/401 relativa à comercialização de sementes de plantas forrageiras constitui uma exceção parcial, no sentido de que foi alterada para indicar que as sementes em questão deviam igualmente satisfazer os requisitos relativos às RNQP estabelecidas ao abrigo do anexo IV, parte A, do regulamento de execução impugnado, sem, no entanto, prever exigências suplementares relativamente às que estavam em vigor antes da adoção da Diretiva de Execução 2020/177.

66      Esta relação sistemática entre o regulamento de execução impugnado, por um lado, e as diretivas que regulam a comercialização dos vegetais para plantação abrangidos pelas partes controvertidas do anexo IV do referido regulamento, por outro, é explicitamente afirmada pela Comissão nos n.os 24 a 27 da contestação e 68 e 70 da tréplica.

67      Resulta destas constatações que, ainda que, como refere a Comissão, as diretivas em questão não constituam atos de execução do regulamento de execução impugnado, preveem obrigações para os operadores, que têm em conta as normas de presença de RNQP fixadas por este último regulamento e que visam assegurar que os operadores em questão cumpram as referidas normas. Esta conclusão é igualmente válida para a Diretiva 66/401, que passou a prever que o cultivo e as sementes de plantas forrageiras também devem cumprir os requisitos relativos à presença de RNQP estabelecidos ao abrigo do anexo IV, parte A, do regulamento de execução impugnado, mesmo que não tenha estabelecido medidas suplementares a este respeito.

68      Por conseguinte, a Comissão não pode validamente pretender que uma eventual anulação das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não poderia, em nenhum caso, conferir um benefício à primeira recorrente ou aos membros da CIA e da MIVA. Com efeito, tendo em conta a coerência interna do regime fitossanitário da União, caracterizada pela relação sistemática entre o regulamento de execução impugnado e as diretivas que regulam a comercialização dos vegetais para plantação correspondentes, em caso de anulação parcial do referido regulamento de execução, o legislador poderia ser levado, em função dos fundamentos da anulação e das medidas que devem ser tomadas em conformidade com o artigo 266.o TFUE, a reexaminar as diretivas em causa, por terem perdido seu substrato normativo na sua versão atual.

69      Por conseguinte, as disposições das diretivas sobre a comercialização dos vegetais para plantação não infirmam o interesse das recorrentes em pedir a anulação das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, que afetam diretamente a sua situação jurídica segundo as precisões expostas nos n.os 34 a 54, supra. Daqui resulta, por outro lado, que, para efeitos da admissibilidade do recurso do ponto de vista do interesse em agir, não é necessário que as recorrentes demonstrem um interesse próprio específico na proteção da biodiversidade, pelo que o argumento da Comissão relativo ao caráter alegadamente hipotético desse interesse deve ser julgado inoperante.

 Quanto à clareza do recurso

70      Apoiada pelo Parlamento e Conselho, em primeiro lugar, a Comissão alega que a exposição dos fundamentos não revela as regras jurídicas que são infringidas pelo artigo 36.o, pelo artigo 37.o, n.o 2, e pelo anexo I, secção 4, ponto 3, do Regulamento 2016/2031 e cuja violação implica a invalidade destas disposições em conformidade com os pedidos das recorrentes. Em segundo lugar, a Comissão afirma que é unicamente à luz do anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado que as recorrentes apresentam argumentos específicos que permitem compreender a ilegalidade alegada. Em contrapartida, o pedido de anulação das outras partes controvertidas do anexo IV do referido regulamento assenta apenas em generalidades, faltando‑lhes a precisão exigida pelo artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, mesmo tendo em conta as explicações dadas na réplica. Em todo o caso, o Regulamento 2016/2031 não enferma de nenhuma das ilegalidades que possam ser consideradas invocadas a seu respeito.

71      É certo que a petição não contém desenvolvimentos suscetíveis de fundamentar de forma circunstanciada a alegada ilegalidade do Regulamento 2016/2031 e que não contém uma análise específica relativa às partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado diferente da parte C do anexo em questão. Além disso, é igualmente verdade que vários argumentos das recorrentes são apresentados sob a forma de conclusões cuja relação com as partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado muitas vezes não é evidente.

72      Todavia, em primeiro lugar, as recorrentes incluíram na réplica argumentos a respeito de algumas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, diferentes da parte C. Estes argumentos, que se inscrevem no âmbito dos fundamentos invocados na petição, constituem uma ampliação admissível dos mesmos. Em segundo lugar, ainda que a relação entre certos argumentos expostos em apoio dos fundamentos invocados nem sempre seja evidente, o estudo pormenorizado do quadro jurídico na sua globalidade permite compreender o alcance das alegações das recorrentes. Em terceiro lugar, as referências à alegada violação, pelo Regulamento 2016/2031, do princípio da proporcionalidade permitem ao Tribunal Geral, tendo em conta a argumentação apresentada pelas recorrentes no seu conjunto, exercer a sua fiscalização em relação àquele.

73      Consequentemente, a exceção de inadmissibilidade relativa à clareza do recurso deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao mérito

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031, à violação do princípio da proporcionalidade e do dever de fundamentação

74      As recorrentes recordam que, ao abrigo do artigo 36.o do Regulamento 2016/2031, uma praga só pode ser incluída na lista das RNQP se preencher as condições estabelecidas nesta disposição. Entre essas condições encontram‑se as relativas ao impacto económico inaceitável que a presença da praga implica, na aceção do anexo I, secção 4, ponto 3, do referido regulamento, e à disponibilidade de medidas viáveis e eficazes para prevenir a sua presença nesses vegetais [artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031]. Ora, os limiares estabelecidos pelas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não são fundamentados com referência a uma análise circunstanciada do impacto económico que a presença das RNQP tem nos vegetais em causa, nem assentam na existência de medidas viáveis e eficazes para prevenir essa presença. Além disso, o estabelecimento dos limiares de presença de RNQP em 0 % implica obrigações de saneamento fitossanitário, através de seleção genética, das variedades em causa, o que, por seu turno, destruiria definitivamente a diversidade das variedades de categoria «padrão», que atualmente não são saneadas, e elimina a diferenciação entre as variedades pertencentes às categorias «padrão», por um lado, e «certificadas», por outro.

75      Assim, a título de exemplo, os limiares estabelecidos ao abrigo do anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado implicam a proibição de comercializar, por falta de clones que possam assegurar o cumprimento do limiar de presença nulo das RNQP, 57,7 % das castas inscritas no registo italiano das videiras destinadas à produção de vinho. Esta proibição torna impossível, durante pelo menos dez anos, renovar ou fazer novas plantações de variedades autóctones abrangidas por denominações de origem ou indicações geográficas e tem como efeito simplificar radicalmente certos biótipos de variedades. A redução significativa da biodiversidade intravariedades é, sobretudo, o resultado das medidas de saneamento necessárias para lutar contra os vírus, os viroides e as doenças similares a vírus. Estes efeitos nefastos não estão, no entanto, associados a nenhum benefício, nem garantem que os vegetais saneados não serão infetados, através de insetos vetores, posteriormente à sua plantação. Ora, a Comissão deveria ter tido em conta esses efeitos no âmbito da sua apreciação relativa ao impacto económico inaceitável das RNQP nos vegetais para plantação. Em contrapartida, a situação atual mostra que a presença das RNQP que são objeto das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não afetou a rentabilidade das explorações agrícolas em causa, pelo que não se pode considerar que um impacto económico inaceitável tenha resultado dessa presença na aceção do artigo 36.o, alínea e), do Regulamento 2016/2031.

76      Nestas condições, não se pode deixar de observar que o estudo da Organização Europeia e Mediterrânica de Proteção das Plantas (a seguir «OEPP»), no qual a Comissão se baseou para efeitos da adoção das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, padece de erros e lacunas na medida em que concluiu pela fixação dos limiares de presença em 0 % em relação às RNQP presentes na Europa há muito tempo sem que estivessem associadas a um impacto económico negativo.

77      As recorrentes acrescentam que o saneamento imposto implica um custo de 120 000 euros por cada variedade e dez anos de trabalho em estruturas especializadas, sem perspetiva de recuperação dessas despesas. Esse encargo financeiro não pode ser suportado quando a superfície cultivada é inferior a cerca de 1 000 hectares por variedade, o que sucede no caso das variedades autóctones de difusão reduzida. Nos raros casos em que o saneamento em questão seja economicamente interessante, reduziria o pool genético da variedade de origem. Ora, a Comissão não teve em conta estes impactos antes de estabelecer os limiares de presença das RNQP nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, pelo que a condição prevista no artigo 36.o, alínea f), do Regulamento 2016/2031 não está preenchida.

78      Neste contexto, segundo as recorrentes, não se pode deixar de concluir que o facto de os artigos 36.o e 37.o do Regulamento 2016/2031 não terem previsto o estabelecimento de limiares de presença proporcionais, por um lado, ao risco que as RNQP representam para os solos específicos e, por outro, aos custos de saneamento, constitui uma violação do princípio da proporcionalidade e da obrigação de proteger a identidade dos referidos solos.

79      Por último, as recorrentes alegam que as consequências do estabelecimento de um limiar de presença das RNQP em 0 % para a biodiversidade e para os custos de saneamento por seleção genética doravante exigidos deveriam ter sido objeto de uma avaliação de impacto em conformidade com o Acordo Interinstitucional entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão sobre legislar melhor (JO 2016, L 123, p. 1). A inexistência de tal avaliação faz com que as partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado estejam viciadas por falta de fundamentação e por violação do princípio da proporcionalidade.

80      A Comissão, por seu turno, contesta estas apreciações.

81      No âmbito do primeiro fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que a Comissão violou o artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031. Em apoio desta conclusão, as recorrentes apresentam essencialmente três alegações.

82      A primeira alegação é relativa às alegadas consequências nefastas que teria para a biodiversidade o estabelecimento do limiar de presença das RNQP em 0 %. No âmbito desta alegação, as recorrentes afirmam que o estabelecimento do referido limiar de presença em 0 % tem como efeito impor obrigações de saneamento por seleção genética, o que reduziria drasticamente a diversidade dos vegetais de categoria «padrão» para plantação, que são, no entanto, atualmente muito numerosos. Essa circunstância eliminaria igualmente a distinção entre as categorias de materiais «padrão» e as «certificadas» (v. n.o 92, supra) e teria consequências nefastas para o setor vitícola. Segundo as recorrentes, a Comissão deveria ter tido em conta estes elementos para apreciar se a menor presença de RNQP nos vegetais para plantação tinha um impacto económico inaceitável em conformidade com o artigo 36.o, alínea e), do Regulamento 2016/2031, mas também para verificar se existiam medidas viáveis e eficazes para prevenir essa presença em conformidade com o artigo 36.o, alínea f), do mesmo regulamento. Neste contexto, as recorrentes acrescentam que a libertação de RNQP pode ser feita através de insetos vetores e que a avaliação do impacto económico das RNQP efetuada pela OEPP é deficiente (v. n.os 74 a 76, supra).

83      A segunda alegação é relativa ao facto de a Comissão não ter tido em conta o custo das medidas de saneamento tornadas necessárias na sequência do estabelecimento do limiar de presença das RNQP enumeradas em 0 %, o que constitui uma violação do artigo 36.o, alínea f), do Regulamento 2016/2031 (v. n.o 77, supra). Por outro lado, as recorrentes alegam que, ao permitir essa abordagem, os artigos 36.o e 37.o do Regulamento 2016/2031 violam o princípio da proporcionalidade e da obrigação de «proteger a identidade do solo» (v. n.o 78, supra).

84      A terceira alegação é relativa ao facto de a Comissão não ter precedido a adoção do regulamento de execução impugnado de uma avaliação de impacto ambiental social e económico. Neste contexto, as recorrentes alegam igualmente falta de fundamentação e violação do princípio da proporcionalidade (v. n.o 79, supra).

85      Todas estas alegações assentam numa premissa única. Trata‑se da afirmação segundo a qual o estabelecimento do limiar de presença das RNQP enumeradas nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado em 0 % implica uma obrigação de saneamento por seleção genética dos vegetais para plantação a que as partes em questão dizem respeito. Esta obrigação tem consequências nefastas para a biodiversidade, por um lado, e implica custos de saneamento exorbitantes para os operadores profissionais, por outro. O facto de a Comissão não ter tido em conta estas circunstâncias no âmbito do estabelecimento dos limiares de presença das RNQP nos vegetais para plantação constitui, principalmente, uma violação do artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031. Se se concluir que o artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031 não impunha ter em conta estas circunstâncias, esta disposição infringiria, segundo as recorrentes, o princípio da proporcionalidade e a obrigação de «proteger a identidade do solo».

86      Em primeiro lugar, há que salientar que, como exposto no considerando 12 do regulamento de execução impugnado, a OEPP procedeu a uma reavaliação das pragas enumeradas até então na Diretiva 2000/29/CE do Conselho, de 8 de maio de 2000, relativa às medidas de proteção contra a introdução na Comunidade de organismos prejudiciais aos vegetais e produtos vegetais e contra a sua propagação no interior da Comunidade (JO 2000, L 169, p. 1), por um lado, bem como nas diretivas de comercialização dos vegetais para plantação, por outro.

87      Segundo o considerando 13 do regulamento de execução impugnado, a reavaliação foi necessária para atualizar o estatuto fitossanitário dessas pragas, em conformidade com os mais recentes desenvolvimentos técnicos e científicos, e também para avaliar a sua conformidade com os respetivos critérios do artigo 36.o do Regulamento 2016/2031 no que se refere ao território da União e com a secção 4 do anexo I do referido regulamento (v. n.o 2, supra).

88      No termo dessa reapreciação, concluiu‑se que determinadas pragas preenchiam as condições estabelecidas no artigo 36.o do Regulamento 2016/2031 no que respeita ao território da União, pelo que deviam ser incluídas na lista de RNQP (considerando 14 do regulamento de execução impugnado). Foram igualmente tidas em conta as condições estabelecidas pelo artigo 37.o, n.o 8, do mesmo regulamento no que respeita ao eventual estabelecimento de limiares de presença de RNQP superiores a 0 % (considerando 15 do regulamento de execução impugnado).

89      Este processo deu origem à adoção do anexo IV do regulamento de execução impugnado, que estabelece as normas de presença de RNQP nos vegetais para plantação para que estes últimos possam ser introduzidos e circular na União.

90      Em segundo lugar, o presente fundamento assenta, na sua totalidade, numa perceção errada das obrigações que implica, para os operadores profissionais em causa, o estabelecimento em 0 % do limiar de presença das RNQP enumeradas nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado.

91      Em especial, como exposto no n.o 63, supra, as diretivas que regulam a comercialização dos vegetais para plantação preveem as medidas que devem ser tomadas para gerir o risco e assegurar que os vegetais introduzidos e que circulam na União estejam em conformidade com os requisitos da parte pertinente do anexo IV do regulamento de execução impugnado no que respeita à presença de RNQP.

92      Neste contexto, algumas destas diretivas dividem os vegetais destinados à plantação por categorias. A título de exemplo, a Diretiva 68/193 relativa à comercialização dos materiais de propagação vegetativa da vinha, na qual as recorrentes focam a sua análise, repartiu, no seu artigo 2.o, n.o 1, alíneas D, E, F e G, os materiais de propagação abrangidos pelo seu âmbito de aplicação em materiais «iniciais», materiais «de base», materiais «certificados» e materiais «standard», respetivamente.

93      A esse respeito, o oitavo considerando da Diretiva 68/193 tinha a seguinte redação:

«Considerando que é desejável limitar a comercialização aos materiais de propagação certificados da vinha obtidos por seleção clonal; que, contudo, é atualmente impossível atingir esse objetivo dado que as necessidades da Comunidade não poderiam ser cobertas na sua totalidade por esses materiais; que é por conseguinte conveniente admitir provisoriamente a comercialização de materiais standard controlados que devem possuir igualmente a identidade e a pureza varietais mas que nem sempre oferecem a mesma garantia que os materiais de propagação obtidos por seleção clonal; que, no entanto, esta categoria deve desaparecer progressivamente[.]»

94      Ora, resulta do artigo 2.o, n.o 1, alínea G, bem como do anexo I, secção 8, ponto 6, alínea c), da Diretiva 68/193, conforme alterada pela Diretiva de Execução 2020/177, que a categoria «standard» de material de propagação da videira continua a ser comercializada (v. n.o 101, infra). Em especial, o quadro que figura no anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado estabelece um limiar de presença de RNQP para material de propagação «inicial», «base» e «certificado», por um lado, e um limiar para o material «standard», por outro.

95      As recorrentes consideram, por seu turno, que os efeitos causados pelo estabelecimento dos limiares de presença das RNQP em 0 % dizem sobretudo respeito às categorias «standard» dos vegetais para plantação. Segundo as recorrentes, estas categorias contêm materiais autóctones, que são objeto de uma comercialização limitada a solos específicos.

96      No que diz respeito aos efeitos dos limiares de presença das RNQP, é certamente verdade que as diretivas sobre a comercialização, conforme alteradas pela Diretiva de Execução 2020/177 (v. n.os 64 e 65, supra), preveem certas medidas de saneamento do material de propagação para esse efeito. Todavia, à semelhança do que refere a Comissão, nenhuma dessas diretivas impõe aos operadores profissionais em causa que procedam a um saneamento por seleção genética suscetível de ter impacto na biodiversidade das formas descritas pelas recorrentes.

97      Mais precisamente:

—        a Diretiva 66/401, relativa à comercialização de sementes de plantas forrageiras, foi alterada com o objetivo de determinar que a cultura e as sementes de plantas forrageiras deviam também cumprir os requisitos relativos à presença de RNQP estabelecidos no anexo IV, parte A, do regulamento de execução impugnado, embora não sejam estabelecidos requisitos adicionais para RNQP específicas (v. considerando 8, artigo 1.o e anexo I da Diretiva de Execução 2020/177);

—        a Diretiva 66/402 relativa à comercialização de sementes de cereais foi alterada com o objetivo de prever que a presença de RNQP nas culturas e nas sementes cumpria os requisitos estabelecidos no anexo IV, parte B, do regulamento de execução impugnado. Além disso, a versão alterada desta diretiva precisa o número máximo de plantas sintomáticas observadas nas inspeções numa amostra representativa para que a cultura seja considerada «praticamente isenta» do fungo Gibberella fujikuroi Sawada [GIBBFU], conforme exigido pela parte B do anexo IV do regulamento de execução impugnado (v. considerando 10, artigo 2.o e anexo II da Diretiva de Execução 2020/177);

—        a Diretiva 68/193 relativa à comercialização dos materiais de propagação vegetativa da vinha foi alterada para prever, em substância, que as vinhas‑mãe e os viveiros deviam ser inspecionados visualmente e, sendo caso disso, objeto de amostragem e análise para se assegurarem de que estavam isentos das RNQP enumeradas no anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado. Se se verificar a presença de RNQP ou de sintomas que lhes dizem respeito, o anexo I da Diretiva 68/193, conforme alterada, prevê, em função da RNQP e da categoria do material de propagação, a adoção de medidas como a eliminação e a destruição das vinhas em causa, a exclusão destas da propagação, o tratamento com água quente, o tratamento bactericida, a conservação em instalações à prova de insetos vetores, a enxertadura adequada ou a fumigação (v. considerando 11, artigo 3.o e anexo III da Diretiva de Execução 2020/177);

—        a Diretiva 2002/55, respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas, foi alterada para prever que a presença de RNQP nas sementes de produtos hortícolas não excedia, pelo menos com base numa inspeção visual, os limiares respetivos fixados no anexo IV, parte F, do regulamento de execução impugnado (v. considerando 14, artigo 6.o e anexo VI da Diretiva de Execução 2020/177);

—        a Diretiva 93/61, relativa à comercialização de materiais de propagação e de plantação de produtos hortícolas, com exceção das sementes, foi alterada para prever que a presença de RNQP nesses vegetais não exceda, pelo menos com base numa inspeção visual, os limiares estabelecidos no anexo IV, parte I, do regulamento de execução impugnado (v. considerando 12, artigo 5.o e anexo V da Diretiva de Execução 2020/177);

—        a Diretiva de Execução 2014/98, que estabelece requisitos específicos relativos, nomeadamente, à comercialização de material de propagação de fruteiras e de fruteiras destinadas à produção de frutos, foi alterada para prever que as plantas‑mãe pré‑básicas, o material pré‑básico, as plantas‑mãe básicas e o material básico, as plantas‑mãe certificadas e o material certificado deviam, através de uma inspeção visual e, em caso de dúvida, de uma amostragem e de uma análise, estar isentas das RNQP enumeradas no anexo IV, parte J, do regulamento de execução impugnado. Se se verificar a presença de RNQP ou de sintomas das mesmas, o anexo IV da Diretiva de Execução 2014/98, conforme alterada, prevê, em função da RNQP e da categoria do material de propagação, a adoção de medidas como a eliminação e a destruição do material de propagação e das plantas em causa, bem como a análise de uma amostra representativa do material de propagação e das plantas assintomáticas (v. considerandos 19 a 23, artigo 10.o e anexo X da Diretiva de Execução 2020/177).

98      Resulta destes elementos que, à semelhança do que observa a Comissão, os limiares de presença de RNQP estabelecidos nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado implicam, certamente, a obrigação de adotar certas medidas que consistem na observação visual dos vegetais e, em caso de aparecimento de sintomas atribuíveis às RNQP, na aplicação de medidas de higiene ou de tratamento adequados. Todavia, não resulta das disposições controvertidas do regulamento de execução impugnado ou das diretivas relativas à comercialização dos vegetais em causa nenhuma obrigação para os operadores profissionais de procederem a um saneamento por seleção genética.

99      Por outro lado, as recorrentes não invocam nenhuma disposição que imponha tal obrigação.

100    A este respeito, as recorrentes centram‑se (v. n.o 75, supra) nos alegados efeitos que o anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado causaria na diversidade do material de propagação da videira infetados por vírus, viroides ou doenças similares a vírus. As recorrentes alegam que, na falta de medidas de higiene ou de produtos antivirais adequados, as variedades afetadas por essas doenças só podem ser saneadas por métodos como a termoterapia, a cultura dos meristemas apicais ou a embriogenia somática, que implicam, segundo elas, uma redução significativa da biodiversidade intravariedades.

101    Todavia, basta observar que, segundo o anexo I, secção 2, pontos 2 e 3, e a secção 8, ponto 6, alínea c), da Diretiva 68/193, conforme alterada pela Diretiva de Execução 2020/177, na sequência de uma inspeção visual, os sintomas dessas RNQP são toleráveis num máximo de 10 % das vinhas nas vinhas‑mãe destinadas à produção de material de categoria «standard», devendo as vinhas em causa ser excluídas da propagação. Em contrapartida, resulta da secção 8, ponto 5, alínea c), do mesmo anexo da referida diretiva, que o material de propagação «inicial», «básico» e «certificado» (v. n.o 93, supra) obedece a normas mais rigorosas no que respeita aos sintomas em questão, sem que, não obstante, se preveja, a este respeito, uma seleção genética.

102    Por outro lado, as recorrentes não alegam que o material de categoria «standard» seja, por natureza, todo afetado por RNQP, pelo que a aplicação de um limiar de presença de 0 % implica automaticamente uma obrigação de os excluir na sua totalidade da propagação. A própria previsão do limiar máximo de 10 % no anexo I, secção 8, ponto 6, alínea c), da Diretiva 68/193, conforme alterada pela Diretiva de Execução 2020/177 (v. n.o 101, supra) revela sobretudo o oposto.

103    Por conseguinte, como observa a Comissão, o anexo IV, parte C, do regulamento de execução impugnado não tem por objeto nem por efeito impor aos operadores profissionais que implementem métodos de saneamento por seleção genética, como os referidos no n.o 100, supra, ou proibir a comercialização do material de propagação da vinha pertencente à categoria «standard».

104    No mesmo contexto, importa acrescentar, à semelhança do que refere a Comissão, que várias diretivas que regulam a comercialização dos vegetais para plantação contêm disposições derrogatórias que têm precisamente por objeto promover a diversidade genética.

105    Trata‑se, particularmente:

—        do artigo 3.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva 68/193, relativa à comercialização dos materiais de propagação vegetativa da vinha;

—        do artigo 8.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2008/72, relativa à comercialização de material de propagação e plantação de produtos hortícolas, com exceção das sementes, e

—        do artigo 3.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2008/90, relativa à comercialização de material de propagação de fruteiras e de fruteiras destinados à produção de frutos.

106    Estas disposições têm por objeto permitir a comercialização de certas quantidades de vegetais para plantação apesar do facto de não preencherem as respetivas condições fitossanitárias, quando essa comercialização visa contribuir para a conservação da diversidade genética.

107    A este respeito, há que referir igualmente o artigo 44.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2002/55, respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas, com base no qual foi adotada a Diretiva 2009/145/CE da Comissão, de 26 de novembro de 2009, que prevê certas derrogações à admissão de variedades autóctones de produtos hortícolas e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética e de variedades de produtos agrícolas sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, e à comercialização de sementes dessas variedades autóctones e outras variedades (JO 2009, L 312, p. 44).

108    O argumento das recorrentes relativo à alegada ineficácia do estabelecimento dos limiares de presença das RNQP em 0 % pelo facto de esses organismos poderem ser disseminados através de insetos vetores deve igualmente ser afastado. Com efeito, como precisa a Comissão, o facto de prever que qualquer material vegetal para plantação deve estar isento de RNQP segundo as previsões das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado é suscetível de prevenir a propagação das pragas em causa através de insetos vetores.

109    Quanto ao argumento relativo à análise alegadamente insuficiente do impacto económico das RNQP efetuada pela OEPP (v. n.o 76, supra), importa salientar que a comercialização dos materiais de propagação da videira de categoria «padrão» há longos anos não é suscetível de infirmar a existência de um impacto económico inaceitável sobre a utilização prevista dos vegetais para plantação devido à presença de RNQP na aceção do artigo 36.o, alínea e), do Regulamento 2016/2031. Com efeito, como resulta do estudo que apresenta em sumário os trabalhos efetuados na OEPP, o facto de uma RNQP já estar presente no território da União implica que esse impacto pôde ser verificado com base em informações pormenorizadas em primeira mão já disponíveis.

110    Daqui resulta igualmente a este respeito que, na medida em que as RNQP já são objeto de regimes de certificação que limitam o impacto económico da sua presença, a respetiva análise deve ter em conta o impacto que seria produzido se as restrições existentes fossem suprimidas. Assim, a avaliação do impacto económico baseou‑se em informações fornecidas pelas autoridades nacionais de proteção dos vegetais, bem como pelas partes interessadas que intervieram no processo de avaliação.

111    Na medida em que a análise da OEPP é posta em causa por alegadamente não ter sido tomado em conta o desaparecimento iminente de material de propagação pertencente à categoria «padrão» devido aos custos de saneamento exorbitantes, este argumento deve ser rejeitado pelas razões expostas nos n.os 90 a 108, supra.

112    Consequentemente, não há que deferir o pedido das recorrentes de adoção da medida de instrução relativa à designação de um perito.

113    Resulta destas apreciações que a primeira alegação das recorrentes, relativa à violação do artigo 36.o, alíneas e) e f), do Regulamento 2016/2031, devido às alegadas consequências nefastas que teria para a biodiversidade o estabelecimento do limiar de presença das RNQP em 0 %, se baseia na premissa errada de que o limiar em questão impõe a aplicação dos métodos de saneamento por seleção genética dos vegetais para plantação. Esta alegação deve, por isso, ser julgada improcedente.

114    Pelas mesmas razões, improcede igualmente a segunda alegação, relativa ao facto de a Comissão não ter tido em conta o custo das medidas de saneamento que se tornaram necessárias na sequência do estabelecimento do limiar de presença das RNQP enumeradas em 0 %, o que constitui uma violação do artigo 36.o, alínea f), do Regulamento 2016/2031 (v. n.o 83, supra).

115    Com efeito, por um lado, os argumentos das recorrentes relativos aos custos alegadamente exorbitantes das medidas de saneamento provocadas pelo estabelecimento do limiar de presença das RNQP em 0 % baseiam‑se igualmente na premissa de que o saneamento em questão deve ser feito por seleção genética. Ora, como resulta dos n.os 90 a 113, supra, esta premissa está errada.

116    Por outro lado, à semelhança do que alega a Comissão, resulta de uma leitura conjugada do artigo 36.o, alíneas e) e f), e do artigo 37.o, n.o 8, do Regulamento 2016/2031 que a existência de medidas viáveis e eficazes para prevenir a presença de uma praga nos vegetais para plantação constitui uma condição para que este organismo seja incluído na lista das RNQP e não se refere à possibilidade de estabelecer um limiar de presença dessa praga superior a 0 %. Ora, as recorrentes não pedem a anulação das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado na medida em que, por força destas, a Comissão elaborou a lista das RNQP, mas unicamente na medida em que as partes em questão fixaram limiares de presença dos referidos organismos em 0 %.

117    Resulta igualmente do caráter errado da premissa em que se baseia a primeira alegação deste fundamento que a exceção de ilegalidade suscitada em relação aos artigos 36.o e 37.o do Regulamento 2016/2031 deve ser julgada improcedente. Com efeito, em apoio da referida exceção, as recorrentes alegam, em substância, que essas disposições estão viciadas por uma violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que não impediram a Comissão de impor, ao estabelecer o limiar de presença das RNQP em 0 %, obrigações desproporcionadas em relação ao saneamento por seleção genética. Ora, uma vez que o regulamento de execução impugnado não tem por objeto nem por efeito impor tais obrigações, a alegação de que as disposições em questão do Regulamento 2016/2031 padecem de uma violação do princípio da proporcionalidade ou da violação de uma qualquer obrigação de «proteger o solo» deve, em todo o caso, ser julgada inoperante (v. n.o 78, supra).

118    Quanto à terceira alegação relativa à falta de avaliação de impacto (v. n.o 79, supra), também está destinada ao insucesso, uma vez que se baseia nas alegadas consequências nefastas para a biodiversidade e nos custos alegadamente exorbitantes das medidas de saneamento por seleção genética provocadas pelo estabelecimento do limiar de presença das RNQP em 0 %, alegações que são, contudo, infundadas (v. n.os 90 a 113, supra).

119    Quanto ao argumento relativo à violação do dever de fundamentação, impõe‑se recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa. A este respeito, quando se tratar, como no caso vertente, de um ato de aplicação geral, a fundamentação pode limitar‑se a indicar, por um lado, a situação de conjunto que levou à sua adoção e, por outro, os objetivos gerais que se propõe atingir (Acórdão de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho, C‑310/04, EU:C:2006:521, n.os 57 e 58).

120    Ora, há que observar que os considerandos 12 a 15 do regulamento de execução impugnado (v. n.os 86 a 88, supra) indicam com clareza o contexto da sua adoção e os objetivos que se propõe atingir. Além disso, o conteúdo da Diretiva de Execução 2020/177 confirma que os requisitos sanitários recomendados pela OEPP para a comercialização dos vegetais para plantação na sequência do estabelecimento do limiar de presença das RNQP em 0 % não previam saneamento por seleção genética. Por conseguinte, a Comissão não estava obrigada a fundamentar a adoção das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado com referência aos custos desses métodos de saneamento ou às alegadas consequências destes na biodiversidade.

121    Daqui decorre que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do Tirfaa

122    As recorrentes alegam que o estabelecimento de um limiar de presença de RNQP em 0 % sobre as variedades autóctones de vegetais viola o artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa. Esta disposição garante aos agricultores os direitos de conservar, utilizar, trocar e vender sementes e material de propagação produzidos na exploração. Ora, a seleção genética imposta pelas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado para efeitos do saneamento exigido compromete a conservação do pool genético dos recursos vegetais a ponto de privar da sua substância os direitos de que os agricultores devem gozar por força da disposição acima referida.

123    Tal como o primeiro, o segundo fundamento assenta na premissa errada de que o estabelecimento do limiar de presença das RNQP enumeradas nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado em 0 % implica uma obrigação de saneamento por seleção genética dos vegetais para plantação a que as partes em causa dizem respeito. Este fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente por este motivo.

124    Em todo o caso, o exame da validade de um ato do direito da União à luz de um tratado internacional exige, nomeadamente, que a disposição invocada contenha uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de nenhum ato posterior (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 55).

125    A este respeito, o artigo 9.o do Tirfaa prevê que as partes contratantes devem, «se for caso disso e sob reserva da legislação nacional» tomar medidas para proteger e promover os direitos dos agricultores.

126    O n.o 2 desse artigo prevê, em especial, que, em função das suas necessidades e prioridades, cada parte contratante deve «se for caso disso e sob reserva da legislação nacional» tomar medidas para proteger e promover os direitos dos agricultores, incluindo:

—        a proteção dos conhecimentos tradicionais que de interesse para os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

—        o direito de participar equitativamente na partilha dos benefícios resultantes da utilização dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

—        o direito de participar na tomada de decisões, no plano nacional, sobre questões relativas à conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

127    Neste contexto, o artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa, invocado pelas recorrentes, prevê que nada nesse artigo 9.o deverá ser interpretado como limitativo dos direitos que possam assistir aos agricultores de conservar, utilizar, trocar e vender sementes e material de propagação produzidos na exploração, «sob reserva das disposições da legislação nacional e segundo as circunstâncias».

128    É verdade que o artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa tem por objeto excluir que esse mesmo artigo 9.o seja interpretado de forma a limitar os direitos que os agricultores possam ter de conservar, utilizar, trocar e vender sementes e material de propagação produzidos na exploração. Todavia, estes últimos direitos não são garantidos pelo artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa. Com efeito, como prevê expressamente o artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa, esses direitos, na medida em que são conferidos pela legislação nacional, devem ser exercidos sob reserva das disposições desta última.

129    Por conseguinte, o artigo 9.o, n.o 3, do Tirfaa não contém nenhuma obrigação que impenda sobre a União, pelo que a legalidade do Regulamento 2016/2031 ou das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado não pode, em todo o caso, ser apreciada à luz dessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, Association Kokopelli, C‑59/11, EU:C:2012:447, n.os 90 a 92).

130    Há, portanto, que julgar o segundo fundamento improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do Regulamento 2018/848

131    As recorrentes alegam que o estabelecimento de um limiar de presença em 0 % de RNQP nas variedades autóctones de vegetais viola o artigo 13.o do Regulamento 2018/848. Com o objetivo de preservar a variabilidade fitogenética, esta disposição permite a comercialização do material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo sem cumprir os requisitos de registo e as categorias de certificação do material «pré‑básico», «básico» e «certificado», nem os requisitos para outras categorias, estabelecidos nas diretivas que regulam a comercialização dos vegetais para plantação.

132    Antes de mais, há que salientar que, uma vez que o Regulamento 2016/2031 tem o mesmo nível que o Regulamento 2018/848, este último não pode ser invocado para contestar a validade do primeiro. Por conseguinte, este fundamento só pode ser entendido no sentido de que visa exclusivamente o regulamento de execução impugnado.

133    Em seguida, é certo que o considerando 18 do Regulamento 2018/848 se refere à necessidade de centralização no desempenho agronómico, na diversidade genética, na resistência às doenças, na longevidade, e na adaptação às diferentes condições edafoclimáticas locais e deverá respeitar as barreiras naturais em matéria de cruzamentos.

134    Assim, segundo o considerando 36 do Regulamento 2018/848, a investigação realizada na União sobre material de reprodução vegetal que não corresponda à definição de variedade quanto à uniformidade mostra que poderia haver vantagens na utilização desse material diverso, em particular no que diz respeito à produção biológica, por exemplo para reduzir a propagação das doenças, melhorar a resiliência e para aumentar a biodiversidade.

135    Nesse contexto, o considerando 37 do Regulamento 2018/848 dispõe que deverá estar disponível para ser utilizado na produção biológica o material de reprodução vegetal não pertencente a uma variedade, mas antes a um conjunto vegetal pertencente ao mesmo táxon botânico com um nível elevado de diversidade genética e fenotípica entre unidades reprodutivas individuais. Foi por essa razão que, segundo esse mesmo considerando, o legislador autorizou os operadores a comercializarem material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo sem ter de cumprir as categorias de certificação de material «pré‑básico», «básico» e «certificado», nem os requisitos para outras categorias, estabelecidos nas diretivas que regem a comercialização.

136    A esse respeito, o artigo 13.o do Regulamento 2018/848 tem a seguinte redação:

«1. O material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo pode ser comercializado sem cumprir os requisitos de registo e as categorias de certificação do material pré‑básico, básico e certificado, nem os requisitos para outras categorias, estabelecidos nas Diretivas [66/401], [66/402], [68/193], 98/56/CE, 2002/53/CE, 2002/54/CE, [2002/55], 2002/56/CE, 2002/57/CE, [2008/72] e [2008/90], ou em atos adotados nos termos dessas diretivas.

2. O material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo a que se refere o n.o 1 pode ser comercializado depois de uma notificação do material biológico heterogéneo por parte do fornecedor aos organismos oficiais responsáveis referidos nas Diretivas [66/401], [66/402], [68/193], 98/56/CE, 2002/53/CE, 2002/54/CE, [2002/55], 2002/56/CE, 2002/57/CE, [2008/72] e [2008/90] […]»

137    O artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento 2018/848 prevê igualmente o conteúdo essencial da notificação mencionada nessa mesma disposição, bem como as respetivas regras processuais, ao passo que o n.o 3 do mesmo artigo habilita a Comissão a estabelecer regras aplicáveis à produção e comercialização de material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo de géneros ou espécies específicos.

138    Assim, em vez questionar a legalidade do estabelecimento dos limiares de presença de RNQP por força das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, o artigo 13.o do Regulamento n.o 2018/848 permite, a título de exceção e num quadro estritamente definido, comercializar material de reprodução vegetal de material biológico heterogéneo sem cumprir os requisitos para outras categorias, estabelecidos nas diretivas que regulam a comercialização. Daqui resulta que esta disposição não pode ser invocada para impugnar a legalidade das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado, na medida em que, por força destas, os limiares de presença de RNQP nos vegetais para plantação foram estabelecidos em 0 %.

139    Há, portanto, que julgar o terceiro fundamento improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à incompatibilidade das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado com a política agrícola comum

140    As recorrentes alegam que o estabelecimento dos limiares de presença de RNQP em 0 % por força das partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado:

—        torna impossível, devido ao processo de seleção genética de um reduzido número de espécies que impõe, cumprir a obrigação de prevenir a introdução de espécies não autóctones, imposta em virtude de disposições específicas da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7);

—        é contrário à política de preservação dos recursos vegetais autóctones não saneados, aplicada por força do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1);

—        viola o princípio do desenvolvimento agrícola sustentável e a melhoria da biodiversidade vegetal, financiados ao abrigo de instrumentos abrangidos pelo Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 487);

—        não é coerente em relação, em primeiro lugar, às normas de direito internacional e do direito da União destinadas a preservar a biodiversidade agrícola, em segundo lugar, às normas do direito da União destinadas a preservar os habitats seminaturais e o desenvolvimento rural e, em terceiro lugar, às diretivas que regulam a comercialização de sementes e de material de reprodução de fruteiras.

141    Antes de mais, há que salientar que, uma vez que são do mesmo nível que o Regulamento 2016/2031, os regulamentos indicados no n.o 140, primeiro a terceiro travessões, não podem ser invocados para contestar a sua validade. Por conseguinte, este fundamento só pode ser entendido no sentido de que visa exclusivamente o regulamento de execução impugnado.

142    Ora, resulta do conjunto dos argumentos apresentados em apoio deste fundamento, que também ele assenta na hipótese de que o estabelecimento do limiar de presença das RNQP enumeradas nas partes controvertidas do anexo IV do regulamento de execução impugnado em 0 % implica uma obrigação de saneamento por seleção genética dos vegetais para plantação, a que dizem respeito as partes em questão, o que provocaria consequências nefastas para a biodiversidade. Ora, como resulta da análise consagrada ao primeiro fundamento (v. n.os 90 a 113, supra), esta premissa está errada.

143    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o quarto fundamento improcedente e, consequentemente, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

144    Por força do disposto no artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas em conformidade com o pedido da Comissão.

145    Em conformidade com o disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, as instituições que intervieram no litígio suportarão as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que o Parlamento e o Conselho suportarão, cada um, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Società agricola Vivai Maiorana Ss, a Confederazione Italiana Agricoltori — CIA e a MIVA — Moltiplicatori Italiani Viticoli Associati suportarão, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão, cada um, as suas próprias despesas.

Costeira

Gratsias

Kancheva

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de setembro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.