Language of document : ECLI:EU:T:2020:294

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

25 de junho de 2020 (*)

«Acesso aos documentos — Decisão do BCE de colocar a Banca Carige SpA sob administração temporária — Recusa de acesso — Processo à revelia»

No processo T‑552/19,

Malacalza Investimenti Srl, com sede em Génova (Itália), representada por P. Ghiglione, E. De Giorgi e L. Amicarelli, advogados,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por F. von Lindeiner e M. Van Hoecke, na qualidade de agentes, assistidos por D. Sarmiento Ramírez‑Escudero, advogado,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão LS/LdG/19/185 do BCE, de 12 de junho de 2019, que recusa o acesso a vários documentos relativos à Decisão ECB‑SSM‑2019‑ITCAR‑11 do Conselho do BCE, de 1 de janeiro de 2019, de colocar a Banca Carige SpA sob administração temporária,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, P. Nihoul (relator) e J. Martín y Pérez de Nanclares, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Malacalza Investimenti Srl, é uma sociedade de direito italiano. É acionista principal da Banca Carige SpA, de que detém diretamente 27,555 % do capital.

2        Em 20 de setembro de 2018, o conselho de administração da Banca Carige foi renovado pela assembleia‑geral de acionistas. Devido à sua participação na referida sociedade, a recorrente nomeou a maioria dos membros do conselho de administração.

3        Em 22 de dezembro de 2018, na sequência de uma nova assembleia geral dos acionistas da Banca Carige, durante a qual o projeto de aumento de capital social no valor de 400 milhões de euros foi rejeitado, alguns membros do conselho de administração demitiram‑se.

4        Por Decisão de 1 de janeiro de 2019 (a seguir «Decisão de 1 de janeiro de 2019»), o Banco Central Europeu (BCE) colocou a Banca Carige sob administração temporária, em aplicação do direito italiano que transpôs o artigo 29.o da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190). Ordenou, assim, a dissolução dos órgãos de administração e de supervisão da referida sociedade e nomeou três administradores temporários e um comité de supervisão composto por três membros.

5        A Decisão de 1 de janeiro de 2019 não foi publicada e os fundamentos que lhe estão subjacentes não são do conhecimento da recorrente. A única forma de publicidade adotada pelo BCE foi um comunicado de imprensa, de 2 de janeiro de 2019, que anuncia o nome dos administradores temporários da Banca Carige e dos membros do comité de supervisão da referida sociedade e que descreve de forma geral o conceito de administração temporária, bem como os deveres dos administradores temporários.

6        Em 15 de janeiro de 2019, a recorrente apresentou ao BCE um pedido de acesso, ao abrigo do artigo 6.o da Decisão 2004/258/CE do BCE, de 4 de março de 2004, relativa ao acesso do público aos documentos do BCE (JO 2004, L 80, p. 42), que visa:

–        a Decisão de 1 de janeiro de 2019 e seus anexos;

–        os documentos, relativos ao período compreendido entre 30 de novembro de 2018 e 2 de janeiro de 2019, que contêm as outras decisões tomadas pelo BCE em relação à Banca Carige, incluindo o projeto de decisão relativo ao plano de conversão dos fundos próprios, com os seus quadros e respetivos anexos, as comunicações entre o BCE e o conselho de administração da referida sociedade ou um ou vários dos seus membros, bem como as atas das reuniões entre o BCE e o conselho de administração desta sociedade ou um ou vários dos seus membros.

7        Em 14 de fevereiro de 2019, o BCE informou a recorrente de que o prazo de resposta ao pedido de acesso aos documentos era prorrogado por 20 dias úteis, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, devido a uma carga de trabalho acrescida.

8        Em 17 de fevereiro de 2019, a recorrente respondeu ao BCE contestando a compatibilidade da prorrogação do prazo de tratamento do seu pedido com o artigo 7.o, n.o 3, da Decisão 2004/258.

9        Em 19 de fevereiro de 2019, o BCE respondeu à recorrente, indicando que o artigo 7.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 era invocado para prorrogar o prazo de tratamento do pedido de acesso aos documentos apresentado pela recorrente em razão da receção de numerosos pedidos relativos à Banca Carige e a consultas com o Banco de Itália sobre essa mesma questão.

10      Por Decisão de 13 de março de 2019, o BCE indeferiu integralmente o pedido de acesso.

11      Em 8 de abril de 2019, a recorrente apresentou um pedido confirmativo à Comissão Executiva do BCE, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Decisão 2004/258, no qual pedia a revisão da Decisão do BCE de 13 de março de 2019. Nesse pedido confirmativo, ela excluiu, todavia, do seu pedido de acesso o plano de conversão dos fundos próprios, com os seus quadros e respetivos anexos, que tinha, entretanto, recebido dos administradores temporários da Banca Carige.

12      A recorrente referiu que tinham sido publicados sob a forma de fotografias, no sítio Internet de um jornal diário italiano, excertos de um documento apresentado como a Decisão de 1 de janeiro de 2019. Indicou que, embora essas fotografias reproduzissem efetivamente a referida decisão, os excertos que nelas figuravam já não podiam ser considerados confidenciais, visto que, uma vez publicados, passavam a ser do domínio público. Sustentou que esses excertos não continham, em todo o caso, nenhuma informação confidencial, na medida em que todos os dados que neles se encontravam constavam dos documentos informativos que a Banca Carige publica em conformidade com a legislação aplicável às instituições de crédito cotadas nos mercados regulamentados.

13      A recorrente reiterou igualmente o seu pedido de acesso à versão integral dos documentos solicitados ou, a título subsidiário, a uma versão não confidencial que tivesse em conta os excertos da Decisão de 1 de janeiro de 2019 já publicados na Internet, bem como o tempo decorrido desde o referido pedido, em razão do qual a confidencialidade de certas informações já não era exigida. Quanto às comunicações escritas entre o BCE e o conselho de administração da Banca Carige, bem como às atas das reuniões entre esses mesmos intervenientes, pediu a lista das comunicações e das reuniões, o nome dos participantes e uma descrição geral do conteúdo dessas comunicações e reuniões.

14      Em 3 de maio de 2019, o BCE informou a recorrente de que, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, da Decisão 2004/258, tinha decidido prorrogar por 20 dias úteis o prazo de resposta ao pedido confirmativo devido a uma carga de trabalho excecional.

15      Por carta de 29 de maio de 2019, o BCE anunciou que o novo prazo, fixado em 4 de junho de 2019, não seria respeitado.

16      Em 12 de junho de 2019, o BCE decidiu indeferir na íntegra o pedido confirmativo (a seguir «decisão impugnada»). Esta decisão reproduz, em substância, os fundamentos que tinham sido invocados na Decisão do BCE de 13 de março de 2019.

 Decisão impugnada

17      Na decisão impugnada, o BCE identificou, à luz do pedido de acesso apresentado pela recorrente, oito documentos, que classificou em quatro categorias:

–        a Decisão de 1 de janeiro de 2019;

–        o plano de conversão dos fundos próprios e qualquer outra decisão escrita relativa à Banca Carige adotada no período compreendido entre 30 de novembro de 2018 e 2 de janeiro de 2019;

–        as comunicações escritas entre o BCE e o conselho de administração da Banca Carige ou um ou mais dos seus membros no decurso desse mesmo período;

–        as atas das reuniões entre o BCE e o conselho de administração da Banca Carige ou um ou vários dos seus membros intervenientes, no decurso desse mesmo período.

18      A recusa de acesso ao documento da primeira categoria, a saber, a Decisão de 1 de janeiro de 2019, baseia‑se na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2004/258, que prevê que «[o] BCE recusará o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção […] [d]a confidencialidade da informação tutelada como tal pelo direito da União».

19      O BCE considerou que o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2004/258 continha uma presunção geral de confidencialidade que abrangia todos os dossiês abrangidos pela missão de supervisão prudencial que lhe foi confiada.

20      O BCE deduziu a existência desta presunção geral de confidencialidade do facto de o legislador da União Europeia ter aprovado regras que, por um lado, impõem o segredo profissional a todas as pessoas que trabalham ou tenham trabalhado para as autoridades de supervisão prudencial e, por outro, exigem que as informações confidenciais que essas pessoas recebem no exercício das suas funções só possam ser divulgadas de forma resumida ou agregada, de modo que as instituições de crédito não possam ser identificadas. Neste contexto, remeteu para o artigo 27.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), para os artigos 53.o e seguintes da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), bem como para o artigo 84.o da Diretiva 2014/59.

21      Baseando‑se no Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister (C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 35 a 43), o BCE referiu que, em matéria de supervisão prudencial, a obrigação de proteger as informações confidenciais não devia ser concebida como uma exceção ao princípio geral da transparência, mas antes como uma regra geral em si mesma. Em seu entender, essas regras e a presunção geral de confidencialidade que delas decorria garantiam uma conduta eficaz das atividades de supervisão, na medida em que tanto os estabelecimentos supervisionados como as autoridades competentes podiam apoiar‑se no facto de que, em princípio, as informações confidenciais fornecidas não seriam divulgadas. Esta confiança é essencial para uma troca efetiva de informações, que, por sua vez, é crucial para o bom desenrolar da atividade de supervisão prudencial.

22      Por último, o BCE salientou que as regras mencionadas no n.o 20, supra, só permitiam a divulgação de informações confidenciais em certos casos expressamente previstos, que não se verificavam no caso em apreço.

23      Relativamente às três outras categorias de documentos solicitados, a recusa de acesso baseia‑se na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2004/258, conjugada com a prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, da mesma decisão, que dispõe que «[o] BCE recusará o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de […] interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual».

24      No que respeita ao artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, da Decisão 2004/258, o BCE referiu que a comunicação à recorrente dos documentos obtidos ou preparados no âmbito da supervisão contínua da Banca Carige podia prejudicar os interesses comerciais desta sociedade, uma vez que as informações que continham não eram conhecidas do público e refletiam um elemento essencial da posição comercial atual da referida sociedade.

25      Uma vez que não identificou nenhum interesse público superior que justificasse a divulgação dos documentos visados, o BCE concluiu igualmente pelo indeferimento do pedido de acesso a esses documentos, sem proceder a um exame concreto e individual de cada um deles.

 Tramitação processual

26      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de agosto de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

27      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que julgasse o presente recurso seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com o artigo 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A petição e o pedido de tramitação acelerada foram notificados ao BCE em 20 de agosto de 2019. Em 3 de setembro de 2019, o BCE apresentou as suas observações sobre este pedido.

28      Por decisão de 18 de setembro de 2019, o Tribunal Geral (Primeira Secção) indeferiu o pedido de tramitação acelerada. O BCE foi informado de que, em conformidade com o artigo 154.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o prazo para apresentar a contestação, ao qual acresce a dilação de dez dias em razão da distância, era aumentado um mês suplementar.

29      Tendo a composição das secções sido alterada, o juiz‑relator foi afetado à Quarta Secção, à qual o presente processo foi reatribuído.

30      O BCE apresentou a contestação em 6 de novembro de 2019.

31      Por carta de 8 de novembro de 2019, tendo em conta a apresentação tardia da contestação, o secretário do Tribunal Geral convidou a recorrente a apresentar as suas observações sobre o seguimento a dar ao processo.

32      Em 20 de novembro de 2019, a recorrente apresentou as suas observações sobre o seguimento a dar ao processo e, em aplicação do artigo 123.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, pediu ao Tribunal Geral que julgasse procedentes os seus pedidos.

 Pedidos da recorrente

33      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o BCE nas despesas.

34      A recorrente pede igualmente ao Tribunal Geral que adote, em aplicação do artigo 88.o do Regulamento de Processo, uma medida de instrução relativa à apresentação dos documentos cujo acesso foi recusado na decisão impugnada.

 Questão de direito

35      Por força do artigo 123.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, se o Tribunal Geral verificar que a parte demandada, devidamente citada, não respondeu no prazo fixado, a parte demandante pode solicitar ao Tribunal Geral que julgue procedentes os seus pedidos.

36      No caso em apreço, o BCE apresentou a contestação em 6 de novembro de 2019, ou seja, sete dias após o termo do prazo previsto no artigo 154.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

37      Com efeito, o prazo para apresentar a contestação, que, se o Tribunal Geral tivesse deferido o pedido de tramitação acelerada, teria expirado em 30 de setembro de 2019, expirou em 30 de outubro de 2019, visto que, no caso de indeferimento do pedido de tramitação acelerada, apenas é aplicável uma única dilação em razão da distância para calcular aquele prazo (v., neste sentido, Despacho de 7 de junho de 2017, De Masi/Comissão, T‑11/16, não publicado, EU:T:2017:385, n.os 17 a 20 e 22).

38      Assim, o BCE não respondeu à petição no prazo fixado.

39      Uma vez que, como foi indicado no n.o 32, supra, a recorrente pediu ao Tribunal Geral que julgasse procedentes os seus pedidos, há que aplicar o artigo 123.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

40      Assim, em conformidade com o artigo 123.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral julga procedentes os pedidos do demandante, a menos que seja manifestamente incompetente para conhecer da ação ou do recurso ou que essa ação ou esse recurso seja manifestamente inadmissível ou manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

41      Em primeiro lugar, há que salientar que, como resulta da petição, a recorrente pede ao Tribunal Geral que anule uma decisão da Comissão Executiva do BCE de que é destinatária, que confirma a recusa de acesso aos documentos solicitados pela recorrente.

42      Ora, nos termos do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos do BCE destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Nos termos do quarto parágrafo do mesmo artigo, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, no Tribunal de Justiça, recursos contra os atos de que seja destinatária.

43      Por outro lado, o artigo 8.o, n.o 1, da Decisão 2004/258 confirma que, em caso de recusa total ou parcial de acesso, o requerente dispõe da via de recurso prevista no artigo 263.o TFUE.

44      Além disso, nos termos do artigo 256.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal Geral é competente, nomeadamente, para conhecer em primeira instância dos recursos referidos no artigo 263.o TFUE, com exceção dos que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia reservar para o Tribunal de Justiça. O artigo 51.o do referido Estatuto enumera as categorias de recursos que, em derrogação da regra enunciada no artigo 256.o, n.o 1, TFUE, estão reservadas ao Tribunal de Justiça. Ora, o presente recurso não pertence a nenhuma destas categorias.

45      Nestas condições, deve considerar‑se que o Tribunal Geral não é manifestamente incompetente para conhecer do presente recurso.

46      Em segundo lugar, importa salientar que a recorrente é a destinatária da decisão impugnada, que indefere um pedido confirmativo por ela apresentado em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, da Decisão 2004/258.

47      Ora, por força do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa pode interpor recurso dos atos de que seja destinatária. A recorrente tem, por conseguinte, legitimidade ativa e pode, além disso, invocar um interesse em agir contra a decisão impugnada [v., neste sentido, Despacho de 30 de abril de 2001, British American Tobacco International (Holdings)/Comissão, T‑41/00, EU:T:2001:125, n.o 20].

48      Nestas condições, o recurso, que foi, além disso, interposto no prazo previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, não pode ser considerado manifestamente inadmissível.

49      Em terceiro lugar, cabe sublinhar que a recorrente apresenta dois fundamentos de recurso, cada um dos quais comporta várias partes, cuja apreciação não permite ao Tribunal Geral considerar o recurso manifestamente improcedente.

50      Com efeito, a recorrente contesta, nomeadamente, no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a existência de uma presunção geral decorrente do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2004/258 que permita ao BCE manter confidenciais as decisões através das quais coloca uma instituição de crédito sob administração temporária.

51      A este respeito, a recorrente alega, com razão, que a existência dessa presunção geral de confidencialidade, baseada no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2004/258, não foi reconhecida nem demonstrada até à data pela jurisprudência.

52      A recorrente contesta igualmente, no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, as consequências que o BCE retirou, na decisão impugnada, das disposições relativas ao segredo profissional e à confidencialidade referidas no n.o 20, supra.

53      Invocando o Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister (C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 46), a recorrente sustenta que as disposições referidas no n.o 20, supra, não podem ser interpretadas no sentido de que impõem ao BCE uma obrigação absoluta de confidencialidade. Pelo contrário, segundo essas disposições, a comunicação de informações pode ser justificada em determinadas situações.

54      Por último, a recorrente salienta, no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, que a Decisão de 1 de janeiro de 2019, que, segundo o BCE, não lhe podia ser comunicada devido ao seu caráter sensível, foi objeto de uma publicação, sem dúvida não autorizada, sob a forma de excertos, reproduzidos no sítio Internet de um jornal diário italiano.

55      A recorrente sustenta que o exame dos excertos da Decisão de 1 de janeiro de 2019 que foram publicados permite constatar que o conteúdo da referida decisão não é confidencial, uma vez que diz respeito a informações que, enquanto sociedade cotada nos mercados regulamentados, a Banca Carige estava obrigada a publicar.

56      Segundo a recorrente, esta circunstância tem incidência na avaliação dos riscos que uma divulgação comporta, em aplicação da jurisprudência (Acórdão de 3 de julho de 2014, Conselho/in ’t Veld, C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.o 60).

57      Tendo em conta estes elementos, verifica‑se que várias alegações apresentadas pela recorrente não podem ser consideradas manifestamente desprovidas de qualquer fundamento jurídico.

58      Assim, o Tribunal Geral conclui, tendo em conta os elementos dos autos e à luz das considerações anteriores, por um lado, que não é manifestamente incompetente para conhecer do recurso e, por outro, que o recurso não é manifestamente inadmissível nem manifestamente desprovido de qualquer fundamento jurídico.

59      Por conseguinte, há que julgar procedentes os pedidos da recorrente sem que, para chegar a esta conclusão, seja necessário adotar a medida de instrução solicitada.

 Quanto às despesas

60      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o BCE sido vencido, há que o condenar nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      A Decisão LS/LdG/19/185 do Banco Central Europeu (BCE), de 12 de junho de 2019, que recusa o acesso a vários documentos relativos à Decisão ECBSSM2019ITCAR11 do Conselho do BCE, de 1 de janeiro de 2019, de colocar a Banca Carige SpA sob administração temporária, é anulada.

2)      O BCE é condenado nas despesas.

Gervasoni

Nihoul

Martín y Pérez de Nanclares

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de junho de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.