Language of document : ECLI:EU:C:2024:312

DESPACHO DO VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

11 de abril de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Processo de medidas provisórias — Concorrência — Concentrações — Mercado dos meios de comunicação — Pedido de informações — Dados pessoais — Urgência — Prática de uma infração penal»

No processo C‑89/24 P(R),

que tem por objeto o recurso de um despacho do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 57.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em 2 de fevereiro de 2024,

Lagardère SA, com sede em Paris (França), representada por G. Aubron, C. Bocket e D. Théophile, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por P. Caro de Sousa, B. Cullen e D. Viros, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

ouvido o advogado‑geral M. Szpunar,

profere o presente

Despacho

1        Por meio do seu recurso, a Lagardère SA pede a anulação do Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de janeiro de 2024, Lagardère/Comissão (T‑1119/23 R, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2024:16), através do qual o Tribunal Geral indeferiu o seu pedido destinado, por um lado, a obter a suspensão da execução da Decisão C(2023) 6429 final da Comissão, de 19 de setembro de 2023, relativa a um processo de aplicação do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho (Processo M.11184 — Vivendi/Lagardère), conforme alterada pela Decisão C(2023) 7464 final da Comissão, de 27 de outubro de 2023 (a seguir «decisão controvertida»), e, por outro, a título de medida cautelar, a que fosse instada a conservar a totalidade dos documentos das pessoas em causa na decisão controvertida, potencialmente pertinentes para o inquérito da Comissão Europeia.

 Antecedentes do litígio

2        Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 2 a 8 do despacho recorrido. Podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

3        Em 24 de outubro de 2022, a Vivendi SE notificou à Comissão uma operação de concentração que consistia na aquisição do controlo exclusivo da Lagardère. Em 9 de junho de 2023, esta operação de concentração foi autorizada pela Comissão, sob reserva do respeito dos compromissos assumidos pela Vivendi.

4        Em 25 de julho de 2023, a Comissão informou a Vivendi da abertura de um inquérito formal sobre uma potencial realização antecipada da operação de concentração. No âmbito desse processo, através da Decisão C(2023) 6429 final, de 19 de setembro de 2023, a Comissão enviou à Lagardère um pedido de informações cujo prazo terminava em 27 de outubro de 2023. Por Decisão C(2023) 7464 final, de 27 de outubro de 2023, esta instituição prorrogou esse prazo até 1 de dezembro de 2023.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

5        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de novembro de 2023, a Lagardère interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

6        Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de novembro de 2023, a Lagardère apresentou um pedido de medidas provisórias destinado, por um lado, a obter a suspensão da execução dessa decisão e, por outro, a título de medida cautelar, a que fosse instada a conservar a totalidade dos documentos das pessoas em causa na referida decisão, potencialmente pertinentes para o inquérito da Comissão.

7        Por Despacho de 29 de novembro de 2023, Lagardère/Comissão (T‑1119/23 R), adotado com fundamento no artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral ordenou a suspensão da execução da decisão controvertida até à adoção do despacho que pusesse termo ao processo T‑1119/23 R, sem prejuízo da obrigação de a Lagardère prosseguir a recolha das informações e de conservar em sua posse, num suporte eletrónico, todos os documentos visados por esta decisão, potencialmente pertinentes para o inquérito da Comissão.

8        Por meio do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias referido no n.o 6 do presente despacho, com o fundamento de que a Lagardère não tinha demonstrado que o requisito relativo à urgência estava preenchido, e revogou o seu Despacho de 29 de novembro de 2023 (T‑1119/23 R).

9        Em primeiro lugar, n.o 29 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral declarou que o risco de a Lagardère ser obrigada a pagar sanções pecuniárias compulsórias ou coimas era, na fase do processo em que esse despacho devia ser proferido, de natureza hipotética.

10      Em segundo lugar, considerou, no n.o 39 do referido despacho, que devia ser igualmente rejeitado o argumento relativo ao prejuízo alegado resultante do risco de violação da vida privada dos trabalhadores e dos mandatários sociais da Lagardère. A este respeito, considerou nomeadamente, nos n.os 40 a 42 do mesmo despacho, que a Lagardère não tinha demonstrado de forma juridicamente bastante estar exposta a um risco de lhe serem aplicadas sanções penais.

 Pedidos das partes no presente recurso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

11      A Lagardère conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        declarar que o pedido de medidas provisórias apresentado pela Lagardère no processo T‑1119/23 R tem natureza urgente;

–        remeter o processo ao Tribunal de Geral quanto ao restante ou, se o Tribunal de Justiça se considerar suficientemente esclarecido, decidir definitivamente o pedido de medidas provisórias;

–        suspender a obrigação imposta à Lagardère pela decisão controvertida, conforme alterada pela Decisão C(2024) 572 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2024, de recolher e de comunicar à Comissão os documentos contidos nas caixas de correio eletrónico privadas ou pessoais e nos dispositivos móveis privados ou pessoais de determinados trabalhadores e mandatários sociais da Lagardère até que o presidente do Tribunal Geral se pronuncie de novo sobre o pedido de medidas provisórias no processo T‑1119/23 R ou então até que o Tribunal Geral decida do recurso de anulação da decisão controvertida, e

–        condenar a Comissão nas despesas das duas instâncias.

12      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a Lagardère nas despesas.

13      Por meio do seu Despacho de 6 de fevereiro de 2024, Lagardère/Comissão [C‑89/24 P(R)‑R, EU:C:2024:120], adotado com fundamento no artigo 160.o, n.o 7, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça ordenou a suspensão da obrigação imposta à Lagardère, pela decisão controvertida, de recolher e de comunicar à Comissão os documentos contidos nas caixas de correio eletrónico privadas ou pessoais e nos dispositivos móveis privados ou pessoais de determinados trabalhadores e mandatários sociais da Lagardère até à adoção do despacho que for proferido em primeiro lugar para pôr termo ao processo de medidas provisórias C‑89/24 P(R)‑R ou para decidir do presente recurso, sem prejuízo da obrigação que incumbe à Lagardère de tomar todas as medidas úteis para assegurar a conservação de todos esses documentos.

 Quanto ao recurso

14      Em apoio do seu recurso, a Lagardère invoca três fundamentos relativos, o primeiro, à violação do direito ao respeito pela vida privada e pelo sigilo da correspondência, o segundo, a um erro manifesto na apreciação do prejuízo alegado e, o terceiro, à violação dos direitos de defesa.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

 Argumentação

15      Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, a Lagardère alega que o presidente do Tribunal Geral desvirtuou o seu pedido de medidas provisórias ao declarar, no n.o 40 do despacho recorrido, que este pedido era particularmente omisso.

16      Com efeito, a afirmação do presidente do Tribunal Geral que figura nesse número, segundo a qual o pedido de medidas provisórias não continha nenhuma referência ao texto incriminatório nem precisões quanto à pena aplicável, é errada. Os textos de direito francês pertinentes foram assim expostos, em termos perfeitamente claros, nos pontos 35 e 38 desse pedido. Além disso, a Lagardère apresentou, em anexo ao referido pedido, o parecer de um advogado especializado no domínio da proteção da vida privada relativamente às novas tecnológicas que menciona a esses textos.

17      Por conseguinte, o presidente do Tribunal Geral não tinha razão ao declarar, no n.o 41 do despacho recorrido, que o prejuízo alegado pela Lagardère estava insuficientemente fundamentado.

18      A Comissão sustenta, a título principal, que o primeiro fundamento é inoperante na sua totalidade. Com efeito, este fundamento, na realidade, critica o presidente do Tribunal Geral por não ter examinado o requisito relativo ao fumus boni juris, quando se podia limitar a declarar que o requisito relativo à urgência não estava preenchido.

19      A Comissão alega, a título subsidiário, que a primeira parte do primeiro fundamento é improcedente. Salienta, a este respeito, que a argumentação do pedido de medidas provisórias relativo à urgência não contém nenhuma precisão sobre o texto incriminatório invocado pela Lagardère nem sobre a pena alegadamente incorrida por esta.

 Apreciação

20      A título preliminar, dado que a primeira parte do primeiro fundamento critica diretamente as considerações sobre o requisito relativo à urgência que figuram nos n.os 40 e 41 do despacho recorrido, não se pode considerar que esta parte assenta na alegação de que o presidente do Tribunal Geral não conheceu, erradamente, do requisito relativo ao fumus boni juris.

21      Daqui resulta que a argumentação da Comissão segundo a qual o primeiro fundamento é, na sua totalidade, inoperante deve ser rejeitada e que, consequentemente, há que apreciar quanto ao mérito a primeira parte deste fundamento.

22      A este respeito, importa salientar que, no n.o 40 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral afirmou que o pedido de medidas provisórias era «particularmente omisso» no que respeita ao risco de sanções penais a que a Lagardère estaria exposta, uma vez que este pedido mencionava «a possibilidade de tais sanções, sem referência ao texto incriminatório e sem precisões quanto à pena aplicável». No n.o 41 desse despacho, o presidente do Tribunal Geral deduziu daí que o prejuízo alegado pela Lagardère estava insuficientemente demonstrado.

23      No entanto, afigura‑se, como alega a Lagardère, que vários elementos do seu pedido de medidas provisórias continham precisões quanto às disposições de direito francês por força das quais considerava que poderia incorrer em responsabilidade penal se se conformasse com a decisão controvertida, bem como quanto às penas aplicáveis nesta hipótese.

24      Assim, antes de mais, a Lagardère precisou, no n.o 35 do seu pedido de medidas provisórias, que a violação do sigilo da correspondência é punida penalmente no direito francês em aplicação do artigo 226‑1 do Código Penal francês. Além disso, referiu o texto desta disposição e precisou que a pena pela sua violação era de um ano de prisão e de 45 000 euros de multa.

25      Em seguida, no n.o 38 desse pedido, a Lagardère mencionou várias outras disposições de direito penal francês que, segundo ela, lhe podiam ser aplicáveis, a saber, os artigos L. 223‑6 e R. 226‑1 a 4 do Código Penal francês, sem, no entanto, referir expressamente a sua redação.

26      Por último, no n.o 75 do referido pedido, a fim de demonstrar a existência de uma violação do direito ao respeito pela vida privada, a Lagardère remeteu para um parecer de um advogado anexado ao pedido. Este parecer expõe, nomeadamente, o texto e o alcance do artigo 226‑1 e do artigo 226‑15 do Código Penal francês.

27      Por conseguinte, há que declarar que, ao fazer sua, no n.o 40 do despacho recorrido, a argumentação da Comissão segundo a qual o pedido de medidas provisórias da Lagardère era «particularmente omisso», na medida em que mencionava um risco de incorrer sanções penais «sem referência ao texto incriminatório e sem precisões quanto à pena aplicável», o presidente do Tribunal Geral desvirtuou este pedido.

28      Esta apreciação não pode ser posta em causa pela circunstância, sublinhada pela Comissão, de as precisões relativas às regras pertinentes de direito francês, salientadas nos n.os 24 a 26 do presente despacho, figurarem não na parte do pedido de medidas provisórias respeitante ao requisito relativo à urgência, mas na parte consagrada ao requisito relativo ao fumus boni juris.

29      Por um lado, decorre dos próprios termos utilizados pelo presidente do Tribunal Geral no n.o 40 do despacho recorrido que este declarou o caráter «omisso» não da argumentação da Lagardère respeitante ao requisito relativo à urgência, mas do «pedido de medidas provisórias» no seu todo.

30      Por outro lado, tendo em conta, nomeadamente, a celeridade que caracteriza o processo de medidas provisórias e as exigências aplicáveis ao volume de atos processuais apresentados no Tribunal Geral, não se pode exigir do requerente de medidas provisórias que repita sistematicamente, na parte do seu pedido consagrada ao requisito relativo à urgência, os desenvolvimentos respeitantes a elementos de facto ou de direito que já foram apresentados noutra parte desse pedido e que são pertinentes para efeitos da apreciação de dois ou mais dos requisitos a que está sujeita a adoção de medidas provisórias.

31      Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do primeiro fundamento.

32      No entanto, a constatação da desvirtuação da petição de que padece o n.o 40 do despacho recorrido não é suficiente para implicar, por si só, a anulação deste. Com efeito, o presidente do Tribunal Geral expôs, no n.o 42 desse despacho, a título exaustivo, outro fundamento destinado a justificar a rejeição da argumentação da Lagardère ligada à aplicação potencial da lei penal francesa.

33      Uma vez que este fundamento é contestado na primeira parte do segundo fundamento, impõe‑se proceder ao exame desta.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento

 Argumentação

34      Na primeira parte do seu segundo fundamento, a Lagardère alega que, no seu pedido de medidas provisórias, expôs claramente que o requisito relativo à urgência estava preenchido pelo facto de a decisão controvertida lhe impor a realização de atos de investigação suscetíveis de qualificação penal no direito francês.

35      Assim, a urgência invocada pela Lagardère decorre, em primeiro lugar, do facto de a execução da decisão controvertida a conduzir à prática de uma infração penal pela qual poderia, em segundo lugar, incorrer em sanções penais. A prática de tal infração constitui, em si mesma, um prejuízo para a Lagardère. Por conseguinte, o presidente do Tribunal Geral considerou erradamente que o prejuízo invocado pela Lagardère era de natureza hipotética.

36      A Comissão alega, a título principal, que o caráter suficientemente certo do prejuízo ligado à aplicação da lei penal francesa não pode ser aceite no caso em apreço, uma vez que o presidente do Tribunal Geral decidiu, nos n.os 40 e 41 do despacho recorrido, que o risco de a Lagardère incorrer em sanções penais estava insuficientemente demonstrado.

37      A Comissão salienta, a título subsidiário, que o presidente do Tribunal Geral tinha tido razão em proceder à apreciação enunciada no n.o 42 desse despacho, na medida em que o processo penal tem por objeto determinar tanto a existência de uma infração penal como a sanção de tal infração e que a existência de uma infração penal tinha, portanto, caráter hipotético no dia em que se pronunciou sobre o pedido de medidas provisórias.

38      A título ainda mais subsidiário, a Comissão alega que a Lagardère não demonstra a impossibilidade jurídica de executar a decisão controvertida, uma vez que a entidade patronal não é obrigada a obter o consentimento dos seus trabalhadores para recolher dados pessoais em aplicação de uma decisão da Comissão.

 Apreciação

39      A título preliminar, importa observar que, uma vez que decorre do exame da primeira parte do primeiro fundamento que os n.os 40 e 41 do despacho recorrido se baseiam numa desvirtuação do pedido de medidas provisórias, as apreciações enunciadas nestes números não podem ser utilmente invocadas para justificar a improcedência da primeira parte do segundo fundamento.

40      No n.o 42 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral considerou que o risco invocado pela Lagardère era de natureza hipotética. Salientou que a aplicação de sanções penais assentava necessariamente num conjunto de atos a adotar, nomeadamente, pelas autoridades de ação penal competentes a nível nacional ou pelas vítimas potenciais de comportamentos suscetíveis de qualificação penal. Deduziu daí que era, no mínimo, prematuro sustentar, nessa fase do processo, que a execução da decisão controvertida implicaria, com toda a probabilidade, o risco de tal sanção para a Lagardère.

41      A este respeito, importa sublinhar que, como alega a Lagardère, a argumentação apresentada no seu pedido de medidas provisórias se destinava, nomeadamente, a demonstrar que, ao forçá‑la a violar as suas obrigações legais, a decisão controvertida a expunha, bem como aos seus representantes, a um grave prejuízo, «incluindo penas de multa e de prisão». O n.o 148 desse pedido especificava igualmente que o prejuízo invocado seria irreparável, «uma vez que a violação das disposições legais [em causa] seria definitiva e irremediavelmente caracterizada».

42      Em consequência, há, por um lado, que concluir que o prejuízo invocado pela Lagardère dizia respeito não só à eventual aplicação de sanções penais mas também ao próprio facto de ser forçada a cometer infrações penais.

43      Ora, o n.o 42 do despacho recorrido refere‑se apenas ao risco de incorrer numa sanção penal e não comporta, portanto, uma resposta à argumentação da Lagardère na medida em que esta é relativa a um prejuízo resultante do facto de ser forçada a cometer infrações penais.

44      Por outro lado, no que respeita ao risco de incorrer numa sanção penal, decorre tanto do pedido de medidas provisórias da Lagardère como do resumo da sua argumentação que figura no n.o 21 do despacho recorrido que, conforme invoca em apoio do seu recurso, esta sociedade quis demonstrar a existência desse risco alegando que, para dar cumprimento à decisão controvertida, seria necessariamente levada a cometer infrações penais suscetíveis de justificar a aplicação de tal sanção.

45      Resulta daí que o nexo entre a aplicação da decisão controvertida e a possível aplicação de sanções penais invocada pela Lagardère não reside no facto de essas sanções lhe poderem ser aplicadas com base nessa decisão, mas no facto alegado de que, para satisfazer o pedido de informações da Comissão constante da referida decisão, a Lagardère devia necessariamente incorrer em responsabilidade penal ao violar a lei penal aplicável.

46      Ora, a prática de atos suscetíveis de fazer incorrer a Lagardère em responsabilidade penal depende unicamente do seu comportamento e não da instauração ou da posterior conclusão de um processo penal a seu respeito.

47      Por conseguinte, dado que o presidente do Tribunal Geral não rejeitou a alegação exposta no n.o 44 do presente despacho, não podia excluir o risco de a Lagardère ser efetivamente forçada a cometer infrações penais para dar cumprimento à decisão controvertida com o fundamento de que a instauração ou a conclusão de um processo penal dependia de atos processuais posteriores das autoridades que exercem a ação penal ou das vítimas potenciais.

48      Neste contexto, uma vez que a prática de tais infrações poderia justificar, a posteriori, o exercício da ação penal contra a Lagardère, bem como a aplicação de sanções penais contra esta e que uma suspensão eventual dos efeitos da decisão controvertida num momento em que o processo penal estivesse instaurado já não poderia evitar a aplicação dessas sanções, a apresentação, nessa altura, de um pedido de medidas provisórias destinado a essa suspensão já não teria necessariamente nenhuma utilidade.

49      Daqui resulta que o presidente do Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, no n.o 42 do despacho recorrido, que a Lagardère tinha invocado prematuramente o risco de incorrer em sanções penais em caso de execução da decisão controvertida.

50      A argumentação suscitada a título ainda mais subsidiário pela Comissão não é suscetível de pôr em causa esta apreciação. Com efeito, essa argumentação baseia‑se, em substância, na alegação de que as ações que devem ser praticadas pela Lagardère para dar cumprimento à decisão controvertida não seriam incompatíveis com o direito aplicável, alegação que não foi acolhida pelo presidente do Tribunal Geral no referido n.o 42.

51      Por conseguinte, há que julgar procedente a primeira parte do segundo fundamento.

52      Decorre dos erros de que padecem os n.os 40 a 42 do despacho recorrido que este despacho não contém nenhum fundamento suscetível de justificar a rejeição da argumentação da Lagardère relativa ao risco de sofrer um prejuízo ligado à aplicação da lei penal francesa.

53      Uma vez que o pedido de medidas provisórias foi indeferido com o fundamento de que a Lagardère não tinha demonstrado que o requisito relativo à urgência estava preenchido, resulta desses erros que a parte decisória do despacho recorrido é desprovida de fundamento.

54      Daqui decorre que há que anular o despacho recorrido na sua totalidade, sem que seja necessário examinar as outras partes do primeiro e segundo fundamentos nem o terceiro fundamento.

 Quanto ao pedido de medidas provisórias apresentado no Tribunal Geral

55      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento. Esta disposição aplica‑se também aos recursos interpostos em conformidade com o disposto no artigo 57.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha, C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 172 e jurisprudência referida].

56      Para o efeito, há que recordar que o artigo 156.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objeto do litígio, as circunstâncias que determinam a urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a concessão da medida provisória requerida. Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a suspensão da execução e as restantes medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz das medidas provisórias se se concluir que, à primeira vista, a sua concessão é justificada de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que é necessário que sejam decretadas e produzam efeitos antes da decisão sobre a ação principal, a fim de evitar um prejuízo grave e irreparável aos interesses da parte que as requer. Estes requisitos são cumulativos, de modo que os pedidos de medidas provisórias devem ser indeferidos se um deles não estiver preenchido. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha, C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 175 e jurisprudência referida].

57      No âmbito do exame dos mencionados requisitos, o juiz das medidas provisórias dispõe de um amplo poder de apreciação, podendo determinar livremente, à luz das particularidades do caso concreto, a forma como estes diferentes requisitos devem ser verificados, bem como a ordem pela qual vai proceder a essa verificação, visto que não existe nenhuma norma de direito da União que lhe imponha um esquema de análise preestabelecido para apreciar a necessidade de decidir provisoriamente [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2021, Symrise/ECHA, C‑282/21 P(R), EU:C:2021:631, n.o 28 e jurisprudência referida].

58      No caso em apreço, atendendo às apreciações já efetuadas pelo presidente do Tribunal Geral e aos autos entre as partes, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça dispõe de elementos suficientes para decidir definitivamente sobre o requisito relativo à urgência no presente processo.

 Argumentação

59      Para demonstrar que o requisito relativo à urgência está preenchido, a Lagardère invoca vários prejuízos distintos.

60      No que respeita à argumentação relativa ao facto de a decisão controvertida impor à Lagardère a violação dos direitos fundamentais dos seus trabalhadores e mandatários sociais, que importa examinar de imediato, esta sustenta que a execução dessa decisão a levaria a não respeitar as suas obrigações legais em relação a estas pessoas.

61      Por um lado, a Lagardère seria obrigada a procurar documentos aos quais não está autorizada a aceder e, depois, a comunicá‑los à Comissão, mesmo que se refiram à vida privada das pessoas em causa. Por conseguinte, corre o risco de sofrer um grave prejuízo na medida em que é forçada a violar as suas obrigações legais, expondo‑se assim, nomeadamente, bem como os seus representantes, a penas de multa e de prisão. Este prejuízo é irreparável, uma vez que a violação das obrigações legais em causa é definitiva e irremediavelmente caracterizada.

62      Por outro lado, a decisão controvertida obriga a Lagardère a violar o sigilo das fontes dos jornalistas que trabalham para ela, o que a exporia a ações intentadas por estes.

63      A este respeito, a Comissão alega, em primeiro lugar, que o risco de incorrer em sanções penais não está demonstrado no caso em apreço. O pedido de medidas provisórias é, assim, particularmente deficiente, uma vez que faz referência à possibilidade de sanções penais, sem referência ao texto incriminatório e sem precisões quanto à pena aplicável. Além disso, este risco é hipotético, na medida em que a aplicação de sanções penais depende necessariamente de um conjunto de atos a adotar, nomeadamente, pelas autoridades de ação penal ou pelas potenciais vítimas. Além disso, a Lagardère não tem a obrigação de obter o consentimento dos seus trabalhadores ou mandatários sociais para dar cumprimento à decisão controvertida.

64      Em segundo lugar, é inevitável que a Comissão, para conduzir a sua investigação, trate de dados pessoais. O simples facto de verificar a pertinência de tais dados não pode, por si só, causar um prejuízo grave e irreparável, ao passo que a Lagardère não faz referência a um risco de divulgação de dados sensíveis e pertencentes à esfera mais íntima. De qualquer modo, incumbe à Lagardère demonstrar a existência de tal risco. Além do mais, a Comissão previu garantias processuais específicas a este respeito.

 Apreciação

65      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a finalidade do processo de medidas provisórias é garantir a plena eficácia da futura decisão definitiva, a fim de evitar uma lacuna na proteção jurídica garantida pelo Tribunal de Justiça. É para alcançar este objetivo que a urgência deve ser apreciada face à necessidade de decidir provisoriamente, para evitar que a parte que requer a proteção provisória sofra um prejuízo grave e irreparável. Cabe a essa parte provar que, se aguardar pelo desfecho do processo principal, sofrerá um prejuízo dessa natureza. Embora seja certo que, para demonstrar a existência desse prejuízo, não é necessário exigir que a ocorrência e a iminência do mesmo sejam demonstradas com um grau de certeza absoluta e que basta que o referido prejuízo seja previsível com um grau de probabilidade suficiente, não é menos certo que a parte que requer uma medida provisória continua obrigada a provar os factos que supostamente fundamentam a perspetiva de um tal prejuízo [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha, C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 75 e jurisprudência referida].

66      Para verificar se o requisito relativo à urgência está preenchido, há que examinar a alegação de que a Lagardère corre o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável devido ao facto de, para dar cumprimento à decisão controvertida, ser forçada a cometer infrações penais.

67      Embora a Comissão sustente que o pedido de medidas provisórias é omisso quanto ao conteúdo das normas de direito francês que a Lagardère pretende invocar a este respeito, resulta dos n.os 23 a 30 do presente despacho que este argumento deve ser rejeitado.

68      No que respeita ao conteúdo destas normas, decorre, em especial, do referido pedido de medidas provisórias, cujo alcance não é, a este respeito, posto em causa pela Comissão, que o direito francês prevê que é punida com pena de prisão e de multa a violação da intimidade da vida privada de outrem, ao transmitir, sem o consentimento do seu autor, palavras proferidas a título privado ou ao divulgar, de má-fé, correspondência emitida, transmitida ou recebida por via eletrónica.

69      Ora, a decisão controvertida obriga, nomeadamente, a Lagardère a recolher o conjunto de intercâmbios que ocorreram, através de diferentes meios de comunicação, ao longo de um período de vários anos entre várias pessoas singulares, bem como certos intercâmbios entre outras pessoas singulares, para depois transmitir os elementos recolhidos à Comissão.

70      É pacífico que, em conformidade com o n.o 2 dessa decisão, esta obrigação abrange, designadamente, os intercâmbios feitos através de caixas de correio eletrónico privadas ou pessoais e de dispositivos móveis privados ou pessoais dos trabalhadores e dos mandatários sociais em causa, contanto que essas caixas de correio eletrónico e esses aparelhos tenham sido utilizados pelo menos uma vez para comunicações profissionais.

71      Nestas condições, não é contestado que, para executar plenamente a decisão controvertida, a Lagardère, que não é uma autoridade pública, deve aceder, em larga medida, às comunicações de alguns dos seus trabalhadores e mandatários sociais, quando o direito francês não lhe confere expressamente tal poder e que esta sustenta, sem ser utilmente desmentida a este respeito, que não pôde obter o consentimento das pessoas em causa.

72      Por conseguinte, à luz da redação das disposições penais referidas pela Lagardère e das informações relativas ao direito francês enunciadas no seu pedido de medidas provisórias, bem como nos respetivos anexos, informações que não são diretamente contestadas pela Comissão, a alegação de que o comportamento que a Lagardère deveria adotar para dar cumprimento à decisão controvertida poderia constituir uma infração penal no direito francês apresenta o grau de probabilidade exigido pela jurisprudência recordada no n.o 65 do presente despacho.

73      Embora seja certo que não se pode a priori excluir totalmente que a Lagardère se possa, no todo ou em parte, eximir da responsabilidade penal invocando as obrigações ou a coerção resultante para ela da decisão controvertida, trata‑se de uma questão essencialmente de direito francês, sobre a qual nenhuma informação foi fornecida ao juiz das medidas provisórias pelas partes.

74      Em especial, embora a Comissão sustente que a Lagardère não é obrigada a obter o consentimento dos seus trabalhadores ou dos seus mandatários sociais para recolher e, em seguida, transmitir a esta instituição os documentos a que se refere a decisão controvertida, impõe‑se observar que essa instituição não demonstra, com base nos textos aplicáveis ou na prática anterior das autoridades nacionais competentes, que a Lagardère se poderia eximir de qualquer responsabilidade penal recolhendo e transmitindo à referida instituição todos os documentos visados por essa decisão sem ser previamente autorizada pelas pessoas em causa.

75      Resulta do que precede que, à luz dos elementos submetidos ao juiz das medidas provisórias, se deve considerar que a Lagardère provou de forma juridicamente bastante que seria forçada, para executar a decisão controvertida, a adotar um comportamento pelo qual é provável que poderia incorrer em responsabilidade penal e, consequentemente, na aplicação de sanções penais.

76      Ora, pelas razões expostas nos n.os 44 a 49 do presente despacho, o facto de a aplicação de tais sanções pressupor a adoção de atos processuais pelas autoridades competentes ou pelas vítimas potenciais não permite excluir o risco invocado pela Lagardère.

77      O prejuízo a que está assim exposta a Lagardère deve ser considerado grave, tendo em conta, designadamente, o caráter infamante de uma condenação penal e a quebra da relação de confiança com os seus mandatários sociais e trabalhadores que poderia causar a prática de infrações penais contra estas pessoas.

78      Esse prejuízo de ordem imaterial é, além disso, irreparável, na medida em que uma eventual anulação da decisão controvertida não permitiria eximir a Lagardère da sua responsabilidade penal nem pôr em causa as apreciações efetuadas sobre a Lagardère devido à prática de infrações penais.

79      O requisito relativo à urgência deve, portanto, considerar‑se preenchido no caso em apreço.

80      Quanto ao restante, uma vez que o presidente do Tribunal Geral concluiu erradamente que esse requisito não estava preenchido, sem ter examinado o requisito relativo ao fumus boni juris, cujo exame implica apreciações tanto de facto como de direito, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre este requisito e para que proceda, sendo o caso, à ponderação dos interesses em causa.

 Quanto ao pedido de suspensão da decisão controvertida, conforme alterada pela Decisão C(2024) 572 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2024

81      Não resulta claramente do recurso se se deve entender o pedido de suspensão da decisão controvertida, conforme alterada pela Decisão C(2024) 572 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2024, até que o presidente do Tribunal Geral se pronuncie de novo sobre o pedido de medidas provisórias no processo T‑1119/23 R ou então até que o Tribunal Geral decida do recurso no processo T‑1119/23 (a seguir «pedido adicional»), no sentido de que se funde no pedido de dar deferimento aos pedidos apresentados no processo T‑1119/23 R ou constitui um pedido distinto.

82      Caso se deva interpretar o pedido adicional no sentido de que se funde no pedido de dar deferimento aos pedidos apresentados no processo T‑1119/23 R, impõe‑se observar que este pedido já foi decidido nos n.os 58 e 80 do presente despacho.

83      Em contrapartida, caso se deva interpretar o pedido adicional no sentido de que constitui um pedido distinto, importa, por um lado, declarar que tal pedido não preenche os requisitos do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que esta disposição prevê que o recorrente não pode completar os seus pedidos apresentados em primeira instância.

84      Ora, o pedido adicional difere, em parte, dos pedidos formulados pela Lagardère em primeira instância.

85      Por conseguinte, admitindo que o pedido adicional deva ser entendido no sentido de que foi apresentado para completar os pedidos formulados em primeira instância, deve ser julgado inadmissível, na medida em que constitui um novo pedido [v., por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2023, Xpand Consortium e o./Comissão, C‑739/22 P(R), EU:C:2023:228, n.o 20].

86      Por outro lado, o pedido adicional também não pode ser considerado um pedido de medidas provisórias apresentado ao abrigo do artigo 160.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que o artigo 160.o, n.o 4, deste regulamento de processo sujeita a admissibilidade de tal pedido a apresentação por requerimento separado [v., por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2023, Xpand Consortium e o./Comissão, C‑739/22 P(R), EU:C:2023:228, n.o 21].

87      Além disso, a Lagardère apresentou, no caso em apreço, um pedido de medidas provisórias no Tribunal de Justiça, registado sob o número C‑89/24 P(R)‑R, que não contém pedidos correspondentes ao pedido adicional.

88      Daqui resulta que este pedido deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

89      Uma vez que o presente processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide:

1)      O Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de janeiro de 2024, Lagardère/Comissão (T1119/23 R, EU:T:2024:16), é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que se pronuncie sobre o requisito relativo ao fumus boni juris e para que proceda, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa.

3)      É indeferido o pedido da Lagardère SA destinado a obter a suspensão da obrigação imposta à Lagardère por Decisão C(2023) 6429 final da Comissão, de 19 de setembro de 2023, relativa a um processo de aplicação do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho (Processo M.11184 — Vivendi/Lagardère), conforme alterada pela Decisão C(2024) 572 final da Comissão, de 24 de janeiro de 2024, de recolher e de comunicar à Comissão Europeia os documentos contidos nas caixas de correio eletrónico privadas ou pessoais e nos dispositivos móveis privados ou pessoais de determinados trabalhadores e mandatários sociais da Lagardère, até que o presidente do Tribunal Geral da União Europeia se pronuncie de novo sobre o pedido de medidas provisórias no processo T1119/23 R ou então até que o Tribunal Geral da União Europeia decida do recurso no processo T1119/23.

4)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.