Language of document : ECLI:EU:C:2017:618

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 26 de julho de 2017 (1)

Processos C‑643/15 e C‑647/15

República Eslovaca,

Hungria

contra

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação — Decisão (UE) 2015/1601 — Medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da República Italiana e da República Helénica — Situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros ao território de determinados Estados‑Membros — Recolocação desses nacionais no território de outros Estados‑Membros — Contingentes de recolocação — Artigo 80.o TFUE — Princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros — Artigo 78.o, n.o 3, TFUE — Base jurídica — Conceito de “ato legislativo” — Artigo 289.o, n.o 3, TFUE — Natureza obrigatória para o Conselho da União Europeia de conclusões adotadas pelo Conselho Europeu — Artigo 15.o, n.o 1, TUE e artigo 68.o TFUE — Violação de formalidades essenciais — Modificação da proposta da Comissão Europeia — Exigências de nova consulta do Parlamento Europeu e de votação por unanimidade no Conselho — Artigo 293.o TFUE — Princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade»






1.        Através das suas petições, a República Eslovaca (C‑643/15) e a Hungria (C‑647/15) pedem a anulação da Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho, de 22 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da República Italiana e da República Helénica (2).

2.        Esta decisão foi adotada pelo Conselho da União Europeia com fundamento no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que prevê que, «[n]o caso de um ou mais Estados‑Membros serem confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão [Europeia], pode adotar medidas provisórias a favor desse ou desses Estados‑Membros. O Conselho delibera após consulta ao Parlamento Europeu».

3.        A referida decisão foi tomada no contexto da crise migratória que atingiu a União Europeia a partir de 2014 e que se agravou ao longo de 2015, em especial durante os meses de julho e agosto desse ano, bem como a situação humanitária catastrófica que essa crise originou, designadamente nos Estados‑Membros situados em primeira linha, como a República Italiana e a República Helénica, que foram confrontados com um afluxo maciço de migrantes provenientes de países terceiros como a República Árabe Síria, a república Islâmica do Afeganistão, a República do Iraque e o Estado da Eritreia.

4.        Para fazer face a essa crise migratória e à pressão que esta exerceu sobre os regimes de asilo da República Italiana e da República Helénica, a decisão impugnada prevê a recolocação, a partir desses dois Estados‑Membros e ao longo de um período de dois anos, de 120 000 pessoas que tenham manifestamente necessidade de proteção internacional, nos restantes Estados‑Membros. Esta decisão é acompanhada de dois anexos que, numa primeira fase, repartem 66 000 pessoas que devem ser recolocadas a partir da Itália (quota de 15 600) e da Grécia (quota de 50 400), com base em contingentes obrigatórios fixados para cada um dos outros Estados‑Membros (3).

5.        O artigo 2.o, alínea e), da decisão impugnada define recolocação como «a transferência de um requerente a partir do território do Estado‑Membro que os critérios enunciados no capítulo III do Regulamento (UE) n.o 604/2013 [(4)] indicam como responsável pela análise do pedido de proteção internacional para o território do Estado‑Membro de recolocação». Nos termos do artigo 2.o, alínea f), da decisão impugnada, este é «o Estado‑Membro que se torna responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento [Dublin III], apresentado por um requerente, na sequência da sua recolocação no território desse Estado‑Membro».

6.        O mecanismo de recolocação temporária previsto na decisão impugnada acresce a outras medidas que já tinham sido adotadas a nível da União para fazer face à crise migratória, entre as quais o programa europeu de «reinstalação» (5) de 22 504 pessoas com necessidade de proteção internacional, adotado em 20 de julho de 2015 sob a forma de «resolução» entre os Estados‑Membros e os Estados associados ao sistema de Dublin, e a Decisão (UE) 2015/1523, adotada pelo Conselho em 14 de setembro de 2015 (6), que prevê a recolocação a partir da República Italiana e da República Helénica nos outros Estados‑Membros, num período de dois anos, de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional, com base numa repartição fixada por consenso (7).

7.        Há ainda que referir que, em 9 de setembro de 2015, a Comissão apresentou não só a proposta daquela que viria a ser a decisão impugnada (8), mas também uma proposta de regulamento que altera o Regulamento Dublin III (9). Esta proposta prevê um mecanismo de recolocação «permanente», ou seja, um mecanismo de recolocação que, ao contrário do previsto na Decisão 2015/1523 e na decisão impugnada, não está limitado no tempo. Esta proposta ainda não foi adotada.

8.        Quanto à génese da decisão impugnada, referiremos os seguintes elementos.

9.        A proposta inicial da Comissão previa a recolocação noutros Estados‑Membros de 120 000 requerentes de proteção internacional, a partir da Itália (15 600 pessoas), da Grécia (50 400 pessoas) e da Hungria (54 000 pessoas). Entre os anexos que acompanhavam essa proposta constavam, como Anexos I a III, três quadros que repartiam esses requerentes a partir de cada um desses três Estados‑Membros entre os outros Estados‑Membros, com exceção do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, da Irlanda e do Reino da Dinamarca, sob a forma de contingentes fixados para cada um dos referidos Estados‑Membros.

10.      Em 13 de setembro de 2015, a Comissão enviou essa proposta aos parlamentos nacionais.

11.      Em 14 de setembro de 2015, o Conselho enviou essa mesma proposta ao Parlamento para consulta.

12.      Em 17 de setembro de 2015, o Parlamento adotou uma resolução legislativa que aprovava a referida proposta tendo em conta, designadamente, a «situação de urgência excecional e a necessidade de lhe fazer face sem mais demora», pedindo também ao Conselho que o consultasse novamente se pretendesse modificar substancialmente a proposta da Comissão.

13.      A proposta inicial da Comissão foi modificada em determinados aspetos, em várias reuniões do Conselho, realizadas entre 17 e 22 de setembro de 2015.

14.      Em especial, nessas reuniões, a Hungria comunicou que recusava a ideia de ser qualificada como «Estado‑Membro da primeira linha» e que não desejava figurar entre os Estados‑Membros beneficiários da recolocação ao mesmo título que a República Italiana e a República Helénica. Por conseguinte, no texto final da proposta, incluindo no título desta, foram retiradas todas as referências à Hungria como Estado‑Membro beneficiário. Foi igualmente retirado o Anexo III da proposta inicial, relativo à repartição de 54 000 requerentes que inicialmente se previa que fossem recolocados a partir da Hungria. Em contrapartida, a Hungria foi incluída nos Anexos I e II como Estado‑Membro de recolocação de requerentes de proteção internacional a partir, respetivamente, da Itália e da Grécia e, por conseguinte, nesses anexos, foram‑lhe atribuídos contingentes.

15.      Em 22 de setembro de 2015, a proposta da Comissão assim modificada foi adotada pelo Conselho por maioria qualificada. A República Checa, a Hungria, a Roménia e a República Eslovaca votaram contra a adoção dessa proposta. A República da Finlândia absteve‑se.

16.      A decisão impugnada constitui uma expressão da solidariedade entre os Estados‑Membros prevista no Tratado.

17.      Os presentes recursos dão‑nos a oportunidade de recordar que a solidariedade figura entre os valores cruciais da União e encontra‑se mesmo nos fundamentos desta. Como seria possível aprofundar a solidariedade entre os povos da Europa e conceber uma união cada vez mais estreita entre esses povos, como preconiza o preâmbulo do Tratado UE, sem que exista solidariedade entre os Estados‑Membros quando um deles seja confrontado com uma situação de emergência? Encontramo‑nos aqui perante a quintessência do que constitui simultaneamente a razão de ser e o objetivo do projeto europeu.

18.      Importa, por isso, começar por destacar a importância da solidariedade como valor fundador e existencial da União.

19.      Já afirmada no Tratado de Roma (10), a exigência de solidariedade continua a estar no âmago do processo de integração prosseguido pelo Tratado de Lisboa. Ainda que, surpreendentemente, não esteja incluída na enumeração dos valores nos quais a União se baseia (11), constante do artigo 2.o, primeira frase, TUE, a solidariedade é, em contrapartida, referida no preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (12) como fazendo parte dos «valores indivisíveis e universais» nos quais a União se baseia. Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 3, TUE precisa que a União promove não apenas «a solidariedade entre as gerações», mas igualmente «a solidariedade entre os Estados‑Membros». A solidariedade continua, assim, a fazer parte de um conjunto de valores e de princípios que constitui «o alicerce da construção europeia» (13).

20.      De forma mais específica, a solidariedade é simultaneamente um pilar e um princípio diretor das políticas da União relativas aos controlos nas fronteiras, ao asilo e à imigração, que são objeto do Título V, capítulo 2, do Tratado FUE, dedicado ao espaço de liberdade, segurança e justiça (14).

21.      Disso é testemunho o artigo 67.o, n.o 2, TFUE, nos termos do qual a União «desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de imigração e de controlo das fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados‑Membros e que é equitativa em relação aos nacionais de países terceiros». Além disso, o artigo 80.o TFUE dispõe que «as políticas da União referidas [nesse] capítulo e a sua execução são regidas pelo princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, inclusive no plano financeiro. Sempre que necessário, os atos da União adotados por força [do referido capítulo] conterão medidas adequadas para a aplicação desse princípio» (15).

22.      Face à desigualdade com efeito existente entre os Estados‑Membros em função da sua situação geográfica e da sua vulnerabilidade face a fluxos migratórios maciços, a adoção de medidas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE e a sua aplicação efetiva são ainda mais imperiosas. Nesta ótica, medidas como as previstas na decisão impugnada permitem conferir um conteúdo concreto ao princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros estabelecido no artigo 80.o TFUE.

23.      A singularidade da decisão impugnada está no facto de esta instituir um mecanismo de recolocação com base em contingentes afetados aos Estados‑Membros, que revestem uma natureza obrigatória. Com esta decisão, a solidariedade entre os Estados‑Membros tem um conteúdo concreto e uma natureza vinculativa. Esta característica essencial e inovadora da referida decisão explica a natureza politicamente sensível dos presentes processos, uma vez que cristalizou a oposição por parte de Estados‑Membros partidários de uma solidariedade livremente consentida e fundada apenas em compromissos voluntários.

24.      Essa oposição, aliada ao facto de que a decisão impugnada foi objeto de aplicação demasiado parcial, sobre a qual nos pronunciaremos mais adiante (16), pode levar a pensar que, por detrás do que se convencionou chamar «crise migratória do ano de 2015», se esconde outra crise, designadamente a crise do projeto de integração europeia que assenta, em larga medida, na exigência de solidariedade entre os Estados que decidiram ser parte interessada nesse projeto (17).

25.      Por outro lado, é igualmente possível considerar que, ao dar uma resposta firme a essa crise migratória, a União demonstrou que dispunha das ferramentas necessárias e que estava em posição de as pôr em prática. Falta apenas verificar, como os presentes recursos nos convidam a fazer, se, ao tomar medidas como as que estão contidas na decisão impugnada, a União respeitou o quadro jurídico imposto pelos Tratados.

I.      Processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

26.      No processo C‑643/15, a República Eslovaca pede que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão impugnada e condenar o Conselho nas despesas.

27.      No processo C‑647/15, a Hungria pede que o Tribunal de Justiça se digne anular a decisão impugnada ou, a título subsidiário, no caso de não julgar procedente o primeiro pedido, anular essa decisão na parte que se refere a Hungria, e condenar o Conselho nas despesas.

28.      Nos processos C‑643/15 e C‑647/15, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne julgar improcedente o recurso e condenar a República Eslovaca e a Hungria, respetivamente, nas despesas do processo que lhes diz respeito.

29.      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 2016, o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino da Suécia e a Comissão foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Conselho nos processos C‑643/15 e C‑647/15.

30.      Pela mesma decisão do presidente do Tribunal de Justiça, a República da Polónia foi admitida a intervir, no processo C‑643/15, em apoio dos pedidos da República Eslovaca e, no Processo C‑647/15, em apoio dos pedidos da Hungria.

II.    Quanto aos recursos

31.      A República Eslovaca invoca seis fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, o primeiro, à violação do artigo 68.o TFUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como do princípio do equilíbrio institucional; o segundo, à violação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE, do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, dos artigos 3.o e 4.o do Protocolo (n.o 1), relativo ao papel dos parlamentos nacionais na União Europeia, e dos artigos 6.o e 7.o do Protocolo (n.o 2), relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexos aos Tratados (18), bem como dos princípios da segurança jurídica, da democracia representativa e do equilíbrio institucional; o terceiro, à violação de formalidades essenciais que regulam o processo legislativo, bem como à violação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE e dos princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa governação (a título subsidiário); o quarto, à violação de formalidades essenciais previstas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE e no artigo 293.o TFUE, bem como à violação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, do artigo 13.o, n.o 2, TUE e dos princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa governação (a título parcialmente subsidiário); o quinto, à violação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, na medida em que não estão reunidos os pressupostos necessários à sua aplicação (a título subsidiário); e o sexto, à violação do princípio da proporcionalidade.

32.      Em apoio dos seus pedidos, a Hungria invoca dez fundamentos.

33.      Os dois primeiros fundamentos são relativos à violação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, na medida em que esta disposição não fornece ao Conselho uma base jurídica adequada para adotar medidas que derrogam de forma vinculativa as disposições de um ato legislativo, que são aplicáveis durante um período de 24 meses ou mesmo até 36 meses, em determinados casos, e cujos efeitos ultrapassam esse período, o que é contrário ao conceito de «medidas provisórias».

34.      O terceiro a sexto fundamentos são relativos à violação de formalidades essenciais, na medida em que, em primeiro lugar, quando da adoção da decisão impugnada, o Conselho violou as disposições do artigo 293.o, n.o 1, TFUE ao se afastar da proposta da Comissão sem ter alcançado a unanimidade (terceiro fundamento); em segundo lugar, a decisão impugnada contém uma derrogação às disposições de um ato legislativo e constitui, ela própria, pelo seu conteúdo, um ato legislativo pelo que, mesmo que fosse possível adotá‑lo com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, teria sido necessário, ao proceder à sua adoção, respeitar o direito de os parlamentos nacionais emitirem um parecer sobre os atos legislativos, previsto no Protocolo n.o 1 e no Protocolo n.o 2 (quarto fundamento); em terceiro lugar, após a consulta do Parlamento, o Conselho alterou substancialmente o texto da proposta sem consultar de novo o Parlamento a este respeito (quinto fundamento); e, em quarto lugar, no momento da adoção, pelo Conselho, da decisão impugnada, a proposta de decisão não estava disponível nas versões linguísticas correspondentes às línguas oficiais da União (sexto fundamento).

35.      O sétimo fundamento é relativo à violação do artigo 68.o TFUE e das conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 (19).

36.      O oitavo fundamento é relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, dado que, em vários pontos, não é clara a forma como devem ser aplicadas as disposições da decisão impugnada, nem a forma como estas se articulam com as disposições do Regulamento Dublin III.

37.      O nono fundamento é relativo à violação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, na medida em que, tendo a Hungria deixado de figurar entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação, não se justifica que a decisão impugnada preveja a recolocação de 120 000 pessoas que solicitam proteção internacional.

38.      O décimo fundamento, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, no que se refere à Hungria, uma vez que a decisão impugnada lhe atribui uma quota obrigatória como Estado‑Membro de recolocação apesar de se reconhecer que se trata de um Estado‑Membro em cujo território entrou um grande número de migrantes em situação irregular e apresentou pedidos de proteção internacional.

III. A nossa apreciação

A.      Observações preliminares

39.      Uma vez que a base jurídica de um ato determina o processo a seguir para adotar esse ato (20), importa examinar, em primeiro lugar, os fundamentos relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para a adoção da decisão impugnada. Examinaremos, em segundo lugar, os fundamentos relativos a violações de formalidades essenciais pretensamente cometidas quando da adoção dessa decisão e, em terceiro lugar, os fundamentos relativos ao mérito.

40.      Além disso, sob três aspetos, serão primeiramente examinados fundamentos da República Eslovaca e da Hungria que são coincidentes, no todo ou em parte, e depois, se for o caso, os fundamentos específicos de cada uma das recorrentes.

B.      Quanto aos fundamentos relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para a adoção da decisão impugnada

41.      A República Eslovaca (segundo e quinto fundamentos) e a Hungria (primeiro e segundo fundamentos) contestam que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE possa constituir uma base jurídica adequada para a adoção da decisão impugnada.

42.      Contudo, existe uma diferença entre as posições defendidas por estes dois Estados‑Membros. Com efeito, enquanto a Hungria admite que a República Italiana e a República Helénica se encontravam numa «situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, no momento da adoção da decisão impugnada, mas, ao mesmo tempo põe em causa, que a decisão impugnada não fosse a medida adequada para responder a essa situação, a República Eslovaca sustenta que tal situação de emergência, na aceção da referida disposição, não existia (segunda parte do quinto fundamento).

43.      Para contestar a escolha da base jurídica da decisão impugnada, estes dois Estados‑Membros sustentam, em primeiro lugar, que a decisão impugnada, embora tenha sido adotada de acordo com um processo não legislativo e constitua, por isso, um ato não legislativo deveria, no entanto, ser qualificada de ato legislativo em razão do seu conteúdo, uma vez que modifica atos legislativos. Ora, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não permite a adoção de atos legislativos.

44.      Em segundo lugar, a República Eslovaca e a Hungria contestam a natureza provisória da decisão impugnada.

45.      Em terceiro lugar, a República Eslovaca, contrariamente à Hungria, sustenta que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não fornece uma base jurídica adequada para a adoção da decisão impugnada, uma vez que a condição da existência de uma «situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros» não se verificava.

1.      Quanto ao segundo fundamento da República Eslovaca e quanto ao primeiro fundamento da Hungria, relativos à natureza legislativa da decisão impugnada

46.      A República Eslovaca e a Hungria alegam que a decisão impugnada, ainda que tenha sido adotada de acordo com o processo não legislativo e constitua, por isso, formalmente um ato não legislativo, deve, contudo, ser qualificada como ato legislativo pelo seu conteúdo e pelos seus efeitos, uma vez que altera, além do mais, de modo fundamental, vários atos legislativos do direito da União. Ora, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, não fornece base jurídica para a adoção de medidas legislativas, uma vez que não contém nenhuma indicação de que as medidas tomadas com base nesse artigo devem ser adotadas no quadro de um processo legislativo.

47.      Como confirma expressamente o considerando 23 da decisão impugnada, esta derroga vários atos legislativos do direito da União. Embora a decisão impugnada caracterize essas alterações como simples derrogações, a distinção entre uma derrogação e uma alteração é artificial, uma vez que, na prática, os efeitos de uma derrogação e de uma alteração são idênticos na medida em que, em ambos os casos, a aplicação de uma disposição normativa é excluída, pelo que, com efeito, a sua efetividade é afetada.

48.      Mais precisamente, a República Eslovaca sustenta que o Conselho violou o artigo 78.o, n.o 3, TFUE porquanto a decisão impugnada derroga disposições constantes em atos legislativos e que tais alterações apenas podem ser efetuadas através de um ato legislativo. Ora, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que não faz referência ao processo legislativo ordinário nem ao processo legislativo especial, não permite adotar atos legislativos. Daqui decorre que a forma da decisão impugnada não corresponde ao seu conteúdo.

49.      Por conseguinte, ao adotar a decisão impugnada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE o Conselho não só violou esta disposição, mas também desrespeitou os direitos dos parlamentos nacionais e do Parlamento. Tanto os primeiros como o segundo deveriam, por força do direito primário, ter participado nas alterações dos atos legislativos que o Conselho derrogou através da decisão impugnada. Com efeito, a República Eslovaca salienta que esses atos foram adotados segundo o processo legislativo ordinário.

50.      A República Eslovaca considera, por isso, que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho violou não só o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, mas igualmente o artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, o artigo 13.o, n.o 2, TUE, os artigos 3.o e 4.o do Protocolo (n.o 1) e os artigos 6.o e 7.o do Protocolo (n.o 2), bem como os princípios da segurança jurídica, da democracia representativa e do equilíbrio institucional.

51.      A Hungria associa‑se à República Eslovaca na ideia de que um ato jurídico adotado com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que, com base numa leitura a contrario do artigo 289.o, n.os 2 e 3, TFUE, não constitui um ato legislativo, não pode alterar de forma vinculativa, ou mesmo provisória, atos legislativos em vigor adotados no quadro de processos legislativos ordinários ou especiais, como o Regulamento Dublin III. Pelo seu conteúdo, a decisão impugnada é, sem nenhuma dúvida, um ato legislativo. Uma vez que esta decisão derroga as disposições do Regulamento Dublin III, não podia ser adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, que, ao conferir ao Conselho o poder para adotar atos apenas no quadro de um processo não legislativo, apenas o autoriza a adotar atos não legislativos.

52.      Segundo a Hungria, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE pode, quando muito, servir de base jurídica à adoção de medidas complementares de atos legislativos adotados com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE, mas em conformidade com estes, ou de medidas que facilitem a sua execução tendo em conta a situação de emergência (21).

53.      A Hungria precisa que, mesmo que o Tribunal de Justiça decida que é possível adotar, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, um ato que derroga um ato legislativo adotado com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE, tal derrogação não pode ir ao ponto de afetar a substância de tal ato legislativo ou de esvaziar de sentido as suas disposições fundamentais. Ora, tal é o caso da decisão impugnada na medida em que altera, designadamente, o elemento mais essencial desse Regulamento, ou seja, a designação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Assim, a decisão impugnada introduz uma derrogação às disposições desse regulamento de uma magnitude que é inaceitável no quadro de um ato não legislativo. Isso constitui um desvio ao processo legislativo ordinário previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

54.      Por último, na sua réplica e nas suas respostas aos articulados de intervenção, a Hungria sustenta, referindo‑se, por analogia, aos n.os 151 a 161 das conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário (22), que a exigência de uma consulta do Parlamento, conforme prevista no artigo 78.o, n.o 3, TFUE pode ser considerada uma «participação» do Parlamento, na aceção do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, pelo que seria aplicável o processo legislativo especial e a decisão impugnada deveria, por isso, ser qualificada como ato legislativo.

55.      Contudo, mesmo neste caso, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não habilita o Conselho a derrogar uma disposição essencial de um ato legislativo adotado com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

56.      Estes diferentes argumentos não me parecem convincentes. Em minha opinião, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE pôde servir de base jurídica a um ato não legislativo, como a decisão impugnada, que derroga temporariamente e num quadro devidamente delimitado, determinadas disposições de atos legislativos.

57.      Começaremos por responder à argumentação apresentada pela Hungria na sua réplica (23), designadamente a de que a decisão impugnada pode ser considerada um ato legislativo apesar de o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não referir que as medidas adotadas com esta base jurídica o são na sequência de um processo legislativo especial. A Hungria apoia‑se, a este respeito, na conclusão de que, em conformidade com o que é exigido pelo artigo 289.o, n.o 2, TFUE, a decisão impugnada foi efetivamente adotada pelo Conselho «com a participação do Parlamento».

58.      Afigura‑se indispensável responder sem ambiguidade a esta questão de direito, na medida em que a adoção de um ato legislativo impõe certas exigências que não se aplicam na adoção de um ato não legislativo. Pensamos, em especial, na participação dos parlamentos nacionais prevista nos artigos 3.o e 4.o do Protocolo (n.o 1), bem como nos artigos 6.o e 7.o do Protocolo (n.o 2), e na exigência de que as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo sejam públicas, que decorre do artigo 16.o, n.o 8, TUE e do artigo 15.o, n.o 2, TFUE.

59.      A tipologia dos instrumentos normativos da União que decorre do Tratado de Lisboa estabeleceu, pela primeira vez, uma distinção entre os atos legislativos e os atos não legislativos a partir de considerações sobretudo orgânicas e processuais (24).

60.      O artigo 289.o, n.o 3, TFUE define a categoria dos «atos legislativos» como a que abrange «[o]s atos jurídicos adotados por processo legislativo». O «processo legislativo» consiste, quer num «processo legislativo ordinário» quer num «processo legislativo especial». Nos termos do artigo 289.o, n.o 1, TFUE, o que caracteriza o processo legislativo ordinário é a adoção conjunta de um ato jurídico pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, sob proposta da Comissão.

61.      Nos termos do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, um processo legislativo especial é um processo que, «[n]os casos específicos previstos pelos Tratados» consiste na «adoção de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão pelo Parlamento Europeu, com a participação do Conselho ou por este, com a participação do Parlamento Europeu» (25). Assim, o processo legislativo especial caracteriza‑se pelo facto de associar, em diferentes graus, o Conselho e o Parlamento na adoção de um ato da União.

62.      Na maior parte dos casos em que está previsto um processo legislativo especial, tal ato deve ser adotado pelo Conselho, deliberando por unanimidade, após aprovação do Parlamento (26) ou então, mais habitualmente, após consulta deste (27). Nalguns casos, é o Parlamento que deve adotar o ato mediante aprovação do Conselho (28).

63.      Resulta dessas disposições que os autores do Tratado adotaram uma abordagem puramente formal (29), por força da qual os atos legislativos são qualificados como tal se forem adotados segundo o processo legislativo ordinário ou segundo um processo legislativo especial.

64.      Por conseguinte, não é pertinente procurar qualificar, como as recorrentes sugerem, a decisão impugnada como ato legislativo tendo em conta o seu conteúdo.

65.      A argumentação desenvolvida pela Hungria suscita a questão de saber se é necessário que uma disposição do Tratado refira expressamente que permite a adoção de um ato segundo um processo legislativo especial para se considerar que tal ato constitui um ato legislativo.

66.      Em nossa opinião, impõe‑se uma resposta afirmativa para garantir um grau suficiente de certeza e de segurança jurídica à classificação dos atos da União, instituída pelos autores do Tratado.

67.      Há que observar, a este respeito, que o Tratado contém várias disposições que preveem a adoção de atos da União com a menção expressa de que essa adoção se efetua ao termo de um «processo legislativo especial», ainda que as modalidades desse processo possam divergir quanto à natureza e ao grau de envolvimento do Conselho e do Parlamento. O efeito útil de tal menção é o de precisar que, sejam quais forem as suas modalidades, o processo em questão é efetivamente um «processo legislativo» e conduzirá, portanto, à adoção de um ato legislativo. A exigência da referida menção decorre igualmente dos próprios termos do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, segundo o qual um processo legislativo especial apenas é aplicável «[n]os casos específicos previstos pelos Tratados».

68.      Em contrapartida, processos cujo desenrolar seja semelhante ao dos processos legislativos especiais mas que não sejam expressamente qualificados como tal pelo Tratado devem ser considerados processos não legislativos, que culminam, portanto, na adoção de atos não legislativos (30).

69.      É verdade que é possível considerar que uma distinção entre atos legislativos e atos não legislativos resultante de tal «nominalismo jurídico» (31) coloca problemas de coerência (32) e que os autores do Tratado não levaram até às últimas consequências o esforço de categorização do ato legislativo da União (33).

70.      É igualmente possível considerar, e esta é a solução que preferimos, que os autores do Tratado ao acolherem uma abordagem exclusivamente formal do ato legislativo, pelo contrário, permitiram identificar de forma correta as bases jurídicas que habilitam as instituições da União a adotar atos legislativos. A incompletude ou mesmo, segundo alguns, a aparente incoerência da classificação operada pelos autores do Tratado deve, assim, ser entendida como a consequência da vontade destes de reconhecer a determinados atos a qualidade de ato legislativo e de a recusar a outros.

71.      Tal análise da redação das disposições do Tratado com vista a qualificar ou não um ato da União como ato legislativo está, de resto, em consonância com a conclusão do Tribunal de Justiça de que «não são os processos legislativos que definem a base jurídica de um ato, mas a base jurídica de um ato que determina os processos a seguir para adotar esse ato» (34).

72.      Precisamente, a interpretação que defendemos conduz a negar à decisão impugnada a qualidade de ato legislativo.

73.      Com efeito, importa salientar que a redação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, embora preveja a adoção de medidas pelo Conselho, deliberando após consulta do Parlamento, não menciona expressamente que tais medidas são tomadas no quadro de um processo legislativo especial. Adotadas no quadro de um processo não legislativo, as referidas medidas revestem, mediante uma interpretação a contrario do artigo 289.o, n.o 3, TFUE, uma natureza não legislativa. A este respeito, existe um claro contraste em relação ao artigo 78.o, n.o 2, TFUE, que refere expressamente que as medidas adotadas com base nesse artigo são‑no através da aplicação de um processo legislativo, no caso concreto, o processo legislativo ordinário.

74.      Feita esta precisão, importa agora responder à preocupação que está no cerne da argumentação desenvolvida pela República Eslovaca e pela Hungria, ou seja, a questão de saber se e em que medida o artigo 78.o, n.o 3, TFUE habilita o Conselho a adotar um ato não legislativo que derrogue disposições constantes de atos legislativos da União.

75.      Consideramos, à semelhança do Conselho e dos intervenientes em apoio deste, que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE autoriza a adoção de medidas que, para responder a uma situação de emergência claramente identificada, derroguem temporariamente e em pontos precisos atos legislativos em matéria de asilo.

76.      Esta disposição do Tratado tem precisamente como objetivo permitir à União reagir rápida e eficazmente a uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros. Tendo em conta o facto de o artigo 78.o, n.o 2, TFUE abranger os vários aspetos do sistema europeu comum de asilo e de as medidas adotadas com base nesse artigo constituírem atos legislativos, é inevitável que as medidas provisórias adotadas, relativamente a esse sistema, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE conduzam a que sejam temporariamente derrogadas determinadas disposições desses atos legislativos. Por conseguinte, o conceito de «medidas provisórias», na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, não pode, ao contrário do que as recorrentes sugerem, ser entendido no sentido de que se limita a medidas complementares, de natureza operacional ou financeira, sob pena de restringir exageradamente o âmbito de aplicação dessa base jurídica e, deste modo, o seu efeito útil. Consideramos, por isso, que o conceito de «medidas provisórias» deve ser interpretado em sentido lato, uma vez que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE habilita o Conselho a adotar todas as medidas que considere necessárias para fazer face a uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros.

77.      Para que se possa considerar que medidas se baseiam, acertadamente, no artigo 78.o, n.o 3, TFUE importa que essas medidas não tenham como objetivo afastar, substituir ou alterar de forma definitiva disposições constantes de atos legislativos adotados com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

78.      Tal não é seguramente o caso no que diz respeito à decisão impugnada, que se limita, em conformidade com a sua natureza de medida provisória destinada a responder a uma situação de emergência bem precisa, a prever, num quadro rigorosamente delimitado, derrogações temporárias de várias disposições de atos legislativos da União. Por conseguinte, não pode considerar‑se, como defendem as recorrentes, que tais derrogações alteram esses atos de forma permanente e geral.

79.      A este respeito, esclarecemos que as derrogações que a decisão impugnada contém apenas se aplicam durante um período de dois anos e dizem respeito apenas a um número limitado de 120 000 nacionais de determinados países terceiros, que tenham apresentado um pedido de proteção internacional em Itália ou na Grécia, que possuam uma das nacionalidades referidas no artigo 3.o, n.o 2, da decisão impugnada, que serão recolocados a partir de um desses dois Estados‑Membros e que tenham chegado ou cheguem aos referidos Estados‑Membros entre 24 de março de 2015 e 26 de setembro de 2017.

80.      Como refere o Conselho, após a data limite de aplicação da decisão impugnada, ou seja, 26 de setembro de 2017, os efeitos das derrogações expirarão automaticamente e as regras gerais recomeçarão a aplicar‑se sem que seja necessária qualquer intervenção do legislador da União.

81.      Como referimos anteriormente, essas derrogações pontuais e temporárias não podem ser equiparadas a uma alteração duradoura das regras substantivas contidas em atos legislativos da União em matéria de asilo, a qual apenas poderia ser efetuada com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

82.      Por conseguinte, em nossa opinião, na adoção da decisão impugnada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE não existiu desvio algum ao processo legislativo ordinário previsto no artigo 78.o, n.o 2, TFUE.

83.      Importa, a este respeito, clarificar a relação que existe entre estas duas disposições do Tratado.

84.      O artigo 78.o, n.o 3, TFUE, em conjugação com o artigo 80.o TFUE, constitui uma base jurídica específica para as medidas provisórias que concretizam o princípio da solidariedade em situações de emergência caracterizadas por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros.

85.      O processo previsto no artigo 78.o, n.o 3, TFUE caracteriza‑se pela urgência em agir face a uma situação de crise. É o que justifica que não siga o processo legislativo ordinário.

86.      Como refere o Conselho, as medidas previstas no artigo 78.o, n.os 2 e 3, TFUE assentam, cada uma delas, numa base jurídica autónoma do Tratado e inscrevem‑se em situações e objetivos diferentes, sem que haja que definir uma hierarquia entre elas.

87.      Importa insistir na natureza complementar das bases jurídicas que constituem o artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE (35) e o artigo 78.o, n.o 3, TFUE. A sua utilização simultânea ou sucessiva permite, em especial, à União agir de forma eficaz em situações de crise migratória. Esta complementaridade é ilustrada pela proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento Dublin III.

88.      Na sua proposta, a Comissão explica, de forma clara, quais são as interações entre, por um lado, as medidas que constam dessa proposta e, por outro lado, os programas de recolocação de emergência baseados no artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

89.      Como explica a Comissão, «[a] proposta que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise deve ser distinguida das propostas adotadas pela Comissão com base no artigo 78.o, n.o 3, do TFUE a favor de certos Estados‑Membros confrontados com o afluxo súbito de nacionais de países terceiros nos respetivos territórios» (36). A Comissão prossegue esclarecendo que, «[e]nquanto as medidas propostas pela Comissão com base no artigo 78.o, n.o 3, do TFUE são provisórias, a proposta de criação do mecanismo de recolocação em situações de crise introduz um método de determinação, por período temporário devido a uma situação de crise, do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados nos Estados‑Membros afetados, no intuito de garantir uma repartição mais equitativa dos requerentes entre os Estados‑Membros nessa situação, facilitando deste modo o funcionamento do sistema de Dublin mesmo em situações de crise» (37).

90.      Trata‑se, por isso, neste último caso, e diferentemente do que prevê a decisão impugnada, de um dispositivo permanente que institui um método de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num Estado‑Membro que se encontre numa situação de crise. Este dispositivo permanente é de aplicação geral, no sentido em que a sua aplicação não é orientada para determinados Estados‑Membros que se encontrem atualmente numa situação de crise, mas pode beneficiar qualquer Estado‑Membro que se possa encontrar em tal situação.

91.      As condições de ativação do mecanismo de recolocação estão previstas na proposta de regulamento. Como referiu a Comissão nessa proposta, o Estado‑Membro beneficiário tem, assim, de «se ver confrontado com uma situação de crise que comprometa a aplicação do Regulamento de Dublin III, devido à extrema pressão caracterizada por um afluxo avultado e desproporcionado de nacionais de países terceiros ou apátridas, a que o respetivo sistema de asilo dificilmente consegue dar resposta cabal» (38).

92.      A complementaridade entre as medidas adotadas com base no artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE a as adotadas nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE é ainda explicada da seguinte forma pela Comissão: «[a] criação de um mecanismo de recolocação em situações de crise não prejudica a possibilidade de o Conselho adotar, sob proposta da Comissão, medidas provisórias a favor dos Estados‑Membros confrontados com situações de emergência na aceção do artigo 78.o, n.o 3, […] TFUE. A adoção de medidas de emergência com base no artigo 78.o, n.o 3, […] TFUE continuará a ser possível em situações excecionais que pedem respostas de emergência, se possível incluindo um apoio mais amplo dos migrantes, na eventualidade de não estarem preenchidas as condições para acionar o mecanismo de recolocação em situações de crise» (39).

93.      Quanto à base jurídica escolhida, a Comissão refere na sua proposta que esta «altera o Regulamento [Dublin III] e deve, por conseguinte, ser adotada com a mesma base jurídica, a saber, o artigo 78.o, segundo parágrafo, alínea e), […] TFUE, seguindo o processo legislativo ordinário» (40). A proposta de regulamento altera, com efeito, o regulamento Dublin III, acrescentando‑lhe uma secção VII, intitulada «Mecanismo de recolocação em situações de crise». Na medida em que altera esse regulamento, essa proposta baseia‑se corretamente no artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE e é, por isso, submetida ao processo legislativo ordinário.

94.      Além disso, a Comissão esclarece que «[o] mecanismo de recolocação em situações de crise previsto na presente proposta implica derrogações permanentes, a aplicar em situações de crise específicas a favor de certos Estados‑Membros, nomeadamente ao princípio consagrado no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento [Dublin III], segundo o qual o pedido de proteção internacional deve ser examinado pelo Estado‑Membro determinado de acordo com os critérios enunciados no seu capítulo III. Em lugar deste princípio, a proposta estabelece uma chave de repartição obrigatória, aplicável em situações de crise bem definidas para determinar o país responsável pela análise dos pedidos» (41).

95.      A decisão impugnada e a proposta de regulamento têm em comum o facto de darem à União instrumentos que permitem responder a situações de crise migratória. Contudo, enquanto a primeira, como medida adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, reveste uma natureza provisória e é orientada para os Estados‑Membros que são confrontados com uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, a segunda cria um mecanismo de recolocação de duração indefinida, que não está limitado a um número predeterminado de nacionais de países terceiros e que não identifica antecipadamente um ou mais Estados‑Membros como beneficiários desse mecanismo.

96.      Decorre destes elementos que, enquanto o artigo 78.o, n.o 3, TFUE constitui a base jurídica que permite à União responder de forma provisória e em situação de emergência a um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, o artigo 78.o, n.o 2, alínea e), TFUE permite dotar a União de um quadro destinado a responder de forma permanente e em termos gerais a um problema estrutural, designadamente a inadequação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublin III a situações de pressão migratória súbita sobre os Estados‑Membros da primeira linha.

97.      Em nossa opinião, resulta das considerações que antecedem que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE pode servir de base à adoção de medidas provisórias, como as previstas na decisão impugnada, que se destinam a responder a uma situação de emergência, mesmo que contenham derrogações a disposições específicas de atos legislativos da União, contanto que essas derrogações estejam rigorosamente determinadas de um ponto vista material e temporal.

98.      Por conseguinte, o segundo fundamento da República Eslovaca e o primeiro fundamento da Hungria devem ser considerados improcedentes.

2.      Quanto à primeira parte do quinto fundamento da República Eslovaca e quanto ao segundo fundamento da Hungria, relativos à falta de natureza provisória da decisão impugnada

99.      A República Eslovaca e a Hungria sustentam que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não fornece uma base jurídica adequada para a adoção da decisão impugnada, uma vez que esta não reveste uma natureza provisória, ao contrário do que esta disposição exige.

100. Nos termos do seu artigo 13.o, n.os 1 e 2, a decisão impugnada é aplicável de 25 de setembro de 2015 a 26 de setembro de 2017, ou seja, durante um período de 24 meses. Além disso, o artigo 13.o, n.o 3, dessa decisão prevê que esta é aplicável às pessoas que cheguem ao território da República Italiana e da República Helénica nesse período, assim como aos requerentes de proteção internacional que tenham chegado ao território desses Estados‑Membros a partir de 24 de março de 2015.

101. Resulta dessas disposições que o âmbito de aplicação temporal da decisão impugnada está delimitado com precisão. Esta prevê, sem ambiguidade possível, um mecanismo de emergência de duração determinada, pelo que o seu caráter provisório não pode, em nossa opinião, ser questionado.

102. Dado que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE já não faz referência a uma duração máxima de seis meses, ao contrário do que acontecia com o artigo 64.o, n.o 2, do Tratado CE, há que deduzir daí que as medidas provisórias adotadas com esta base jurídica podem ter uma duração maior.

103. Contrariamente ao que sustentam a República Eslovaca e a Hungria, consideramos que o facto de a decisão impugnada poder, através das relações duradouras que podem unir os requerentes de proteção internacional e os Estados‑Membros de recolocação, fazer sentir os seus efeitos para além do período referido nessa decisão não é relevante. Tais efeitos, mais ou menos a longo prazo, são, efetivamente, inerentes à proteção internacional que pode ser obtida no Estado‑Membro de recolocação. Se a tese defendida pela República Eslovaca e pela Hungria fosse aceite, nenhum mecanismo de recolocação poderia ser instituído com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

104. Por outro lado, uma vez que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não fixa nenhum prazo concreto, mas prevê apenas a adoção de medidas provisórias, consideramos que o Conselho podia, sem violar esta disposição e sem exceder a margem de apreciação que esta lhe reconhece, criar um mecanismo temporário de recolocação com uma duração de aplicação de 24 meses. Importa, a este respeito, assinalar a preocupação manifestada pela Comissão na sua proposta de decisão quanto às medidas provisórias, de que, «a fim de assegurar que as medidas adotadas têm um impacto real na prática e prestam um apoio efetivo [República Italiana] [e] a [República Helénica] […] para fazer face ao afluxo de migrantes, a sua duração não deve ser demasiado curta» (42). Por outro lado, a escolha de uma duração de aplicação de 24 meses justifica‑se igualmente tendo em conta o prazo previsível necessário para preparar a execução do processo de recolocação em todos os Estados‑Membros, ainda mais se tivermos em conta, como a República Helénica sublinhou acertadamente na audiência, a natureza inédita desse processo.

105. Além disso, o argumento apresentado pela República Eslovaca e pela Hungria, de que a duração e os efeitos de uma medida adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE não podem ultrapassar o prazo necessário para a adoção de um ato legislativo baseado no artigo 78.o, n.o 2, TFUE não encontra qualquer apoio na letra dessas duas disposições. Acresce que, na medida em que é impossível determinar antecipadamente o prazo necessário para a adoção de um ato legislativo que crie um mecanismo permanente de recolocação com base no artigo 78.o, n.o 2, TFUE, afigura‑se que a tese defendida pela República Eslovaca e pela Hungria é impossível de colocar em prática. Esta incerteza pode ser ilustrada pelo facto de a proposta de regulamento que cria um mecanismo de recolocação permanente, apesar de ter sido apresentada em 9 de setembro de 2015, ou seja, no mesmo dia que a proposta que deu origem à decisão impugnada, ainda não ter sido adotada e ser impossível ter a certeza de que será adotada antes de 26 de setembro de 2017, data em que cessa a vigência da decisão impugnada, ou mesmo em data posterior.

106. Os outros argumentos apresentados pela República Eslovaca e pela Hungria não são de molde a alterar a nossa apreciação. Assim, o facto de que a decisão impugnada possa sofrer adaptações em função das circunstâncias não está em contradição com a sua natureza provisória nem tão pouco a possibilidade de prorrogação por um período máximo de doze meses prevista no artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada (43).

107. Resulta das considerações que antecedem que a primeira parte do quinto fundamento da República Eslovaca e o segundo fundamento da Hungria devem ser considerados improcedentes.

3.      Quanto à segunda parte do quinto fundamento da República Eslovaca, relativo ao facto de a decisão impugnada não preencher as condições de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE

108. A República Eslovaca considera que a decisão impugnada não respeita a condição de que o Estado‑Membro beneficiário das medidas provisórias deve ser confrontado «com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros» para que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE seja aplicável, por três razões.

109. Em primeiro lugar, segundo a República Eslovaca, o afluxo de nacionais de países terceiros a Itália e à Grécia, no momento da adoção ou imediatamente antes da adoção da decisão impugnada, era razoavelmente previsível e não podia, portanto, ser qualificado como «súbito». Com efeito, os dados estatísticos relativos a 2013‑2014 e aos primeiros meses de 2015 indicam que o número de nacionais de países terceiros que se dirigiam para Itália e para a Grécia aumentara de forma contínua e que, a partir do período 2013‑2014, esse aumento foi significativo. Além disso, no que diz respeito à Itália, os dados atuais para o ano de 2015 indicam, ao invés, uma redução interanual do número de migrantes.

110. Em nossa opinião, este argumento não pode prosperar.

111. De um ponto de vista geral, começaremos por salientar, fazendo referência ao «annual brief 2015» da Frontex, que, em 2015, o número de entradas irregulares de nacionais de países terceiros nas fronteiras externas da União atingiu mais de 1,8 milhões, enquanto, em 2014, esse número foi de 285 532, ou seja, verificou‑se um aumento de 546%. Como pontos de entrada principais desses nacionais na União, a Grécia e a Itália ficaram expostas a uma pressão migratória particularmente intensa.

112. O artigo 78.o, n.o 3, TFUE oferece uma base jurídica específica para responder às situações de emergência em matéria de migração com as quais sejam confrontados um ou mais Estados‑Membros, ao prever a adoção de medidas provisórias que, como a Comissão salientou na sua proposta de decisão, sejam «de caráter excecional», no sentido de que «[s]ó podem ser acionadas quando for atingido um determinado limiar de urgência e gravidade para os problemas criados no(s) sistema(s) de asilo do(s) Estado(s)‑Membro(s) por um afluxo súbito de nacionais de países terceiros» (44).

113. Salientamos, tal como o Conselho e os intervenientes que apresentaram observações em apoio deste, que a dimensão maciça do aumento do fluxo de nacionais de países terceiros durante o ano 2015 e, em especial, durante os meses de julho e agosto desse ano, constitui um facto objetivo refletido nos dados de Frontex que são referidos no considerando 13 da decisão impugnada. Esses dados registam, no que diz respeito à Itália, que foram detetadas 42 356 passagens irregulares de fronteiras durante os meses de julho e agosto de 2015, o que representa um aumento de 20% em relação aos meses de maio e junho de 2015. No que diz respeito à Grécia, esse número ascendeu a 137 000 durante os meses de julho e agosto de 2015, o que representa um aumento de 250%.

114. Como decorre do considerando 13 da decisão impugnada, o Conselho tomou em consideração o facto de que uma grande parte desses migrantes poderiam, tendo em conta a sua nacionalidade, beneficiar de proteção internacional.

115. Por outro lado, decorre do considerando 14 da decisão impugnada que, segundo os dados do Eurostat e do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), entre os meses de janeiro e julho de 2015 registou‑se um forte aumento do número de pessoas que apresentaram pedidos de proteção internacional em Itália e na Grécia, o que confirma plenamente a conclusão de que se verificou um crescimento exponencial da pressão exercida sobre os sistemas de asilo da República Italiana e da República Helénica.

116. Acrescente‑se que decorre do considerando 16 da decisão impugnada que o Conselho tomou igualmente em consideração o facto de a situação de emergência que afetava a República Italiana e a República Helénica dever, muito provavelmente, manter‑se devido à instabilidade e aos conflitos na vizinhança imediata desses dois Estados‑Membros. A verificação de uma pressão constante sobre os regimes de asilo da República Italiana e da República Helénica, que contribuía para fragilizar estes últimos de forma recorrente, tornava ainda mais necessária a adoção, pela União, de uma resposta imediata, sob a forma de medidas provisórias tomadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, à ocorrência de uma situação de emergência caracterizada por um afluxo súbito e maciço de nacionais de países terceiros a esses Estados‑Membros (45).

117. Assim, o caráter súbito do fluxo de nacionais de países terceiros é confirmado por dados objetivos. Estes últimos evidenciam um fenómeno de aumento rápido do número de chegadas de nacionais de países terceiros a Itália e à Grécia num curto período de tempo. A incapacidade destes dois Estados‑Membros para fazer face a esse fenómeno caracteriza a existência de uma situação de emergência que a decisão impugnada visa sanar.

118. Fosse ou não previsível esse fluxo de nacionais de países terceiros, o que importa para justificar o recurso ao artigo 78.o, n.o 3, TFUE é que tal fluxo, pela sua rapidez e magnitude, tornou indispensável uma reação imediata por parte da União através da adoção de medidas provisórias para aliviar a pressão considerável exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego, como refere o considerando 26 da decisão impugnada.

119. Pouco importa igualmente que a tendência para o aumento do número de nacionais de países terceiros chegados de forma irregular a Itália e à Grécia se tenha manifestado antes de 2015. Como referimos anteriormente, o que importa é a verificação de um crescimento súbito desse número, como decorre dos dados objetivos já referidos, cuja exatidão não é contestada pelas recorrentes.

120. Em segundo lugar, a República Eslovaca sustenta que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE implica que o Estado‑Membro se encontre numa situação de emergência devida, precisamente, a um fluxo súbito de nacionais de países terceiros, o que resulta da utilização do termo «caracterizada». Ora, a República Eslovaca observa que, pelo menos no caso da República Helénica, esse nexo de causalidade parece não existir. Com efeito, está comprovado que o regime de asilo e de migração grego (e também o italiano) se defronta, há muito tempo, com problemas importantes sem nexo de causalidade direto com o fenómeno migratório característico do período durante o qual a decisão impugnada foi adotada.

121. Em nossa opinião, este argumento deve ser afastado.

122. É verdade que, como observa o Conselho, existe uma divergência entre as versões linguísticas do artigo 78.o, n.o 3, TFUE na medida em que, em quinze versões, é utilizada a palavra «caracterizada» enquanto, em nove versões, figura a palavra «causada». Contudo, em ambos os casos, é expressa a condição de que deve existir uma relação estreita entre a situação de emergência que torna necessária a adoção de medidas provisórias e o fluxo súbito de nacionais de países terceiros. Ora, como decorre dos considerandos 13 e 26 da decisão impugnada, foi efetivamente o fluxo súbito de nacionais de países terceiros em 2015, especialmente durante os meses de julho e agosto de 2015, que contribuiu para que fosse exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego uma pressão insustentável, característica de uma situação de emergência.

123. Pouco importa, a este respeito, que os regimes de asilo italiano e grego já estivessem fragilizados anteriormente. Como o Conselho, acertadamente, salienta, é provável que a forte pressão exercida sobre os sistemas de asilo italiano e grego fosse suscetível de perturbar gravemente qualquer sistema de asilo, mesmo um sistema que não padecesse de fragilidades estruturais.

124. Em terceiro lugar, segundo a República Eslovaca, a decisão impugnada não podia ser adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma vez que tinha como objetivo resolver não uma situação de emergência existente ou iminente que afetava a República Italiana e a República Helénica, mas pelo menos em parte, situações hipotéticas futuras em relação às quais não era possível afirmar, no momento da adoção da decisão impugnada, com um grau de probabilidade suficiente, que se iriam verificar.

125. A República Eslovaca considera que o período de aplicação da decisão impugnada, de dois ou mesmo de três anos, é demasiado longo para se poder afirmar que, durante todo esse período, as medidas adotadas respondem à situação de emergência, atual ou iminente, que afeta a República Italiana e a República Helénica. Assim, durante esse período, a situação de emergência pode deixar de existir nesses Estados‑Membros. Além disso, o mecanismo de recolocação da reserva de mais 54 000 pessoas, previsto no artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), desta, tem como objetivo responder a situações totalmente hipotéticas noutros Estados‑Membros.

126. A República da Polónia defende este ponto de vista, alegando que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE se refere a uma situação de crise preexistente e atual que exige a adoção de medidas corretivas imediatas e não, como faz a decisão impugnada, de situações de crise que possam vir a acontecer no futuro, mas cuja ocorrência, natureza e magnitude são incertas ou difíceis de prever.

127. Contrariamente à República Eslovaca e à República da Polónia, consideramos que o facto de a decisão impugnada se referir a acontecimentos ou situações futuras não é, de modo nenhum, incompatível com o artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

128. Com efeito, recordamos que decorre dos considerandos 13 e 26 da decisão impugnada que a adoção desta se justifica, antes de mais, pela necessidade de responder a uma situação de emergência que se verificou, em especial, durante os meses de julho e agosto de 2015 em Itália e na Grécia. A circunstância de a decisão impugnada conter várias disposições que permitem adaptá‑la à evolução dessa situação não deve ocultar o facto de essa decisão se destinar a resolver um problema que surgiu antes da sua adoção.

129. Seja como for, consideramos que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE não se opõe a que a decisão impugnada contenha várias disposições que permitem adaptá‑la à evolução dos fluxos migratórios. Esta disposição confere ao Conselho uma ampla margem de apreciação na escolha das medidas que devem ser adotadas para responder de forma adequada a uma situação de emergência caracterizada pelo súbito fluxo de nacionais de países terceiros. Dado que tal situação de emergência era passível de se manter, de evoluir e de afetar outros Estados‑Membros, o Conselho podia prever a possibilidade de adaptar a sua ação e, em especial, as características e as modalidades de aplicação do mecanismo temporário de recolocação.

130. Assim, a necessidade de responder a uma situação de emergência através de medidas provisórias, que exprime a base jurídica constituída no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, não exclui a adaptação de uma medida como a decisão impugnada à evolução da situação nem a adoção pelo Conselho de atos de execução. Responder à emergência não exclui a natureza evolutiva e adaptada da resposta, desde que esta conserve a sua natureza provisória.

131. Por conseguinte, deste ponto de vista, são perfeitamente compatíveis com o artigo 78.o, n.o 3, TFUE disposições como o artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, e o artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada, que preveem a possibilidade de a Comissão apresentar propostas ao Conselho se considerar que se justifica uma adaptação do mecanismo de recolocação devido à evolução da situação no terreno ou que um Estado‑Membro se encontra confrontado com uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma reorientação importante dos fluxos migratórios.

132. O Conselho pôde igualmente, sem que tal afete a legalidade da decisão impugnada, reproduzir, no artigo 9.o, primeira frase, desta, as condições nas quais podem ser adotadas medidas provisórias, distintas da decisão impugnada, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE e as consequências que podem daí resultar quanto à aplicação da decisão impugnada.

133. Por último, como o Conselho, acertadamente, salienta, o facto de prever na decisão impugnada a adoção de atos de execução (46) e de fazer depender a sua adoção de acontecimentos ou situações futuras não pode gerar a ilegalidade da decisão impugnada. Com efeito, como decorre do considerando 28 da decisão impugnada, o exercício dessas competências de execução pelo Conselho é necessário para permitir uma adaptação célere do mecanismo temporário de recolocação a situações que evoluem rapidamente.

134. Por conseguinte, a segunda parte do quinto fundamento da República Eslovaca não é procedente.

135. Resulta das considerações que antecedem que os fundamentos invocados pela República Eslovaca e pela Hungria, relativos à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para a adoção da decisão impugnada, devem ser considerados improcedentes na sua totalidade.

C.      Quanto aos fundamentos relativos à regularidade do processo de adoção da decisão impugnada e relativos à violação de formalidades essenciais

1.      Quanto ao primeiro fundamento da República Eslovaca e quanto ao sétimo fundamento da Hungria, relativos à violação do artigo 68.o TFUE

136. A República Eslovaca e a Hungria sustentam que, uma vez que a decisão impugnada vai além das orientações definidas pelo Conselho Europeu nas suas conclusões de 25 e 26 de junho de 2015, segundo as quais a repartição das pessoas recolocadas deve ser decidida «consensualmente» e «refletindo as situações particularesdos Estados‑Membros» (47), o Conselho violou o artigo 68.o TFUE e violou as formalidades essenciais.

137. Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, TUE, «[o] Conselho Europeu dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as orientações e prioridades políticas gerais da União. O Conselho Europeu não exerce função legislativa».

138. Nos termos do artigo 68.o TFUE «[o] Conselho Europeu define as orientações estratégicas da programação legislativa e operacional no espaço de liberdade, segurança e justiça».

139. Salientamos que, embora as conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 contenham efetivamente uma disposição que prevê que os Estados‑Membros deveriam decidir «consensualmente» sobre a repartição de pessoas que careçam manifestamente de proteção internacional, e isso «refletindo as situações particulares dos Estados‑Membros» (48), essa disposição diz respeito à recolocação temporária e excecional, ao longo de dois anos, de 40 000 pessoas, a partir da Itália e da Grécia. Ora, esta medida de recolocação de 40 000 pessoas foi objeto da Decisão 2015/1523, que responde assim, precisamente, à orientação formulada pelo Conselho Europeu.

140. Segundo a República Eslovaca e a Hungria, uma nova medida de recolocação de emergência, como a prevista na decisão impugnada, não podia ser proposta nem adotada a Foro Ori sem que o Conselho Europeu adotasse previamente uma posição nesse sentido.

141. Assim, a República Eslovaca considera que, ao adotar a decisão impugnada sem que o mandato decorrente das conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 tenha sido alterado ou ampliado, o Conselho invadiu as funções e as competências do Conselho Europeu. Por conseguinte, violou o artigo 68.o TFUE, bem como o artigo 13.o, n.o 2, TUE e o princípio do equilíbrio institucional. Além disso, segundo a Hungria, o artigo 15.o TUE deve ser interpretado no sentido de que as conclusões do Conselho Europeu se impõem às instituições da União.

142. Nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE, «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os processos, condições e finalidades que estes estabelecem». Esta disposição traduz o princípio do equilíbrio institucional, característica da estrutura institucional da União, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras (49).

143. Em nossa opinião, nem a Comissão nem o Conselho ultrapassaram as atribuições que lhes foram conferidas no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, respetivamente, ao apresentar a proposta e ao adotar a decisão impugnada.

144. Em especial, as conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 não podem ter como consequência proibir a Comissão de propor, e depois o Conselho de adotar, um dispositivo provisório e vinculativo de recolocação de requerentes de proteção internacional que complete a Decisão 2015/1523.

145. Recordamos, a este respeito, que as medidas provisórias que podem ser adotadas pelo Conselho com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE são‑no sob proposta da Comissão. Esse poder de iniciativa, reconhecido de forma geral à Comissão no artigo 17.o, n.o 2, TUE, poderia ser posto em causa se se admitisse que seja condicionado pela adoção prévia de conclusões pelo Conselho Europeu. Isso é tanto ainda mais verdadeiro quando uma disposição do Tratado, como o artigo 78.o, n.o 3, TFUE, confere à Comissão o poder de propor uma resposta imediata da União a uma situação de emergência. Com base no seu poder de iniciativa legislativa, a Comissão, que, de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, TUE, «promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito», deve poder determinar o objeto, a finalidade e o conteúdo da sua proposta (50).

146. Como referem, em substância, a República Italiana e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a decisão impugnada responde a uma nova situação de emergência ocorrida durante os meses de julho e agosto de 2015. A adoção de um mecanismo temporário de recolocação de 120 000 requerentes de proteção internacional, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, não carecia de estar concreta e previamente referida nas conclusões do Conselho Europeu. Para além de tal exigência não resultar da redação dessa disposição, teria como consequência anular a capacidade de reação de que as instituições da União devem fazer prova quando os Estados‑Membros sejam confrontados com uma situação de emergência.

147. Por outro lado, importa não atribuir às conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015 efeitos que ultrapassam a adoção da medida que tem precisamente como objeto dar cumprimento a essas conclusões, designadamente a Decisão 2015/1523, relativa à recolocação voluntária de 40 000 pessoas.

148. De qualquer modo, ainda que se considere que a Decisão 2015/1523 não esgotou as recomendações contidas nas conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015, não descortinamos na iniciativa levada a cabo pela Comissão e pelo Conselho, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, tendo em vista da adoção da decisão impugnada, qualquer contradição de princípio com as orientações definidas pelo Conselho Europeu nas suas conclusões de 25 e 26 de junho de 2015.

149. Com efeito, no n.o 2 dessas conclusões, o Conselho Europeu declara que os trabalhos deverão prosseguir «em consonância com a Agenda Europeia para a Migração, elaborada pela Comissão». Ora, esta agenda prevê a ativação do mecanismo de emergência previsto no artigo 78.o, n.o 3, TFUE. Além disso, no n.o 3 das referidas conclusões, o Conselho Europeu apela a que seja feito «um esforço mais alargado, […] para melhor conter os fluxos de migração ilegal», nomeadamente desenvolvendo a dimensão relativa à recolocação. Por conseguinte, ao propor e, depois, ao adotar a decisão impugnada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, a ação da Comissão e do Conselho inseriu‑se na linha preconizada pelo Conselho Europeu.

150. Por último, na medida em que o conteúdo da contestação formulada pela República Eslovaca e pela Hungria diz respeito ao facto de a decisão impugnada ter sido adotada por maioria qualificada, há que salientar que, uma vez que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permite ao Conselho adotar medidas por maioria qualificada, está excluída, na falta de uma disposição em sentido contrário no Tratado, a possibilidade de o Conselho Europeu alterar esta regra de votação impondo ao Conselho uma regra de votação por unanimidade. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que as regras relativas à formação da vontade das instituições da União estão estabelecidas nos Tratados e não estão à disposição dos Estados‑Membros nem das próprias instituições, apenas os Tratados podem, em casos especiais, autorizar uma instituição a alterar um processo decisório neles previsto (51).

151. Resulta das considerações que antecedem que o primeiro fundamento da República Eslovaca e o sétimo fundamento da Hungria devem ser considerados improcedentes.

2.      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento e quanto à primeira parte do quarto fundamento da República Eslovaca, bem como quanto ao quinto fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais na medida em que o Conselho não respeitou a obrigação de consultar o Parlamento prevista no artigo 78.o, n.o 3, TFUE

152. A República Eslovaca e a Hungria alegam que, uma vez que o Conselho introduziu alterações substanciais na proposta inicial da Comissão e adotou a decisão impugnada sem consultar novamente o Parlamento, incorreu numa violação de formalidades essenciais impostas pelo artigo 78.o, n.o 3, TFUE, a qual deve levar à anulação da decisão impugnada. A República Eslovaca considera que, ao proceder dessa forma, o Conselho violou igualmente o artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE, o artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como os princípios da democracia representativa, do equilíbrio institucional e da boa administração.

153. A este respeito, a República Eslovaca e a Hungria assinalam as seguintes alterações substanciais.

154. Estes dois Estados‑Membros salientam que, na decisão impugnada, a Hungria figura, já não entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo de recolocação mas entre os Estados‑Membros de recolocação, o que levou à supressão do Anexo III da proposta inicial e à inclusão da Hungria nos Anexos I e II da decisão impugnada.

155. A alteração fundamental diz respeito ao facto de, apesar de se ter mantido o número total de 120 000 pessoas, o número de 54 000 pessoas incluído nesse número total, que inicialmente se previa que dissesse respeito a pessoas que deviam ser recolocadas a partir da Hungria, foi transformado numa «reserva» que não estava prevista na proposta inicial da Comissão. Consequentemente, a estrutura e vários elementos essenciais dessa proposta foram profundamente alterados, como o título e o seu âmbito de aplicação ratione personae, a lista de Estados‑Membros beneficiários e de recolocação, bem como o número de pessoas a recolocar em cada um dos Estados‑Membros. Tal produziu alterações nos artigos 1.o e 3.o, bem como no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da decisão impugnada.

156. A República Eslovaca assinala outras alterações da proposta inicial da Comissão. Assim, este Estado‑Membro refere que, ao contrário do que acontecia nessa proposta, a decisão impugnada prevê, no seu artigo 4.o, n.o 3, que outros Estados‑Membros podem beneficiar do mecanismo de recolocação se preencherem as condições previstas nessa disposição. Por outro lado, o artigo 13.o, n.o 3, da decisão impugnada prevê que esta é aplicável, de forma retroativa, aos requerentes que tenham chegado a partir de 24 de março de 2015, ou seja, num período de seis meses antes da adoção dessa decisão, enquanto, na sua proposta inicial, a Comissão limitara essa retroatividade a um mês.

157. De igual modo, o artigo 4.o, n.os 5 e 6, da decisão impugnada contém alterações substanciais em relação à proposta inicial da Comissão no que diz respeito ao sistema de suspensão temporária da participação de um Estado‑Membro no processo de recolocação. Com efeito, a República Eslovaca alega que a decisão impugnada dispõe que o poder de decidir sobre tal suspensão pertence ao Conselho, enquanto a Comissão propusera que esse poder lhe fosse confiado. A decisão impugnada contém igualmente uma limitação da suspensão a 30% do contingente de requerentes atribuído ao Estado‑Membro em causa, enquanto a proposta inicial da Comissão não continha tal limitação. Além disso, enquanto a proposta inicial da Comissão previa a obrigação de o Estado‑Membro dispensado pagar uma compensação financeira, tal obrigação não consta do texto da decisão impugnada.

158. Por último, a República Eslovaca salienta que, enquanto o considerando 25 da proposta inicial da Comissão referia a chave de repartição de acordo com a qual tinham sido determinados os dados relativos às pessoas a recolocar em cada Estado‑Membro, a decisão impugnada não menciona tal chave, pelo que esta decisão não permite conhecer os critérios de acordo com os quais os contingentes foram atribuídos a cada Estado‑Membro.

159. As recorrentes acusam o Conselho de não ter consultado novamente o Parlamento após ter introduzido essas alterações fundamentais à proposta inicial da Comissão, apesar de, na sua resolução de 17 de setembro de 2015, o Parlamento ter pedido ao Conselho que o consultasse novamente se pretendesse alterar de forma substancial a proposta da Comissão.

160. Embora a presidência da União tenha informado regularmente o Parlamento, em especial a Comissão Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento (a seguir «Comissão LIBE»), sobre a evolução do processo no Conselho, isso não podia substituir uma resolução formal do Parlamento adotada em sessão plenária.

161. A Hungria faz referência a duas cartas enviadas pelo presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento ao presidente do Parlamento, das quais consta, nomeadamente, que essa Comissão chegou igualmente à conclusão de que o Conselho alterara de forma substancial a proposta inicial da Comissão ao retirar a Hungria do grupo dos Estados‑Membros beneficiários e que, por conseguinte, o Parlamento devia ter sido novamente consultado. Contudo, por motivos políticos, a referida Comissão recomendou ao Parlamento que não interviesse nos presentes processos no Tribunal de Justiça.

162. O Conselho contestou a utilização dessas duas cartas no quadro dos presentes autos, tendo nomeadamente pedido ao Tribunal de Justiça que adotasse uma medida de instrução com vista a aferir a sua autenticidade. Em nossa opinião, essas duas cartas não devem ser tidas em conta pelo Tribunal de Justiça, a quem cabe, em última instância e independentemente do conteúdo dessas cartas, decidir se o Conselho cumpriu a sua obrigação de consultar o Parlamento, em conformidade com o que prevê o artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

163. Segundo o Tribunal de Justiça, «a consulta regular do Parlamento nos casos previstos pelo Tratado constitui uma formalidade essencial cuja inobservância implica a nulidade do ato em questão» (52). Sublinhamos igualmente que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «a exigência de consulta do Parlamento […], nos casos previstos pelo Tratado, implica a exigência de uma nova consulta sempre que o texto finalmente adotado, considerado no seu conjunto, se afaste na sua substância daquele sobre o qual foi consultado o Parlamento, com exceção dos casos em que as modificações correspondam, na essência, às pretensões formuladas pelo próprio Parlamento» (53).

164. Assim, há que analisar se as alterações referidas pelas recorrentes dizem respeito à própria substância do texto considerado no seu todo.

165. A este respeito, há que observar que a proposta inicial da Comissão, tal como a proposta modificada, previa, para fazer face a uma situação de emergência caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, um mecanismo temporário de recolocação de 120 000 pessoas, que previa, de forma vinculativa, a repartição dessas pessoas entre os Estados‑Membros ao longo de um determinado período. A retirada da Hungria do grupo dos Estados‑Membros que beneficiam desse mecanismo constitui, na verdade, uma alteração jurídica, mas não afeta as características fundamentais do referido mecanismo.

166. Na sequência dessa retirada, a proposta inicial da Comissão teve de sofrer vários ajustamentos, nomeadamente no que diz respeito à reserva de 54 000 pessoas. Contudo, essas adaptações não afetam a economia fundamental da decisão impugnada. Por outro lado, afigura‑se que as outras alterações assinaladas pela República Eslovaca não são de molde a afetar o núcleo duro da proposta inicial, como salientámos anteriormente.

167. Por conseguinte, no cômputo geral, as várias alterações introduzidas pela Comissão na sua proposta não afetaram, na nossa opinião, a própria substância da decisão impugnada considerada no seu todo, pelo que não exigiram uma nova consulta do Parlamento.

168. Acrescentamos que é legítimo questionar a necessidade de uma nova consulta do Parlamento quando a principal alteração introduzida pelo Conselho na proposta inicial da Comissão não resulta de uma escolha livremente efetuada pelo Conselho, mas este limita‑se a registar um facto novo, independente da sua vontade e que, além do mais, está obrigado a tomar em consideração.

169. No caso em apreço, há que sublinhar que o Conselho não podia obrigar a Hungria a manter‑se como beneficiária do mecanismo temporário de recolocação, como estava previsto na proposta inicial da Comissão. Por conseguinte, o Conselho apenas podia registar a vontade expressa por esse Estado‑Membro de não figurar entre os Estados‑Membros aos quais esse mecanismo devia ser aplicado.

170. Além disso, a menos que se considere que se trata de uma consulta puramente formal, a razão de ser da consulta do Parlamento é o Conselho efetuar, se for o caso, alterações no texto apresentado que vão no sentido pretendido pelo Parlamento. Ora, no caso em apreço, o Conselho não tinha outra alternativa senão registar a retirada da Hungria, adaptando a sua decisão a esta circunstância independente da sua vontade.

171. Em suma, na nossa opinião, para determinar se o Parlamento devia ou não ser novamente consultado, não pode considerar‑se que um elemento sobre o qual o Conselho não tem controlo é um elemento essencial de uma regulamentação. No caso em apreço, trata‑se, não do resultado de um compromisso político, mas da recusa expressa por um Estado‑Membro em beneficiar de uma medida provisória adotada com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE. Embora o Conselho possa obrigar os Estados‑Membros, com base nessa disposição, em conjugação com o artigo 80.o TFUE, a dar provas de solidariedade e a assumir a sua quota parte de responsabilidade para fazer face a uma situação de emergência, não pode, na nossa opinião, obrigar um Estado‑Membro a beneficiar dessa solidariedade.

172. De qualquer modo, mesmo admitindo que se possa considerar que o texto que acabou por ser adotado, considerado no seu todo, se afasta, na sua essência, do texto com base no qual o Parlamento adotou a sua Resolução legislativa de 17 de setembro de 2015, entendemos que, tendo em conta o contexto de urgência que rodeia a adoção de uma medida com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, como a decisão impugnada, o Parlamento foi devidamente consultado ao longo do processo, quer quanto à versão inicial da proposta da Comissão quer quanto às alterações nela introduzidas.

173. Decorre das observações submetidas ao Tribunal de Justiça, em especial pelo Conselho e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, que, em múltiplos contactos formais e informais, o Parlamento foi informado pelo Conselho de quase todas as alterações que foram introduzidas no texto inicial e não se lhes opôs.

174. Mais concretamente, o Conselho explica, sem ser desmentido, que, em 14 de setembro de 2015, às 12 horas, decidiu consultar o Parlamento sobre a proposta da Comissão. Nesse mesmo dia, o secretário‑geral do Conselho enviou, à atenção do presidente do Parlamento, uma carta de consulta formal na qual o Conselho se comprometeu a manter o Parlamento plenamente informado sobre a evolução do processo no Conselho. Em 16 de setembro de 2015, J. Asselborn, ministro luxemburguês da Imigração e do Asilo, presidente do Conselho, assistiu à sessão plenária extraordinária do Parlamento. Nas suas intervenções, apresentou os resultados da reunião do Conselho «Justiça e Assuntos Internos» de 14 de setembro de 2015. Nessa ocasião, anunciou que a Hungria manifestara a sua recusa em ser considerada um Estado‑Membro da primeira linha e em beneficiar do mecanismo de solidariedade, bem como a manutenção, apesar da retirada da Hungria, do número de 120 000 pessoas a recolocar.

175. Como o Grão‑Ducado do Luxemburgo, acertadamente, salienta, o Parlamento podia, por isso, ter em conta esse facto na adoção da sua resolução legislativa de 17 de setembro de 2015. Pôde assim registar, na fase da sua consulta formal, a retirada da Hungria do grupo dos beneficiários do mecanismo temporária de recolocação de 120 000 pessoas. Se lhe tivesse parecido que esse novo facto se opunha à adoção da decisão impugnada, o Parlamento podia ter exprimido a sua opinião a esse respeito.

176. O facto de a resolução legislativa do Parlamento de 17 de setembro de 2015 não refletir essa retirada da Hungria e de nenhuma outra resolução formalizar a consulta do Parlamento sobre as alterações introduzidas na proposta da Comissão na sequência da referida retirada não é, em nossa opinião, determinante.

177. Consideramos que as características específicas da base jurídica constituída no artigo 78.o, n.o 3, TFUE militam a favor de uma relativa flexibilidade quanto à verificação da questão de saber se o Parlamento voltou a ser devidamente consultado na sequência da retirada da Hungria e das alterações ao texto inicial que são consequência dessa retirada.

178. Observamos, de resto, que esse contexto de urgência foi tido plenamente em conta pelo Parlamento no quadro da sua consulta. Com efeito, a resolução legislativa do Parlamento de 17 de setembro de 2015 foi adotada de acordo com o processo de urgência previsto no artigo 154.o do Regimento do Parlamento Europeu. Salientamos igualmente que, nessa resolução, o Parlamento destacou «a situação de urgência excecional e a necessidade de lhe fazer face sem mais demora».

179. É verdade que, na referida resolução, o Parlamento «solicita nova consulta caso o Conselho tencione alterar substancialmente a proposta da Comissão». Contudo, consideramos que, tendo em conta a natureza excecional da situação de emergência e o imperativo de celeridade na adoção de uma resposta à crise migratória que foi destacado pelo próprio Parlamento, não deve exigir‑se que uma nova consulta seja efetuada num quadro formal e processual bem definido.

180. De resto, o Conselho presta alguns esclarecimentos sobre a forma como o Parlamento foi regularmente informado entre 17 de setembro de 2015, data da sua resolução legislativa, e 22 de setembro de 2015, data da adoção da decisão impugnada.

181. Assim, no quadro dos contactos informais referidos na carta de consulta, a presidência do Conselho preparou para o Parlamento uma versão consolidada do texto da proposta, que continha todas as alterações introduzidas pelo Conselho até 21 de setembro de 2015, às 22 horas inclusive. Esse texto foi enviado ao Parlamento em 22 de setembro de 2015, às 9 horas. Nesse mesmo dia, a Comissão LIBE, que ninguém contesta que é a comissão parlamentar competente em matéria de asilo, realizou uma reunião na qual a presidência do Conselho apresentou o texto da proposta da Comissão modificada. A este respeito, a presidência do Conselho pôde incluir na sua apresentação as últimas alterações introduzidas no texto na reunião extraordinária do Comité de Representantes Permanentes (Coreper), que tivera lugar nessa manhã. O Parlamento foi igualmente informado da ordem de trabalhos da reunião do Conselho prevista para as 14 h 30m desse mesmo dia, bem como das intenções da presidência e da evolução prevista do processo nessa reunião do Conselho. Em seguida, a Comissão LIBE discutiu o texto assim modificado, tendo em perspetiva a reunião extraordinária do Conselho.

182. Decorre destes elementos que o Conselho associou estreitamente o Parlamento à elaboração da decisão impugnada. Atendendo ao contexto de urgência, reconhecido e tido em conta pelo próprio Parlamento, e à necessária flexibilidade que deve orientar o desenvolvimento do processo em tal contexto, há que admitir que o Parlamento foi devidamente consultado, de acordo com o previsto no artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

183. Por conseguinte, propomos ao Tribunal de Justiça que considere improcedentes a terceira parte do terceiro fundamento e a primeira parte do quarto fundamento da República Eslovaca, bem como o quinto fundamento da Hungria.

3.      Quanto à segunda parte do quarto fundamento da República Eslovaca e quanto ao terceiro fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais na medida em que o Conselho não deliberou por unanimidade, ao contrário do que prevê o artigo 293.o, n.o 1, TFUE

184. A República Eslovaca e a Hungria sustentam que o Conselho,      ao adotar a decisão impugnada, violou a formalidade essencial prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE, na medida em que alterou a proposta da Comissão sem respeitar a exigência de unanimidade imposta por essa disposição. A República Eslovaca considera que, ao agir dessa forma, o Conselho violou igualmente o artigo 13.o, n.o 2, TUE e os princípios do equilíbrio institucional e da boa administração.

185. Segundo as recorrentes, a exigência de unanimidade prevista no artigo 293.o, n.o 1, TFUE aplica‑se a qualquer alteração da proposta da Comissão, inclusive nos casos de pequenas alterações e independentemente da questão de saber se a Comissão aceitou expressa ou implicitamente as alterações introduzidas na sua proposta nas discussões no Conselho.

186. As recorrentes alegam igualmente que nada indica que, durante o processo de adoção da decisão impugnada, a Comissão tenha retirado a sua proposta e tenha apresentado uma nova proposta redigida em termos idênticos aos do texto que viria, posteriormente, a constituir a decisão impugnada. Pelo contrário, decorre da ata da sessão do Conselho de 22 de setembro de 2015 que a Comissão não apresentou qualquer nova proposta nem produziu qualquer declaração prévia sobre o projeto modificado, tal como acabou por ser adotado pelo Conselho. Ora, é exigido que a Comissão adira ativa e expressamente às alterações em questão para se poder considerar que esta alterou a sua proposta na aceção do artigo 293.o, n.o 2, TFUE. Acresce que o caso em apreço é diferente do que estava em causa no acórdão de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho (54).

187. Por último, as recorrentes contestam o facto de que os dois membros da Comissão que estavam presentes nas várias reuniões realizadas no Conselho estivessem devidamente mandatados pelo colégio dos comissários para aprovar a versão do texto que acabou por ser adotada pelo Conselho.

188. Não concordamos com a posição das recorrentes.

189. Como referimos anteriormente, o Tratado FUE confere à Comissão um poder de iniciativa legislativa. O artigo 293.o, n.o 1, TFUE permite assegurar esse poder na medida em que prevê que, exceto nos casos previstos pelas disposições do TFUE aí referidas, o Conselho, sempre que, por força dos Tratados, delibere sob proposta da Comissão, só pode alterar a proposta deliberando por unanimidade (55).

190. Por outro lado, o artigo 293.o, n.o 2, TFUE esclarece que, «[e]nquanto o Conselho não tiver deliberado, a Comissão pode alterar a sua proposta em qualquer fase dos processos para a adoção de um ato da União».

191. No contexto do processo que conduziu à adoção da decisão impugnada, consideramos que não foi afetado o poder de iniciativa da Comissão que o artigo 293.o TFUE visa preservar. Observamos, de resto, que, no presente processo, a própria Comissão afirma que as suas prerrogativas institucionais foram respeitadas.

192. Decorre das explicações fornecidas ao Tribunal de Justiça pela Comissão que esta, na sua reunião de 16 de setembro de 2015, fixou como seu objetivo prioritário conseguir que o Conselho adotasse, na sua sessão de 22 de setembro de 2015, uma decisão vinculativa e aplicável sem demora, respeitante à recolocação de 120 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional. Para atingir esse objetivo prioritário, foi concedida a F. Timmermans, primeiro vice‑presidente da Comissão, e a D. Avramopoulos, comissário para a Migração, Assuntos Internos e Cidadania, de acordo com as indicações fornecidas pela Comissão, a margem de manobra necessária para atuarem no que diz respeito aos demais aspetos da proposta.

193. Como precisa a Comissão, o artigo 13.o do seu regulamento interno permite‑lhe «com o acordo do presidente, incumbir um ou mais dos seus membros de adotar o texto definitivo de um ato ou de uma proposta a submeter à apreciação das restantes instituições, cujo conteúdo essencial tenha por ela sido definido aquando das suas deliberações». Salientamos que as recorrentes não apresentam nenhum elemento de prova que fundamente as suas alegações de que os dois membros da Comissão não estavam devidamente habilitados pelo colégio dos comissários para aprovar, em nome da Comissão, as alterações à proposta inicial. Neste contexto, e tendo em conta as explicações fornecidas pela Comissão, deve presumir‑se, na nossa opinião, que o primeiro vice‑presidente da Comissão e o comissário competente em matéria de asilo e de imigração estavam devidamente habilitados pelo colégio dos comissários para participar plenamente, em nome da Comissão, no processo que conduziu à adoção da decisão impugnada.

194. No processo que conduziu à adoção da decisão impugnada o poder de iniciativa da Comissão foi respeitado na medida em que deve considerar‑se que a Comissão alterou a sua proposta de acordo com a possibilidade prevista no artigo 293.o, n.o 2, TFUE.

195. A este respeito, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça não atribui importância à forma que pode revestir a proposta modificada. No seu entender, «[e]ssas propostas modificadas fazem parte do processo legislativo [da União], que se caracteriza por uma certa flexibilidade, necessária para alcançar uma convergência de posições entre as instituições» (56).

196. A necessidade de admitir uma certa flexibilidade no processo decisório para facilitar a obtenção de compromissos políticos é ainda mais premente num contexto de urgência como o que caracteriza a aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

197. Daqui resulta que o que importa para garantir que o poder de iniciativa da Comissão foi respeitado, é verificar se esta deu ou não o seu consentimento para as alterações introduzidas na sua proposta. Como o Conselho, corretamente, salienta, resulta da leitura conjugada das disposições do artigo 293.o, n.os 1 e 2, TFUE que a exigência de votação por unanimidade no Conselho apenas se aplica numa situação em que a Comissão se oponha a uma alteração da sua proposta.

198. Ora, decorre dos autos que o primeiro vice‑presidente da Comissão e o comissário competente em matéria de asilo e de imigração participaram de forma ativa e continua na procura de um compromisso político no Conselho. Para tal, estes dois membros da Comissão aceitaram as alterações introduzidas pelo Conselho na proposta inicial. Por conseguinte, no momento de deliberar, o Conselho tinha perante si uma proposta da Comissão modificada de acordo com o compromisso político aceite por dois membros da Comissão, devidamente mandatados por esta instituição para esse efeito, de acordo com o previsto no artigo 293.o, n.o 2, TFUE (57).

199. Tendo em conta as considerações que antecedem, propomos que o Tribunal de Justiça declare improcedentes a segunda parte do quarto fundamento da República Eslovaca e o terceiro fundamento da Hungria.

4.      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento da República Eslovaca e quanto ao quarto fundamento da Hungria, relativos à violação de formalidades essenciais, na medida em que o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer em conformidade com o Protocolo (n.o 1) e com o Protoclo (n.o 2) não foi respeitado.

200. A República Eslovaca, a título subsidiário, e a Hungria alegam que, na adoção da decisão impugnada, o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer sobre qualquer projeto de ato legislativo, como previsto no Protocolo (n.o 1) e no Protocolo (n.o 2), não foi respeitado.

201. Segundo as recorrentes, uma vez que a decisão impugnada constitui, pelo seu conteúdo, um ato legislativo, na medida em que altera atos legislativos da União, essa decisão devia ter sido adotada através do processo legislativo, pelo que o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer sobre essa proposta de ato legislativo devia ter sido respeitado. A comunicação do projeto aos parlamentos nacionais a título meramente informativo, como foi efetuada em 13 de setembro de 2015, não era, por isso, suficiente. Em todo o caso, dado que o projeto, na versão alterada, foi adotado pelo Conselho em 22 de setembro de 2015, o prazo de oito semanas de que os parlamentos nacionais dispõem para emitir um parecer nos termos do artigo 4.o do Protocolo (n.o 1) e do artigo 6.o do Protocolo (n.o 2) não foi respeitado.

202. Além disso, a exceção em caso de urgência prevista no artigo 4.o do Protocolo (n.o 1), que permite reduzir esse prazo de oito semanas, não era aplicável, uma vez que nenhum documento apresentado pelo Conselho se referia à necessidade de, atendendo à urgência do processo, os parlamentos nacionais emitirem o seu parecer sobre o projeto num prazo mais curto.

203. Consideramos, à semelhança do Conselho, que, na medida em que, como demonstrámos anteriormente, a decisão impugnada constitui um ato não legislativo, essa decisão não estava sujeita às exigências relativas à participação dos parlamentos nacionais no que respeita à adoção de um ato legislativo, previstas no Protocolos (n.o 1) e no Protocolo (n.o 2).

204. Por conseguinte, a segunda parte do terceiro fundamento da República Eslovaca e o quarto fundamento da Hungria devem ser considerados improcedentes.

5.      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento da República Eslovaca, relativo à violação de formalidades essenciais, na medida em que o Conselho não respeitou a exigência de que as suas reuniões e a votação das suas deliberações sejam públicas

205. A República Eslovaca sustenta, a título subsidiário, que, no caso de o Tribunal de Justiça declarar que a decisão impugnada foi adotada de acordo com um processo legislativo e, por conseguinte, constitui um ato legislativo, daí resulta que o Conselho violou uma formalidade essencial ao adotar a decisão impugnada à porta fechada, no exercício das suas atividades não legislativas, uma vez que o artigo 16.o, n.o 8, TUE e o artigo 15.o, n.o 2, TFUE preveem que são públicas as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo.

206. Consideramos, tal como o Conselho, que, uma vez que, como demonstrámos anteriormente, a decisão impugnada constitui um ato não legislativo, essa decisão não está sujeita às condições que estão associadas à adoção de um ato legislativo, designadamente a exigência da natureza pública das deliberações e da votação do Conselho.

207. A primeira parte do terceiro fundamento da República Eslovaca deve, em consequência, ser considerada improcedente.

6.      Quanto ao sexto fundamento da Hungria, relativo à violação das formalidades essenciais na medida em que, na adoção da decisão impugnada, o Conselho não respeitou as regras em matéria de regime linguístico do direito da União

208. A Hungria alega que o Conselho violou uma formalidade essencial na medida em que adotou a decisão impugnada sem que o respetivo texto que foi submetido a votação estivesse disponível em todas as línguas oficiais da União.

209. Mais precisamente, o Conselho não respeitou o regime linguístico do direito da União e, em especial, o artigo 14.o, n.o 1, do seu Regulamento Interno (58), uma vez que os textos que integram as alterações que foram sendo introduzidas na proposta inicial da Comissão, designadamente o texto da decisão impugnada que acabou por ser adotado pelo Conselho, foram distribuídos às delegações dos Estados‑Membros apenas em língua inglesa.

210. A República Eslovaca invocou igualmente este fundamento na sua réplica. Na nossa opinião, no quadro do recurso interposto por este Estado‑Membro, este fundamento deve ser considerado extemporâneo e, por conseguinte, inadmissível.

211. O artigo 14.o do Regulamento Interno do Conselho, intitulado «Deliberações e decisões com base em documentos e projetos redigidos nas línguas previstas no regime linguístico em vigor», prevê:

«1.      Salvo decisão em contrário do Conselho, tomada por unanimidade e motivada pela urgência, este só delibera e decide com base em documentos e projetos redigidos nas línguas previstas no regime linguístico em vigor.

2.      Qualquer membro do Conselho pode opor‑se à deliberação se o texto das eventuais alterações não estiver redigido nas línguas referidas no n.o 1 que ele designar».

212. O Conselho sustenta que esta disposição do seu Regulamento Interno deve ser entendida no sentido de que, enquanto o seu n.o 1 exige que os documentos e os projetos que constituem a «base» das deliberações do Conselho, no caso em apreço a proposta inicial da Comissão, sejam disponibilizados aos Estados‑Membros em todas as línguas oficiais da União, o n.o 2 da referida disposição prevê um regime simplificado para as alterações, as quais não têm obrigatoriamente de estar disponíveis em todas as línguas oficiais da União. Só no caso de um Estado‑Membro se opor é que a versão linguística referida por esse Estado‑Membro deve ser igualmente submetida ao Conselho para que este possa prosseguir com a deliberação.

213. Consideramos que esta explicação do Conselho sobre a forma como o artigo 14.o do seu Regulamento Interno deve ser entendido (59) é convincente, na medida em que constitui uma abordagem equilibrada e flexível que permite assegurar a eficácia dos trabalhos do Conselho, especialmente no contexto de urgência que caracteriza as medidas provisórias adotadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE. A referida explicação coincide, além disso, com o que se passou no processo que conduziu à adoção da decisão impugnada.

214. No caso em apreço, como esclarece o Conselho, sem que seja contestado, a Comissão disponibilizou a sua proposta de decisão a todas as delegações dos Estados‑Membros em todas as línguas oficiais da União. Por outro lado, o Conselho refere, sem que tal seja contestado pelas recorrentes, que todas as alterações solicitadas oralmente por vários Estados‑Membros, inseridas em documentos de trabalho redigidos em língua inglesa e distribuídos às delegações, foram lidas pelo Presidente do Conselho e objeto de interpretação simultânea para todas as línguas oficiais da União. De acordo com o Conselho, nenhum Estado‑Membro levantou objeções nos termos do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho.

215. Por último, de qualquer modo, como realça corretamente o Conselho, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, mesmo admitindo que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho tenha violado o artigo 14.o do seu Regulamento Interno, essa irregularidade processual só pode implicar a anulação do ato que veio a ser adotado se, na falta de tal irregularidade, o processo pudesse ter outro desenlace (60). Ora, a Hungria não apresentou nenhum elemento que permita demonstrar que, se as alterações à proposta inicial da Comissão tivessem sido apresentadas em todas as línguas oficiais da União, o processo podia ter tido outro desenlace.

216. Em consequência, o sexto fundamento da Hungria deve ser considerado improcedente.

217. Por conseguinte, decorre do que foi exposto na análise dos fundamentos da República Eslovaca e da Hungria, relativos à regularidade do processo de adoção da decisão impugnada e relativos à violação de formalidades essenciais, que estes devem ser todos considerados improcedentes.

D.      Quanto aos fundamentos de mérito

1.      Quanto ao sexto fundamento da República Eslovaca, bem como quanto aos nono e décimo fundamentos da Hungria, relativos à violação do princípio da proporcionalidade

218. Tanto a República Eslovaca como a Hungria sustentam, através de argumentos que diferem em determinados aspetos, que a decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade.

219. De acordo com jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União sejam adequados à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do que é necessário para a realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face aos objetivos prosseguidos (61).

220. No que diz respeito à fiscalização jurisdicional do respeito desse princípio, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que há que reconhecer às instituições da União um amplo poder de apreciação nos domínios que impliquem da parte destas opções de natureza política e nos quais sejam chamadas a efetuar apreciações complexas. Nessas situações, só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada num desses domínios, em relação ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (62).

221. Não temos dúvidas de que esta jurisprudência é aplicável ao caso em apreço, na medida em que a decisão impugnada é o reflexo de escolhas políticas efetuadas pelo Conselho para fazer face a uma situação de emergência e que a resposta dada assim pelo Conselho ao fenómeno do súbito fluxo de nacionais de países terceiros no território da União é fruto de apreciações complexas às quais o Tribunal de Justiça não pode substituir‑se.

222. Recorde‑se que o objetivo prosseguido pela decisão impugnada é, segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, em conjugação com os seus considerandos 12 e 26, ajudar a República Italiana e a República Helénica a enfrentar melhor uma situação de emergência caracterizada pelo súbito afluxo de nacionais de países terceiros a esses Estados‑Membros, através de medidas provisórias no domínio da proteção internacional, destinadas a aliviar a considerável pressão exercida sobre os sistemas de asilo desses dois Estados‑Membros.

223. Só a conclusão de que a decisão impugnada é manifestamente inadequada à realização do objetivo prosseguido, ou de que vai além do que é necessário para atingir esse objetivo, pode implicar a anulação dessa decisão.

224. Importa agora analisar o conteúdo dos fundamentos invocados pela República Eslovaca e pela Hungria para questionar a proporcionalidade da decisão impugnada.

a)      Quanto à adequação da decisão impugnada à realização do objetivo prosseguido

225. A República Eslovaca, apoiada pela República da Polónia, alega que a decisão impugnada não é adequada à realização do objetivo prosseguido, pois a pressão exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego é consequência das fragilidades estruturais graves que estes têm em termos de falta de capacidade de acolhimento e de tratamento de pedidos de proteção internacional. O mecanismo temporário de recolocação previsto na decisão impugnada não é suscetível de corrigir tais deficiências estruturais.

226. Não concordamos com esta argumentação.

227. Consideramos que a decisão impugnada, ao subtrair às competências da República Italiana e da República Helénica o tratamento de muitos pedidos de proteção internacional, contribui automaticamente para aliviar a pressão considerável exercida sobre os regimes de asilo desses dois Estados‑Membros na sequência da crise migratória do verão de 2015. O facto de o objeto principal da decisão impugnada não ser corrigir as falhas estruturais desses regimes de asilo não é de natureza a ocultar esta conclusão.

228. Há que sublinhar, de resto, que a decisão impugnada não se alheia do problema que consiste em melhorar o funcionamento dos regimes de asilo da República Italiana e da República Helénica, antes pelo contrário.

229. Com efeito, a decisão impugnada prevê, no seu artigo 8.o, n.o 1, que «[a] [República Italiana] e a [República Helénica], atendendo às obrigações impostas pelo artigo 8.o n.o 1, da Decisão […] 2015/1523, e até 26 de outubro de 2015, notificam o Conselho e a Comissão de um roteiro atualizado tendo em conta a necessidade de assegurar a correta aplicação da presente decisão». Em conformidade com o que refere o artigo 8.o, n.o 1, da Decisão 2015/1523, esse roteiro deve nomeadamente prever «medidas adequadas no domínio do asilo, do primeiro acolhimento e do regresso, visando melhorar a capacidade, a qualidade e a eficiência dos […] sistemas [da República Helénica e da República Italiana] neste âmbito». O considerando 18 da decisão impugnada esclarece, a este respeito, que a Decisão 2015/1523 «obriga a [República Italiana] e a [República Helénica] a apresentarem soluções estruturais para fazer face às pressões excecionais exercidas sobre os respetivos sistemas de asilo e migração, mediante a criação de um quadro estratégico sólido para dar resposta à situação de crise e a intensificação do processo de reformas em curso neste domínio». A decisão impugnada, ao exigir uma atualização dos roteiros apresentados pela República Italiana e pela República Helénica em aplicação da Decisão 2015/1523, dá continuidade a esta decisão. O objetivo assim prosseguido é obrigar estes dois Estados‑Membros a adaptar os respetivos regimes de asilo para poderem, após o período de aplicação da decisão impugnada, responder adequadamente a um eventual aumento do afluxo de migrantes aos seus territórios.

230. Por conseguinte, em aplicação da decisão impugnada, a República Italiana e a República Helénica têm a obrigação de, paralelamente às recolocações efetuadas a partir dos seus territórios, corrigir as falhas estruturais dos seus regimes de asilo. O incumprimento desta obrigação por parte de um desses Estados‑Membros pode implicar, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, da decisão impugnada, a suspensão da aplicação desta decisão relativamente a esse Estado‑Membro por um prazo não superior a três meses, prorrogável uma vez.

231. Por outro lado, importa ter em mente que a decisão impugnada não constitui a única medida adotada pela União para aliviar os regimes de asilo italiano e grego. Como sublinhou o Grão‑Ducado do Luxemburgo, essa decisão deve ser vista como fazendo parte de um conjunto de medidas, das quais uma das mais importantes no plano operacional é seguramente a implementação de «hotspots» (centros de registo) (63).

232. Por último, como referimos anteriormente, partilhamos da opinião do Conselho de que é provável que a forte pressão exercida sobre os sistemas de asilo italiano e grego fosse suscetível de afetar gravemente qualquer sistema de asilo, mesmo um sistema que não sofresse fragilidades estruturais. Por conseguinte, consideramos que é errado sustentar, como faz a República Eslovaca, que a pressão exercida sobre os regimes de asilo da República Italiana e da República Helénica é apenas consequência das fragilidades estruturais desses dois regimes.

233. Tendo em conta estes elementos, não se afigura, na nossa opinião, muito menos de forma manifesta, que a recolocação de um número significativo de pessoas com clara necessidade de proteção internacional, de forma a isentar os regimes de asilo italiano e grego do tratamento dos pedidos correspondentes, constitua uma medida inadequada para contribuir real e eficazmente para o objetivo de aliviar a pressão considerável exercida sobre esses dois regimes de asilo.

234. De acordo com a República Eslovaca e a Hungria, a inadequação da decisão impugnada à realização do objetivo prosseguido é igualmente confirmada pelo número pouco elevado de recolocações efetuadas nos termos dessa decisão.

235. Ora, como o Conselho, acertadamente, refere, a proporcionalidade deve ser apreciada à luz dos elementos de que esta instituição dispunha no momento da adoção da decisão impugnada.

236. A este respeito, importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça de acordo com a qual, no âmbito de um recurso de anulação, a legalidade de um ato deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data de adoção do ato e não pode, em especial, estar dependente de considerações retrospetivas relativas ao seu grau de eficácia (64). O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que, sempre que o legislador da União seja levado a apreciar os efeitos futuros de uma regulamentação a adotar quando esses efeitos não podem ser previstos com exatidão, a sua apreciação só pode ser censurada se se afigurar manifestamente errada à luz dos elementos de que dispunha no momento da adoção da regulamentação em causa (65).

237. Como decorre de vários considerandos da decisão impugnada, o Conselho baseou‑se numa análise pormenorizada das causas e dos efeitos da situação de crise que ocorreu durante o verão de 2015, com base nos dados quantitativos de que dispunha no momento da adoção dessa decisão.

238. Como salienta o Conselho, a reduzida eficácia das medidas previstas na decisão impugnada (66) pode ser explicada por um conjunto de elementos que o Conselho não podia prever no momento da adoção dessa decisão, em especial a política de «laisser passer» praticada por muitos Estados‑Membros, que deu lugar à deslocação desordenada de um grande número de migrantes para outros Estados‑Membros, a lentidão dos procedimentos de recolocação, a incerteza criada por muitos casos de recusa de recolocação por razões de ordem pública invocadas por determinados Estados‑Membros e a cooperação insuficiente de determinados Estados‑Membros na execução da decisão impugnada.

239. Quanto a este último aspeto, acrescentamos que a argumentação apresentada pelas recorrentes equivale, em suma, a procurar tirar proveito da inexecução, por parte destas, da decisão impugnada. Com efeito, é de salientar que a República Eslovaca e a Hungria, ao não cumprirem as suas obrigações de recolocação, contribuíram para que o objetivo de 120 000 recolocações fixado na decisão impugnada esteja, ainda hoje, longe de ser atingido.

240. A este respeito, há que observar que, segundo os números atualizados de 10 de abril de 2017 (67), a Hungria não recolocou nenhuma pessoa a partir da República Italiana e da República Helénica. A República Eslovaca, por seu turno, recolocou apenas 16 pessoas a partir da Grécia e não recolocou nenhuma a partir da Itália. Estes números correspondem, respetivamente, a 0% e a 2% dos contingentes de recolocações que foram atribuídos à Hungria e à República Eslovaca pela decisão impugnada. Salientamos, além disso, que nem a República Eslovaca nem a Hungria solicitaram que lhes fosse aplicado o mecanismo de suspensão temporária das suas obrigações, previsto no artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada.

241. Embora, a nosso ver, seja claro que a adequação da decisão impugnada à realização do objetivo prosseguido não pode ser questionada pelas recorrentes com base na sua fraca aplicação ou na sua ineficácia em termos práticos, há, em contrapartida, algo que se afigura incontestável, designadamente, que essa decisão só permitirá resolver a situação de urgência que justifica a sua adoção se todos os Estados‑Membros, no mesmo espírito de solidariedade que constitui a sua razão de ser, se empenharem em executá‑la.

242. Recordamos, a este respeito, que a não aplicação da decisão impugnada constitui igualmente uma violação da obrigação de solidariedade e de partilha equitativa dos encargos expressa no artigo 80.o TFUE. Na nossa opinião, não há dúvida de que, se lhe fosse submetida uma ação por incumprimento a este respeito, o Tribunal de Justiça teria fundamento para recordar aos Estados‑Membros em falta as respetivas obrigações, de forma firme, como já teve ocasião de fazer no passado (68).

b)      Quanto à necessidade da decisão impugnada à luz do objetivo prosseguido

1)      Argumentos apresentados pela República Eslovaca

243. A República Eslovaca sustenta que o objetivo prosseguido pela decisão impugnada podia ser realizado de forma igualmente eficaz recorrendo a medidas que podiam ter sido tomadas no âmbito de instrumentos existentes e que seriam menos restritivas para os Estados‑Membros no que diz respeito ao seu impacto no direito soberano de cada Estado‑Membro de decidir livremente sobre a admissão de nacionais de países terceiros no seu território, bem como no direito dos Estados‑Membros, enunciado no artigo 5.o do Protocolo (n.o 2), a que o encargo financeiro e administrativo seja o menos elevado possível.

244. No que diz respeito, em primeiro lugar, a possíveis medidas menos restritivas, a República Eslovaca começa por referir a Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, relativa a normas mínimas em matéria de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas e a medidas tendentes a assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento (69). Esta diretiva destina‑se a responder às mesmas situações de afluxo maciço de migrantes que a decisão impugnada, prevendo uma proteção temporária, como referem os seus considerandos 8, 9 e 13, bem como o seu artigo 1.o, sendo simultaneamente menos restritiva que essa decisão em vários aspetos. Além disso, o artigo 26.o da Diretiva 2001/55 prevê expressamente um procedimento de recolocação das pessoas que beneficiem de proteção temporária.

245. Esta diretiva é menos atentatória dos interesses dos Estados‑Membros, porque prevê o regresso das pessoas em causa quando a proteção temporária chegue ao seu termo. Por outro lado, o artigo 25.o da referida diretiva prevê, num espírito de solidariedade, que os Estados‑Membros indiquem a sua capacidade de acolhimento de forma quantificada ou em termos gerais, e que decidam sobre o número de pessoas a acolher no respeito pela sua soberania.

246. A República da Polónia, que apoia a República Eslovaca nesta argumentação, especifica que a Diretiva 2001/55 assenta no princípio do consentimento, pelo que a transferência apenas se efetua com o acordo da pessoa recolocada e o do Estado‑Membro de recolocação. Além disso, o estatuto de proteção temporária previsto nessa diretiva confere menos direitos do que o estatuto de proteção internacional que a decisão impugnada visa conceder, nomeadamente quanto ao período de proteção, impondo assim claramente menos encargos ao Estado‑Membro de recolocação.

247. Em seguida, a República Eslovaca sustenta que a República Italiana e a República Helénica podiam ter ativado o denominado mecanismo de «proteção civil da União», previsto no artigo 8.o‑A do Regulamento (CE) n.o 2007/2004 do Conselho, de 26 de outubro de 2004, que cria uma Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados‑Membros da União Europeia (70), que poderia fornecer‑lhes o apoio material necessário. A República Eslovaca alega igualmente que a República Italiana e a República Helénica podiam ter pedido ajuda à Agência Frontex sob a forma de «intervenções rápidas». A República Eslovaca especifica, a este respeito, que a eficácia da proteção das fronteiras dos Estados‑Membros situados na primeira linha e cujas fronteiras constituem as fronteiras externas da União está diretamente relacionada com o estado dos sistemas de asilo e de migração dos Estados‑Membros em causa.

248. De igual modo, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea f), e com o artigo 9.o, n.os 1 e 1‑B do Regulamento n.o 2007/2004, para aliviar a pressão exercida sobre os seus sistemas de asilo, a República Italiana e a República Helénica podiam, de acordo com a República Eslovaca, ter pedido à Agência Frontex que lhes prestasse o apoio necessário à organização das operações de regresso.

249. Por outro lado, a República Eslovaca alega que não era necessário adotar outras medidas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, tendo em conta que a Decisão 2015/1523 atribui aos Estados‑Membros a responsabilidade de decidir, num espírito de solidariedade, em que medida participarão no compromisso comum e, por conseguinte, é menos atentatória da sua soberania. Além disso, uma vez que a decisão impugnada foi adotada apenas oito dias depois da Decisão 2015/1523, era impossível, num intervalo de tempo tão curto, concluir que esta decisão era insuficiente. No momento da adoção da decisão impugnada, o Conselho não tinha qualquer razão para considerar que as capacidades de acolhimento previstas na Decisão 2015/1523 seriam rapidamente atingidas e que era, portanto, necessário prever capacidades suplementares no âmbito da decisão impugnada.

250. Por último, o artigo 78.o, n.o 3, TFUE permitia igualmente adotar medidas menos restritivas para atingir o objetivo prosseguido, designadamente a concessão de um auxílio para facilitar o regresso e o registo ou um apoio financeiro, material, técnico e de pessoal aos regimes de asilo italiano e grego. Os Estados‑Membros podem igualmente levar a cabo, numa base voluntária, iniciativas bilaterais para fornecer tal apoio.

251. Em segundo lugar, a recolocação dos requerentes prevista na decisão impugnada implica inevitavelmente um encargo financeiro e administrativo. Ora, uma vez que não era necessário suportar tal encargo, esta decisão constitui uma medida supérflua e extemporânea que é contrária ao princípio da proporcionalidade e ao artigo 5.o do Protocolo (n.o 2).

252. Em resposta a estes argumentos, há que sublinhar o contexto especialmente delicado em que a decisão impugnada foi adotada, designadamente a situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros durante os meses de julho e agosto de 2015. As instituições da União tinham de reagir o mais rapidamente possível e de forma eficaz à pressão considerável exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego.

253. Consideramos, à semelhança do Conselho, que, ainda que as soluções alternativas sugeridas pela República Eslovaca pudessem, pelo menos algumas delas, contribuir para a realização do objetivo prosseguido pela decisão impugnada, esta conclusão não pode, atendendo à ampla margem de apreciação que deve ser reconhecida ao Conselho, bastar para demonstrar o caráter manifestamente desproporcionado dessa decisão e pôr em causa a sua legalidade. Na nossa opinião, no momento da adoção da decisão impugnada, o Conselho considerou corretamente que não existia nenhuma medida alternativa que permitisse atingir o objetivo prosseguido pela decisão impugnada de forma tão eficaz, restringindo simultaneamente em menor medida a soberania dos Estados‑Membros ou os seus interesses financeiros.

254. Consideramos, à semelhança da República Federal da Alemanha, que o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, expressamente consagrado no artigo 80.o TFUE no que diz respeito às políticas da União em matéria de controlos nas fronteiras, asilo e imigração, desempenha um papel fundamental na interpretação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE. Por conseguinte, afigura‑se em conformidade com esta disposição, lida à luz do artigo 80.o TFUE, que uma medida provisória como a decisão impugnada proceda à repartição obrigatória entre os Estados‑Membros dos encargos que prevê.

255. A República Helénica salienta, além disso, que a necessidade de adotar um programa de recolocação obrigatória dos requerentes de proteção internacional a partir da Grécia e da Itália, no âmbito das quotas por Estado‑Membro, justifica‑se pelos fluxos migratórios inéditos que ocorreram nesses dois Estados‑Membros em 2015, sobretudo durante os meses de julho e agosto de 2015. As ações que foram sendo decididas até à adoção da decisão impugnada revelaram‑se insuficientes para aliviar substancialmente a pressão resultante, na Grécia e em Itália, da admissão e do tratamento dos pedidos de proteção internacional de um número tão grande de migrantes. Não dispomos de elementos convincentes que permitam infirmar esta conclusão da República Helénica.

256. Daqui resulta que, tendo em conta os dados quantitativos relativos à crise migratória do ano de 2015 que são referidos nos considerandos da decisão impugnada e o painel de medidas sugeridas pela República Eslovaca para responder a essa crise, em nossa opinião, não se pode considerar que o mecanismo temporário de recolocação instituído pela referida decisão excede manifestamente o que é necessário para dar uma resposta eficaz a essa crise.

257. Em primeiro lugar, quanto à medida alternativa que consiste na aplicação da Diretiva 2001/55, esta constitui, como salientou o Tribunal de Justiça no seu acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (71), um exemplo da solidariedade entre os Estados‑Membros prevista no artigo 80.o TFUE (72). Como decorre do considerando 20 dessa diretiva, um dos seus objetivos é prever um mecanismo de solidariedade destinado a contribuir para uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados‑Membros ao acolherem pessoas deslocadas em caso de afluxo maciço e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento.

258. Embora se afigure que a aplicação de tal mecanismo de solidariedade, à semelhança do previsto na decisão impugnada, deve estar reservada a situações excecionais de afluxo maciço de pessoas deslocadas (73), salientamos que os dois mecanismos diferem num aspeto essencial. Com efeito, diferentemente do que prevê a Diretiva 2001/55, o mecanismo temporário de recolocação instituído pela decisão impugnada procede a uma repartição quantificada e obrigatória dos requerentes de proteção internacional entre os Estados‑Membros. Atendendo ao contexto de urgência em que a decisão impugnada foi adotada e a impossibilidade de obter compromissos quantificados por parte dos Estados‑Membros relativamente a uma repartição entre eles dos requerentes de proteção internacional, o Conselho optou, na nossa opinião, adequadamente por privilegiar a adoção de uma resposta rápida e vinculativa para fazer face à crise migratória que a União enfrentava. Em todo o caso, tal opção não pode ser qualificada como manifestamente inadequada.

259. A este respeito, a afirmação que cristaliza, em grande parte, a oposição manifestada por determinados Estados‑Membros à decisão impugnada, de que o objetivo prosseguido por esta decisão devia ter sido realizado apenas através de compromissos voluntários por parte dos Estados‑Membros de acolher um certo número de requerentes, não resiste ao confronto com os factos. Na verdade, a génese da decisão impugnada demonstra que foi precisamente o facto de não ter sido obtido um consenso entre todos os Estados‑Membros sobre a repartição voluntária entre eles dos requerentes de proteção internacional que levou à decisão de privilegiar a via do mecanismo de recolocação obrigatória, ou seja, baseada em contingentes quantificados e vinculativos. Quanto a este aspeto, consideramos que as instituições da União, que são tantas vezes acusadas de incapacidade e de inação, não podem ser censuradas, na perspetiva do princípio da proporcionalidade, por terem optado por impor aos Estados‑Membros quotas de requerentes a recolocar, em vez de abandonar, pura e simplesmente, o projeto do mecanismo de recolocação.

260. Concluímos assim que a adoção da decisão impugnada não é uma aplicação da Diretiva 2001/55, mas decorre de uma opção política efetuada pelas três instituições que participaram no procedimento de adoção da decisão impugnada e que nenhum dos argumentos apresentados pela República Eslovaca demonstra, na nossa opinião, que essa opção deve ser considerada manifestamente errada à luz do princípio da proporcionalidade.

261. Em segundo lugar, quanto ao argumento de que a adoção da decisão impugnada não era necessária tendo em conta a adoção prévia da Decisão 2015/1523, observamos que a Comissão referiu claramente, na sua proposta de decisão, que, após o acordo obtido no Conselho em 20 de julho de 2015 sobre o conteúdo do que viria a ser a Decisão 2015/1523, relativa à recolocação de 40 000 pessoas a partir da [República Italiana] e da [República Helénica], «agravou‑se ainda mais a situação migratória no Mediterrâneo Central e Oriental. O fluxo de migrantes e de refugiados mais do que duplicou nos meses de verão, tornando premente a criação de um novo mecanismo de recolocação de emergência, a fim de aliviar a pressão sobre Itália, Grécia e Hungria» (74).

262. Esta constatação de um agravamento da situação migratória que tornou premente a adoção de um mecanismo de recolocação suplementar é expressa no décimo segundo considerando da decisão impugnada, que tem a seguinte redação: «Nos últimos meses, a pressão migratória nas fronteiras terrestres e marítimas externas meridionais voltou a aumentar drasticamente, tendo prosseguido a transferência dos fluxos migratórios da rota do Mediterrâneo Central para a rota do Mediterrâneo Oriental e dos Balcãs Ocidentais, em resultado do crescente número de migrantes que chegam à Grécia e partem desse país. Atendendo a esta situação, deverão ser adotadas novas medidas provisórias para aliviar a pressão exercida sobre a [República Italiana] e a [República Helénica] em matéria de asilo». Esta conclusão é corroborada por dados quantitativos que são apresentados no considerando 13 da decisão impugnada.

263. Enquanto o mecanismo de recolocação voluntária de 40 000 pessoas instituído pela Decisão 2015/1523 se destina, como decorre dos dados estatísticos referidos nos considerandos 10, 11 e 21 dessa decisão, a fazer face ao fluxo de migrantes que se verificou em 2014 e durante os primeiros meses de 2015, o mecanismo de recolocação obrigatória previsto na decisão impugnada destina‑se, por seu turno, como decorre dos dados estatísticos apresentados nos considerandos 12, 13 e 26 desta decisão, a responder à pressão resultante do fluxo de migrantes verificado durante os meses de julho e agosto de 2015.

264. Consideramos que estes elementos demonstram, de forma suficiente, que o Conselho não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que, na sequência do súbito fluxo de nacionais de países terceiros no território da União durante os meses de julho e agosto de 2015 e tendo em conta os dados mais recentes de que dispunha, era necessária uma medida provisória suplementar de recolocação de 120 000 pessoas.

265. Quanto ao argumento da República Eslovaca de que o reforço da vigilância das fronteiras externas da União constitui uma medida alternativa à decisão impugnada, basta sublinhar, na nossa opinião, que tal medida, certamente útil, não pode substituir um mecanismo de recolocação que tem como objeto principal fazer face a um fluxo de nacionais de países terceiros que já ocorreu. Na nossa opinião, essa medida destinada a reforçar a vigilância das fronteiras externas da União não contribui, enquanto tal, para diminuir a pressão exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego na sequência do súbito fluxo de nacionais de países terceiros que ocorreu durante o verão de 2015. Por conseguinte, deve considerar‑se que a referida medida complementa e não substitui a prevista na decisão impugnada.

266. O mesmo se aplica à medida que consiste num apoio financeiro, material, técnico e de pessoal aos regimes de asilo italiano e grego.

267. Quanto a este aspeto, o Conselho refere, sem que seja contestado, que, desde o início da crise migratória, foi concedido apoio financeiro pela União, que ascendeu a 9,2 mil milhões de euros em 2015 e 2016. Por outro lado, a própria decisão impugnada prevê, no seu artigo 10.o, um apoio financeiro por cada pessoa recolocada nos termos dessa decisão.

268. Além disso, os diversos relatórios de acompanhamento da Comissão dão conta de medidas de apoio operacional que envolvem agências como o EASO, bem como os Estados‑Membros (75). De resto, a decisão impugnada refere, no seu considerando 15, que «[a]té à data, foram empreendidas numerosas ações para apoiar a [República Italiana] e a [República Helénica] no quadro da política de migração e asilo, tendo nomeadamente sido disponibilizada ajuda de emergência substancial e apoio operacional do EASO».

269. Por muito úteis que estas diferentes medidas de apoio possam ser, na nossa opinião, as instituições da União podiam legitimamente considerar, sem que a utilidade dessas medidas fosse posta em causa, que as mesmas não eram suficientes para responder à situação de emergência que a República Italiana e a República Helénica tiveram de enfrentar a partir do verão de 2015 (76).

270. Por último, no que diz respeito ao argumento relacionado com os encargos administrativos e financeiros excessivos que a decisão impugnada acarreta para os Estados‑Membros, a República Eslovaca não demonstra que as medidas alternativas que propõe implicariam menos custos do que um mecanismo temporário de recolocação.

271. Tendo em conta os elementos expostos, os argumentos invocados pela República Eslovaca para contestar a necessidade da decisão impugnada devem, por conseguinte, na nossa opinião, ser rejeitados na íntegra.

272. Importa agora analisar os argumentos apresentados pela Hungria para contestar a necessidade da decisão impugnada.

2)      Argumentos apresentados pela Hungria

273. A Hungria, apoiada pela República da Polónia nesta argumentação, alega, em primeiro lugar, que, uma vez que, contrariamente ao que estava previsto na proposta inicial da Comissão, a Hungria já não figura entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo de recolocação, não se justifica que a decisão impugnada preveja a recolocação de 120 000 requerentes, pelo que esta decisão é contrária ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, a fixação desse número total de 120 000 requerentes vai além do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido pela decisão impugnada, dado que inclui o número de 54 000 requerentes que, de acordo com a proposta inicial da Comissão, deviam ser recolocados a partir da Hungria. Assim, nada justifica que um número total tão elevado de requerentes que foi fixado com base num mecanismo de recolocação que beneficiava três Estados‑Membros continue a ser necessário quando o número de Estados‑Membros beneficiários foi reduzido de três para dois.

274. A Hungria acrescenta que a repartição dos 54 000 requerentes que inicialmente se previa que fossem recolocados a partir da Hungria tornou‑se hipotética e incerta, uma vez que a decisão impugnada prevê que a mesma será objeto de uma decisão definitiva adotada à luz de desenvolvimentos posteriores.

275. Em resposta a estes argumentos, há que salientar que, como decorre do considerando 26 da decisão impugnada, o Conselho considerou, com base no número total de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2015 e no número de pessoas que tinham clara necessidade de proteção internacional, que, apesar de a Hungria ter optado por não fazer parte dos Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação, devia ser recolocado a partir da República Italiana e da República Helénica um total de 120 000 requerentes com clara necessidade de proteção internacional.

276. O mesmo considerando refere que esse número «corresponde a cerca de 43% do número total de nacionais de países terceiros com clara necessidade de proteção internacional que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em julho e agosto de 2015». Na audiência, o Conselho esclareceu que essa percentagem resultava de um erro técnico e que havia que substituí‑la pela percentagem de 78%.

277. Ao fixar tal número, o Conselho devia conciliar dois imperativos, designadamente, por um lado, que esse número fosse suficientemente elevado para reduzir, com efeito, a pressão exercida sobre os regimes de asilo italiano e grego e, por outro lado, que esse número não fosse fixado a um nível que acarretasse um encargo demasiado elevado para os Estados‑Membros de recolocação.

278. Não discernimos na argumentação desenvolvida pela Hungria qualquer elemento que permita demonstrar que, ao agir dessa forma, o Conselho ultrapassou manifestamente a margem de apreciação que lhe deve ser reconhecida. Pelo contrário, consideramos que, atendendo aos dados relativos ao número de entradas irregulares de que o Conselho dispunha no momento da adoção da decisão impugnada e tendo em conta que, nessa altura, existiam razões fortes para pensar que a crise migratória iria prolongar‑se para além da data de adoção dessa decisão, o Conselho fixou o número de requerentes que deviam ser recolocados num nível razoável. Como já foi referido, o facto de esse número estar hoje longe de ser atingido não pode infirmar essa apreciação.

279. Quanto aos 54 000 requerentes que inicialmente deviam ser recolocados a partir da Hungria, o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da decisão impugnada prevê que «são recolocados no território de Estados‑Membros proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II, quer nos termos do n.o 2 do presente artigo, quer através da alteração da presente decisão, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2, e no n.o 3 do presente artigo».

280. A este respeito, a Comissão explica nas suas observações escritas que, na sequência da recusa desse Estado‑Membro em figurar entre os Estados‑Membros beneficiários da medida de recolocação, foi decidido introduzir, no artigo 4.o, n.o 2, da decisão impugnada, uma regra designada «por defeito», de acordo com a qual esses 54 000 requerentes deviam ser recolocados, a partir de 26 de setembro de 2016, a partir da Itália e da Grécia em direção a outros Estados‑Membros e, no artigo 4.o, n.o 3, da decisão impugnada, uma regra flexível que permitia adaptar esse mecanismo de recolocação das referidas 54 000 pessoas se a evolução da situação no terreno o justificasse ou se outro Estado‑Membro fosse confrontado com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma forte mudança dos fluxos migratórios.

281. Consideramos que, ao prever assim uma reserva que correspondia ao número de 54 000 requerentes que deviam ser recolocados em condições especificamente enquadradas na decisão impugnada, o Conselho não só não agiu de forma desproporcionada, mas também teve plenamente em conta a necessidade de adaptar o mecanismo temporário de recolocação à evolução da situação.

282. A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já destacou a necessidade de as instituições da União zelarem por uma adaptação da regulamentação aos novos dados (77). Ora, essa necessidade de adaptação do seu normativo se for preciso foi especificamente prevista pelo Conselho na decisão impugnada, em especial no seu artigo 1.o, n.o 2, e no seu artigo 4.o, n.o 3.

283. Ao prever uma reserva de 54 000 requerentes que podia ser utilizada de uma forma ou de outra em função das circunstâncias, o Conselho teve em conta desde o momento da adoção da decisão impugnada esse imperativo de adaptação, de modo especialmente pertinente atendendo ao grau de incerteza que rodeia a evolução dos fluxos migratórios. Como esclarece o Conselho, com razão, tal solução flexível justifica‑se pela natureza muito dinâmica dos fluxos migratórios e permite adaptar o conteúdo da decisão impugnada às circunstâncias, por razões de solidariedade, de eficácia e de proporcionalidade. Por conseguinte, não se pode considerar que, ao agir dessa forma, o Conselho foi além do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido pela decisão impugnada.

284. Por último, salientamos que, em conformidade com esse mesmo imperativo de adaptação, a reserva de 54 000 requerentes acabou por ser afetada ao programa de reinstalação negociado entre a União e a República da Turquia em 18 de março de 2016 (78).

285. Em segundo lugar, a Hungria sustenta, a título subsidiário, que, se o Tribunal de Justiça não acolher nenhum dos seus fundamentos de anulação, a decisão impugnada é, contudo, ilegal no que diz respeito especificamente à Hungria, uma vez que viola o artigo 78.o, n.o 3, TFUE e o princípio da proporcionalidade relativamente a este Estado‑Membro.

286. Decorre das explicações fornecidas pela Hungria em apoio desse décimo fundamento que esta acusa o Conselho de, na decisão impugnada, a ter feito figurar entre os Estados‑Membros de recolocação quando, na sua opinião, é incontestável que a Hungria estava sujeita a uma pressão migratória particularmente forte, tanto durante o período que antecedeu a adoção da decisão impugnada como no momento da adoção desta decisão. Nestas circunstâncias, a referida decisão impõe à Hungria um encargo desproporcionado ao fixar‑lhe uma quota obrigatória de recolocações como fixou para os outros Estados‑Membros.

287. A Hungria sustenta que, se o objetivo do artigo 78.o, n.o 3, TFUE é ajudar os Estados‑Membros que sejam confrontados com uma situação de emergência relativamente à pressão migratória, é contrário a esse objetivo impor um encargo suplementar a um Estado‑Membro que se encontre efetivamente em tal situação.

288. Em suma, a Hungria critica o facto de a sua recusa em figurar entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação ter tido como consequência automática colocá‑la entre os Estados‑Membros incumbidos pela decisão impugnada de contribuir, ou seja, entre os Estados‑Membros de recolocação.

289. A Hungria explica a sua recusa em figurar entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação instituído pela decisão impugnada da seguinte forma. Em primeiro lugar, recusa a ideia de ser qualificada como «Estado‑Membro da primeira linha». A Hungria esclarece, a este respeito, que a República Italiana e a República Helénica são Estados‑Membros que, pela sua situação geográfica, constituem o primeiro ponto de entrada dos requerentes de proteção internacional na União, ao contrário da Hungria, cujo território, tendo em conta as rotas migratórias e as realidades geográficas, apenas pode ser alcançado por esses requerentes passando necessariamente pela Grécia. Qualificar a Hungria como «Estado‑Membro da primeira linha» ocultou essa realidade e deu a entender que a Hungria podia ser considerada o Estado‑Membro responsável pela apreciação do pedido de asilo, o que, no seu entender, não era aceitável. Em segundo lugar, a Hungria refere que manifestou o seu desacordo com a recolocação dos requerentes baseada em quotas, esclarecendo que considerava que não se tratava de um instrumento que permitisse responder adequadamente à crise migratória, sobretudo sob a forma de quotas obrigatórias por Estado‑Membro, que era contrária às conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de junho de 2015. A Hungria esclarece que também não podia aceitar a ideia de que fossem recolocados requerentes a partir do seu território porque tal era contraditório em relação à posição de princípio que exprimira. De acordo com a Hungria, tudo isso não podia, contudo, ser interpretado no sentido de que a própria Hungria não sofreu os efeitos da crise migratória e não foi confrontada, ela própria, com uma situação de emergência.

290. A Hungria alega que, ao renunciar a que fossem recolocados requerentes de proteção internacional a partir do seu território, assumiu, utilizando as suas palavras, «a sua parte do encargo comum». Assim, a Hungria não viola o princípio da solidariedade. Continua a fazer parte dos Estados‑Membros que apoiam a República Italiana e a República Helénica, mesmo que, devido à sua própria situação, ou seja, por ter sido, ela própria, confrontada com uma situação de emergência, o faça de maneira diferente dos outros Estados‑Membros.

291. Decorre da petição da Hungria, da sua réplica e das suas respostas aos intervenientes que este décimo fundamento por ela invocado a título subsidiário vem em apoio do pedido, por ela formulado igualmente a título subsidiário, de anulação da decisão impugnada «na medida em que diz respeito à Hungria».

292. Entendemos que este pedido visa obter a anulação parcial da decisão impugnada. A Hungria procura assim retirar‑se do grupo dos Estados‑Membros de recolocação, reclamando a anulação da disposição da decisão impugnada que determina o número de migrantes a recolocar na Hungria.

293. Tal pedido é, em nossa opinião, inadmissível.

294. Com efeito, é jurisprudência constante que a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do ato (79). O Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que esta exigência de possibilidade de autonomização não será cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a sua substância (80).

295. O pedido de anulação parcial formulado a título subsidiário pela Hungria refere‑se, na realidade, a dois números que dizem respeito especificamente a este Estado‑Membro e que constam dos anexos da decisão impugnada. Ora, a supressão desses números implicaria a anulação desses anexos na sua totalidade, uma vez que os números relativos aos outros Estados‑Membros teriam de ser recalculados para que o número total de 120 000 recolocações pudesse manter‑se. Seria assim violado um elemento essencial da decisão impugnada, designadamente a fixação obrigatória dos contingentes por Estado‑Membro, que atribui um alcance concreto ao princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, enunciado no artigo 80.o TFUE.

296. Além disso, como decorre nomeadamente dos considerandos 2, 16, 26 e 30 da decisão impugnada, que recordam o referido princípio, a ideia da repartição dos requerentes de proteção internacional que chegaram a Itália e à Grécia entre todos os Estados‑Membros constitui um elemento fundamental da decisão impugnada. A limitação do âmbito de aplicação territorial da decisão impugnada que resultaria da sua anulação parcial violaria, assim, o próprio cerne desta decisão. Daqui deduzimos que o elemento cuja anulação é pedida pela Hungria não é destacável da decisão impugnada na medida em que o seu desaparecimento alteraria objetivamente a própria substância da decisão impugnada.

297. Decorre do que precede que as disposições impugnadas, que correspondem aos contingentes provenientes da Itália e provenientes da Grécia atribuídos à Hungria constantes dos Anexos I e II da decisão impugnada, são inseparáveis da parte restante da decisão impugnada. Daqui decorre que os pedidos de anulação parcial desta decisão, apresentados pela Hungria e aos quais está ligado o décimo fundamento apresentado por esta, devem, na nossa opinião, ser julgados inadmissíveis.

298. De qualquer modo, se for de considerar que o décimo fundamento invocado pela Hungria se destina, de forma mais geral, a obter a anulação da decisão impugnada no seu todo pelo facto de a não tomada em consideração da situação particular desse Estado‑Membro constituir, enquanto tal, uma violação do princípio da proporcionalidade que afeta a totalidade dessa decisão, tal fundamento deve, na nossa opinião, ser considerado improcedente.

299. Mais concretamente, consideramos que, mesmo admitindo que a Hungria se tenha encontrado, como alega, numa situação de emergência, caracterizada por uma pressão migratória constante, no momento da adoção da decisão impugnada (81), daqui não decorre, na nossa opinião, que o facto de lhe serem impostos contingentes de requerentes a recolocar a partir da República Italiana e da República Helénica seja contrário ao princípio da proporcionalidade.

300. Com efeito, há que recordar, em primeiro lugar, que a retirada da Hungria do grupo dos Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação teve origem apenas na recusa manifestada por este Estado‑Membro a este respeito. Sejam quais forem as razões que levaram a essa recusa, sublinhamos que as instituições da União apenas puderam registar essa recusa.

301. Como salienta, no essencial, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, uma vez que a Hungria pedira expressamente para não figurar entre os Estados‑Membros beneficiários do mecanismo temporário de recolocação, devia considerar‑se, em conformidade com o princípio da solidariedade, que figurava entre os Estados‑Membros de recolocação.

302. Em segundo lugar, decorre da jurisprudência que o simples facto de um ato da União poder afetar mais um Estado‑Membro do que outros não é suscetível de ir contra o princípio da proporcionalidade, quando estejam preenchidas as condições estabelecidas pelo Tribunal de Justiça para verificar o respeito por este princípio (82).

303. Salientamos, a este respeito, que a decisão impugnada tem impacto em todos os Estados‑Membros e pressupõe que seja assegurado um equilíbrio entre os diferentes interesses em presença, tendo em conta o objetivo por ela prosseguido. Assim, visto a busca desse equilíbrio não ter em consideração a situação particular de um único Estado‑Membro, mas sim a de todos os Estados‑Membros da União, não pode ser considerada contrária ao princípio da proporcionalidade (83). O mesmo é válido a fortiori, tendo em conta o princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros estabelecido no artigo 80.o TFUE, do qual resulta que os encargos decorrentes das medidas provisórias adotadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE a favor de um ou vários Estados‑Membros que sejam confrontados com uma situação migratória de emergência devem ser repartidos por todos os outros Estados‑Membros.

304. De resto, há que sublinhar que a decisão impugnada é mais equilibrada do que a imagem que a Hungria lhe quer dar. Esta decisão não se reduz a um sistema binário que opõe, por um lado, os Estados‑Membros que beneficiam do mecanismo temporário de recolocação e, por outro lado, aqueles aos quais são atribuídos contingentes de pessoas a recolocar.

305. Com efeito, a decisão impugnada inclui mecanismos de ajustamento que permitem adaptá‑la à evolução dos fluxos migratórios e, dessa forma, ter em conta a situação específica, caracterizada por uma pressão migratória variável, com a qual determinados Estados‑Membros possam ser confrontados.

306. Assim, recordamos que o artigo 1.o, n.o 2, segundo parágrafo, e o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da decisão impugnada preveem a possibilidade de a Comissão apresentar propostas ao Conselho se considerar que se justifica uma adaptação do mecanismo de recolocação devido à evolução da situação no terreno ou que um Estado‑Membro se encontra confrontado com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma forte mudança dos fluxos migratórios. Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, da decisão impugnada, um Estado‑Membro pode, apresentando razões devidamente justificadas, notificar o Conselho e a Comissão de que se encontra confrontado com uma situação de emergência similar. A Comissão avalia as razões invocadas e, se adequado, apresenta propostas ao Conselho, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

307. Acresce que o artigo 4.o, n.o 5, dessa decisão prevê que seja dada a possibilidade de suspensão temporária da recolocação de requerentes aos Estados‑Membros que notifiquem nesse sentido o Conselho e a Comissão.

308. Por outro lado, o artigo 9.o da decisão impugnada refere‑se à possibilidade de o Conselho adotar medidas provisórias nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE se as condições estabelecidas nessa disposição estiverem reunidas e refere que tais medidas podem incluir, se necessário, a suspensão da participação do Estado‑Membro que seja confrontado com um súbito afluxo de nacionais de países terceiros na recolocação prevista na decisão impugnada.

309. Salientamos que a República da Áustria e o Reino da Suécia recorreram a estes mecanismos de ajustamento (84).

310. Em contrapartida, a Hungria não utilizou nenhum desses mecanismos, o que se afigura contraditório com a sua argumentação para contestar a sua posição de Estado‑Membro de recolocação de parte inteira.

311. A existência de mecanismos de ajustamento na decisão impugnada demonstra bem que, contrariamente ao que a Hungria deixa perceber, a situação não é binária. Ao prever tais mecanismos, dos quais o Reino da Suécia e a República da Áustria beneficiaram, o Conselho conseguiu conciliar o princípio da solidariedade com a tomada em consideração das necessidades específicas que determinados Estados‑Membros podem ter em função da evolução dos fluxos migratórios. Tal conciliação afigura‑se, de resto, perfeitamente coerente com o artigo 80.o TFUE que, se lermos com atenção, prevê uma «partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros» (85).

312. Assim, a existência de tais mecanismos de ajustamento na decisão impugnada apenas vem reforçar a nossa conclusão de que esta decisão, ao impor à Hungria contingentes de requerentes a recolocar a partir da República Italiana e da República Helénica, não violou o princípio da proporcionalidade.

313. Além disso, salientamos que não é contestado que os contingentes referidos no anexo à decisão impugnada foram fixados com base numa chave de repartição que é explicitada no considerando 25 da proposta de decisão da Comissão. Para assegurar a equidade da partilha de responsabilidades, essa chave de repartição tem em conta o número de habitantes, o produto interno bruto global, o número médio de pedidos de asilo apresentados por milhão de habitantes durante o período 2010‑2014 e a taxa de desemprego. Por conseguinte, nesta base, a referida chave de repartição contribui para a proporcionalidade da decisão impugnada.

314. Tendo em conta os elementos expostos, os argumentos invocados pela Hungria para contestar a necessidade da decisão impugnada devem, por isso, na nossa opinião, ser rejeitados na íntegra.

315. Para terminar, há que responder ao argumento formulado pela República da Polónia em apoio dos fundamentos para que seja declarada a desproporcionalidade da decisão impugnada, de que esta prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna, ao contrário do que prevê o artigo 72.o TFUE. Este Estado‑Membro recorda, a este respeito, que o princípio da proporcionalidade exige que os inconvenientes causados pelos atos da União não sejam desmedidos face aos objetivos prosseguidos por estes (86). Ora, a decisão impugnada não prevê mecanismos suficientes para permitir aos Estados‑Membros verificar se os requerentes não representam um perigo para a segurança.

316. Consideramos, contudo, que a decisão impugnada, ao prever um mecanismo ordenado e controlado de recolocação dos requerentes de proteção internacional, toma plenamente em consideração a exigência de proteção da segurança nacional e da ordem pública dos Estados‑Membros. Esta exigência rege assim a «estreita cooperação administrativa entre os Estados‑Membros» (87), através da qual a decisão impugnada deve ser executada. Salientamos, a este respeito, que o considerando 32 desta decisão refere que «[a] segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até à conclusão da transferência do requerente. No pleno respeito dos direitos fundamentais do requerente […], sempre que um Estado‑Membro tenha motivos razoáveis para considerar que o requerente representa um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, deverá informar do facto os demais Estados‑Membros». Nesta mesma lógica, a descrição do procedimento de recolocação constante do artigo 5.o da decisão impugnada demonstra a preocupação que as instituições da União tiveram de ter em conta a exigência de proteção da segurança nacional e da ordem pública dos Estados‑Membros. Assim, além de estar expressamente previsto nesse artigo que os requerentes de proteção internacional devem ser identificados, registados e objeto de recolha das impressões digitais para efeitos do procedimento de recolocação, o artigo 5.o, n.o 7, da decisão impugnada dispõe que «[o]s Estados‑Membros só têm o direito de recusar a recolocação de um requerente se houver motivos razoáveis para considerar que este constitui um perigo para a sua segurança nacional ou ordem pública, ou se existirem motivos sérios para aplicar as disposições em matéria de exclusão previstas nos artigos 12.o e 17.o da Diretiva 2011/95/UE [(88)]».

317. Tendo em conta estes elementos, consideramos que há que rejeitar esse argumento formulado pela República da Polónia em apoio dos fundamentos para que seja declarada a desproporcionalidade da decisão impugnada.

318. Resulta das considerações que antecedem que, na medida em que nem a Hungria, nem a República Eslovaca e nem a República da Polónia conseguiram demonstrar que a decisão impugnada é desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos, há que considerar improcedentes os fundamentos correspondentes invocados pelas recorrentes.

2.      Quanto ao oitavo fundamento da Hungria, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, bem como da Convenção de Genebra

319. A Hungria sustenta, em primeiro lugar, que a decisão impugnada viola os princípios da segurança jurídica e da clareza normativa, dado que, em vários pontos, não refere claramente a forma como as disposições dessa decisão devem ser aplicadas nem como estas se articulam com as disposições do Regulamento Dublin III.

320. Assim, embora o considerando 35 da decisão impugnada aborde a questão das garantias jurídicas e processuais relativas às decisões de recolocação, nenhuma das suas disposições normativas regula esta matéria ou se refere às disposições relevantes do Regulamento Dublin III. Tal coloca problemas, nomeadamente do ponto de vista do direito de recurso dos requerentes, em especial dos que não sejam designados para ser recolocados.

321. A decisão impugnada também não determina claramente os critérios de escolha para a recolocação dos requerentes. A forma como as autoridades dos Estados‑Membros beneficiários são chamadas a decidir a transferência dos requerentes para um Estado‑Membro de recolocação faz com que seja extremamente difícil estes saberem a priori se farão parte das pessoas recolocadas e, em caso afirmativo, em que Estado‑Membro serão recolocados. A falta de critérios objetivos para designar os requerentes a recolocar viola o princípio da segurança jurídica e torna a seleção arbitrária, o que constitui uma violação dos direitos fundamentais dos requerentes.

322. Além disso, a decisão impugnada não define, de forma adequada, o estatuto dos requerentes no Estado‑Membro de recolocação e não garante que os requerentes permaneçam efetivamente nesse Estado‑Membro o tempo que for determinado no seu pedido. No que diz respeito às deslocações designadas «secundárias», o artigo 6.o, n.o 5, da decisão impugnada não permite, por si só, assegurar que esta decisão atinja os seus objetivos, designadamente a repartição dos requerentes entre os Estados‑Membros, se não estiver garantido que os requerentes permanecem efetivamente nos Estados‑Membros de recolocação.

323. Em segundo lugar, o facto de os requerentes correrem o risco, se for o caso, de ser recolocados num Estado‑Membro com o qual não tenham qualquer ligação específica suscita a questão de saber se a referida decisão é, a este respeito, compatível com a Convenção de Genebra.

324. Com efeito, de acordo com a interpretação adotada no manual publicado pelo ACNUR (89), o requerente deve ser autorizado a permanecer no território do Estado‑Membro no qual tenha apresentado o seu pedido até que as autoridades desse Estado‑Membro tomem uma decisão sobre esse pedido.

325. Este direito de permanecer no referido Estado‑Membro é igualmente reconhecido no artigo 9.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (90).

326. Ora, a decisão impugnada priva os requerentes do seu direito de permanecer no território do Estado‑Membro no qual tenham apresentado o seu pedido e permite a sua recolocação noutro Estado‑Membro mesmo quando não possa ser determinada a existência de uma ligação significativa entre o requerente e o Estado‑Membro de recolocação.

327. Embora esse direito dos requerentes pareça ser posto em causa pelo Regulamento Dublin III, na medida em que este prevê a transferência dos requerentes do Estado‑Membro no qual estes tenham apresentado o seu pedido para o Estado‑Membro responsável pela apreciação do pedido, tal é feito tendo em conta a situação pessoal dos requerentes e serve, em última instância, os interesses destes.

328. Analisaremos, em primeiro lugar, a alegação relativa à violação dos princípios da segurança jurídica e da clareza normativa.

329. À semelhança do Conselho, recordamos que a decisão impugnada constitui uma medida de emergência que integra o acervo relativo ao sistema europeu comum de asilo e que apenas derroga esse acervo em determinados aspetos específicos e de forma provisória. Consequentemente, há que interpretar e aplicar essa decisão tendo em conta o conjunto das disposições que constituem esse acervo, sem que seja necessário nem, de resto, desejável, referir na referida decisão todas as regras que regulam o estatuto, os direitos e as obrigações das pessoas recolocadas no seu Estado‑Membro de acolhimento. A este respeito, afigura‑se que o Conselho explicou, de forma suficiente, em especial nos considerandos 23, 24, 35, 36 e 40 da decisão impugnada, a forma como esta decisão deve ser articulada com as disposições de atos legislativos adotados pela União neste domínio.

330. No que diz respeito, em especial, ao direito de recurso efetivo, decorre claramente dos considerandos 23 e 35 da decisão impugnada que, quando esta não preveja uma derrogação temporária, as garantias jurídicas e processuais estabelecidas no Regulamento Dublin III continuarão a aplicar‑se aos requerentes abrangidos por essa decisão. É o caso do direito de recurso previsto no artigo 27.o, n.o 1, desse regulamento. Em todo o caso, no âmbito da execução da decisão impugnada, o artigo 47.o da Carta deve ser respeitado.

331. Quanto à crítica, formulada ainda na perspetiva do princípio da segurança jurídica, de que a decisão impugnada não inclui regras efetivas que assegurem que os requerentes de proteção internacional permanecerão no Estado‑Membro de recolocação até que seja tomada uma decisão sobre o seu pedido, salientamos que essa decisão dispõe, no seu artigo 6.o, n.o 5, que «[o] requerente ou o beneficiário de proteção internacional que entra no território de um Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro de recolocação sem preencher as condições de estadia nesse outro Estado‑Membro é obrigado a regressar imediatamente» e que «[o] Estado‑Membro de recolocação deve, sem demora, voltar a tomar a cargo essa pessoa». Por outro lado, os considerandos 38 a 41 da referida decisão enumeram, de forma suficientemente clara e precisa, as medidas a tomar pelos Estados‑Membros a fim de evitar as deslocações secundárias das pessoas recolocadas.

332. Em segundo lugar, consideramos que a Hungria não demonstrou de que forma o mecanismo temporário de recolocação instituído pela decisão impugnada, na medida em que prevê a transferência do requerente de proteção internacional antes de ser tomada uma decisão sobre o seu pedido, é contrária à Convenção de Genebra.

333. Há que sublinhar, antes de mais, que, como salienta o Conselho, nem a Convenção de Genebra nem o direito da União garantem a um requerente de proteção internacional o direito de escolher livremente o seu país de acolhimento. Em especial, o Regulamento Dublin III institui um sistema de determinação do Estado‑Membro responsável pelo tratamento do pedido de proteção internacional que assenta no estabelecimento de uma lista de critérios objetivos, nenhum dos quais está relacionado com a preferência do requerente. Deste ponto de vista, a recolocação prevista na decisão impugnada não apresenta nenhuma diferença substancial em relação ao sistema estabelecido nesse regulamento.

334. Em seguida, consideramos, à semelhança do Conselho, que o excerto do manual do ACNUR referido na nota 89 das presentes conclusões, invocado pela Hungria, deve ser entendido como uma expressão do princípio da não repulsão, que proíbe que um requerente de proteção internacional seja expulso para um país terceiro enquanto não tiver sido tomada uma decisão sobre o seu pedido. Ora, a transferência no âmbito de uma operação de recolocação de um requerente de proteção internacional de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro não contraria este princípio. Com efeito, importa destacar que a finalidade da recolocação é facilitar o acesso aos procedimentos de asilo e às infraestruturas de acolhimento, no intuito de oferecer um estatuto adequado às pessoas que necessitem de proteção internacional, como exigido no artigo 78.o, n.o 1, TFUE. Ora, a União decidiu criar o mecanismo temporário de recolocação previsto na decisão impugnada precisamente devido à impossibilidade de oferecer, no momento da adoção desta, tal estatuto às pessoas que o pediam em Itália e na Grécia.

335. Deste modo, a decisão impugnada não se limita, como refere, de forma tradicional, o seu considerando 45, a respeitar os direitos fundamentais e a observar os princípios consagrados na Carta. Esta decisão vai mais além, desempenhando um papel ativo neste domínio. Com efeito, contribui para a preservação dos direitos fundamentais dos requerentes com clara necessidade de proteção internacional, garantidos pela Carta e, em especial, no artigo 18.o desta, encaminhando‑os para Estados‑Membros, que não sejam a República Italiana e a República Helénica, que estarão em melhores condições para tratar os seus pedidos.

336. Acrescentamos, além disso, que, como salienta o Conselho, para efeitos do sistema europeu comum de asilo, o território do conjunto dos Estados‑Membros deve ser equiparado a uma zona comum de aplicação uniforme do acervo da União em matéria de asilo. Daqui decorre que as transferências entre os territórios dos Estados‑Membros não podem ser equiparadas a uma expulsão para fora do território da União.

337. Por último, importa salientar que, contrariamente ao que parece decorrer da argumentação desenvolvida pela Hungria e à semelhança do que refere o Conselho, a situação específica das pessoas a quem a recolocação diz respeito, incluindo eventuais laços familiares, é tida em conta não apenas no âmbito da aplicação dos critérios do Regulamento Dublin III, mas igualmente no âmbito do artigo 6.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada, em conjugação com o considerando 34 desta.

338. Assim, o artigo 6.o, n.o 1, da decisão impugnada dispõe que «[o] interesse superior da criança constitui uma preocupação primordial dos Estados‑Membros na aplicação da presente decisão». Além disso, o artigo 6.o, n.o 2, desta decisão impõe aos Estados‑Membros que assegurem «que os membros da família abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente decisão sejam recolocados no território do mesmo Estado‑Membro».

339. O considerando 34 da decisão impugnada, por seu turno, recorda que «[a] integração dos requerentes com clara necessidade de proteção internacional na sociedade de acolhimento é decisiva para o bom funcionamento do Sistema Europeu Comum de Asilo». Por esta razão, o mesmo considerando esclarece, em especial, que, «a fim de decidir qual o Estado‑Membro para o qual deverá ser efetuada a recolocação, haverá que prestar especial atenção às qualificações e características específicas dos requerentes em causa, como os seus conhecimentos linguísticos e outras especificidades baseadas em laços familiares, culturais ou sociais comprovados que possam facilitar a sua integração no Estado‑Membro de recolocação».

340. Decorre do que precede que o oitavo fundamento invocado pela Hungria deve ser considerado improcedente.

341. Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela República Eslovaca e pela Hungria pode, na nossa opinião, ser considerado procedente, propomos ao Tribunal de Justiça que negue provimento aos recursos apresentados por estes dois Estados‑Membros.

IV.    Quanto às despesas

342. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da República Eslovaca e da Hungria nas despesas e tendo estes dois Estados‑Membros sido vencidos, há que condená‑los nas despesas.

343. Além disso, o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia, o Reino da Suécia e a Comissão, na qualidade de intervenientes, suportarão as suas próprias despesas, em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

V.      Conclusão

344. Tendo em conta as considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que decida o seguinte:

1)      É negado provimento aos recursos da República Eslovaca e da Hungria.

2)      A República Eslovaca e a Hungria são condenadas nas despesas.

3)      O Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia devem suportar as respetivas despesas.


1      Língua original: francês.


2      JO 2015, L 248, p. 80, a seguir «decisão impugnada».


3      A quota restante de 54 000 requerentes, referida no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da decisão impugnada (também conhecida como «reserva»), que devem ser recolocados numa segunda fase, a partir de 26 de setembro de 2016, beneficia quer, por defeito, a República Italiana ou a República Helénica, quer outro Estado‑Membro que se encontre numa situação de emergência na aceção do artigo 78.o, n.o 3, TFUE, e é repartida de acordo com o mecanismo previsto no artigo 4.o, n.os 2 e 3, da decisão impugnada. Na sequência da inserção do n.o 3.o‑A na decisão impugnada pela Decisão (UE) 2016/1754 do Conselho, de 29 de setembro de 2016, que altera a Decisão (UE) 2015/1601 (JO 2016, L 268, p. 82), esta reserva é afetada ao mecanismo designado «um por um», instaurado pela declaração UE‑Turquia de 18 de março de 2016, que permite imputar a esse mecanismo as admissões voluntárias no território dos Estados‑Membros de nacionais sírios provenientes da Turquia, designadamente sob a forma de reinstalações.


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir «Regulamento Dublim III»).


5      O artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que cria o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, que altera a Decisão 2008/381/CE do Conselho e que revoga as Decisões n.o 573/2007/CE e n.o 575/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão 2007/435/CE do Conselho(JO 2014, L 150, p. 168), contém uma definição do conceito de «reinstalação». Trata‑se essencialmente do processo pelo qual os nacionais de países terceiros são transferidos de um país terceiro, na sequência de um pedido do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) baseado na necessidade de proteção internacional dessas pessoas, e instalados num Estado‑Membro no qual são autorizados a residir com o estatuto de refugiado, com o estatuto de proteção subsidiária ou com qualquer outro estatuto que, por força da legislação nacional e da legislação da União, conceda direitos e vantagens similares.


6      Decisão do Conselho, de 14 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional (JO 2015, L 239, p. 146).


7      Num primeiro momento, apenas foi conseguido um consenso sobre a repartição dessas pessoas pelos Estados‑Membros relativamente a 32 256 pessoas, uma vez que determinados Estados‑Membros, como a Hungria, recusaram comprometer‑se e a República Eslovaca comprometeu‑se apenas relativamente a 100 pessoas. V., Resolução dos representantes dos governos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho, de 20 de julho de 2015, relativa à recolocação a partir da Itália e da Grécia de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional; anexo B.2. da contestação do Conselho.


8      Proposta de decisão do Conselho que estabelece medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional [COM(2015) 451 final].


9      Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria um mecanismo de recolocação em situações de crise e altera o Regulamento (UE) n.o 604/2013 [COM(2015) 450 final].


10      V. Labayle S., «Les valeurs de l’Union»,Tese de doutoramento em direito público, defendida em 12 de dezembro de 2016, que conclui que «[a] exigência de solidariedade várias vezes invocada no Tratado de Roma constitui […] uma característica central do Tratado. Decorre da leitura do Tratado que esta se destaca de entre as linhas diretrizes fortes do projeto de integração europeia e, já em 1957, dizia respeito tanto aos Estados‑Membros como às pessoas» (n.o 282, p. 117 e 118).


11      Ibidem, n.o 431, p. 165.


12      A seguir «Carta».


13      V., Favreau B., «La Charte des droits fondamentaux: pourquoi et comment?», La Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne après le traité de Lisbonne, Bruylant, Bruxelles, 2010, p. 3 a 38, designadamente p. 13. V., igualmente, Bieber R. e Maiani F., «Sans solidarité point d’Union européenne. Regards croisés sur les crises de l’Union économique et monétaire et du Système européen commun d’asile», Revue trimestrielle de droit européen, Dalloz, Paris, 2012, p. 295. Após realçarem que o conceito de «solidariedade» não é definido em nenhuma parte dos Tratados, estes autores observam que «os tratados lhe atribuem um alcance variável em função do contexto — ora objetivo ou parâmetro da ação da União, ora valor de base, ora critério das obrigações que os Estados‑Membros assumiram quando aderiram à União. O denominador comum que liga as diferentes emanações da solidariedade no quadro da União consiste no reconhecimento da existência de um “interesse comum”, separado e separável da soma dos interesses individuais». Por último, para um resumo das contribuições relativas ao princípio da solidariedade, v., Boutayeb C., La solidarité dans l’Union européenne — Éléments constitutionnels et matériels, Dalloz, Paris, 2011.


14      V., nomeadamente, sobre este assunto, «Searching for Solidarity in EU Asylum and Border Policies, a collection of short papers following the Odysseus Network’s First Annual Policy Conference» 26‑27 de fevereiro de 2016, Université Libre de Bruxelles. V., igualmente, Küçük E., «The principle of solidarity and fairness in sharing responsibility: more than window dressing?», European Law Journal, Sweet and Maxwell, Londres, 2016, p. 448 a 469, bem como Bast J., «Deepening supranacional integration: interstate solidarity in EU Migração law», European Public Law, n.o 22, Issue 2, Wolters Kluwer Law and Business, Alphen aan den Rijn, 2016, p. 289 a 304.


15      No plano internacional, a solidariedade constitui igualmente um valor fundamental da política de asilo. O quarto considerando do preâmbulo da Convenção de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951, completado pelo Protocolo de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados, de 31 de janeiro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), dispõe assim que «da concessão do direito de asilo podem resultar encargos indevidamente pesados para certos países e que a solução satisfatória dos problemas cujo alcance e natureza internacionais a Organização da Nações Unidas reconheceu, não pode, portanto, ser obtida sem cooperação internacional».


16      Por agora, limitamo‑nos a salientar que, de acordo com as indicações fornecidas pelo Conselho na audiência realizada em 10 de maio de 2017 no Tribunal de Justiça, em 8 de maio de 2017, o número de recolocações a partir da Itália e da Grécia elevava‑se a 18 129.


17      V., a este respeito, Labayle S., op. cit., que observa, nomeadamente a propósito das divergências surgidas entre os Estados‑Membros na gestão desta crise migratória, que, embora haja que «evitar todo o espírito de dramatização, o receio do risco de desagregação da obra pacientemente construída durante mais de meio século não pode ser totalmente ignorado. Abalar assim, pouco a pouco, os seus alicerces ameaça, com efeito, todo o edifício e reforça a necessidade de vigilância absoluta sobre a questão. O desrespeito pelos valores fundadores da União por parte dos seus próprios Estados‑Membros introduz um fator de desagregação potencial de elementos que são indispensáveis à sua perenidade e à lógica do seu funcionamento» (n.o 1 182, p. 477). V., igualmente, Chassin C‑A., «La crise des migrants: l’Europe à la croisée des chemins», Revue Europe, n.o 3, LexisNexis, 2016, p. 15 a 21, designadamente n.o 43, p. 21, que refere que «[a] crise dos migrantes é […] uma crise humana, mas também uma crise moral para a União Europeia: para além das respostas de curto prazo, esta crise realça a fragilidade da construção europeia».


18      A seguir, respetivamente, «Protocolo (n.o 1)» e «Protocolo (n.o 2)».


19      EUCO 22/15.


20      V., nesse sentido, acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento/Conselho (C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 17).


21      A Hungria invoca, como exemplos, a concessão de ajuda financeira e técnica, bem como a disponibilização de profissionais.


22      C‑104/16 P, EU:C:2016:677.


23      Diferentemente da Hungria, a República Eslovaca refere, na sua réplica, que existe um consenso entre o Conselho e a República Eslovaca quanto à natureza não legislativa da decisão impugnada (n.o 29).


24      V., Ritleng D., «Les catégories des actes de l’Union — Réflexions à partir de la catégorie de l’acte législatif», Les catégories juridiques du droit de l’Union européenne, Bruylant, Bruxelles, 2016, pp. 155 a 174, designadamente p. 159.


25      V., Ritleng D., op. cit., que salienta que «o ato legislativo é o ato à adoção do qual estão associados, em situação de igualdade no quadro do processo legislativo especial, o Parlamento Europeu e o Conselho. É, assim, consagrado um critério orgânico que marca o surgimento de um poder legislativo formado pela dupla Parlamento‑Conselho» (p. 161).


26      V., nomeadamente, artigo 86.o, n.o 1, TFUE.


27      V., por exemplo, artigo 77.o, n.o 3, TFUE.


28      V., por exemplo, artigo 223.o, n.o 2, TFUE.


29      V. Craig P., e De Búrca G., EU Law — Text, Cases and Materials, 6.a edição, Oxford University Press, Oxford, 2015, p. 114.


30      V., nomeadamente, nesse sentido, Lenaerts K. e Van Nuffel P., European Union Law, 3.a edição, Sweet and Maxwell, Londres, 2011, p. 677, § 16‑038.


31      Retomamos aqui a expressão utilizada por Ritleng D., op. cit., p. 170.


32      V. Craig P. e De Búrca G., op. cit., p. 114.


33      V. Ritleng D., op. cit., p. 174.


34      V., nomeadamente, acórdão de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 80).


35      Esta disposição habilita o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, a adotar as medidas relativas a um sistema europeu comum de asilo que inclua «critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo ou de proteção subsidiária».


36      V. Proposta de Regulamento, p. 3.


37      Idem.


38      V. referida proposta, p. 4.


39      Idem.


40      Idem, sublinhado nosso.


41      Idem, sublinhado nosso.


42      V. referida proposta, p. 4.


43      O artigo 4.o, n.o 5, da decisão impugnada prevê a possibilidade de uma prorrogação por um período máximo de doze meses no quadro concreto do mecanismo de suspensão parcial das obrigações de recolocação previsto nesta disposição. Contudo, esse mecanismo já não pode ser ativado e a prorrogação não está prevista para o único Estado‑Membro (a República da Áustria) que dele beneficiou até 11 de março de 2017. Assim, a vigência da decisão impugnada cessará definitivamente em 26 de setembro de 2017.


44      V. referida proposta, p. 1.


45      V., no mesmo sentido, a proposta de decisão, na qual a Comissão esclarece que «[a] situação geográfica da Itália e da Grécia, dados os conflitos atualmente em curso na sua vizinhança imediata, torna estes países, no futuro imediato, mais vulneráveis do que os outros Estados‑Membros, prevendo‑se que continuem a chegar ao território destes países um fluxo de migrantes sem precedentes. A estes fatores externos na origem da maior pressão migratória juntam‑se as deficiências estruturais dos respetivos sistemas de asilo, o que compromete ainda mais a sua capacidade para lidar adequadamente com esta situação de alta pressão» (p. 3).


46      V., artigo 4.o, n.os 2, 4 e 6, bem como artigo 11.o, n.o 2, da decisão impugnada.


47      V. n.o 4, alínea b), dessas conclusões.


48      Idem.


49      V., designadamente, acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 64 e jurisprudência referida).


50      V., nesse sentido, acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 70). Esta jurisprudência deve, em nossa opinião, aplicar‑se igualmente aos atos não legislativos.


51      V., designadamente, acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento/Conselho (C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 43 e jurisprudência referida).


52      V., nomeadamente, acórdão de 10 de junho de 1997, Parlamento/Conselho (C‑392/95, EU:C:1997:289, n.o 14 e jurisprudência referida).


53      V., nomeadamente, acórdão de 10 de junho de 1997, Parlamento/Conselho (C‑392/95, EU:C:1997:289, n.o 15 e jurisprudência referida).


54      C‑280/93, EU:C:1994:367.


55      V. acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 71 e 72).


56      V., nomeadamente, acórdão de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C‑280/93, EU:C:1994:367, n.o 36 e jurisprudência referida).


57      V., no mesmo sentido, acórdão de 11 de setembro de 2003, Áustria/Conselho (C‑445/00, EU:C:2003:445, n.os 16 e 17, bem como n.o os 44 a 47).


58      Decisão 2009/937/UE do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, que adota o seu Regulamento Interno (JO 2009, L 325, p. 35).


59      Há que sublinhar que esta explicação fornecida pelo Conselho no quadro do presente processo é coerente com o comentário que esta instituição faz ao seu Regulamento Interno: «O artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Interno permite, em especial, a cada membro do Conselho opor‑se à deliberação se o texto das eventuais alterações não estiver redigido em todas as línguas oficiais» (V. comentário ao Regulamento Interno do Conselho, p. 51).


60      V., nomeadamente, acórdão de 25 de outubro de 2005, Alemanha e Dinamarca/Comissão (C‑465/02 e C‑466/02, EU:C:2005:636, n.o 37).


61      V., nomeadamente, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 78 e jurisprudência referida).


62      V., nomeadamente, nesse sentido, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 79 e jurisprudência referida), bem como acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 49 e jurisprudência referida).


63      Os «hotspots» destinam‑se, nomeadamente, a ajudar os Estados‑Membros situados na primeira linha, como a República Italiana e a República Helénica, a cumprir as suas obrigações de controlo, de identificação, de registo de testemunhos e de recolha de impressões digitais de quem chega.


64      V., nomeadamente, acórdão de 17 de maio de 2001, IECC/Comissão (C‑449/98 P, EU:C:2001:275, n.o 87 e jurisprudência referida).


65      V., nomeadamente, acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 50 e jurisprudência referida).


66      Em 10 de abril de 2017, o número de recolocações a partir da Itália e da Grécia ascendia a 16 340. V. 11.o relatório da Comissão, de 12 de abril de 2017, sobre a recolocação e a reinstalação, [COM(2017) 212 final, anexo 3]. De acordo com as indicações fornecidas pelo Conselho na audiência realizada em 10 de maio de 2017 no Tribunal de Justiça, em 8 de maio de 2017, o número de recolocações a partir da Itália e da Grécia ascendia a 18 129.


67      V. 11.o relatório da Comissão sobre a recolocação e a reinstalação, anexo 3.


68      V., nomeadamente, acórdão de 7 de fevereiro de 1973, Comissão/Itália (39/72, EU:C:1973:13), no qual o Tribunal de Justiça decidiu que «[a]o permitir aos Estados‑Membros beneficiar das vantagens que lhes oferece a Comunidade, o Tratado impõe‑lhes igualmente a obrigação de respeitar as normas. A rutura unilateral, por parte de um Estado‑Membro, em obediência ao que considera ser o interesse nacional, do equilíbrio entre as vantagens e os ónus que decorrem da sua pertença à [União], põe em causa a igualdade dos Estados‑Membros face ao direito [da União] e cria discriminações em prejuízo dos seus nacionais […]. Este incumprimento dos deveres de solidariedade que assumiram os Estados‑Membros pela sua adesão à [União] afeta os fundamentos mais essenciais do ordenamento jurídico comunitário» (n.os 24 e 25). V., igualmente, acórdão de 7 de fevereiro de 1979, Comissão/Reino Unido (128/78, EU:C:1979:32, n.o 12).


69      JO 2001, L 212, p. 12.


70      JO 2004, L 349, p. 1.


71      C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865.


72      N.o 93 desse acórdão.


73      V., nesse sentido, acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.o 93).


74      V. p. 2 da proposta de decisão.


75      V., nomeadamente, 11.o relatório da Comissão sobre a recolocação e a reinstalação, que é o último de que dispomos à data da redação das presentes conclusões.


76      Na sua proposta de decisão, a Comissão partiu da conclusão de que as diferentes medidas financeiras e operacionais adotadas até ao presente pela Comissão para apoiar os regimes de asilo italiano, grego e húngaro não se tinham revelado suficientes para fazer face à situação de crise que atravessavam esses três Estados‑Membros. Por conseguinte, considerou que, tendo em conta a urgência e a gravidade da situação provocada pelo afluxo de nacionais de países terceiros aos referidos Estados‑Membros, a escolha de medidas suplementares da União para reagir a esse fenómeno não ia além do necessário para atingir o objetivo de resolver eficazmente a situação (p. 9).


77      V., nomeadamente, nesse sentido, acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 51 e jurisprudência referida).


78      V., Decisão 2016/1754, que introduziu o n.o 3‑A na decisão impugnada.


79      V. nomeadamente, acórdão de 30 de março de 2006, Espanha/Conselho (C‑36/04, EU:C:2006:209, n.o 9 e jurisprudência referida, bem como n.o 12).


80      V. nomeadamente, acórdão de 30 de março de 2006, Espanha/Conselho (C‑36/04, EU:C:2006:209, n.o 13 e jurisprudência referida).


81      A existência de uma situação de emergência na Hungria no momento da adoção da decisão impugnada é contestada pelo Conselho. De acordo com o Conselho, a situação alterou‑se durante o verão de 2015 em consequência das medidas unilaterais adotadas pela Hungria, nomeadamente a construção de uma barreira ao longo da fronteira com a República da Sérvia, concluída em 14 de setembro de 2015, e a política de trânsito para outros Estados‑Membros, em especial para a Alemanha, praticada pela Hungria. Essas medidas puseram termo à chegada de migrantes ao território da Hungria, enquanto os que conseguiam lá chegar tinham de sair rapidamente. Para demonstrar que foi confrontada com uma situação de emergência, a Hungria, por seu turno, refere nomeadamente que, entre 15 de setembro e 31 de dezembro de 2015, a polícia húngara deteve 190 461 migrantes ilegais, 31 769 dos quais entre 15 e 22 de setembro de 2015. A Hungria refere que foi sujeita a uma «enorme pressão migratória», caracterizada pelos seguintes elementos: até 15 de setembro de 2015, ocorreram 201 126 passagens ilegais das fronteiras. Em 31 de dezembro de 2015, este número era de 391 384. Na segunda metade de setembro, o número de passagens ilegais da fronteira croato‑húngara ascendeu, em determinados dias, a 10 000. A Hungria acrescenta que, ao longo de 2015, foram apresentados à autoridade competente em matéria de asilo deste Estado‑Membro 177 135 pedidos de proteção internacional.


82      V., nesse sentido, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 103).


83      V., por analogia, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 103 e jurisprudência referida).


84      V., no que diz respeito ao Reino da Suécia, Decisão (UE) 2016/946 do Conselho, de 9 de junho de 2016, que estabelece medidas provisórias a favor da Suécia no domínio da proteção internacional, nos termos do artigo 9.o da Decisão (UE) 2015/1523 e do artigo 9.o da Decisão (UE) 2015/1601, que estabelecem medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional (JO 2016, L 157, p. 23). O artigo 2.o desta decisão dispõe que as obrigações do Reino da Suécia enquanto Estado‑Membro de recolocação previstas na Decisão 2015/1523 e na decisão impugnada são suspensas até 16 de junho de 2017. V., no que diz respeito à República da Áustria, Decisão de Execução (UE) 2016/408 do Conselho, de 10 de março de 2016, relativa à suspensão temporária da recolocação de 30% de requerentes do contingente atribuído à Áustria ao abrigo da Decisão (UE) 2015/1601 que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia (JO 2016, L 74, p. 36). O artigo 1.o desta decisão prevê que a recolocação na Áustria de 1 065 requerentes do contingente que lhe foi atribuído ao abrigo da decisão impugnada é suspensa até 11 de março de 2017.


85      Sublinhado nosso.


86      V., nomeadamente, acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 78 e jurisprudência referida).


87      V. considerando 31 da decisão impugnada.


88      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9). Entre os motivos de exclusão do estatuto de refugiado ou do benefício da proteção subsidiária está a existência de motivos sérios para considerar que o requerente praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes, que praticou um crime grave ou que representa um perigo para a comunidade ou para a segurança do Estado‑Membro onde se encontra.


89      Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, Genebra, 1992, n.o 192, alínea vii).


90      JO 2013, L 180, p. 60.