Language of document : ECLI:EU:F:2007:226

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

13 de Dezembro de 2007 (*)

«Função pública – Agentes temporários – Recrutamento – Lugar de chefe da Administração – País terceiro – Parecer desfavorável do serviço médico»

No processo F‑95/05,

que tem por objecto um recurso nos termos do artigo 236.° CE e do artigo 152.° EA,

N, agente contratual da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas (Bélgica), inicialmente representada por K. H. Hagenaar, advogado, em seguida por J. van Drooghenbroeck e T. Demaseure, advogados, e finalmente por I. Kletzlen, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção),

composto por: S. Van Raepenbusch, presidente, I. Boruta e H. Kanninen (relator), juízes,

secretário: S. Boni, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Junho de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 5 de Outubro de 2005, por fax (o original foi entregue em 11 de Outubro), a recorrente pede, em substância, por um lado, a anulação da decisão do director da Direcção K «Serviço Externo» da Direcção‑Geral (DG) «Relações Externas» da Comissão das Comunidades Europeias, de 15 de Abril de 2005, informando‑a de que não será recrutada como chefe da Administração da delegação da Comissão situada na Guiné e, por outro, a condenação da Comissão no pagamento de uma indemnização por danos materiais e morais que alega ter sofrido.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alínea d), do Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (a seguir «ROA»):

«Não pode ser admitido como agente temporário quem:

[…]

d)      Não preencher as condições de aptidão física requeridas para o exercício das suas funções;

[…]».

3        O artigo 13.°, primeiro parágrafo, do ROA, dispõe que «[a]ntes de se proceder à sua admissão, o agente temporário é submetido a exame médico por um médico‑assistente da instituição, a fim de que esta se certifique que preenche as condições exigidas no n.° 2, alínea d), do artigo 12.°»

4        O artigo 13.°, segundo parágrafo, do ROA prevê que «[o] segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto [dos Funcionários das Comunidades Europeias] aplica‑se por analogia».

5        Nos termos do artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), «[q]uando o exame médico, previsto no primeiro parágrafo, tiver dado origem a um parecer médico negativo, o candidato pode pedir, no prazo de vinte dias a contar da notificação que lhe tiver sido feita pela instituição, que o seu caso seja submetido ao parecer de uma junta médica composta por três médicos escolhidos pela entidade competente para proceder a nomeações, dentre os médicos‑assistentes das instituições [; o] médico‑assistente que tiver emitido o primeiro parecer negativo é ouvido pela junta médica [; o] candidato pode submeter à junta médica o parecer de um médico da sua escolha [; s]e o parecer da junta médica confirmar as conclusões do exame médico previsto no primeiro parágrafo os honorários e despesas acessórias são suportados, até metade, pelo candidato».

 Matéria de facto na origem do litígio

6        A recorrente trabalhou ao serviço da Comissão na qualidade de agente auxiliar, de Junho de 1993 a Maio de 1994, e depois como agente temporária nos termos do artigo 2.°, alínea b), do ROA, de 1 de Julho de 2002 a 31 de Julho de 2004. No decurso deste último período, a recorrente foi primeiro afectada à DG «Controlo Financeiro» e, em seguida, a partir de 1 de Março de 2003, à DG «Justiça e assuntos internos».

7        A recorrente esteve de licença por doença de 27 de Outubro de 2003 a 31 de Março de 2004. Em 16 de Março de 2004 foi afectada ao Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO), onde trabalhou como agente temporária até 31 de Julho de 2004, e depois como agente contratual a partir de 1 de Agosto de 2004.

8        Em 7 de Julho de 2004, a recorrente apresentou a sua candidatura ao lugar de chefe da Administração da delegação da Comissão situada no Congo, na sequência da publicação do anúncio de vaga COM/2004/2982/F.

9        Em 5 de Janeiro de 2005, a DG «Relações Externas» informou a recorrente que tinha passado com êxito a fase da selecção e perguntou‑lhe se aceitaria uma afectação numa delegação que não fosse a situada no Congo. Em caso de resposta positiva da sua parte, a recorrente era convidada a estabelecer uma lista de prioridade entre quatro delegações.

10      Por correio electrónico de 7 de Janeiro de 2005, a recorrente comunicou à DG «Relações Externas» que confirmava o seu interesse numa afectação no Congo e manifestou o mesmo interesse pela delegação situada na Guiné.

11      O anúncio de vaga COM/2204/3510/F relativo ao lugar de chefe da Administração da delegação na Guiné especificava que «[a] nomeação do funcionário […] está sujeita ao parecer favorável prévio do [s]erviço [m]édico […]».

12      Em 15 de Fevereiro de 2005 a recorrente apresentou‑se ao exame médico imposto pelo anúncio de vaga COM/2004/3510/F.

13      Em 17 de Fevereiro de 2005 uma nota da DG «Relações Externas» foi dirigida à DG «Pessoal e Administração» a fim de a entidade habilitada a concluir contratos de admissão (a seguir a «EHCC») proceder o mais rapidamente possível ao recrutamento como chefes da Administração de delegações, na qualidade de agentes temporários nos termos do artigo 2.°, alínea b), do ROA, das pessoas que figuram numa lista que contém o nome da recorrente.

14      Em 28 de Fevereiro de 2005 a recorrente recebeu os resultados dos exames médicos efectuados com vista à sua nomeação para a delegação.

15      Em 1 de Março de 2005 o médico A, médico‑assistente da Comissão, informou a recorrente das suas reservas quanto à sua partida para África. Segundo a Comissão, o médico A convidou então a recorrente a entrar em contacto com o médico B, psiquiatra que consta da lista de peritos médicos independentes da Comissão, a fim de obter uma perícia externa.

16      Em 2 de Março de 2005, a recorrente teve uma entrevista com o médico B, tendo o respectivo relatório sido recebido pelo médico A em 7 de Março de 2005. Nas suas conclusões, o médico B apresentou reservas quanto à saúde psíquica da recorrente, no que respeita a um lugar de responsabilidade em África.

17      Por correio electrónico de 3 de Março de 2005, a DG «Relações Externas» informou a recorrente que esperava o acordo do serviço médico para dar seguimento ao processo do seu recrutamento na qualidade de chefe da Administração de delegação.

18      Em 9 de Março de 2005 a recorrente teve uma nova entrevista com o médico A que lhe reiterou as suas reticências quanto à sua partida para a Guiné, com fundamento no relatório do médico B.

19      Por nota de 17 de Março de 2005 o médico A comunicou à DG «Relações Externas» que a recorrente não possuía aptidão física para o exercício das funções de chefe da Administração na delegação na Guiné.

20      Em 22 de Março de 2005 o médico A comunicou por fax à recorrente, a pedido desta, os nomes e endereços de três peritos em psiquiatria que constam da lista de médicos peritos da Comissão. A recorrente não consultou nenhum desses três médicos.

21      Em 4 de Abril de 2005 a recorrente apresentou ao médico A os relatórios periciais de quatro psiquiatras que tinha consultado por sua própria iniciativa. Tratava‑se de um atestado de 10 de Março de 2005 do médico C, de um relatório de 31 de Março de 2005 do médico D e de um relatório pericial médico‑psicológico, de 4 de Abril de 2005, assinado conjuntamente pelos médicos E e F.

22      Por nota de 15 de Abril de 2005, o director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» informou a recorrente que, «dado o resultado negativo notificado em 17 de Março de 2005 pelo [s]erviço [m]édico, o pedido enviado à DG [‘Pessoal e Administração’] com data de 17 [de Fevereiro de 2005] para o [seu] recrutamento no lugar em questão não pod[ia] conduzir a uma oferta de contrato de agente temporário [nos termos do artigo 2.°, do ROA] e […] [a sua] entrada em funções na Guiné […] não podia verificar‑se» (a seguir «decisão impugnada»).

23      Em 18 de Abril de 2005, o médico E enviou ao médico A uma carta em que fazia referência ao relatório do médico B e ao relatório assinado nomeadamente pelo médico F. O médico E verificou, na sua carta, que o médico B «coloc[ava] em evidência o princípio da precaução com base nos antecedentes e nas características da personalidade», ao passo que o médico F e ele próprio «não [descobriram], nem no exame médico‑psicológico, nem nas avaliações psicométricas, nenhuma patologia mental que contra‑indique o acesso a um posto de trabalho como o solicitado pela [recorrente]».

24      Na sua nota de 19 de Abril de 2005, dirigida ao director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas», a recorrente sustentou que:

«[…] ao contrário da nota do médico‑[a]ssistente […] de 17 de Março, posso confirmar‑vos que os resultados médicos apresentados pelos serviços médicos e de que recebi cópia são positivos e, portanto, equivalentes a um ‘SIM’ quanto à aptidão médica.

Tendo em conta o [artigo] 33.° do Estatuto: ‘Antes que se proceda à sua nomeação, o candidato escolhido é submetido a um exame médico efectuado por um médico‑assistente da instituição a fim de permitir a esta verificar se o candidato preenche as condições exigidas na alínea e) do artigo 28.°’ – [artigo] 28.°, [alínea] e): ‘Não pode ser nomeado funcionário quem […] [n]ão preencher as condições de aptidão física requeridas para o exercício das suas funções’. Espanta‑me, portanto, a comunicação do médico [A] de 17 de Março de 2005 relativa à minha ‘aptidão médica’, conforme é indicado na vossa carta. No caso de pretenderdes uma cópia dos resultados dos testes efectuados, poderei fornecer‑vo‑los.»

25      A recorrente enviou ao director da Direcção C «Política social, Pessoal do Luxemburgo, Saúde, Higiene» da DG «Pessoal e Administração», uma nota datada de 20 de Abril de 2005 que é, em substância, idêntica à nota de 19 de Abril de 2005 acima referida.

26      Por nota com data de 26 de Abril de 2005, redigida a pedido do director da Direcção C «Política social, Pessoal do Luxemburgo, Saúde, Higiene» da DG «Pessoal e Administração» o chefe de unidade do serviço médico da referida direcção respondeu à nota da recorrente de 20 de Abril de 2005. Aí se explica que «qualquer pessoa candidata a partir em delegação é submetida a uma consulta médica prévia [; foi] nesse quadro e não no do [artigo] 33.° do [E]statuto que a recorrente […] foi objecto de um parecer negativo por parte do médico‑assistente quanto a uma eventual afectação na Guiné […] [; e]sse parecer destina‑se à [entidade competente para proceder a nomeações] da [DG ‘Relações Externas’] que deverá tomar uma decisão final, sendo o parecer apenas um dos elementos que deve ter em conta para esse efeito.»

27      Em 19 de Maio de 2005, a recorrente apresentou uma reclamação ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra a decisão impugnada.

28      Por decisão de 5 de Julho de 2005, a Autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») indeferiu a reclamação.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      O presente recurso deu inicialmente entrada no Tribunal de Primeira Instância com o número T‑377/05.

30      Por despacho de 15 de Dezembro de 2005, o Tribunal de Primeira Instância, em aplicação do artigo 3.°, n.° 3, da Decisão 2004/752/CE, Euratom do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), remeteu o presente processo para este último Tribunal. O recurso deu entrada na Secretaria com o número F‑95/05.

31      Por despacho de 24 de Maio de 2007, o Presidente da Segunda Secção do Tribunal da Função Pública concedeu à recorrente o apoio judiciário.

32      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe, em reparação dos prejuízos materiais e morais sofridos, o montante provisional de 1 euro, a título provisório e com todas as reservas;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        decidir sobre as despesas em conformidade com as disposições legais aplicáveis.

 Quanto ao pedido de anulação

 Quanto ao alcance dos fundamentos suscitados pela recorrente

34      Em apoio do seu pedido de anulação da decisão impugnada, a recorrente invoca, na sua petição, diversos fundamentos relativos, em primeiro lugar, à incompetência do director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» para a adopção da decisão impugnada; em segundo lugar, ao desvio de poder cometido pelo médico A, pela DG «Relações Externas» e pela AIPN; e, em terceiro lugar, à violação, pelo médico A, do dever de fundamentação do parecer médico.

35      Segundo a Comissão, a recorrente invocou antes de mais o fundamento relativo à incompetência do director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» para a adopção da decisão impugnada. O segundo fundamento refere‑se ao desvio de poder cometido pelo director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» na adopção da referida decisão. Por fim, o terceiro fundamento refere‑se a erro manifesto de apreciação, desvio de poder e falta de fundamentação do parecer médico emitido pelo médico A.

36      Na sua réplica, a recorrente precisou a base dos seus segundo e terceiro fundamentos tal como foram apresentados pela Comissão. Por um lado, salienta que o segundo fundamento se baseia na violação do dever de fundamentação previsto no artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, bem como na violação do princípio da protecção da confiança legítima. Por outro lado, indica que o terceiro fundamento se baseia na violação do dever de fundamentação, do princípio da protecção da confiança legítima e do dever de solicitude.

37      Resulta dos articulados das partes que a recorrente suscita, em substância, três fundamentos principais. Em primeiro lugar, alega a incompetência do director da Direcção K «Serviço Externo» da DG «Relações Externas» para a adopção da decisão impugnada. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a decisão impugnada é irregular porque os relatórios e perícias dos médicos que consultou por sua própria iniciativa não foram tidos em consideração durante o processo. Além disso, a recorrente alega que, em conformidade com o disposto no artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, dispunha da faculdade de recorrer a uma junta médica para obter um parecer, depois de o médico A ter proferido o seu parecer negativo. Em terceiro lugar, a recorrente salienta que a decisão impugnada e o parecer médico emitido pelo médico A não preenchem as exigências do dever de fundamentação. Acresce que a argumentação da recorrente contém elementos que visam demonstrar a existência de um desvio de poder e de um erro manifesto de apreciação.

38      Esta apresentação dos fundamentos invocados pela recorrente resulta do relatório preparatório da audiência, notificado às partes em 24 de Maio de 2007. Nem a recorrente nem a Comissão formularam observações a respeito do referido relatório. Há que analisar em primeiro lugar o segundo fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

39      Em primeiro lugar, segundo a recorrente, o médico A, a DG «Relações Externas» e a AIPN não tiveram em consideração o atestado do médico C, nem o relatório do médico D, nem o relatório explícito e favorável dos médicos E e F, nem a carta de 18 de Abril de 2005 escrita pelo médico E.

40      Por conseguinte, é manifesto que a decisão impugnada foi tomada para fins diferentes dos alegados. Ao ignorar os referidos documentos médicos, a administração agiu de má fé para com a recorrente. Nenhuma disposição exclui a possibilidade de ter em consideração os relatórios periciais externos.

41      A recorrente acrescenta que o médico A não transmitiu à administração os pareceres dos especialistas que ela tinha consultado. A este respeito, sustenta que é particularmente significativo que este médico generalista, tendo tomado conhecimento de relatórios extremamente pormenorizados de ordem psiquiátrica e psicológica elaborados por quatro especialistas na matéria, tenha mantido o seu breve diagnóstico de ordem física. A recorrente considera que teve razão ao não consultar os médicos recomendados pelo médico A.

42      Em segundo lugar, a recorrente alega que, em conformidade com o disposto no artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, tinha a faculdade de solicitar o parecer de uma junta médica, depois de o médico A ter proferido um parecer negativo. Ora, a recorrente sublinha que recebeu, na sequência da sua nota de 20 de Abril de 2005, uma carta da DG «Pessoal e Administração», com data de 26 de Abril, indicando‑lhe que o procedimento previsto no artigo 33.° do Estatuto não se aplicava no seu caso. Deste modo, a Comissão induziu‑a em erro sobre a possibilidade de recorrer a esse procedimento.

43      A Comissão salienta que, no caso vertente, a decisão impugnada foi adoptada na sequência da notificação do parecer de serviço médico de 17 de Março de 2005, que declarou a inaptidão física da recorrente para o exercício das suas funções na Guiné.

44      A Comissão sublinha que o anúncio de vaga COM/2004/3510/F exigia um parecer favorável prévio do serviço médico. Com efeito, qualquer pessoa candidata a partir para uma delegação num país terceiro é submetida a um exame médico efectuado por um médico‑assistente da Comissão, a fim de permitir ao serviço de afectação verificar se possui a aptidão física exigida para cumprir todas as obrigações susceptíveis de lhe incumbir, tendo em conta a natureza das suas funções e as condições existentes no local em que devem ser exercidas.

45      A este respeito, o parecer de aptidão, emitido na sequência do exame médico a que foi submetida a recorrente, em virtude do artigo 28.° do Estatuto e do artigo 13.° do ROA, com vista à sua contratação na qualidade de agente temporária em Julho de 2002, para o exercício de funções em Bruxelas, não podia avaliar a sua aptidão para ser afectada a outros locais anos mais tarde.

46      Um exame médico específico justifica‑se tanto mais quanto, por um lado, a particularidade das funções exercidas numa delegação num país terceiro resulta das disposições especiais e derrogatórias do Anexo X do Estatuto e, por outro, o ambiente sanitário, as condições climatéricas e de segurança, bem como o grau de isolamento podem diferir das condições habituais na Comunidade de tal modo que justificam, por vezes, o pagamento de indemnizações compensatórias.

47      Por conseguinte, a exigência de um parecer médico para decidir tais afectações é plenamente justificada no interesse do serviço. Esse parecer não pode limitar‑se ao estado físico do candidato mas deve ter igualmente em conta o seu estado psíquico, incluindo o estabelecimento de um prognóstico de perturbações futuras susceptíveis de pôr em causa, num futuro previsível, o cumprimento normal das funções em causa e/ou que poderiam implicar o repatriamento antecipado do funcionário ou do agente.

48      A este respeito, a Comissão refere que a recorrente qualifica erradamente a nota de 28 de Fevereiro de 2005, pela qual lhe foram comunicados os resultados dos exames médicos efectuados com vista à sua afectação numa delegação externa, de parecer favorável tal como é exigido pelo anúncio de vaga COM/2004/3510/F. Esta nota apenas transmite à recorrente os resultados dos exames médicos considerando‑os normais, à excepção de alguns. Além disso, resulta do seu conteúdo que não pode constituir o parecer médico que é exigido pelo referido anúncio de vaga. Aliás, esta nota não constitui, para a própria recorrente, o parecer médico em questão, uma vez que, na sua petição esta declara que a DG «Relações Externas» a informou em 3 de Março de 2005 que continuava à espera do acordo dos serviços médicos.

49      No que se refere aos relatórios e perícias efectuados pelos médicos especialistas escolhidos pela recorrente, a Comissão entende que não podem vincular a DG «Relações Externas» nem a EHCC para efeitos da contratação da interessada, na medida em que não foram realizados no quadro do reexame do parecer médico do médico A.

50      A Comissão não contesta que o agente confrontado com um parecer médico negativo possa dispor de vias de recurso no plano médico. Aliás, a Comissão afirma que foi para permitir que a recorrente fizesse uso dessa faculdade que o médico A lhe comunicou os contactos de três médicos especialistas em psiquiatria, a fim de esta poder obter um parecer contraditório no quadro do procedimento de afectação na delegação. A este respeito, a Comissão sublinhou, na audiência, que o legislador comunitário não previu um procedimento de contestação do parecer médico no que se refere às nomeações no serviço externo.

51      O recurso a um parecer complementar de um dos peritos independentes indicados pelo médico A teria sido decisivo para resolver as contradições das perícias do médico B e dos médicos E e F. Portanto, é incompreensível que a recorrente não tenha consultado esses peritos, quando foi ela que pediu para conhecer os respectivos nomes.

52      A Comissão acrescenta que o facto de a recorrente não ter seguido o procedimento previsto para a partida para a delegação não lhe conferia o direito a que os pareceres que tinha obtido por sua própria iniciativa fossem tidos em conta. Segundo a Comissão, o funcionário ou o agente não pode substituir o parecer do médico que tem a função estatutária de emitir o parecer exigido pelo parecer dos médicos que tomou a iniciativa de consultar. A única forma de a recorrente contestar o parecer do médico A teria sido consultar um dos médicos‑assistentes indicados por este no seu fax de 22 de Março de 2005.

53      Segundo a Comissão, o parecer favorável do serviço médico previsto pelo anúncio de vaga COM/2004/3510/F devia ser elaborado em circunstâncias diferentes das do exame médico de admissão, na acepção do artigo 33.° do Estatuto e do artigo 13.° do ROA. Estas disposições não são, portanto, aplicáveis no caso vertente. Além disso, nenhum texto regulamentar rege o procedimento médico em caso de afectação a um país terceiro. Por conseguinte, a Comissão seguiu um procedimento autónomo, elaborado com base no anúncio de vaga e adoptado no interesse do serviço.

54      Na audiência, a Comissão precisou que o procedimento previsto no artigo 59.° do Estatuto também não é aplicável ao provimento de um lugar no serviço externo.

55      A Comissão sublinha em seguida que, mesmo supondo que o parecer do médico A seja equiparado ao parecer médico de admissão previsto no artigo 33.° do Estatuto, há que concluir que a recorrente não pediu o reexame do parecer do médico A segundo o procedimento previsto no artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto.

56      Daí resulta que, na falta de um parecer contrário ao do médico A em aplicação do procedimento previsto para esse efeito, a decisão impugnada não está viciada de desvio de poder por se basear unicamente no parecer do médico A.

57      No que respeita ao desvio de poder pretensamente cometido pelo médico A, a Comissão indica que este estava autorizado a emitir um parecer negativo tendo em conta, por um lado, o seu conhecimento do processo médico da recorrente e da perícia do médico B e, por outro, a falta de parecer contraditório. Portanto, o médico A apenas emitiu um juízo profissional. Além disso, a recorrente não alega nem demonstra que o médico A agiu por outros motivos.

 Apreciação do Tribunal

58      Segundo o artigo 10.°, quarto parágrafo, do ROA, o título VIII‑A do Estatuto, relativo às disposições especiais e derrogatórias aplicáveis aos funcionários cujo lugar de afectação seja um país terceiro, aplica‑se por analogia aos agentes temporários afectados a um país terceiro. Nos termos do artigo 101.°‑A do Estatuto, que é o único artigo do referido título, «[sem] prejuízo das outras disposições do Estatuto, o Anexo X estabelece as disposições especiais e derrogatórias aplicáveis aos Funcionários cujo lugar de afectação seja um país terceiro».

59      Há que salientar que o Anexo X do Estatuto não contém disposições especiais ou derrogatórias relativas ao exame médico aquando do recrutamento.

60      Em contrapartida, tal como prevê o artigo 33.°, primeiro parágrafo, do Estatuto relativo aos funcionários, o artigo 13.°, primeiro parágrafo, do ROA, dispõe que o agente temporário é submetido a exame médico por um médico‑assistente da instituição, antes de se proceder à sua admissão, a fim de se verificar se preenche as condições exigidas no n.° 2, alínea d), do artigo 12.° do ROA, para o exercício das suas funções.

61      Além disso, o artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, aplicável por analogia aos agentes temporários, em virtude do artigo 13.°, segundo parágrafo, do ROA, prevê um procedimento interno de recurso contra o parecer emitido pelo médico‑assistente da instituição.

62      A este respeito, há que observar que ao instituir no artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, uma junta médica de recurso, o legislador teve por objectivo criar uma garantia suplementar para os candidatos e, desse modo, melhorar a protecção dos seus direitos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Abril de 1994, A/Comissão, T‑10/93, ColectFP, p. I‑A‑119 e II‑397, n.° 23).

63      Com efeito, em primeiro lugar, uma junta médica constituída por três médicos, da qual não faz parte o médico‑assistente que emitiu o parecer inicial de inaptidão, escolhidos dentre os médicos‑assistentes das instituições, e não apenas dentre os médicos‑assistentes da instituição em questão, representa uma efectiva garantia suplementar para os candidatos (acórdão A/Comissão, já referido, n.° 24). Em segundo lugar, resulta do segundo parágrafo do artigo 33.°, do Estatuto, que o candidato pode submeter à junta médica o parecer de um médico da sua escolha. Além disso, um candidato pode sempre solicitar e conseguir que os fundamentos de um parecer de inaptidão sejam comunicados a um médico da sua escolha. Esta comunicação pode ser feita antes da convocação da junta médica (acórdão A/Comissão, já referido, n.° 25). Em terceiro lugar, resulta do segundo parágrafo do artigo 33.°, do Estatuto, que a junta médica se deve apoiar no processo médico organizado no seio da instituição, ouvido o médico‑assistente que emitiu o parecer de inaptidão, assim como, se for caso disso, no parecer de um médico escolhido livremente pelo candidato. A junta médica pode igualmente basear‑se numa entrevista com o candidato e/ou o seu médico‑assistente e em todos os documentos que aquele considere útil apresentar‑lhe. De resto, a junta médica pode, caso o considere oportuno, submeter o candidato a novo exame médico, ordenando eventualmente a realização de testes complementares ou solicitando o parecer de outros médicos especialistas. De onde se conclui que a junta médica se encontra em posição de proceder a um reexame completo e imparcial da situação do candidato (acórdão A/Comissão, já referido, n.° 27).

64      Além disso, há que referir que o Estatuto prevê igualmente, para situações que não sejam as de recrutamento, mecanismos que permitem ao funcionário dar conhecimento da sua opinião no decurso dos procedimentos de exame médico. Assim, os quinto, sexto e sétimo parágrafos do artigo 59.°, n.° 1, do Estatuto, prevêem o recurso a um sistema de arbitragem quando o funcionário considere que as conclusões do exame médico, organizado pela AIPN no quadro de uma licença por doença, são injustificadas do ponto de vista médico. Quanto ao procedimento de concessão de um subsídio de invalidez, o artigo 7.°, primeiro parágrafo, do Anexo II do Estatuto prevê que o funcionário pode designar um dos três médicos que compõem a comissão encarregada de apreciar a existência de uma invalidez.

65      No caso vertente, há que recordar, em primeiro lugar, que a recorrente trabalhava ao serviço da Comissão no momento da entrega da sua candidatura ao lugar de chefe da Administração da delegação na Guiné e que estava previsto recrutá‑la para o lugar referido, como agente temporária nos âmbito do artigo 2.°, alínea b), do ROA, tal como resulta da nota de 17 de Fevereiro de 2005 da DG «Relações Externas».

66      Em segundo lugar, nos termos do anúncio de vaga COM/2004/3510/F, a nomeação do candidato ao lugar de chefe da Administração da delegação na Guiné «[estava] sujeita ao parecer prévio favorável do [s]erviço [m]édico […]». No caso vertente, o serviço médico emitiu um parecer de inaptidão da recorrente para o seu recrutamento no lugar em causa. Portanto, através da decisão impugnada, a recorrente foi informada de que não seria recrutada.

67      Segundo a Comissão, nenhum texto prevê a faculdade de a recorrente obter, através de um procedimento especial, o reexame médico do parecer de inaptidão emitido pelo médico‑assistente com vista à afectação a uma delegação. A Comissão não contesta, todavia, que o destinatário de um parecer médico negativo possa dispor de vias de recurso no plano médico. Aliás, a Comissão afirma que o médico‑assistente comunicou à recorrente os contactos de três médicos especialistas em psiquiatria, a fim de esta poder obter um parecer contraditório.

68      A recorrente sustenta, por um lado, que os pareceres médicos dos médicos que ela tinha escolhido deveriam ter sido tidos em conta no quadro do processo de recrutamento. Por outro lado, considera que a possibilidade de recorrer ao parecer da junta médica, prevista no artigo 33.°, segundo parágrafo, do Estatuto, era aplicável no seu caso. Importa, pois, entender a posição da recorrente no sentido de que diz respeito aos direitos de defesa, dado que não teve a possibilidade de ser ouvida de modo útil antes de ser tomada a decisão impugnada, designadamente através da intervenção de um médico da sua escolha, como prevê o segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto.

69      Antes de mais, há que referir que o procedimento observado pela Comissão, com base no qual se adoptou a decisão impugnada, não respeitou as garantias relacionadas com os direitos de defesa, como previstas no segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto.

70      Com efeito, ainda que, no caso vertente, se deva admitir que o procedimento de elaboração do parecer médico não era desprovido de todas as garantias próprias de um procedimento contraditório, uma vez que a recorrente tinha a possibilidade de consultar outros peritos independentes para contrabalançar o parecer do médico A e a perícia do médico B, há todavia, que reconhecer que este procedimento é essencialmente diferente dos procedimentos expostos nos n.os 63 e 64 supra, uma vez que não garante, designadamente, que o parecer de um médico escolhido livremente pelo candidato seja tido em conta na elaboração do parecer médico definitivo.

71      Além disso, há que salientar que não resulta da argumentação da Comissão que o procedimento seguido no caso vertente estivesse previsto num texto jurídico. Aliás, este procedimento não decorre de uma prática previamente estabelecida que as pessoas em questão conheçam antecipadamente.

72      A Comissão afirma todavia que o interesse do serviço exige, devido às condições particulares em certos países terceiros, que o serviço médico emita o seu parecer em condições diferentes das do exame médico previsto no artigo 13.° do ROA para os agentes temporários e do exame previsto no artigo 33.° do Estatuto, que apenas dizem respeito ao primeiro recrutamento. Segundo a Comissão, o processo aplicável no caso vertente é autónomo, efectuado com base no anúncio de vaga e no interesse do serviço.

73      No entanto, a Comissão não explicou, na audiência, as razões pelas quais, no procedimento previsto no artigo 13.° do ROA e no artigo 33.° do Estatuto, não podem ser tidas em conta as exigências especiais quanto à aptidão física dos candidatos aos lugares situados em países terceiros. Também não precisou de que modo o interesse do serviço justifica ou exige que o referido candidato ao recrutamento não beneficie de garantias análogas às previstas no artigo 13.° do ROA e no artigo 33.° do Estatuto.

74      Por fim, nada nas disposições do artigo 13.° do ROA e do artigo 33.° do Estatuto permite concluir que o procedimento que prevêem apenas possa aplicar‑se aos agentes temporários contratados pela primeira vez pelas Comunidades. A este respeito, a afirmação da Comissão segundo a qual os candidatos recrutados novamente pela Comissão com vista a serem afectados a países terceiros foram submetidos a dois exames médicos, um previsto pelo artigo 33.° do Estatuto e o segundo previsto pelo anúncio de vaga, não é convincente. Aliás, na sua resposta à reclamação introduzida pela recorrente, a AIPN faz uma remissão explícita para o disposto no artigo 33.° do Estatuto e no artigo 13.° do ROA.

75      Resulta do conjunto das considerações precedentes que o legislador comunitário estabeleceu, em matéria de procedimento de exame médico, mecanismos que oferecem aos candidatos ao recrutamento, aos funcionários ou aos agentes a possibilidade de fazerem valer de modo útil a sua opinião, permitindo‑lhes, designadamente, a intervenção de um médico da sua escolha.

76      Tendo em conta o objectivo de garantir o respeito dos direitos de defesa pelos mecanismos acima referidos, e na falta, por um lado, de disposições que instituam um procedimento autónomo aplicável aos agentes temporários cujo lugar de afectação seja um país terceiro ou de outros motivos pertinentes e, por outro, de razões que justifiquem a inaplicabilidade, nas circunstâncias do caso vertente, do segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto, há que considerar que o procedimento de recrutamento desses agentes deve respeitar o segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto. No caso em apreço, conforme o exposto nos n.os 69 e 70 do presente acórdão, o procedimento observado infringiu o disposto no segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto.

77      Por conseguinte, há que concluir que a decisão impugnada violou o segundo parágrafo do artigo 33.° do Estatuto.

78      Daí resulta que a decisão impugnada deve ser anulada, sem que haja necessidade de analisar os outros fundamentos suscitados pela recorrente no quadro do seu pedido de anulação.

 Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos das partes

79      A recorrente sustenta que sofreu, devido à decisão impugnada, um prejuízo excepcional resultante da oportunidade perdida e de irregularidades.

80      A recorrente pede que seja reconhecida a existência de um direito a indemnização por motivos de ordem material (preparação da mudança, rendas, etc.) e moral. Na sua réplica, a recorrente pede que lhe seja pago a título provisional, provisoriamente e com todas as reservas, o montante de 1 euro, em reparação dos seus prejuízos materiais e morais.

81      A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que quando o prejuízo resulta de um comportamento da administração desprovido de carácter decisório, o procedimento administrativo deve ter início com a introdução de um requerimento ao abrigo do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto. No caso em apreço, a recorrente não observou este procedimento. O seu pedido de indemnização é, portanto, inadmissível.

82      Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a recorrente não precisou, na sua petição, a extensão exacta dos danos sofridos. Por conseguinte, não preencheu os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. A Comissão refere que apesar de o Tribunal de Primeira Instância ter reconhecido que, em certos casos especiais, não é indispensável indicar na petição a extensão exacta dos danos sofridos, no caso vertente a recorrente não demonstrou nem sequer alegou a existência de circunstâncias que justifiquem tal omissão.

83      Em terceiro lugar, a Comissão indica que a decisão impugnada não é ilegal e, por conseguinte, não há que conceder uma indemnização à recorrente.

 Apreciação do Tribunal

84      O artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, era aplicável mutatis mutandis ao Tribunal da Função Pública, em virtude do artigo 3.°, n.° 4, da Decisão 2004/752, até à entrada em vigor do Regulamento de Processo deste último, ou seja, 1 de Novembro de 2007.

85      Tendo a petição dado entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Outubro de 2005, o disposto no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do referido Tribunal da Função Pública é aplicável ao presente processo.

86      Nos termos deste artigo, a petição deve, designadamente, indicar o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados. Para cumprir estas exigências, uma petição que se destine à reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o recorrente reprova à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que pretende ter sofrido, bem como a natureza e extensão deste prejuízo. Em contrapartida, um pedido de indemnização indeterminada carece da necessária precisão e deve, por isso, ser julgado inadmissível (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Colect., p. 375, n.° 9; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Julho de 1994, Osório/Comissão, T‑505/93, ColectFP, p. I‑A‑179 e II‑581, n.° 33, e de 15 de Fevereiro de 1995, Moat/Comissão, T‑112/94, ColectFP, p. I‑A‑37 e II‑135, n.° 32; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2006, Gordon/Comissão, T‑175/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42).

87      No caso vertente, há que observar que, ao reclamar, na sua petição, que «[se] [r]econheça […] a existência do seu direito a indemnização a quantificar posteriormente, que resulta dos danos materiais e morais […] infligidos pela [Comissão]», a recorrente não quantificou o montante do prejuízo que entende ter sofrido. O facto de ter pedido, na sua réplica, a condenação da Comissão a indemnizá‑la «pelo prejuízo material e moral sofrido, limitado provisoriamente e com todas as reservas ao montante provisional de 1 euro», não fornece as precisões exigidas pela jurisprudência acima referida.

88      A recorrente também não indicou os elementos de facto que permitiriam apreciar a extensão do prejuízo alegadamente sofrido (despacho Moat/Comissão, já referido, n.° 35). É certo que indicou ao Tribunal que sofreu um prejuízo material devido à perda de remuneração decorrente da recusa de a recrutar e dos preparativos para a sua partida, a saber, um arrendamento de curta duração para seu alojamento, formações, vacinações, etc. Todavia, estas indicações sumárias não são susceptíveis de permitir uma apreciação precisa da extensão do prejuízo.

89      Ora, admitindo que está demonstrado, há que considerar que o prejuízo material era perfeitamente avaliável, desde a fase da reclamação e, a fortiori, aquando da introdução da petição, dado que esse prejuízo material se funda, por um lado, numa perda de rendimentos resultante do não recrutamento e, por outro, nas despesas incorridas pela recorrente com vista à sua partida para África.

90      Além disso, apesar de o juiz comunitário ter admitido que, em circunstâncias especiais, não é indispensável precisar na petição a extensão exacta do prejuízo e quantificar o montante da reparação pedida (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2004, Hectors/Parlamento Europeu, C‑150/03 P, Colect., p. I‑8691, n.° 62; despacho Osório/Comissão, já referido, n.° 35) há que salientar que, no caso vertente, a recorrente não demonstrou nem sequer invocou a existência de tais circunstâncias (v., neste sentido, despachos Osório/Comissão, já referido, n.° 35 e Moat/Comissão, já referido, n.° 37).

91      Quanto ao dano moral, há que sublinhar que, além da total falta de avaliação desse dano, a recorrente não colocou o Tribunal na posição de poder apreciar a respectiva extensão e carácter. Ora, quer a reparação do dano moral invocado seja pedida a título simbólico quer o seja para efeitos de obter uma verdadeira indemnização, incumbe ao recorrente precisar a natureza do dano moral invocado, à luz do ou dos comportamentos censurados à Comissão, e seguidamente detalhar, ainda que de modo aproximativo, a avaliação global desse dano (despacho Moat/Comissão, já referido, n.° 38; acórdão Gordon/Comissão, já referido, n.° 45).

92      Daí resulta que o pedido de indemnização não preenche as condições de admissibilidade.

93      Aliás, convém acrescentar que, mesmo admitindo que a recorrente apenas tenha pedido uma condenação simbólica, há que considerar que a anulação da decisão impugnada constitui, no caso vertente, uma reparação suficiente e adequada dos seus prejuízos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Março de 2000, Vicente Nuñez/Comissão, T‑10/99, Colect., I‑A‑47 e II‑203, n.° 48).

94      Resulta das considerações expostas que há que dar provimento ao recurso, no que respeita ao pedido de anulação da decisão impugnada, e negar provimento ao pedido indemnizatório.

 Quanto às despesas

95      Em virtude do artigo 122.° do Regulamento de Processo, as disposições do capítulo VIII do título II do referido regulamento, relativas às despesas e aos encargos judiciais, apenas se aplicam aos processos intentados no Tribunal da Função Pública, e isto a contar da data de entrada em vigor do Regulamento de Processo. As disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância pertinentes na matéria continuam a aplicar‑se mutatis mutandis aos processos pendentes no Tribunal antes dessa data.

96      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, em virtude do artigo 88.° do mesmo Regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. Se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar, em aplicação do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, que as despesas sejam repartidas ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

97      Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      A decisão do director da Direcção K «Serviço Externo» da Direcção‑Geral «Relações Externas» da Comissão das Comunidades Europeias, de 15 de Abril de 2005, que informou a recorrente de que não seria recrutada na qualidade de chefe da Administração da delegação situada na Guiné, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao mais.

3)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

Van Raepenbusch

Boruta

Kanninen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      S. Van Raepenbusch

O texto da presente decisão, bem como os das decisões das jurisdições comunitárias nela citadas ainda não publicadas na Colectânea estão disponíveis no sítio Internet do Tribunal de Justiça, www.curia.europa.eu


* Língua do processo: francês.