Language of document : ECLI:EU:T:2002:189

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

11 de Julho de 2002 (1)

«Direitos aduaneiros - Importação de televisores provenientes da Índia - Certificados de origem não válidos - Pedido de dispensa do pagamento de direitos de importação - Artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1430/79 - Direito de defesa - Situação especial»

No processo T-205/99,

Hyper Srl, estabelecida em Limena (Itália), representada por D. Ehle e D. Ehle, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J.-C. Schieferer, na qualidade de agente, assistido por M. Nuñez-Müller, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão REM 14/98 da Comissão, de 5 de Fevereiro de 1999, que declara que a dispensa do pagamento dos direitos de importação, devidos pela recorrente, por televisores provenientes da Índia não é justificada,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, K. Lenaerts e J. Azizi, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento geral do processo

1. Contexto jurídico

Regulamentação relativa à dispensa do pagamento de direitos aduaneiros

1.
    As condições para a dispensa do pagamento de direitos aduaneiros, aplicáveis ao caso vertente, estão fixadas no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1430/79 do Conselho, de 2 de Julho de 1979, relativo ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação (JO L 175, p. 1; EE 02 F6 p. 36), na versão alterada pelo artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento (CEE) n.° 3069/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (JO L 286, p. 1). Este artigo dispõe:

«Pode proceder-se [...] à dispensa de pagamento dos direitos de importação em situações especiais [...] que resultem de circunstâncias que não implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado.»

2.
    O artigo 4.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 3799/86 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1986, que fixa as disposições de aplicação dos artigos 4.°-A, 6.°-A, 11.°-A e 13.° do Regulamento n.° 1430/79 (JO L 352, p. 19), entende por situação que não constitui, por si só, uma situação especial na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 «[a] apresentação, ainda que de boa fé, para concessão de um tratamento pautal preferencial a favor das mercadorias declaradas para livre prática, de documentos que posteriormente se verificou serem falsos, falsificados ou não válidos para a concessão desse tratamento pautal preferencial.»

3.
    Quanto às disposições processuais pertinentes em matéria de dispensa do pagamento de direitos aduaneiros, importa referir os artigos 235.° a 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), e os artigos 878.° a 909.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1).

4.
    Resulta, nomeadamente, destas disposições que o procedimento administrativo para dispensa do pagamento de direitos aduaneiros comporta duas etapas. O sujeito passivo deve, em primeiro lugar, apresentar o seu pedido de dispensa na «estância aduaneira de registo de liquidação», estância onde se efectuou o registo de liquidação dos direitos de importação ou de exportação cujo reembolso ou dispensa de pagamento são requeridos, que o transmite à «autoridade aduaneira decisória», autoridade nacional habilitada a decidir do pedido (artigo 879.° do Regulamento n.° 2454/93). Se esta autoridade entender que não há lugar à dispensa, pode, segundo a regulamentação, decidir nesse sentido sem submeter o pedido à Comissão. Em contrapartida, se não puder decidir com base nos artigos 899.° e seguintes do Regulamento n.° 2454/93, os quais definem um determinado número de situações em que a dispensa do pagamento pode ou não ser concedida, e «o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado», o Estado-Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão (artigo 905.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2454/93). O dossier transmitido à Comissão deve conter todos os elementos necessários a um exame completo do caso apresentado, bem como uma declaração assinada pelo requerente da dispensa que certifique que este «pôde tomar conhecimento do processo, indicando se essa pessoa não tem nada a acrescentar ou referindo qualquer outro elemento adicional que considera dever constar do processo» (artigo 905.°, n.° 2). Em seguida, após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros, reunidos no âmbito do comité aduaneiro para análise do caso em apreço, a Comissão «adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica, ou não, [...] a dispensa do pagamento» (artigo 907.°, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento). Essa decisão deve ser adoptada no prazo de nove meses a contar da data de recepção pela Comissão do dossier transmitido pelo Estado-Membro (artigo 907.°, segundo parágrafo, do mesmo regulamento) e deve ser notificada ao Estado-Membro em causa no mais curto prazo (artigo 908.°, n.° 1, do mesmo regulamento). É com base nesta decisão da Comissão que a autoridade aduaneira decisória decidirá do pedido que lhe foi apresentado (artigo 908.°, n.° 2, do mesmo regulamento).

5.
    Importa, além disso, referir que, após a entrada em vigor, em 6 de Agosto de 1998, do Regulamento (CE) n.° 1677/98 da Comissão, de 29 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 2454/93 (JO L 212, p. 18), este último regulamento contém um novo artigo 906.°-A, que dispõe:

«Em qualquer momento do procedimento previsto nos artigos 906.° e 907.° e sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável ao requerente [... ] da dispensa do pagamento, deverá comunicar-lhe as suas objecções por escrito, bem como todos os documentos em que se fundamentam as referidas objecções. O requerente [...] da dispensa do pagamento deverá apresentar as suas observações por escrito no prazo de um mês a contar da data de envio das referidas objecções. Caso não tenha apresentado as suas observações no referido prazo, considera-se que renunciou à possibilidade de manifestar a sua posição.»

Sistema de preferências pautais generalizadas aplicável aos produtos originários da Índia

6.
    O Regulamento (CEE) n.° 3831/90 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1990, que aplica preferências pautais generalizadas para o ano de 1991 a certos produtos industriais originários de países em vias de desenvolvimento (JO L 370, p. 1), aplicável ao caso vertente, concede preferências pautais generalizadas, nomeadamente, para produtos industriais acabados e semiacabados provenientes de países em vias de desenvolvimento.

7.
    O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 3831/90 prevê a suspensão dos direitos da pauta aduaneira comum, durante o período de 1 de Janeiro até 31 de Dezembro de 1991, para os produtos abrangidos pelo regulamento (a seguir «regime preferencial». Esta medida foi prorrogada até 31 de Dezembro de 1992 pelo Regulamento (CEE) n.° 3587/91 do Conselho, de 3 de Dezembro de 1991 (JO L 341, p. 1).

8.
    Entre os países beneficiários do sistema de preferências pautais instaurado pelo Regulamento n.° 3831/90 figura, nomeadamente, a República da Índia (artigo 1.°, n.° 2, segundo travessão, que remete para o Anexo III). Quanto à lista dos produtos abrangidos por esse sistema, menciona, nomeadamente, os televisores a cores abrangidos pela posição pautal 8528 (artigo 1.°, n.° 1, que remete para o Anexo I).

9.
    Para determinar a origem das mercadorias e, portanto, a possibilidade de beneficiar do regime preferencial, o artigo 1.°, n.° 4, do Regulamento n.° 3831/90 remete para as regras estabelecidas pelo Regulamento (CEE) n.° 693/88 da Comissão, de 4 de Março de 1988, relativo à definição da noção de produtos originários para efeitos de aplicação de preferências pautais concedidas pela Comunidade Económica Europeia a determinados produtos de países em vias de desenvolvimento (JO L 77, p. 1).

Regras relativas à definição da origem dos produtos

10.
    O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 693/88 dispõe:

«[...] são considerados como produtos originários de um país beneficiário dessas preferências [...]:

a)    Os produtos inteiramente obtidos neste país;

b)    Os produtos obtidos neste país e em cujo fabrico entraram outros produtos além dos referidos na alínea a) na condição de que os ditos produtos tenham sido objecto de suficientes operações de complemento de fabrico ou transformações [...]»

11.
    No que respeita em particular aos televisores a cores abrangidos pela posição pautal 8528, resulta da leitura combinada do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 693/88 e do Anexo III deste regulamento que, quando para o seu fabrico são usadas matérias que não beneficiem de preferências pautais, aqueles produtos podem ser considerados como tendo sido objecto de um complemento de fabrico ou de uma transformação suficiente, se o valor de todas as matérias não originárias utilizadas não exceder 40% do preço à saída da fábrica.

12.
    Os produtos originários, na acepção do Regulamento n.° 693/88, podem, em princípio, ser importados na Comunidade beneficiando de preferências pautais, mediante a apresentação de um certificado de origem modelo A. Este certificado é emitido quer pelas autoridades aduaneiras quer por outras autoridades governamentais do país de exportação, «desde que este último [...] preste assistência à Comunidade permitindo às autoridades aduaneiras dos Estados-Membros verificar a autenticidade do documento ou a exactidão das informações relativas à origem real dos produtos em causa» (artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 693/88). Deve ser apresentado às autoridades do Estado-Membro de importação (artigo 9.° do mesmo regulamento).

13.
    Constituindo o certificado de origem a prova documental para efeito da aplicação das disposições relativas às preferências pautais, cabe às autoridades competentes do país exportador tomar as disposições necessárias à verificação da origem dos produtos e ao controlo dos outros elementos do certificado (artigo 19.° do Regulamento n.° 693/88). Neste sentido, as autoridades têm, nomeadamente, o direito de exigir quaisquer provas documentais ou de proceder a quaisquer controlos que julguem adequados (artigo 20.°, n.° 5, do mesmo regulamento).

14.
    Sempre que as autoridades aduaneiras competentes na Comunidade tenham dúvidas fundamentadas quanto à autenticidade de um certificado de origem ou à exactidão das informações respeitantes à origem real dos produtos em causa, será efectuado um controlo a posteriori do certificado (artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 693/88). Para este efeito, as autoridades aduaneiras devolvem o certificado à autoridade governamental competente do país exportador, indicando, sendo caso disso, os motivos de conteúdo ou de forma que, segundo elas, justificam esse controlo (artigo 13.°, n.° 2, do mesmo regulamento).

15.
    Caso tenha sido solicitado, o controlo a posteriori será efectuado e os seus resultados serão comunicados às autoridades aduaneiras da Comunidade, no prazo máximo de seis meses. Esses resultados deverão permitir determinar se o certificado de origem duvidoso é aplicável aos produtos realmente exportados e se estes podem efectivamente dar lugar à aplicação das disposições respeitantes às preferências pautais (artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 693/88).

2. Factos e tramitação processual

As importações controvertidas

16.
    A recorrente é uma sociedade de direito italiano cuja sede está estabelecida em Limena (Itália). Importou dois lotes de 700 televisores a cores provenientes da Índia, abrangidos pela posição pautal 8528 (a seguir «importações controvertidas»). Esses televisores foram fabricados, vendidos e exportados pela sociedade Weston Electroniks, estabelecida em Nova Deli (Índia) (a seguir «exportador»).

17.
    A origem indiana dos televisores foi atestada por dois certificados de origem com os números de referência 4371009 e 4649001, emitidos pelas autoridades indianas a pedido do exportador, respectivamente, em Maio e Setembro de 1992 (a seguir «certificados controvertidos»).

18.
    Durante os meses de Agosto e Outubro de 1992, os televisores foram colocados em livre prática em Itália, com autorização da estância aduaneira de Pádua, estância aduaneira de registo de liquidação, que, com base nos certificados controvertidos, concedeu as preferências pautais previstas no Regulamento n.° 3831/90.

Retirada dos certificados controvertidos e aviso de cobrança das autoridades aduaneiras italianas

19.
    Por ofício de 9 de Setembro de 1994, a Embaixada da Índia em Bruxelas informou a recorrida de que um determinado número de certificados de origem, incluindo os certificados controvertidos, tinham sido retirados pelas autoridades governamentais indianas.

20.
    Tendo tomado conhecimento dessa retirada através da recorrida, as autoridades aduaneiras italianas dirigiram à recorrente, em 8 de Março de 1995, um aviso de cobrança a posteriori de direitos aduaneiros, no montante total de 33 101 795 liras italianas (ITL).

Procedimento administrativo perante as autoridades italianas e comunitárias

21.
    Por carta de 20 de Setembro de 1996, a recorrente enviou à estância aduaneira de Pádua um pedido de dispensa do pagamento dos direitos aduaneiros por esta reclamados.

22.
    O referido pedido foi transmitido ao Ministério das Finanças italiano, autoridade aduaneira decisória. Uma vez que considerou que as condições para a dispensa do pagamento estavam preenchidas no caso concreto, esse ministério transmitiu o caso à recorrida, por ofício de 22 de Abril de 1998, nos termos do artigo 905.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2454/93.

23.
    Importa referir que, antes da transmissão do pedido de dispensa à recorrida, a recorrente havia declarado às autoridades italianas, por carta de 10 de Dezembro de 1997, que não tinha observações a fazer quanto ao projecto de pedido de dispensa e que o processo instruído pelas autoridades italianas estava completo.

24.
    Na sequência da transmissão do pedido de dispensa pelo Ministério das Finanças italiano, a recorrida examinou o caso à luz dos artigos 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 e 905.° e seguintes do Regulamento n.° 2454/93.

25.
    Por ofício de 29 de Julho de 1998, a recorrida informou a recorrente da sua intenção de não deferir o pedido de dispensa na medida em que tinha dúvidas quanto à existência de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Antes de tomar uma decisão definitiva, convidou, porém, a recorrente a comunicar-lhe eventuais observações, no prazo de um mês.

26.
    Em resposta a este ofício, a recorrente tomou posição, por carta de 25 de Agosto de 1998, a respeito dos elementos que, segundo a recorrida, não justificavam a concessão da dispensa dos direitos aduaneiros.

27.
    Após tomar conhecimento dessas observações, a recorrida consultou, antes de tomar uma decisão definitiva, o grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros, reunidos no quadro do Comité do Código Aduaneiro, tal como previsto no artigo 907.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2454/93. O comité examinou o processo na sua reunião de 16 de Outubro de 1998.

28.
    Por último, pela Decisão REM 14/98, de 5 de Fevereiro de 1999 (a seguir «decisão impugnada»), a recorrida indeferiu o pedido de dispensa transmitido pelo Ministério das Finanças italiano. Esta decisão foi notificada à recorrente em 9 de Julho de 1999.

Processo contencioso

29.
    A recorrente instaurou o presente recurso de anulação da decisão impugnada por petição de 13 de Setembro de 1999, entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Setembro do mesmo ano.

30.
    Por despacho do presidente da Terceira Secção de 13 de Setembro de 2000, o processo foi suspenso até ser proferida a decisão que pôs termo aos processos apensos T-186/97, T-187/97, T-190/97 a T-192/97, T-210/97, T-211/97, T-216/97 a T-218/97, T-279/97, T-280/97, T-293/97 e T-147/99, Kaufring e o./Comissão. Este acórdão, que anulou as decisões controvertidas em todos esses processos, foi proferido em audiência pública em 10 de Maio de 2001 (Colect., p. II-1337; a seguir «acórdão televisores turcos»).

31.
    Por ofício de 31 de Julho de 2001, o Tribunal convidou a Comissão a pronunciar-se acerca da tramitação processual a dar ao presente processo, tendo em atenção o acórdão televisores turcos.

32.
    Por ofício de 13 de Setembro de 2001, a Comissão informou o Tribunal de que, em seu entender, o acórdão televisores turcos não tinha consequências processuais especiais para o presente processo, na medida em que os factos e a tramitação processual naqueles processos não eram comparáveis aos do caso vertente.

33.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral e colocar às partes determinadas questões escritas. Além disso, satisfazendo um pedido da recorrente nesse sentido, solicitou à recorrida que apresentasse certos documentos, nomeadamente, os relatórios das inspecções que efectuou na Índia, a correspondência trocada com as autoridades indianas e o processo transmitido pelas autoridades italianas, em que baseou a decisão impugnada. As partes responderam a essas questões e pedidos de apresentação de documentos no prazo fixado para o efeito.

34.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal na audiência de 6 de Março de 2002.

Conclusões das partes

35.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a recorrida nas despesas.

36.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

1. Exposição sumária dos fundamentos

37.
    Em apoio do seu recurso de anulação, a recorrente invoca, por um lado, a violação do princípio do respeito do direito de defesa e, por outro, a violação do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

38.
    Na petição, a recorrente alegou igualmente que a decisão impugnada viola o artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativo à cobrança a posteriori dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham sido exigidos ao devedor por mercadorias declaradas para um regime aduaneiro que implica a obrigação de pagamento dos referidos direitos (JO L 197, p. 1; EE 02 F6 p. 54). Contudo, na sequência de uma questão do Tribunal, a recorrente confirmou na audiência que desistia desse fundamento.

2. Quanto ao fundamento de violação do princípio do respeito do direito de defesa

Argumentação das partes

39.
    A recorrente alega que o princípio do respeito do direito de defesa não foi observado no quadro do procedimento administrativo. Este fundamento articula-se em duas partes.

40.
    No âmbito da primeira parte, a recorrente sublinha que a recorrida violou o princípio do respeito do direito de defesa na medida em que não lhe comunicou o conjunto dos documentos em que baseou a decisão impugnada.

41.
    A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante, este princípio exige que seja dada a possibilidade, a qualquer pessoa contra a qual possa ser adoptada uma decisão que afecte os seus interesses, de dar a conhecer, em tempo útil, a sua posição, pelo menos quanto aos elementos que lhe são contrários e que a Comissão utilizou para fundamentar a sua decisão (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T-42/96, Colect., p. II-401, n.° 78). Sublinha, além disso, que o artigo 906.°-A do Regulamento n.° 2454/93 reflecte este princípio, na medida em que, nos termos dessa disposição, quando pretende adoptar uma decisão de indeferimento de um pedido de dispensa, a Comissão está obrigada a comunicar por escrito ao interessado as suas objecções, bem como todos os documentos que lhes servem de base. Por outro lado, deve permitir que o interessado tome posição a respeito desses elementos.

42.
    Ora, segundo a recorrente, aquele princípio e o artigo 906.°-A não foram respeitados no caso vertente, uma vez que não teve, no quadro do procedimento administrativo, acesso a todos os documentos que serviram de fundamento à decisão impugnada da recorrida. Entre outros, não teve acesso, nomeadamente, às comunicações das autoridades indianas relativas à retirada dos certificados controvertidos que indicam as razões dessa retirada e o ponto de vista do exportador a esse respeito. De igual modo, afirma não ter tido acesso nem aos relatórios elaborados pelos serviços da recorrida sobre a importação de televisores a cores provenientes da Índia nem às eventuais conclusões comuns da recorrida e das autoridades indianas quanto à origem dessas mercadorias. Sublinha igualmente que nenhum desses documentos lhe foi comunicado em anexo ao ofício da recorrida de 29 de Julho de 1998, o qual continha um mero resumo do processo e observações muito gerais acerca das alegadas verificações e conclusões das autoridades indianas. A recorrente refere, além disso, que o ofício da Embaixada da Índia de 9 de Setembro de 1994, que informava a recorrida da retirada dos certificados controvertidos, só lhe foi comunicado em anexo à contestação.

43.
    A este respeito, a recorrente contesta a argumentação da recorrida segundo a qual o princípio do respeito do direito de defesa foi observado no caso vertente uma vez que a recorrente declarou, em 10 de Dezembro de 1997, que havia tomado conhecimento do processo das autoridades italianas e nada tinha a acrescentar. Sublinha que, embora resulte dessa declaração que teve acesso ao processo, nem por isso é menos verdade que não teve acesso a outros documentos na posse daquelas autoridades, nomeadamente, a correspondência trocada com a recorrida e o ofício do Governo indiano relativo à retirada dos certificados controvertidos. Contesta, por outro lado, a alegação da recorrida segundo a qual esta não teria acrescentado qualquer documento ao processo transmitido pelas autoridades italianas.

44.
    No âmbito da segunda parte do presente fundamento, a recorrente alega que a recorrida violou o seu direito de defesa ao não lhe dar acesso a todo o seu processo, no que respeita às importações de televisores a cores provenientes da Índia. Salienta que, apesar de a recorrida ter, erradamente, omitido esta garantia processual no artigo 906.°-A do Regulamento n.° 2454/93, o direito de acesso ao processo está expressamente reconhecido pela jurisprudência.

45.
    A este respeito, a recorrente refere o acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra (n.os 78 a 80), donde resulta que o direito de acesso ao processo está inserido nas garantias processuais que têm por fim proteger o direito a ser ouvido e que o mesmo deve ser especialmente reconhecido quando o interessado denuncie omissões graves por parte da Comissão. Segundo a recorrente, decorre igualmente desse acórdão, por um lado, que a Comissão está obrigada, a pedido, a dar acesso a todos os documentos administrativos não confidenciais relativos à decisão impugnada e, por outro, que a Comissão não está autorizada a proceder a uma pré-selecção desses documentos na medida em que não se pode excluir a possibilidade de os documentos considerados não pertinentes pela Comissão apresentarem interesse para o requerente da dispensa (acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, já referido, n.° 81; v. igualmente, em matéria de concorrência, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR/Comissão, T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colect., p. II-491). A recorrente sublinha ainda que, tal como resulta do acesso ao dossier nos processos televisores turcos, o direito de acesso abrange não só os documentos não confidenciais mas também os documentos confidenciais.

46.
    Ora, a recorrente salienta que, no caso vertente, não teve qualquer acesso ao processo da recorrida, embora tenha denunciado omissões graves por parte desta. Além disso, considera que a recorrida, de sua própria iniciativa e sem ser necessário um pedido expresso da recorrente nesse sentido, deveria ter indicado que tal acesso era possível no âmbito do processo de consulta.

47.
    Na audiência, a recorrente alegou igualmente que, em seu entender, a não comunicação dos relatórios de missão elaborados pela recorrida constitui uma violação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento (Euratom, CE) n.° 2185/96 do Conselho, de 11 de Novembro de 1996, relativo às inspecções e verificações no local efectuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO L 292, p. 2), bem como dos artigos 12.°, 20.° e 21.° do Regulamento (CE) n.° 515/97 do Conselho, de 13 de Março de 1997, relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola (JO L 82, p. 1), na medida em que resulta dessas disposições que esses relatórios podem ser invocados como elementos de prova no quadro de processos administrativos e judiciais.

48.
    A recorrida contesta ter violado o direito de defesa da recorrente no quadro do procedimento administrativo.

Apreciação do Tribunal

Observações liminares

49.
    Segundo jurisprudência constante, no que respeita ao poder de apreciação de que a Comissão dispõe quando adopta uma decisão em aplicação da cláusula geral de equidade prevista no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, o respeito do direito a ser ouvido deve ser especialmente garantido nos procedimentos de dispensa de pagamento ou de reembolso de direitos de importação (v., nomeadamente, acórdão televisores turcos, n.° 152, e jurisprudência aí citada). Esta conclusão impõe-se em particular quando, no quadro da competência exclusiva de que dispõe nos termos do artigo 905.° do Regulamento n.° 2454/93, a Comissão pretende afastar-se da opinião da autoridade nacional quanto à satisfação das condições previstas no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France-aviation/Comissão, T-346/94, Colect., p. II-2841, n.° 36).

50.
    O princípio do respeito do direito de defesa exige que seja dada a possibilidade, a qualquer pessoa contra a qual possa ser adoptada uma decisão que afecte os seus interesses, de dar a conhecer, em tempo útil, a sua posição, pelo menos quanto aos elementos que lhe são desfavoráveis e que a Comissão utilizou para fundamentar a sua decisão (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C-135/92, Colect., p. I-2885, n.° 40, e de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 21).

51.
    É à luz destes princípios que se deve examinar as duas partes do fundamento de violação do princípio do respeito do direito de defesa.

Primeira parte: quanto à não comunicação de documentos em que a recorrida baseou a decisão impugnada

52.
    É manifesto que, pelo ofício da recorrida de 29 de Julho de 1998, foi dada à recorrente a oportunidade de, antes da adopção da decisão impugnada, tomar posição e dar a conhecer o seu ponto de vista quanto aos elementos que, segundo a recorrida, justificavam o indeferimento do seu pedido de dispensa.

53.
    A recorrente não contesta esses factos. Alega, porém, que o princípio do respeito do direito de defesa foi violado na medida em que não teve acesso a todos os documentos em que a recorrida baseou a decisão impugnada.

54.
    A este respeito, importa observar que a recorrida precisou, nos seus articulados e na audiência, ter baseado a decisão impugnada apenas no dossier que lhe foi transmitido pelas autoridades italianas, nos termos do artigo 905.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2454/93.

55.
    Ora, resulta da declaração feita pela recorrente em 10 de Dezembro de 1997 que esta teve acesso a todo esse dossier, no quadro procedimento administrativo perante aquelas autoridades. Além disso, contrariamente aos casos objecto do acórdão televisores turcos (n.os 182 e 183), não resulta da decisão impugnada que a recorrida tenha baseado esta decisão noutros documentos além dos que figuram no processo transmitido pelas autoridades nacionais. Em particular, nenhum elemento da decisão impugnada permite demonstrar que, como alega a recorrente, essa decisão tenha sido baseada nos relatórios elaborados pelos serviços da recorrida no que respeita à importação de televisores a cores provenientes da Índia ou nas conclusões comuns da recorrida e das autoridades indianas acerca da origem das mercadorias.

56.
    Importa, por isso, determinar se a recorrente teve efectivamente acesso a todos os documentos em que a recorrida baseou a decisão impugnada.

57.
    Esta conclusão não é infirmada pelo facto de, tal como alega a recorrente, a declaração que fez em 10 de Dezembro de 1997 não respeitar ao pedido de dispensa que apresentara às autoridades italianas e que estas transmitiram à recorrida.

58.
    Importa, com efeito, observar que, na réplica, a recorrente reconheceu ter tomado conhecimento do dossier das autoridades italianas. Além disso, apresentou a referida declaração nos termos do artigo 905.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2454/93. Ora, esta disposição prevê explicitamente que do processo transmitido pelas autoridades aduaneiras nacionais à Comissão deve constar um declaração do interessado segundo a qual este pôde tomar conhecimento do processo e que indique ou que o mesmo nada tem a acrescentar ou qualquer outro elemento adicional que considere dever figurar no processo. Esta formalidade foi prevista para garantir, de acordo com os princípios reconhecidos pelo Tribunal no acórdão France-aviation, referido no n.° 49, supra (n.os 30 a 36), que o devedor possa tomar conhecimento do processo das autoridades nacionais antes da sua transmissão à Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T-290/97, Colect., p. II-15, n.° 44).

59.
    Por conseguinte, se a recorrente não quis utilizar a faculdade prevista por esta disposição para tomar conhecimento do processo que as autoridades italianas iam transmitir à recorrida, não pode vir, posteriormente, invocar o não acesso ao processo para sustentar que o seu direito de defesa não foi respeitado. Com efeito, embora imponha às Administrações nacionais e comunitárias um determinado número de obrigações processuais, o princípio do respeito do direito de defesa implica igualmente uma certa diligência por parte do interessado. Assim, se este considerar que o seu direito de defesa não foi respeitado, ou não o foi suficientemente, no quadro do procedimento administrativo, cabe-lhe tomar as medidas necessárias para garantir que tal aconteça ou, pelo menos, assinalar esta circunstância, em tempo útil, à Administração competente.

60.
    Por último, no que respeita ao facto de, como a recorrida reconheceu na audiência, o ofício de 9 de Setembro de 1994 da Embaixada da Índia não constar do processo das autoridades italianas, a não comunicação desse ofício no quadro do procedimento administrativo, embora seja lamentável, não constitui uma violação do princípio do respeito do direito de defesa. Com efeito, importa salientar que, como foi acima recordado, este princípio implica apenas que o interessado possa tomar posição a propósito dos documentos em que a Comissão baseou a decisão impugnada. Ora, no caso vertente, resulta claramente dessa decisão que a Comissão não se baseou no referido ofício para se pronunciar acerca do cumprimento das condições para a dispensa de pagamento dos direitos. Embora a decisão impugnada refira implicitamente esse ofício, na medida em que constatar que as autoridades indianas retiraram um determinado número de certificados de origem, entre os quais figuravam os certificados controvertidos, tratou-se apenas de indicar a razão pela qual as autoridades italianas foram levadas a decidir a cobrança a posteriori da dívida aduaneira objecto do pedido de dispensa da recorrente. Em contrapartida, em lugar algum da decisão impugnada a Comissão se baseou nesse ofício para justificar o indeferimento desse pedido de dispensa.

61.
    Face às considerações precedentes, a primeira parte do presente fundamento deve ser rejeitada.

Segunda parte: quanto à violação do direito de acesso ao processo

62.
    No que respeita à argumentação da recorrente segundo a qual a decisão impugnada viola o princípio do respeito do direito de defesa, na medida em que a recorrida não lhe deu acesso a todos os documentos relativos ao presente processo, importa sublinhar, liminarmente, que a recorrente nunca solicitou o acesso a tais documentos, no quadro do procedimento administrativo.

63.
    Seguidamente, deve observar-se que, como resulta do n.° 50, supra, o princípio do respeito do direito de defesa implica apenas que o interessado possa dar a conhecer, em tempo útil, a sua posição quanto aos elementos que lhe são desfavoráveis e que a Comissão utilizou para fundamentar a sua decisão. Este princípio não exige, portanto, que a Comissão faculte, de sua própria iniciativa, o acesso a todos os documentos que tenham eventual ligação com o caso que lhe foi submetido no âmbito de um pedido de dispensa. Se o interessado entender que esses documentos são úteis para demonstrar a existência de uma situação especial e/ou a ausência de negligência manifesta ou de artifício da sua parte, cabe-lhe solicitar acesso aos mesmos, de acordo com as disposições adoptadas pelas instituições com base no artigo 255.° CE.

64.
    Ao contrário do que afirma a recorrente, não resulta da jurisprudência que o princípio do respeito do direito de defesa implica, de um modo geral, a obrigação para as instituições de facultarem espontaneamente o acesso a todos os documentos relativos ao contexto em que determinado caso está inserido.

65.
    Com efeito, importa salientar que, relativamente ao procedimento administrativo em matéria de dispensa de direitos aduaneiros, o Tribunal indicou claramente no n.° 81 do acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra, que só a pedido do interessado é que a recorrida está obrigada a dar acesso a todos os documentos administrativos não confidenciais relativos à decisão impugnada (v., igualmente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1998, Primex Produkte Import-Export e o./Comissão, T-50/96, Colect., p. II-3773, n.° 64). Na ausência de tal pedido, não há acesso automático aos documentos em posse da recorrida.

66.
    Por último, deve rejeitar-se a argumentação da recorrente baseada em violação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2185/96 e dos artigos 12.°, 20.° e 21.° do Regulamento n.° 515/97.

67.
    Efectivamente, uma vez que essa argumentação não constitui nem uma ampliação do presente fundamento nem um fundamento baseado em elementos de direito ou de facto que se tenham revelado no decurso do processo, há que considerá-la um fundamento novo, o qual deve ser julgado inadmissível, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

68.
    Além disso, mesmo admitindo que a referida argumentação deve ser tida em conta, as disposições em causa não têm qualquer pertinência para o presente processo. Assim, o artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2185/96 respeita apenas à elaboração e ao valor probatório dos relatórios de inspecção e de verificação estabelecidos pelos serviços da Comissão, no âmbito dos controlos efectuados nos Estados-Membros. Quanto aos artigos 12.°, 20.° e 21.° do Regulamento n.° 515/97, prevêem, nomeadamente, que as verificações efectuadas e as informações obtidas no âmbito dos controlos levados a cabo pelas autoridades nacionais e comunitárias podem ser invocadas como elementos de prova. Portanto, estas disposições não permitem, em caso algum, apoiar a alegação da recorrente segundo a qual a recorrida deveria ter-lhe dado acesso a todos os documentos relativos ao presente processo, mesmo sem aquela ter formulado qualquer pedido nesse sentido.

69.
    Consequentemente, a segunda parte do presente fundamento deve ser rejeitada.

Conclusão

70.
    Face às considerações precedentes, o fundamento baseado em violação do princípio do respeito do direito de defesa é improcedente.

3. Quanto ao fundamento de violação do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79

Argumentação das partes

71.
    A recorrente salienta que, como resulta do acórdão Eyckler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra (n.° 132), o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 constitui uma cláusula geral de equidade destinada a abranger situações diferentes das mais frequentemente verificadas na prática. Esta disposição destinar-se-ia, nomeadamente, a ser aplicada quando as circunstâncias que caracterizam a relação entre o operador económico e a Administração são de tal ordem que não é equitativo impor ao operador um prejuízo que, em condições normais, não teria sofrido.

72.
    A recorrente sublinha igualmente que, segundo a jurisprudência, cabe à Comissão ponderar não só o interesse da Comunidade em assegurar-se do cumprimento das disposições aduaneiras mas também o interesse do importador de boa fé em não suportar os prejuízos que ultrapassem o risco comercial comum (v. acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra, n.° 133).

73.
    Face a estes princípios, a recorrente considera que a decisão impugnada viola manifestamente o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79, na medida em que, no caso vertente, se verificam diversas circunstâncias constitutivas de uma situação especial que justificam a dispensa dos direitos aduaneiros.

74.
    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o procedimento administrativo que conduziu à retirada dos certificados controvertidos está viciado de irregularidades. Segundo a mesma, esta circunstância constitui uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

75.
    A recorrente sublinha, com efeito, que os certificados controvertidos foram retirados pelas autoridades indianas sem que o exportador tenha sido informado e sem que tenha tido oportunidade de se pronunciar a esse respeito. Além disso, como resultaria dos documentos produzidos pela Comissão a pedido do Tribunal, em momento algum do procedimento administrativo as autoridades comunitárias e indianas forneceram provas ou motivos válidos respeitantes ao carácter não originário dos televisores em causa. Segundo a recorrente, esta situação é tanto mais grave quanto as declarações do exportador e as verificações efectuadas pelas autoridades italianas indicam que esses televisores satisfazem as condições de origem previstas pelo Regulamento n.° 693/88 e, portanto, que os certificados controvertidos eram válidos.

76.
    A este respeito, a recorrente rejeita a argumentação da recorrida segundo a qual a validade da retirada dos certificados controvertidos e, portanto, a criação da dívida aduaneira não podem ser contestadas no âmbito do presente recurso. Sublinha que tal argumentação é contraditória, na medida em que, por um lado, a recorrida alega ser da exclusiva competência das autoridades e dos órgãos jurisdicionais italianos garantir a protecção jurídica dos devedores no que toca à invalidade dos certificados de origem e, por outro, considera que as autoridades aduaneiras nacionais e comunitárias não são obrigadas a fiscalizar a legalidade da retirada dos certificados de origem pelas autoridades de países terceiros. A recorrente salienta que esta argumentação se traduz na recusa ao importador de qualquer protecção jurídica efectiva na Comunidade e que é contrária à jurisprudência comunitária na medida em que, como resulta, nomeadamente, do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 1999, De Haan (C-61/98, Colect., p. I-5003, n.os 52 e 53), os órgãos jurisdicionais comunitários têm por prática constante decidir das dispensas de direitos mesmo nos casos de incerteza quanto à legalidade da cobrança.

77.
    Em segundo lugar, a recorrente entende que, no caso vertente, a sua confiança legítima na validade dos certificados controvertidos e a sua boa fé são constitutivas de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

78.
    Salienta que a sua confiança legítima na validade dos certificados controvertidos foi reforçada quer pelos próprios certificados quer pelas declarações do exportador e pelas verificações efectuadas pelas autoridades aduaneiras italianas, pois decorria desses diversos elementos que os televisores preenchiam as condições para a concessão do regime preferencial e nenhum elemento permitia detectar a sua inexactidão. Por outro lado, a recorrente observa que a sua confiança na validade dos certificados controvertidos era tanto mais legítima quanto não dispunha, e continua a não dispor, de elementos que provem, por um lado, a invalidade desses certificados e, por outro, a sua retirada pelas autoridades indianas.

79.
    Além disso, a recorrente entende que, contrariamente ao que afirma a recorrida, tem direito de invocar a protecção da sua confiança legítima na validade dos certificados controvertidos, bem como a sua boa fé, enquanto situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Com efeito, segundo aquela, foi erradamente que, na decisão impugnada, a Comissão considerou, com base na jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1984, Van Gend & Loos/Comissão, 98/83 e 230/83, Recueil, p. 3763) e no artigo 904.°, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93, que a confiança depositada na validade dos certificados de origem não é normalmente protegida. Sublinha, em especial, que o artigo 904.°, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93 não é aplicável ao caso vertente, na medida em que os certificados controvertidos não foram falsificados e nenhum elemento permite provar que são falsos ou que são não válidos para efeitos da concessão do regime preferencial. Por outro lado, observa que, mesmo admitindo que essa disposição era aplicável ao caso vertente, a protecção da sua confiança legítima e da sua boa fé não foi o único motivo invocado em apoio do seu pedido de dispensa, pelo que não fica excluída a hipótese de as condições previstas no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 estarem preenchidas. Por último, segundo a recorrente, o artigo 904.°, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93 é ilegal pois restringe de forma desproporcionada a protecção da confiança legítima e a boa fé dos importadores.

80.
    A recorrente considera, aliás, que o seu ponto de vista segundo o qual a protecção da confiança legítima na validade dos certificados controvertidos e a boa fé dos importadores podem, em determinadas circunstâncias, constituir uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 foi confirmado quer pela jurisprudência (acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra, n.° 157) quer pela Decisão do Conselho, de 28 de Maio de 1996, relativa à cobrança a posteriori da dívida aduaneira (JO C 170, p. 1).

81.
    Em terceiro lugar, a recorrente alega que, contrariamente ao que a recorrida concluiu na decisão impugnada, o prejuízo financeiro que sofreu devido à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros constitui uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

82.
    Observa que, por um lado, cabe à recorrida prevenir e atenuar os prejuízos sofridos pelos importadores e, por outro, estes não retiram qualquer benefício do regime preferencial na medida em que a redução dos direitos aduaneiros beneficia directamente os consumidores, ao passo que a cobrança a posteriori é exclusivamente suportada pelos importadores, uma vez que não existe qualquer possibilidade de repercutir o respectivo encargo nos consumidores.

83.
    A recorrente sublinha, além disso, que se preveniu contra os riscos de uma eventual cobrança a posteriori, encomendando ao seu fornecedor televisores acompanhados de certificados de origem. Observa igualmente que, no caso vertente, não pode instaurar uma acção de indemnização contra o exportador pois não dispõe de qualquer elemento confirmativo de que as condições para a concessão do regime preferencial não estavam satisfeitas. Sublinha que, por um lado, as autoridades indianas e a recorrida não apresentaram quaisquer documentos nesse sentido e, por outro, as autoridades indianas não tiveram contactos com o fornecedor. Acresce que, segundo a recorrente, o direito de instaurar uma acção dessa natureza já, muito provavelmente, prescreveu.

84.
    Em quarto lugar, a recorrente alega que as autoridades indianas e a recorrida cometeram omissões graves. Segundo ela, tais omissões constituem uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

85.
    Recorda, a este respeito, que o regime preferencial repousa sobre acordos entre a Comunidade e os países beneficiários do referido regime (nomeadamente, a Índia). Nos termos desses acordos, incumbiria aos Estados beneficiários e à recorrida garantir o respeito das normas que regem aquele regime, o que implica, nomeadamente, para os países beneficiários, a obrigação de verificar a exactidão das declarações dos exportadores quanto à origem dos produtos e, para a recorrida, a obrigação de proceder com o maior cuidado aquando dos controlos, a fim de preservar os importadores de prejuízos inúteis. Segundo a recorrente, essas obrigações são tanto mais importantes quanto os regimes preferenciais beneficiam os países beneficiários e não os importadores, que, à semelhança da recorrente, estão vinculados a um sistema do qual não retiram qualquer vantagem. A recorrente observa, com efeito, que os importadores se preocupam exclusivamente com a igualdade de tratamento relativamente aos seus concorrentes e não com vantagens preferenciais.

86.
    Ora, segundo a recorrente, as autoridades indianas não cumpriram as suas obrigações, na medida que, em primeiro lugar, procederam à retirada dos certificados controvertidos sem razões objectivas para o fazer e sem dar ao exportador a possibilidade de tomar previamente posição a esse respeito, em segundo lugar, emitiram os certificados controvertidos embora tivessem conhecimento de todos os dados factuais necessários para a aplicação da regulamentação aduaneira em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o., C-153/94 e C-204/94, Colect., p. I-2465, n.° 95) e, em terceiro lugar, estavam de conivência com os exportadores.

87.
    Quanto às omissões cometidas pela recorrida, a recorrente salienta, por um lado, que aquela não zelou devidamente pela aplicação por parte das autoridades indianas das regras de origem no que respeita às mercadorias destinadas a exportação para a Europa e, por outro, que não demonstrou suficientemente os factos aquando da missão de inspecção que efectuou na Índia.

88.
    Além disso, a recorrente considera que a recorrida não cumpriu as suas obrigações para com ela, na medida em que não a avisou, em tempo útil, das dúvidas que tinha quanto à validade dos certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas para a exportação dos televisores a cores. A recorrente sublinha que resulta dos articulados da recorrida e dos documentos por esta apresentados que, desde finais de 1990, a mesma tinha dúvidas quanto à validade dos certificados de origem emitidos para os televisores a cores. Em especial, a recorrente chama a atenção para o facto de que, como resulta das comunicações de irregularidades de 25 de Outubro de 1991 e 29 de Novembro de 1991, a recorrida estava claramente informada dos problemas respeitantes aos televisores a cores provenientes da Índia, pelo que poderia ter informado os importadores das dúvidas que tinha quanto à validade dos certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas. Ora, no caso vertente, não o fez e, daí, ter faltado ao seu dever de diligência (acórdão televisores turcos, n.° 268).

89.
    Por outro lado, a recorrente sublinha que, no seu acórdão De Haan, referido no n.° 76, supra, o Tribunal de Justiça confirmou que a não advertência pode constituir uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Salienta, em particular, que, neste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou não existir uma obrigação geral a cargo das autoridades aduaneiras de avisar o devedor da existência de irregularidades que afectem o regime aduaneiro por este utilizado, mas que o facto de essas autoridades não terem avisado o devedor pode constituir uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Com efeito, o facto de as autoridades se terem deliberadamente abstido de informar o devedor da existência de fraudes impediu este último de evitar a criação da dívida aduaneira.

90.
    A recorrida contesta ter cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir, na decisão impugnada, que as condições previstas no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 não estavam satisfeitas no caso vertente.

Apreciação do Tribunal

Observações liminares

91.
    É ponto assente entre as partes que, no contexto dos factos na origem do presente processo, a recorrente não pode ser acusada de qualquer negligência manifesta ou de artifício. Em contrapartida, as partes não estão de acordo quanto à questão de saber se a recorrida cometeu um erro de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que as circunstâncias do caso vertente não eram constitutivas de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

92.
    A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a existência de uma situação especial é dada como provada quando resulte das circunstâncias do caso concreto que o devedor se encontra numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999, Trans-Ex-Import, C-86/97, Colect., p. I-1041, n.os 21 e 22, e De Haan, referido no n.° 76, supra, n.os 52 e 53) e que, na ausência dessas circunstâncias, não teria sofrido o prejuízo ligado à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Coopérative agricole d'approvisisonnement des avirons, 58/86, Colect., p. 1525, n.° 22).

93.
    Foi igualmente reconhecido pela jurisprudência que, para determinar se as circunstâncias do caso concreto são constitutivas de uma situação especial que não implique nem negligência manifesta nem artifício da parte do interessado na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79, a Comissão deve apreciar o conjunto dos dados factuais pertinentes (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Oryzomyli Kavallas e o./Comissão, 160/84, Colect., p. 1633, n.° 16, e acórdão France-aviation/Comissão, referido no n.° 49, supra, n.° 34).

94.
    No acórdão televisores turcos (n.° 223), o Tribunal precisou, além disso, que esta obrigação implica que, em situações em que os devedores invocaram, em apoio dos seus pedidos de dispensa, a existência de faltas graves das partes contratantes na aplicação de um acordo que vincula a Comunidade, a Comissão faça incidir a sua apreciação quanto à justificação desses pedidos no conjunto dos elementos factuais relativos às importações controvertidas de que tomou conhecimento no quadro da sua função de vigilância e de controlo da aplicação daquele acordo. Do mesmo modo, decorre do acórdão televisores turcos (n.° 224) que a Comissão não pode, perante a obrigação invocada no n.° 93, supra, e o princípio de equidade que está na base do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79, ignorar as informações pertinentes de que tomou conhecimento no exercício das suas funções e que, embora não fazendo parte do processo administrativo na fase do procedimento nacional, poderiam ter eventualmente justificado uma dispensa do pagamento a favor das partes interessadas.

95.
    Além disso, deve recordar-se que, tal como resulta do acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra (n.° 133), embora a Comissão disponha de um poder de apreciação no que respeita ao artigo 13.° (acórdão France-aviation/Comissão, referido no n.° 49, supra, n.° 34), está obrigada a exercer esse poder, ponderando realmente, por um lado, o interesse da Comunidade em assegurar-se do cumprimento das disposições aduaneiras e, por outro, o interesse do importador de boa fé em não suportar os prejuízos que ultrapassem o risco comercial comum. Consequentemente, quando examina a justificação do pedido de dispensa de pagamento, não pode contentar-se em ter em conta as actuações dos importadores. Deve, ainda, avaliar a incidência do seu próprio comportamento, eventualmente culposo, sobre a situação criada.

96.
    É à luz destes princípios que se deve apreciar se a recorrida cometeu um erro de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que as circunstâncias invocadas pela recorrente não eram constitutivas de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

Quanto ao carácter irregular da retirada dos certificados controvertidos enquanto situação especial

97.
    Importa sublinhar que, como resulta nomeadamente dos sexto, sétimo e oitavo considerandos da decisão impugnada, a retirada dos certificados controvertidos pelas autoridades indianas teve como consequência a supressão das preferências pautais de que a recorrente beneficiou aquando da colocação em livre prática dos televisores e, portanto, constituiu o fundamento da decisão das autoridades italianas de proceder à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros devidos pela recorrente no que respeita a essas importações. Por conseguinte, como a própria recorrente reconhece, a argumentação segundo a qual a retirada dos certificados controvertidos é resultado de um procedimento administrativo irregular visa a legalidade da decisão das autoridades italianas de proceder à cobrança a posteriori dos direitos de importação.

98.
    Ora, tal como decorre da jurisprudência, as disposições do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 têm por único objectivo permitir, caso se encontrem reunidas determinadas circunstâncias especiais e na ausência de negligência manifesta ou de artifício, dispensar os operadores económicos do pagamento de direitos de que são devedores e não permitir pôr em causa o próprio princípio da exigibilidade da dívida aduaneira [v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1987, Cerealmangimi e Italgrani/Comissão, 244/85 e 245/85, Colect., p. 1303, n.° 11, e de 6 de Julho de 1993, CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, C-121/91 e C-122/91, Colect., p. I-3873, n.° 43]. Com efeito, a aplicação do direito material aduaneiro é da competência exclusiva das autoridades aduaneiras nacionais. As decisões adoptadas por essas autoridades, incluindo as que exigem o pagamento a posteriori de direitos aduaneiros não cobrados, podem ser impugnadas nas jurisdições nacionais, ao abrigo do artigo 243.° do Código Aduaneiro comunitário, as quais podem submeter a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1998, Kia Motors e Broekman Motorships/Comissão, T-195/97, Colect., p. II-2907, n.° 36).

99.
    O objecto do processo na Comissão previsto nos artigos 906.° a 909.° do Regulamento n.° 2454/93 limita-se, pelo contrário, segundo o artigo 905.° desse regulamento, ao exame das condições da dispensa prevista no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Portanto, o devedor que, à semelhança da ora recorrente, peça a anulação da decisão adoptada na sequência desse processo apenas pode invocar eficazmente fundamentos ou argumentos que visem demonstrar, no caso concreto, a existência de uma situação especial e/ou a ausência de negligência manifesta ou de artifício da sua parte. Em caso algum, pode invocar, a respeito dessa decisão, fundamentos ou argumentos que visem demonstrar a ilegalidade das decisões das autoridades nacionais competentes que o submeteram ao pagamento dos direitos controvertidos [acórdão CT Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, referido no n.° 98, supra, n.° 44].

100.
    Contrariamente ao que alega a recorrente, esta situação não constitui uma violação da tutela jurisdicional dos importadores comunitários. Com efeito, como resulta da descrição da repartição de competências entre autoridades nacionais e autoridades comunitárias acima apresentada, a impossibilidade para a recorrente de invocar argumentos destinados a contestar a regularidade da retirada dos certificados controvertidos no quadro do procedimento previsto nos artigos 905.° e seguintes do Regulamento n.° 2454/93 decorre do facto de a Comissão não ser competente para se pronunciar sobre essa questão. Além disso, nada impede a recorrente de, sendo caso disso, invocar tais argumentos no âmbito da fiscalização, efectuada pelo órgão jurisdicional nacional competente, da legalidade da decisão das autoridades aduaneiras italianas.

101.
    Face às considerações precedentes, a argumentação da recorrente destinada a demonstrar que o carácter alegadamente irregular da retirada dos certificados controvertidos é constitutivo de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 não pode ser acolhida.

Quanto à confiança legítima e à boa fé da recorrente enquanto situação especial

- Quanto à confiança legítima

102.
    Segundo jurisprudência constante, a confiança na validade de certificados de origem que se verifique serem falsos, falsificados ou não válidos não constitui, em si mesma, uma situação especial. Com efeito, os controlos a posteriori seriam, em grande medida, privados da sua utilidade se a utilização de tais certificados pudesse, por si só, justificar a concessão de uma dispensa de pagamento (acórdão Van Gend & Loos/Comissão, referido no n.° 79, supra, n.° 13). A solução contrária poderia desencorajar o zelo dos operadores económicos e transferir para as finanças públicas um risco que incumbe principalmente aos agentes económicos (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 1996, SEIM, C-446/93, Colect., p. I-73, n.° 45).

103.
    Este princípio foi retomado no artigo 4.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 3799/86, do qual resulta que não há lugar ao reembolso ou à dispensa do pagamento de direitos de importação quando o único motivo invocado em apoio do pedido de reembolso ou de dispensa assente na «apresentação, ainda que de boa fé, para concessão de um tratamento pautal preferencial a favor das mercadorias declaradas para livre prática, de documentos que posteriormente se verificou serem falsos, falsificados ou não válidos para a concessão desse tratamento pautal preferencial».

104.
    Contrariamente ao que afirma a recorrente, que suscitou, a esse respeito, uma excepção de ilegalidade, aquela disposição não restringe, para além do necessário, os princípios da confiança legítima e da equidade que estão na base do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. Com efeito, como o Tribunal de Justiça sublinhou no seu acórdão SEIM, referido no n.° 102, supra (n.os 46 e 47), «quando o pedido resultante do facto de o interessado ignorar que os documentos apresentados eram falsos, falsificados ou inválidos contiver justificações susceptíveis de revelar a existência de uma situação especial, resultante de circunstâncias que não implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, este pedido deve ser transmitido à Comissão, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 3799/86, para que esta decida. Nestas condições, não se pode considerar que o artigo 4.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 3799/86 restrinja para além do necessário a cláusula geral de equidade constante do n.° 1 do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79».

105.
    Decorre das considerações precedentes que a confiança da recorrente na validade dos certificados controvertidos não pode constituir, em si mesma, uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

106.
    Contrariamente ao que afirma a recorrente, esta conclusão não é infirmada pela Decisão do Conselho de 28 de Maio de 1996, referida no n.° 80, supra.

107.
    Com efeito, importa sublinhar que, tal como resulta dos termos claros dessa decisão, esta não é vinculativa e não pretende derrogar as regras existentes no que respeita à dispensa de pagamento e ao reembolso dos direitos aduaneiros. Na referida decisão, o Conselho limitou-se a pedir à Comissão que efectuasse um estudo com vista a encontrar uma solução global para os problemas da cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros, no que respeita aos importadores comunitários, quando essa cobrança resulte de irregularidades que afectem os actos das autoridades de países terceiros. Tal decisão não pode, portanto, invalidar o princípio segundo o qual a confiança na validade dos certificados de origem que se verifique serem falsos, falsificados ou não válidos não constitui, em si mesma, uma situação especial.

108.
    Do mesmo modo, o acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra, não permite assentar as pretensões da recorrente no que respeita à protecção da sua confiança na validade dos certificados controvertidos. Com efeito, deve observar-se que, no n.° 162 desse acórdão, o Tribunal referiu explicitamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada no n.° 102, supra, ao mesmo tempo que indicou, no n.° 163, que essa jurisprudência não excluía que o interessado invocasse outros argumentos em apoio do seu pedido de dispensa.

109.
    Além disso, no que toca ao argumento da recorrente de que a sua confiança legítima na validade dos certificados controvertidos repousava nas verificações e declarações das autoridades italianas, importa sublinhar que resulta do Regulamento n.° 693/88 que as autoridades do Estado de exportação (no caso vertente, as autoridades indianas) são as autoridades competentes para proceder, a pedido das autoridades aduaneiras dos Estados-Membros, a um controlo a posteriori dos certificados de origem que emitiram e, se necessário, a uma retirada dos certificados considerados não válidos. Por conseguinte, a decisão de retirar os certificados controvertidos deveria ter sido impugnada relativamente às autoridades competentes da República da Índia e no quadro estabelecido, neste Estado, para os litígios dessa natureza.

110.
    Por último, está excluído que a recorrente possa fundamentar a sua confiança legítima quanto à validade dos certificados controvertidos nas informações - erradas - fornecidas pelo exportador. Se assim fosse, tornar-se-ia impossível proceder a uma cobrança a posteriori de direitos aduaneiros em caso de fraude do exportador pois é necessariamente com base em informações emanadas deste último que o importador terá procedido às importações controvertidas.

- Quanto à boa fé

111.
    Importa salientar que, não obstante a boa fé da recorrente não ter sido questionada pela recorrida, tal circunstância não pode constituir, em si mesma, uma situação especial. Resulta, com efeito, do acórdão Van Gend & Loos/Comissão, referido no n.° 79, supra (n.° 11), por um lado, que o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 exige imperativamente que as duas condições nele previstas sejam satisfeitas e, por outro, que estas duas condições são independentes. Está, portanto, excluído que o elemento da boa fé, já tido em conta no âmbito da condição relativa à ausência de negligência manifesta e de artifício, possa, além disso, constituir uma situação especial na acepção dessa disposição.

112.
    Em consequência, a recorrente está errada quando alega que a recorrida deveria ter considerado que a sua boa fé era constitutiva de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

Quanto ao prejuízo financeiro sofrido pela recorrente enquanto situação especial

113.
    Ao contrário do que alega a recorrente, a Comissão não cometeu um erro manifesto ao concluir, na decisão impugnada, que o prejuízo financeiro sofrido pela recorrente em razão da cobrança dos direitos aduaneiros não constitui uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79.

114.
    Com efeito, importa salientar que o facto de as autoridades aduaneiras de um Estado-Membro procederem à cobrança a posteriori de direitos aduaneiros, na sequência da retirada, pelas autoridades de um país terceiro, de certificados de origem que se verifique serem não válidos, após um controlo a posteriori efectuado pelas autoridades desse país, constitui um risco comercial normal que qualquer operador económico avisado e conhecedor da regulamentação deve ter em conta. Compete, por conseguinte, aos operadores económicos precaverem-se contra esses riscos, nomeadamente, tomando as precauções necessárias, no quadro das relações contratuais com os seus fornecedores, e, sendo caso disso, instaurarem acções de indemnização contra o autor das falsificações (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Pascoal & Filhos, C-97/95, Colect., p. I-4209, n.os 59 e 60, e do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Junho de 1998, Unifrigo Gradus e CPL Imperial 2/Comissão, T-10/97 e T-11/97, Colect., p. II-2231, n.os 62 e 63).

115.
    Esta conclusão impõe-se tanto mais quanto a solução contrária, a saber, que o prejuízo sofrido devido à cobrança a posteriori é susceptível de constituir uma situação especial, colocaria em perigo a própria possibilidade de uma cobrança a posteriori de direitos aduaneiros, uma vez que, por definição, esse tipo de cobrança tem lugar muito posteriormente à importação inicial e à venda subsequente das mercadorias importadas e impossibilitaria, por conseguinte, qualquer recuperação

dos direitos não pagos.

Quanto às omissões das autoridades aduaneiras indianas e da recorrida enquanto situação especial

- Observações liminares

116.
    Resulta da jurisprudência que o não cumprimento por parte de países terceiros e/ou da Comissão dos seus deveres de vigilância da aplicação de regimes de importação especiais pode constituir uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 (v., neste sentido, acórdão Eyckeler & Malt/Comissão, referido no n.° 41, supra, n.os 162 e segs.; acórdão Primex Produkte Import-Export e o./Comissão, referido no n.° 65, supra, n.os 140 e segs.; acórdão televisores turcos, n.os 237 e segs.). Importa, contudo, sublinhar que, nesses acórdãos, o Tribunal chegou a tal conclusão unicamente em razão da gravidade das omissões verificadas e das suas implicações para a regularidade das transacções efectuadas ao abrigo dos referidos regimes. Com efeito, as ditas omissões tiveram por consequência colocar as recorrentes nesses processos numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exerciam a mesma actividade.

117.
    Além disso, resulta daqueles acórdãos que, para avaliar a existência de omissões por parte das autoridades de países terceiros e/ou da Comissão, as quais seriam susceptíveis de constituir situações especiais na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79, há que examinar, em cada caso concreto, a natureza real das obrigações atribuídas a essas autoridades e à Comissão, respectivamente, pela regulamentação aplicável.

- Quanto às omissões das autoridades indianas

118.
    Tal como resulta da discrição do contexto jurídico (v., em particular, n.os 12 a 15, supra), as autoridades indianas desempenhavam, enquanto autoridades do país beneficiário do regime preferencial, um papel particularmente importante no quadro da aplicação e do controlo desse regime, em especial, no que toca ao respeito das regras relativas à origem dos produtos. Assim, nos termos do artigo 15.° do Regulamento n.° 693/88, incumbia, de um modo geral, às autoridades indianas respeitar e fazer respeitar as regras respeitantes ao estabelecimento e à emissão dos certificados de origem. Para este efeito, cabia a essas autoridades prestar assistência à Comunidade, permitindo que as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros verificassem a autenticidade do certificado de origem ou a exactidão das informações respeitantes à origem real dos produtos em causa (artigo 7.°, n.° 1, do mesmo regulamento). Podiam igualmente proceder a controlos a posteriori dos certificados de origem que haviam emitido. Aliás, nos termos do artigo 13.° do mesmo regulamento, estavam obrigadas a proceder a esses controlos, a pedido das autoridades aduaneiras da Comunidade, sempre que estas tivessem «dúvidas fundamentadas quanto à autenticidade do documento ou à exactidão das informações respeitantes à origem real dos produtos em causa» (v. igualmente, no que toca às consequências dos controlos a posteriori, o artigo 27.° do mesmo regulamento).

119.
    A recorrente alega que as autoridades indianas faltaram às suas obrigações pois, em primeiro lugar, procederam à retirada dos certificados controvertidos sem razões objectivas para o fazer e sem dar ao exportador a possibilidade de tomar previamente posição a esse respeito, em segundo lugar, emitiram os certificados controvertidos, embora tivessem conhecimento de todos os dados factuais necessários para a aplicação da regulamentação aduaneira em causa (acórdão Faroe Seafood e o., referido no n.° 86, supra, n.° 95), e, em terceiro lugar, estavam de conivência com os exportadores.

120.
    No que respeita à primeira alegação da recorrente, a saber, que as autoridades indianas faltaram à sua obrigação de informar e de ouvir o exportador antes de proceder à retirada dos certificados controvertidos, importa observar que, mesmo admitindo que existisse uma obrigação dessa natureza no direito indiano e que a recorrente pudesse provar a falta de audição prévia, tal circunstância não é susceptível de constituir uma situação especial da recorrente. Com efeito, como foi sublinhado no n.° 99, supra, esta argumentação da recorrente carece de pertinência para o presente processo, na medida em que respeita à validade da retirada dos certificados controvertidos e, portanto, à legalidade da decisão das autoridades aduaneiras italianas de cobrar a posteriori os direitos de importação. Além disso, mesmo admitindo que deve ser considerada, a alegação da recorrente é infirmada pela acta da reunião de 27 de Novembro de 1992, entre os representantes da missão comunitária e as autoridades indianas, da qual resulta que estas ouviram ou, pelo menos, tinham intenção de ouvir os exportadores antes de proceder à retirada dos certificados controvertidos.

121.
    Quanto às outras omissões invocadas pela recorrente, os documentos produzidos pela recorrida permitem demonstrar que, além do facto de terem cooperado activamente com os serviços da Comissão e dos Estados-Membros no que respeita à verificação da regularidade das exportações de televisores a cores destinados à Comunidade, essas autoridades não tinham conhecimentos de todos os dados factuais necessários para a aplicação da regulamentação aduaneira em causa e não estavam de conivência com os exportadores. Com efeito, resulta claramente do relatório da missão de verificação efectuada na Índia de 12 a 27 de Novembro de 1992 e da correspondência trocada entre a Comissão e as autoridades indianas que estas últimas foram induzidas em erro pelos exportadores indianos quanto à satisfação das condições para a emissão dos certificados de origem. A recorrente não apresentou, aliás, qualquer elemento que permita provar que, no caso vertente, os factos se passaram de forma diferente.

- Quanto às omissões da recorrida

122.
    As omissões imputadas à recorrida são de duas ordens: por um lado, teria faltado ao seu dever geral de vigilância e de controlo da aplicação do regime preferencial pelas autoridades indianas e, por outro, teria faltado à sua obrigação de avisar a recorrente das dúvidas que tinha quanto à validade dos certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas para os televisores a cores.

123.
    No que respeita ao alegado incumprimento do dever de vigilância e de controlo, importa salientar, em primeiro lugar, que, contrariamente aos casos julgados no acórdão televisores turcos, do qual resulta que a recorrida exercia uma função essencial no controlo da aplicação do Acordo de Associação CEE-Turquia (v., em especial, n.os 257 a 259 do acórdão), as competências da recorrida em matéria de aplicação do regime preferencial com a Índia eram relativamente limitadas. Com efeito, a obrigação de fazer respeitar as regulamentações aplicáveis cabia principalmente às autoridades dos Estados-Membros e às autoridades indianas. Contrariamente ao que afirma a recorrente, nem o Regulamento n.° 3831/90 nem o Regulamento n.° 693/88 contêm disposições que habilitassem, ou obrigassem, a recorrida a vigiar a emissão de certificados de origem pelas autoridades indianas, nem mesmo a dar instruções a essas autoridades. O papel da recorrida estava limitado à centralização das informações emanadas dos Estados-Membros e à coordenação de iniciativas (nomeadamente, as missões de inspecção no país beneficiário), tendo por objectivo fazer respeitar as disposições do regime preferencial.

124.
    Além disso, importa concluir que, apesar de ter sido confrontada com os relatórios de verificação da missão efectuada na Índia em Novembro de 1992, com a correspondência trocada entre a recorrida e as autoridades indianas e com a correspondência trocada entre a recorrida e as autoridades nacionais durante o processo contencioso, a recorrente não demonstrou, em momento algum, com força probatória, a exactidão das suas alegações no que respeita à existência de omissões por parte da recorrida. Resulta, pelo contrário, desses documentos que a recorrida agiu com celeridade e diligência e no respeito das suas competências em matéria de informação e de controlo das irregularidades que afectaram certas importações de televisores a cores provenientes da Índia.

125.
    Por outro lado, deve rejeitar-se a afirmação da recorrente de que a recorrida não efectuou controlos suficientes no que respeita à origem dos televisores controversos. De facto, como foi sublinhado no n.° 118, supra, cabia às autoridades indianas, e não à recorrida, efectuar, eventualmente, a pedido das autoridades dos Estados-Membros, controlos a posteriori no que respeita à origem das mercadorias exportadas no quadro do regime preferencial.

126.
    No que toca ao alegado incumprimento da obrigação de avisar a recorrente das dúvidas que tinha quanto à validade dos certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas, deve sublinhar-se que nenhuma disposição do direito comunitário obriga expressamente a recorrida, quando tenha dúvidas quanto à validade de transacções aduaneiras efectuadas pelos importadores no quadro de um regime preferencial, a avisá-los desse facto (v., neste sentido, quanto ao regime de trânsito externo, acórdão De Haan, referido no n.° 76, supra, n.° 36).

127.
    É certo que, no acórdão televisores turcos, referido no n.° 30, supra (n.° 268), foi reconhecido que, em certos casos específicos, é possível deduzir uma obrigação daquela natureza a cargo da Comissão do seu dever geral de diligência para com os operadores económicos. Importa, contudo, observar que os factos do caso vertente não são comparáveis aos que foram julgados nesse acórdão. Com efeito, nos processos que deram lugar ao referido acórdão, a Comissão tinha conhecimento do facto ou suspeitava seriamente que as autoridades turcas haviam cometido omissões graves no quadro da aplicação do acordo de associação (nomeadamente, não transpondo a regulamentação relativa ao direito nivelador compensador) e que essas omissões afectavam a validade do conjunto das exportações de televisores destinadas à Comunidade. Em contrapartida, no caso vertente, a Comissão nunca foi informada de omissões dessa natureza por parte das autoridades indianas, omissões cuja existência não está, aliás, demonstrada (v. n.os 120 e 121, supra).

128.
    Além disso, a Comissão só pode ser obrigada, por força do seu dever geral de diligência, a avisar os importadores comunitários, de forma generalizada, quando tenha dúvidas sérias quanto à regularidade de um grande número de exportações efectuadas no quadro de um regime preferencial.

129.
    Ora, é manifesto que, na época em que a recorrente efectuou as importações controversas, a recorrida não tinha tais dúvidas quanto às importações de televisores a cores provenientes da Índia. Resulta, com efeito, da troca de correspondência entre as autoridades indianas e a recorrida que, até Outubro de 1992, as dúvidas desta última respeitavam apenas à validade de alguns certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas para televisores fabricados na Índia por outro fornecedor que não o da recorrente. Só mais tarde, durante o mês de Outubro de 1992, é que as autoridades comunitárias alargaram as suas investigações a outros fabricantes, e, nomeadamente, ao exportador, pois tinham dúvidas quanto à validade dos certificados de origem emitidos para a exportação de televisores a cores fabricados por essas sociedades.

130.
    Consequentemente, a Comissão não faltou às suas obrigações ao não avisar a recorrente, antes das importações controversas, das dúvidas que tinha quanto à validade de certos certificados de origem emitidos pelas autoridades indianas.

131.
    A recorrente alega, porém, que, mesmo admitindo que a Comissão não era obrigada a preveni-la das dúvidas que tinha quanto à validade dos certificados de origem, não é menos verdade que, como resulta do acórdão De Haan, referido no n.° 76, supra, a ausência deliberada de aviso dos operadores pode ser constitutiva de uma situação especial na acepção do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79. A recorrente indica que, no n.° 53 desse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que «as necessidades do inquérito conduzido pelas autoridades aduaneiras ou policiais, na ausência de qualquer artifício ou negligência imputável ao devedor e não tendo este sido informado do desenrolar do inquérito, constituem uma situação especial na acepção do n.° 1 do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79. Com efeito, sendo embora legítimo que as autoridades nacionais permitam de forma deliberada que infracções e irregularidades sejam cometidas para melhor desmantelar uma rede, identificar os autores da fraude e estabelecer ou corroborar os elementos de prova, o facto de fazer incidir sobre o devedor a dívida aduaneira decorrente dessas opções relacionadas com a perseguição das infracções é susceptível de colidir com o objectivo de equidade subjacente ao n.° 1 do artigo 905.° do Regulamento n.° 2454/93, ao colocar o devedor numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade».

132.
    Este argumento não pode ser acolhido.

133.
    Com efeito, basta sublinhar que, na situação em causa no acórdão De Haan, referido no n.° 76, supra, as autoridades neerlandesas tinham já conhecimento ou, pelo menos, suspeitavam seriamente da existência de uma fraude antes mesmo de as operações aduaneiras que deram lugar à criação da dívida aduaneira terem sido efectuadas. Por conseguinte, podiam ter avisado o interessado da eventual criação de uma dívida aduaneira, mas optaram deliberadamente por não o fazer para melhor desmantelar a rede, identificar os autores da fraude e estabelecer ou corroborar os elementos de prova.

134.
    Não é, manifestamente, o que acontece no caso vertente. Importa, com efeito, recordar que, como foi sublinhado no n.° 129, supra, na época em que a recorrente efectuou as importações controversas, a recorrida não tinha dúvidas quanto à validade dos certificados de origem que haviam sido emitidos a favor do exportador. Portanto, não foi deliberadamente que a recorrida e as autoridades nacionais deixaram a recorrente na ignorância ou permitiram que fosse criada a dívida aduaneira.

Conclusão

135.
    Face às considerações precedentes, o fundamento baseado em violação do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1430/79 é improcedente.

Conclusão geral

136.
    Uma vez que os dois fundamentos invocados pela recorrente são improcedentes, deve ser negado provimento ao presente recurso.

Quanto às despesas

137.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas da Comissão, em conformidade com o requerido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente é condenada nas despesas.

Jaeger
Lenaerts
Azizi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Julho de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger


1: Língua do processo: alemão.