Language of document : ECLI:EU:T:2024:363

Processos Apensos T530/2 a T532/22

Magistrats européens pour la démocratie et les libertés (Medel)

International Association of Judges

Association of European Administrative Judges

Stichting Rechters voor Rechters

contra

Conselho da União Europeia

 Despacho do Tribunal Geral (Grande Secção) de 4 de junho de 2024

Recursos de anulação — Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho — Decisão de Execução do Conselho de 17 de junho de 2022, relativa à aprovação da avaliação do plano de recuperação e resiliência da Polónia — Inexistência de afetação direta — Inadmissibilidade »

1.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Recurso interposto por uma associação — Admissibilidade — Critérios

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

(cf. n.° 40)

2.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Recurso de uma associação profissional de defesa e de representação dos seus membros — Afetação direta — Critérios — Associações que representam os interesses dos seus membros que teriam, eles próprios, legitimidade para agir — Inexistência de uma relação direta entre o ato impugnado e os seus efeitos sobre os sujeitos representados pelas associações recorrentes — Inadmissibilidade

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

(cf. n.os 62‑89, 93, 109)

3.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação direta — Critérios — Possibilidade de pôr em causa as condições de admissibilidade mediante invocação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Inexistência — Possibilidade de flexibilizar os requisitos de admissibilidade com vista a corrigir o mais rapidamente possível os incumprimentos de um EstadoMembro no que respeita à crise do Estado de direito — Inexistência

(Artigos 2.° e 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE; artigos 263.°, quarto parágrafo, e 266.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°)

(cf. n.os 113‑115, 117, 118)

Resumo

Reunido em Grande Secção, o Tribunal Geral julga inadmissíveis os recursos de anulação da Decisão de Execução do Conselho relativa à aprovação da avaliação do plano de recuperação e resiliência da República da Polónia (1), interpostos por quatro associações de juízes (2).

As recorrentes são associações representativas de juízes ao nível internacional cujos membros são, regra geral, associações profissionais nacionais, incluindo associações de juízes polacas.

Em 12 de fevereiro de 2021, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram o Regulamento 2021/241 que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (a seguir «mecanismo») (3). Ao abrigo do mecanismo, podem ser concedidos fundos aos Estados‑Membros, sob a forma de uma contribuição financeira, que consiste num apoio financeiro não reembolsável ou sob a forma de empréstimo.

Através da decisão impugnada, o Conselho aprovou a avaliação do plano de recuperação e resiliência da República da Polónia e especificou, no anexo, os marcos e as metas que deviam ser alcançados por este Estado‑Membro para que a contribuição financeira colocada à sua disposição na decisão impugnada pudesse ser liberada. A primeira parte deste anexo contém, nomeadamente, as medidas relativas à reforma da justiça na Polónia que são especificadas nos marcos F1G, F2G e F3G (4). As recorrentes contestaram a decisão impugnada, uma vez que estes marcos não são compatíveis com o direito da União.

No seu Despacho, o Tribunal Geral julga procedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, ao abrigo do artigo 130.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, e, por conseguinte, julga inadmissíveis os recursos das recorrentes.

Apreciação do Tribunal Geral

A título preliminar, o Tribunal Geral observa que, dado que a decisão impugnada é dirigida à República da Polónia, a admissibilidade dos recursos deve ser examinada à luz do segundo e terceiro segmentos de frase do quarto parágrafo do artigo 263.° TFUE, nos quais é exigido o requisito da afetação direta (5).

O Tribunal Geral analisa, antes de mais, a admissibilidade dos recursos das recorrentes agindo em nome próprio.

A este respeito, o Tribunal Geral constata que nenhuma disposição legal relativa ao mecanismo lhes atribui esta prerrogativa processual. Do mesmo modo, o facto de intervirem como interlocutoras regulares das instituições da União sobre a questão da independência judicial não fundamenta a legitimidade ativa das mesmas.

Em seguida, o Tribunal Geral examina a admissibilidade dos recursos das recorrentes que atuam em nome dos seus membros cujos interesses defendem.

A este respeito, as recorrentes diferenciam três grupos de juízes, entre os quais, nomeadamente, os juízes polacos afetados por decisões da Secção Disciplinar que são diretamente afetados pelo processo de reapreciação previsto nos marcos F2G e F3G, todos os juízes polacos diretamente afetados por este processo de reapreciação e pelo marco F1G, bem como todos os outros juízes europeus que também são diretamente afetados por estes marcos.

No que respeita aos juízes do primeiro grupo, o Tribunal Geral examina, em primeiro lugar, a substância da decisão impugnada, apreciada à luz do seu conteúdo e do seu contexto.

Constata que a decisão impugnada sujeita o pagamento de uma contribuição financeira ao cumprimento de condições, a saber, a execução dos planos de recuperação e resiliência avaliados pela Comissão Europeia e aprovados pelo Conselho, incluindo a realização de marcos e metas, que são medidas do progresso no sentido da realização de uma reforma. Tendo o caráter de condicionalidade orçamental, uma vez que a sua realização condiciona um financiamento ao abrigo do mecanismo, os marcos F1G, F2G e F3G refletem, por um lado, a relação entre o respeito do valor do Estado de direito e, por outro, a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira e a proteção dos interesses financeiros da União.

Contudo, o Conselho, ao fixar os referidos marcos, não pretendeu substituir as regras relativas ao valor do Estado de direito ou à tutela jurisdicional efetiva, tal como esclarecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Daqui resulta que, ao estabelecê‑los, o Conselho não pretendia autorizar a República da Polónia a não cumprir os acórdãos do Tribunal de Justiça que declaravam a inobservância, por este Estado, do valor do Estado de direito ou do princípio da proteção jurisdicional efetiva.

À luz destas apreciações, o Tribunal Geral examina, em segundo lugar, a afetação direta, pela decisão impugnada, dos juízes do primeiro grupo no que respeita ao marco F2G. Salienta que, para que os juízes afetados pelas Decisões da Secção Disciplinar sejam diretamente afetados, deve existir uma relação direta entre a decisão impugnada e os seus efeitos sobre estes juízes.

A este respeito, o marco F2G limita‑se a impor um requisito que deve ser cumprido pela República da Polónia para poder beneficiar de um financiamento. A decisão impugnada não teve por efeito submeter os juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar às condições nela previstas, nem fez com que uma regra específica lhes fosse diretamente aplicável. Por conseguinte, ao prever o marco F2G, a decisão impugnada não impôs, de forma definitiva, obrigações específicas à República da Polónia nas suas relações com os juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar, não existindo uma relação direta.

Consequentemente, mesmo após a adoção da decisão impugnada, a situação dos juízes afetados por decisões da Secção Disciplinar continuou a reger‑se pelas disposições pertinentes do direito polaco aplicáveis à referida situação, bem como pelas disposições do direito da União e pelas decisões do Tribunal de Justiça, sem que o marco F2G especificado nesta decisão intervenha alterando diretamente a situação jurídica destes juízes, no sentido exigido pelo artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

No que respeita aos juízes do segundo grupo, o Tribunal Geral constata que as recorrentes não demonstraram a existência de uma ligação suficientemente estreita entre a situação de todos os juízes polacos e o marco F1G. Relativamente aos juízes do terceiro grupo, o Tribunal Geral também rejeita o argumento das recorrentes segundo o qual os marcos F1G, F2G e F3G afetam diretamente todos os outros juízes europeus.

Assim, dado que os juízes cujos interesses as recorrentes defendem não têm, eles próprios, legitimidade para agir, as recorrentes também não preenchem as condições para que os seus recursos sejam admissíveis.

Por último, o Tribunal Geral rejeita o argumento das recorrentes relativo à flexibilização dos requisitos de admissibilidade. Com efeito, essa flexibilização seria contrária tanto ao artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE como à jurisprudência do Tribunal de Justiça. As falhas sistémicas do sistema judicial na Polónia, alegadas pelas recorrentes, não podem justificar, em qualquer caso, que o Tribunal Geral derrogue o requisito de afetação direta que se aplica aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas.

O Tribunal Geral salienta que esta constatação não prejudica a obrigação que incumbe à República da Polónia, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 266.° TFUE, de corrigir o mais rapidamente possível os incumprimentos verificados pelo Tribunal de Justiça relativamente à crise do Estado de direito. Esta decisão também não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros e as instituições da União intentarem ações contra todas as disposições adotadas pelas instituições, órgãos e organismos da União que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos, bem como sobre as atuações da Comissão com vista a contribuir para assegurar o respeito dos requisitos resultantes das regras da União em matéria de Estado de direito.


1      Decisão de Execução do Conselho, de 17 de junho de 2022, relativa à aprovação da avaliação do plano de recuperação e resiliência da República da Polónia, conforme alterada pela Decisão de Execução do Conselho de 8 de dezembro de 2023 (a seguir «decisão impugnada»).


2      Magistrats européens pour la démocratie et les libertés (Medel) no processo T‑530/22, International Association of Judges (IAJ) no processo T‑531/22, Association of European Administrative Judges (AEAJ) no processo T‑532/22 e Stichting Rechters voor Rechters no processo T‑533/22.


3      Regulamento (UE) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (JO 2021, L 57, p. 17).


4      Os marcos indicados, que são medidas do progresso no sentido da realização de uma reforma, obrigam a reforçar a independência e a imparcialidade dos juízes polacos (marco F1G), a garantir que os juízes afetados por decisões da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (a seguir «Secção Disciplinar») tenham acesso a um processo que permita uma reapreciação das decisões da referida Secção que os afetem (marco F2G) e assegurar que os processos de reapreciação mencionados no marco F2G sejam, em princípio, concluídos, segundo o calendário indicativo, no quarto trimestre de 2023 (marco F3G).


5      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.