Language of document : ECLI:EU:T:2017:87

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

16 de fevereiro de 2017 ?(1)

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenhos ou modelos comunitários registados representando termossifões para radiadores — Desenhos ou modelos anteriores — Exceção de ilegalidade — Artigo 1.° D do Regulamento (CE) n.° 216/96 — Artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais — Princípio da imparcialidade — Composição da Câmara de Recurso — Motivo de nulidade — Inexistência de caráter singular — Artigo 6.° e artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 6/2002 — Execução pelo EUIPO de um acórdão de anulação de uma decisão das suas câmaras de recurso — Saturação da área de conhecimento — Data de apreciação»

Nos processos apensos T‑828/14 e T‑829/14,

Antrax It Srl, com sede em Resana (Itália), representada por L. Gazzola, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado inicialmente por P. Bullock e, em seguida, por L. Rampini e S. Di Natale, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Vasco Group NV, anteriormente Vasco Group BVBA, com sede em Dilsen (Bélgica), representado por J. Haber, advogado,

que têm por objeto dois recursos das decisões da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 10 de outubro de 2014 (processos R 1272/2013‑3 e R 1273/2013‑3), relativas a processos de declaração de nulidade entre o Vasco Group e a Antrax It,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: S. Gervasoni, exercendo funções de presidente de secção, L. Madise e Z. Csehi (relator), juízes,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistas as petições entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de dezembro de 2014,

vistas as contestações do EUIPO apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de março de 2015,

vistas as respostas da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2015,

vistas as réplicas apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de junho de 2015,

vista a decisão de 5 de agosto de 2016 que ordena a apensação dos processos T‑828/14 e T‑829/14 para efeitos da fase oral e da decisão que põe termo à instância,

após a audiência de 4 de outubro de 2016,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Antrax It Srl, é titular de dois desenhos ou modelos comunitários n.° 000593959‑0001 e n.° 000593959‑0002, apresentados em 25 de setembro de 2006 no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), nos termos do Regulamento (CE) n.° 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1), e publicados no Boletim dos Desenhos e Modelos Comunitários em 21 de novembro de 2006.

2        Os desenhos ou modelos controvertidos estão representados do seguinte modo:

–        Desenho ou modelo n.° 000593959‑0001 (recurso T‑828/14):

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–        Desenho ou modelo n.° 000593959‑0002 (recurso T‑829/14):

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3        Os desenhos ou modelos controvertidos destinavam‑se a ser aplicados, segundo os próprios termos dos pedidos de registo, a termossifões (modelli di termosifoni) para aplicação em radiadores de aquecimento pertencentes à classe 23.03 na aceção do Acordo de Locarno que institui uma classificação internacional para os desenhos e modelos industriais, de 8 de outubro de 1968, conforme alterado.

4        Em 16 de abril de 2008, a sociedade a que sucedeu ao Vasco Group NV, interveniente, apresentou ao EUIPO, nos termos do artigo 52.° do Regulamento n.° 6/2002, pedidos de declaração de nulidade dos desenhos ou modelos controvertidos. Em apoio dos seus pedidos, a interveniente invocou os desenhos ou modelos alemães n.os 4 e 5 incluídos no registo múltiplo n.° 40110481.8, publicado em 10 de setembro de 2002 e cujo âmbito abrange a França, a Itália e o Benelux enquanto desenho ou modelo internacional com a referência DM/060899.

5        Os desenhos ou modelos anteriores estão representados do seguinte modo:

–        Desenho ou modelo anterior n.° 5 (oposto ao registo n.° 000593959‑0001, correspondente ao recurso T‑828/14):

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–        Desenho ou modelo anterior n.° 4 (oposto ao registo n.° 000593959‑0002, correspondente ao recurso T‑829/14):

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6        O fundamento invocado em apoio destes pedidos de declaração de nulidade baseava‑se no artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 6/2002, por os desenhos ou modelos controvertidos não preencherem os requisitos de proteção fixados nos artigos 4.° a 9.° do mesmo regulamento.

7        Por decisões de 30 de setembro de 2009, a Divisão de Anulação declarou a nulidade dos desenhos ou modelos controvertidos, por falta de novidade na aceção do artigo 5.° do Regulamento n.° 6/2002.

8        Em 27 de novembro de 2009, a recorrente interpôs no EUIPO, nos termos do disposto nos artigos 55.° a 60.° do Regulamento n.° 6/2002, recurso das decisões da Divisão de Anulação.

9        Por decisões de 2 de novembro de 2010 (processos R 1451/2009‑3 e R 1452/2009‑3), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO anulou as decisões da Divisão de Anulação, devido a uma falta de fundamentação adequada no que respeita à causa de nulidade relativa à falta de novidade, mas declarou nulos os desenhos ou modelos controvertidos por não terem caráter singular, na aceção do artigo 6.° do Regulamento n.° 6/2002.

10      Em 11 de fevereiro de 2011, a recorrente interpôs recurso dessas decisões perante o Tribunal Geral.

11      Por acórdão de 13 de novembro de 2012, Antrax It/IHMI — THC (Radiadores de aquecimento) (T‑83/11 e T‑84/11, a seguir «acórdão de 13 de novembro de 2012», EU:T:2012:592), o Tribunal Geral anulou as decisões de 2 de novembro de 2010 com o fundamento de que o argumento invocado pela recorrente relativo ao estado de saturação do setor de referência não tinha sido apreciado pela Câmara de Recurso. A este respeito, o Tribunal Geral salientou que uma saturação da área de conhecimento, decorrente da alegada existência de outros desenhos ou modelos de termossifões ou de radiadores que apresentam as mesmas características de conjunto dos desenhos ou modelos em causa, era pertinente para a apreciação do caráter singular dos desenhos ou modelos controvertidos, na medida em que podia ser suscetível de tornar o utilizador informado mais sensível às diferenças de proporções internas entre estes diferentes desenhos ou modelos. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou as decisões de 2 de novembro de 2010 por falta de fundamentação relativa à saturação da área de conhecimento.

12      Na sequência do acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), os processos foram remetidos ao EUIPO, tendo‑lhes sido atribuídas, respetivamente, as novas referências R 1272/2013‑3 e R 1273/2013‑3. Foram distribuídos à Terceira Câmara de Recurso do EUIPO.

13      Em 13 de fevereiro de 2014, o relator da Terceira Câmara de Recurso nos dois processos mencionados no n.° 12, supra, convidou as partes a, no prazo de um mês, apresentarem alegações e elementos de prova quanto à existência ou não de uma saturação do setor de referência e quanto à impressão global daí resultante sobre os desenhos ou modelos em questão para o utilizador informado.

14      Em 12 de março de 2014, a recorrente apresentou observações e provas. Na mesma data, a interveniente apresentou observações.

15      Por decisões de 10 de outubro de 2014 (a seguir «decisões recorridas»), a Terceira Câmara de Recurso negou provimento aos recursos e declarou nulos os desenhos e modelos controvertidos.

16      A Câmara de Recurso entendeu que, em conformidade com o artigo 61.°, n.° 6, do Regulamento n.° 6/2002, devia pronunciar‑se sobre a questão da saturação do setor ou do mercado de referência, na medida em que o Tribunal Geral, no acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), tinha considerado que essa questão da saturação da área de conhecimento, que podia ser suscetível de tornar o utilizador informado mais sensível às diferenças de proporções internas entre estes diferentes desenhos ou modelos, não tinha sido devidamente analisada nas decisões anteriormente anuladas. A Câmara de Recurso considerou que devia determinar se, com base nos elementos de prova e argumentos apresentados pelas partes, havia, no setor de referência, uma situação de saturação decorrente da existência de uma multiplicidade de outros desenhos ou modelos com as mesmas características gerais que os desenhos ou modelos em questão (n.os 14, 17 a 19 e 25 das decisões recorridas). A Câmara de Recurso salientou que, no caso em apreço, o setor que devia ser objeto dessa avaliação era especificamente o dos termossifões e não o dos equipamentos de aquecimento (n.° 29 das decisões recorridas).

17      A este propósito, a Câmara de Recurso considerou que era necessário a parte que invoca a saturação na área de conhecimento apresentar um conjunto de provas claro, preciso, coerente e atual (n.os 36, 41 e 50 das decisões recorridas). Observou, em substância, que os elementos de prova apresentados pela recorrente para demonstrar o estado de saturação do setor não eram exaustivos, tinham má qualidade e deveriam ter sido mais coerentes e mais precisos. Além disso, salientou que os catálogos apresentados em anexo às observações da recorrente de 12 de março de 2014 não estavam datados ou sequer, caso contrário, correspondiam aos anos 2004 e 2006 (n.os 41 a 46 das decisões recorridas).

18      No que respeita à comparação dos desenhos ou modelos em conflito, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que as suas semelhanças, no que respeita à forma e à disposição dos termossifões e dos tubos radiantes, eram superiores às suas diferenças mínimas em matéria de profundidade ou de proporções internas, de distância respetiva entre os tubos e de número de tubos, que careciam de um exame cuidado (n.os 52 a 62 das decisões recorridas). Concluiu daí que os desenhos ou modelos controvertidos não tinham caráter singular específico na aceção do artigo 6.° do Regulamento n.° 6/2002, na medida em que a impressão global que causavam no utilizador informado não diferia da que causava a forma e o aspeto dos desenhos ou modelos anteriores (n.° 64 das decisões recorridas).

 Pedidos das partes

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular as decisões recorridas;

–        consequentemente, declarar a validade dos desenhos e modelos controvertidos sem remeter os processos ao EUIPO;

–        «declarar a incompatibilidade entre o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96 e o artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»;

–        condenar solidariamente o EUIPO e a interveniente nas despesas e condenar a interveniente nas despesas do processo no EUIPO.

20      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar a recorrente nas despesas.

21      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos e declarar a nulidade dos desenhos ou modelos controvertidos;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo as relativas ao processo no EUIPO.

 Questão de direito

22      Em apoio dos seus recursos de anulação, a recorrente invoca, em substância, quatro fundamentos. Os fundamentos são relativos, primeiro e no essencial, à violação do dever de imparcialidade da Câmara de Recurso à luz do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e à violação do Regulamento (CE) n.° 216/96 da Comissão, de 5 de fevereiro de 1996, que estabelece o regulamento processual das câmaras de recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 1996, L 28, p. 11), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2082/2004 da Comissão, de 6 de dezembro de 2004 (JO 2004, L 360, p. 8), segundo, à violação do artigo 6.° e do artigo 61.°, n.° 6, do Regulamento n.° 6/2002, terceiro e a título subsidiário, à violação do artigo 6.° e do artigo 63.°, n.° 1, do referido regulamento e dos princípios de proteção da confiança legítima, da boa administração e da igualdade de tratamento e, quarto e a título ainda mais subsidiário, à violação do artigo 6.° e do artigo 62.°, primeiro período, do mesmo regulamento, relativo ao dever de fundamentação.

23      Na audiência, a recorrente invocou um fundamento relativo à violação do prazo razoável pelo EUIPO.

24      Nos termos do artigo 84.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento que constitui a ampliação de um fundamento anteriormente enunciado, direta ou implicitamente, na petição inicial e que apresenta uma ligação estreita com esse fundamento deve ser declarado admissível [v. acórdão de 30 de maio de 2013, Moselland/IHMI — Renta Siete (DIVINUS), T‑214/10, não publicado, EU:T:2013:280, n.° 69 e jurisprudência aí referida]. No presente caso, a recorrente admitiu perante o Tribunal Geral que o seu fundamento relativo à violação de um prazo razoável não constava da petição, que apenas evoca o artigo 41.° da Carta para alegar uma violação do dever de imparcialidade da Câmara de Recurso.

25      Em consequência, o fundamento relativo à violação do prazo razoável pelo EUIPO deve ser julgado inadmissível, como alegou este último.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta e do Regulamento n.° 216/96

26      A recorrente invoca, em substância, uma violação do seu direito a que os seus processos sejam tratados imparcialmente na aceção do artigo 41.°, n.° 1, da Carta, e uma violação do Regulamento n.° 216/96. No âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente invoca igualmente uma exceção de ilegalidade contra o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96.

27      O Tribunal Geral considera que deve começar por examinar esta exceção de ilegalidade.’

–       Quanto à exceção de ilegalidade

28      A título eliminar, a recorrente pede ao Tribunal Geral que aprecie e declare que existe uma incompatibilidade entre o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96 e o artigo 41.° da Carta. Este pedido, apresentado nos n.os 19 e 20 das petições, figura igualmente no terceiro pedido da recorrente.

29      O EUIPO alega, em substância, que este pedido da recorrente é inadmissível, porque o Tribunal Geral não é competente na matéria, que é unicamente da competência do Tribunal de Justiça.

30      Recorde‑se, a título liminar, que, nos termos do n.° 2 do artigo 61.° do Regulamento n.° 6/2002, o recurso para o Tribunal de Justiça das decisões das câmaras de recurso «terá por fundamento incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação do Tratado, do [referido] regulamento ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou desvio de poder». No caso vertente, decorre do recurso interposto pela recorrente que esta acusa a Câmara de Recurso de ter aplicado uma regulamentação ilegal, por incompatível com a Carta, a qual, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Assim, sem se referir expressamente ao artigo 277.° TFUE, a recorrente suscitou uma exceção de ilegalidade na aceção do referido artigo, pedindo ao Tribunal Geral que declare o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96 inaplicável ao presente litígio (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 12 de julho de 2001, Kik/IHMI, T‑120/99, EU:T:2001:189, n.° 20).

31      Nos termos do artigo 277.° TFUE, a inaplicabilidade de um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União pode ser invocada, através dos meios previstos no artigo 263.°, segundo parágrafo, TFUE, perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, incluindo a violação do Tratado. Segundo jurisprudência constante, o referido artigo 277.° TFUE é a expressão de um princípio geral que assegura às partes, para obter a anulação de uma decisão que lhes diga direta e individualmente respeito, o direito de impugnarem a validade dos atos institucionais anteriores que constituem a base jurídica da decisão impugnada, caso não gozem do direito de interpor, por força do artigo 263.° TFUE, recurso direto de tais atos, cujas consequências assim sofrem sem estar em condições de pedir a respetiva anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, EU:C:1979:53, n.° 39). Em consequência, o facto de o Regulamento n.° 6/2002 não referir expressamente a exceção de ilegalidade como via jurídica incidental de que os sujeitos de direito se podem socorrer perante o Tribunal de Justiça ao pedirem a anulação ou a reforma da decisão de uma Câmara de Recurso do EUIPO não os impede de suscitarem tal exceção no âmbito desse recurso. Este direito resulta do princípio geral enunciado pela jurisprudência supra (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 12 de julho de 2001, Kik/IHMI, T‑120/99, EU:T:2001:189, n.° 21).

32      Observe‑se que a argumentação do EUIPO segundo a qual só o Tribunal de Justiça é competente para declarar atos contrários ao direito da União resulta na realidade de uma confusão com a competência exclusiva do Tribunal de Justiça no que respeita às questões prejudiciais sobre a validade na aceção do artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE. Ora, no caso em apreço, não está em causa uma questão submetida por um tribunal de um Estado‑Membro no quadro de um litígio nacional.

33      Assim sendo, o argumento do EUIPO segundo o qual este pedido da recorrente é inadmissível não pode ser acolhido.

34      Quanto ao mérito, a recorrente argumenta que o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96, na medida em que não prevê a obrigação de alterar a composição da Câmara de Recurso quando o recurso é reenviado, após anulação de uma decisão, à Câmara que decidiu anteriormente, infringe o dever de imparcialidade na aceção do artigo 41, n.° 1, da Carta.

35      O artigo 41.°, n.° 1, da Carta, sobre o direito a uma boa administração, confere a todas as pessoas «o direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável».

36      O artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96 tem a seguinte redação:

«1. […] se as medidas necessárias à execução de um acórdão do Tribunal de Justiça que anule total ou parcialmente a decisão da câmara de recurso ou da grande câmara incluírem uma nova apreciação do processo em causa pelas câmaras de recurso, o Presidium decide se este é distribuído à câmara que tomou a decisão, a outra câmara ou à grande câmara.

2. Quando o processo for distribuído a outra câmara, esta é composta de modo a não incluir nenhum dos membros que tenham participado na decisão impugnada. Esta última disposição não é aplicável sempre que o processo for distribuído à grande câmara.»

37      Não resulta desta redação que, quando o processo é remetido à Câmara de Recurso que anteriormente tomou a decisão anulada, o Presidium tem a obrigação de compor a Câmara de Recurso de modo a não incluir nenhum dos membros que tenham participado na decisão anterior.

38      Recorde‑se que o processo perante as Câmaras de Recurso do EUIPO não reveste natureza jurisdicional, mas sim administrativa [v. acórdão de 20 de abril de 2005, Krüger/IHMI — Calpis (CALPICO), T‑273/02, EU:T:2005:134, n.° 62 e jurisprudência aí referida].

39      Ora, o Tribunal Geral já decidiu que nenhuma norma jurídica ou princípio obsta a que uma administração confie aos mesmos agentes o reexame de um processo empreendido em execução de um acórdão que anula uma decisão e que não se pode consagrar como princípio geral decorrente do dever de imparcialidade que uma instância administrativa ou judiciária tenha a obrigação de remeter o processo a outra autoridade ou a um órgão dessa autoridade constituído de outra forma (v., neste sentido, no que respeita à apreciação de uma situação por uma instância administrativa, acórdão de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão, T‑351/03, EU:T:2007:212, n.os 185 a 188 e jurisprudência do TEDH aí referida, e, no que respeita à composição de uma formação de julgamento, acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.os 51 a 60 e jurisprudência do TEDH aí referida).

40      Assim sendo, há que concluir que o reenvio pelo Presidium, em conformidade com o artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96, de um processo, após anulação, à mesma Câmara de Recurso que tinha decidido anteriormente, sem obrigação de compor de maneira diferente essa Câmara de Recurso, não infringe o dever de imparcialidade da administração na aceção do artigo 41.°, n.° 1, da Carta.

41      Assim, a exceção de ilegalidade e, consequentemente, o terceiro pedido da recorrente deve ser julgado improcedente.

–       Quanto à violação do Regulamento n.° 216/96 e do dever de imparcialidade da Câmara de Recurso

42      Com o primeiro fundamento, a recorrente invoca igualmente a violação do seu direito a que os seus processos sejam tratados com imparcialidade na aceção do artigo 41, n.° 1, da Carta e, implicitamente, a violação do Regulamento n.° 216/96. Alega, primeiro, que os processos foram distribuídos à mesma Câmara de Recurso, que integra especificamente um dos membros da Câmara de Recurso que aprovou as decisões anuladas pelo Tribunal Geral, segundo, que os presentes processos deveriam ter sido distribuídos a uma câmara alargada como permitiam as regras do EUIPO e, terceiro, que a Câmara de Recurso no mínimo não dispunha de imparcialidade subjetiva.

43      O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação. No que respeita ao reenvio dos processos para a Câmara de Recurso que tinha adotado as decisões anuladas, tendo parcialmente a mesma composição, o EUIPO salienta, antes de mais, que esse reenvio é uma possibilidade prevista pelo artigo 1.° D do Regulamento n.° 216/96, em seguida, que a recorrente não tinha contestado perante o EUIPO a redistribuição dos recursos à mesma Câmara de Recurso e, por último, que apenas quando o processo for distribuído a outra Câmara de Recurso esta é composta de modo a não incluir nenhum dos membros que tenham participado na decisão anulada. No que respeita à oportunidade de designar uma Grande Câmara na sequência da anulação proferida pelo Tribunal Geral, o EUIPO alega que os requisitos previstos a este respeito no artigo 1.° B, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 216/96 não estavam preenchidos no caso em apreço.

44      Em primeiro lugar, há que rejeitar as críticas relativas ao facto de os processos terem sido reenviados pelo Presidium à mesma Câmara de Recurso, que inclui um dos membros da Câmara de Recurso que adotou as decisões anuladas pelo Tribunal Geral. Com efeito, como salientado nos n.os 36 e 37, supra, uma vez que o Presidium decidiu remeter os processos à mesma Câmara de Recurso, não tinha nenhuma obrigação, nos termos do Regulamento n.° 216/96, de compor essa câmara de recurso diversamente. Além disso, resulta dos n.os 38 a 40, supra que do simples facto de os processos serem remetidos a uma entidade constituída em parte pelos agentes que já os tinham examinado não poderia resultar qualquer violação do dever de imparcialidade na aceção do artigo 41.°, n.° 1, da Carta.

45      Em segundo lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o Presidium deveria ter reenviado os processos à Grande Câmara, há que recordar os motivos que, na perspetiva do Regulamento n.° 216/96, justificam a remessa à Grande Câmara pelo Presidium.

46      Nos termos do artigo 1.° B, n.° 3, do Regulamento n.° 216/96, «[o] Presidium, sob proposta do presidente das câmaras de recurso feita por sua própria iniciativa ou a pedido de um membro do Presidium, pode reenviar para a grande câmara um processo distribuído a uma das câmaras [de recurso] sempre que considere que a dificuldade jurídica, a importância do processo ou circunstâncias especiais o justifiquem, nomeadamente se as câmaras de recurso tiverem adotado decisões divergentes sobre uma questão de direito suscitada por este processo». O n.° 1 do mesmo artigo prevê que uma Câmara de Recurso pode reenviar para a Grande Câmara um processo que lhe tenha sido distribuído em função dos mesmos critérios.

47      No caso vertente, há que salientar que, à luz das redações conjugadas do artigo 1.° B n.° 3, e do artigo 1.° D, n.° 1, do Regulamento n.° 216/96, o reenvio para a Grande Câmara é uma faculdade deixada à livre apreciação do Presidium e que, em quaisquer circunstâncias, a recorrente não aduz nenhum elemento suscetível de determinar que, no presente caso, as condições previstas tanto no artigo 1.° B, n.° 3, como no artigo 1.° B, n.° 1, do referido regulamento que justificam o reenvio à grande câmara estavam preenchidas. Limita‑se a sublinhar a «importância da decisões à luz das observações do Tribunal Geral» e o «nível de contencioso na matéria», sem dar mais explicações sobre a pretensa importância do processo. O facto de o acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592) ter anulado as decisões de 2 de novembro de 2010 por falta de fundamentação quanto a um aspeto de fundamentação relativo à saturação da área de conhecimento não mostra uma dificuldade quanto ao direito, a importância do processo ou uma circunstância específica que justifiquem um reenvio para a grande câmara. Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar se a alegada irregularidade é suscetível de justificar a anulação das decisões recorridas, no caso concreto, não havia nenhum motivo que, em quaisquer circunstâncias, justificasse um reenvio dos processos para a Grande Câmara.

48      Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento retirado da alegada falta de imparcialidade subjetiva da Câmara de Recurso, há que declarar que a recorrente não invoca nenhum argumento relativo a uma qualquer parcialidade pessoal de um ou de vários membros da Câmara de Recurso.

49      Por conseguinte, o primeiro fundamento não é procedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 6.° e do artigo 61.°, n.° 6, do Regulamento n.° 6/2002

50      Com o segundo fundamento, a recorrente via demonstrar que a Câmara de Recurso cometeu erros de apreciação das provas relativas à saturação da área de conhecimento e, portanto, do caráter singular dos desenhos ou modelos controvertidos na aceção do artigo 6.° do Regulamento n.° 6/2002. Ao fazê‑lo, a Câmara de Recurso não cumpriu a sua obrigação de «tomar as medidas necessárias à execução» do acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), em conformidade com o artigo 61, n.° 6, do referido regulamento.

51      O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação.

52      Resulta da redação do artigo 6, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 6/2002 que o caráter singular deve ser apreciado, no caso de um desenho ou modelo comunitário registado, à luz da impressão global que suscita no utilizador informado. A impressão global que suscita no utilizador informado deve ser diferente da suscitada por qualquer desenho ou modelo divulgado junto do público antes da data de depósito do pedido de registo ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade. O artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 6/2002 precisa que, na apreciação do caráter singular, deverá ser tido em consideração o grau de liberdade do criador na realização do desenho ou modelo.

53      Segundo decorre da jurisprudência, o caráter singular de um desenho ou modelo resulta de uma impressão global de diferença ou de inexistência de «déjà vu», do ponto de vista do utilizador informado, relativamente ao património dos desenhos ou modelos existente, não tendo em conta diferenças que continuem a ser insuficientemente marcadas para afetar a referida impressão global, apesar de serem mais do que pormenores insignificantes, mas tendo em conta diferenças suficientemente marcadas para criar impressões globais distintas [v. acórdão de 7 de novembro de 2013, Budziewska/IHMI — Puma (Felino a saltar), T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.° 29 e jurisprudência aí referida].

54      Na apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo relativamente ao património de desenhos ou modelos existente, há que ter em consideração a natureza do produto a que o desenho ou modelo se aplica ou em que está incorporado, e em especial ao setor industrial a que pertence (considerando 14 do Regulamento n.° 6/2002), ao grau de liberdade do criador na realização do desenho ou modelo, a uma eventual saturação da área de conhecimento, que pode ser suscetível de tornar o utilizador informado mais sensível às diferenças entre os desenhos ou modelos comparados, bem como ao modo como o produto em causa é utilizado, especialmente em função das manipulações que normalmente sofre nessa ocasião (v. acórdão de 7 de novembro de 2013, Felino a saltar, T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

55      A saturação da área de conhecimento, se não for considerada como limitando a liberdade do criador, pode ser suscetível, quando é certa, de tornar o utilizador mais sensível às diferenças de pormenor entre os desenhos ou modelos em conflito. Por conseguinte, um desenho ou modelo, devido a uma saturação da área de conhecimento, pode ter um caráter singular devido a características que, na falta da referida saturação, não seriam suscetíveis de causar uma diferença de impressão global ao utilizador informado [v., neste sentido, acórdãos de 12 de março de 2014, Tubes Radiatori/IHMI — Antrax It (Radiadores de aquecimento), T‑315/12, não publicado, EU:T:2014:115, n.° 87 e jurisprudência aí referida, e de 29 de outubro de 2015, Roca Sanitario/IHMI — Villeroy & Boch (Torneira monocomando), T‑334/14, não publicado, EU:T:2015:817, n.° 83].

56      Na apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo, há que ter igualmente em conta o ponto de vista do utilizador informado. Segundo jurisprudência constante, o utilizador informado é uma pessoa que está particularmente atenta e que dispõe de certos conhecimentos sobre o estado anterior da área de conhecimento, ou seja, sobre o acervo dos desenhos ou modelos relativos ao produto em causa que foram divulgados no momento do depósito do desenho ou modelo controvertido ou, se for o caso, na data da prioridade reivindicada [acórdãos do Tribunal Geral de 18 de março de 2010, Grupo Promer Mon Graphic/IHMI — PepsiCo (Representação de um suporte promocional circular), T‑9/07, EU:T:2010:96, n.° 62; de 9 de setembro de 2011, Kwang Yang Motor/IHMI — Honda Giken Kogyo (Motor de combustão interna), T‑11/08, não publicado, EU:T:2011:447, n.° 23; e de 6 de junho de 2013, Kastenholz/IHMI — Qwatchme (Mostradores de relógio) T‑68/11, EU:T:2013:298, n.° 57].

57      No caso em apreço, o utilizador informado foi definido pela Câmara de Recurso como aquele que adquire radiadores de aquecimento para os instalar no seu domicílio e que, sem ser um perito em desenho industrial como é um arquiteto ou um decorador de interiores, está ao corrente da oferta de mercado, das tendências da moda e das características de base dos produtos. A Câmara de Recurso considerou, com justeza, que esta definição tinha sido confirmada nos n.os 41 e 42 do acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592). Esta definição não é, de resto, contestada pelas partes.

58      Além disso, a Câmara de Recurso considerou que, dado não existirem limitações técnicas ou regulamentares específicas, o criador podia escolher de entre uma grande variedade de formas diferentes para a secção dos tubos e para o modelo dos coletores. Considerou igualmente, com justeza, que a apreciação de que o grau de liberdade do criador, no caso concreto, não estava limitado, tinha sido confirmada nos n.os 46 a 52 do acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592).

59      Em apoio do segundo fundamento, relativo a erros cometidos pela Câmara de Recurso na apreciação das provas respeitantes à saturação da área de conhecimento, a recorrente invoca, em substância, dois argumentos. Com o primeiro argumento, alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro quanto ao momento da apreciação da saturação da área de conhecimento, ao colocar‑se na data da prolação das decisões recorridas, ou seja, em outubro de 2014, quando deveria ter sido apreciada no momento do pedido de registo dos desenhos ou modelos controvertidos, ou seja, em setembro de 2006. A Câmara de Recurso considerou assim erradamente que as provas da saturação da área de conhecimento apresentadas pela recorrente em anexo às suas observações de 12 de março de 2014, que se reportavam ao período de registo (entre 2004 e 2006), não eram «atuais». Esse erro foi igualmente demonstrado pela utilização do tempo presente nas decisões recorridas e pelas várias alusões à situação «atual» do setor de referência.

60      O EUIPO contesta o facto de a análise do caráter saturado do setor ter sido feita na data das decisões recorridas. Além disso, considera que, mesmo nessa hipótese, na medida em que as provas apresentadas eram insuficientes para demonstrar a saturação do setor na data das decisões recorridas, eram a fortiori igualmente insuficientes para demonstrar a saturação da área de conhecimento no momento da apresentação do pedido de registo dos desenhos ou modelos controvertidos, tendo em conta que seria ilógico considerar que um setor anteriormente saturado deixou de está‑lo posteriormente.

61      A Câmara de Recurso considerou que, tendo designadamente em conta o acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), o conceito de saturação no setor de referência não podia, no caso em apreço, ser alegado ou estabelecido a priori e sumariamente, como tinha acontecido por vezes anteriormente. Entendeu que, dada a importância e a relevância do princípio jurídico de saturação da área de conhecimento, e para determinar o caráter singular de um desenho ou modelo específico, era necessário, para a parte que o invoca, no caso a recorrente, apresentar elementos de prova suficientemente claros, precisos e coerentes. No n.° 41 das decisões recorridas, acrescentou que esses elementos de prova deviam também ser «atuais». Recordou que, para o efeito, atribuiu um novo prazo às partes para apresentarem os seus argumentos e provas quanto a este aspeto. Considerou que, em especial, os documentos apresentados pela recorrente em anexo às suas observações de 12 de março de 2014, isto é, os excertos de um dos seus catálogos, os excertos de um catálogo da interveniente, os excertos de cinco catálogos de outras empresas do setor (Tubes, Tubor, The Radiator Company, Metalform e Rondra) e uma imagem que compara um radiador fabricado segundo um dos desenhos ou modelos controvertidos com um dos desenhos ou modelos anteriores, não eram exaustivos, na medida em que os excertos dos catálogos apenas mostravam alguns modelos de radiadores de aquecimento propostos unicamente por cinco fabricantes, sem apresentar toda a gama de produtos propostos por esses ou por outros fabricantes. Além disso, a Câmara de Recurso referiu a muito má qualidade de certas reproduções de radiadores, pelo que não tinha possibilidade de avaliar corretamente as suas linhas e contornos, e lamentou o facto de as imagens terem sido retiradas de catálogos e não de registos de desenhos ou modelos. Por último, salientou, no n.° 46 das decisões recorridas, que os catálogos em questão não estavam datados ou, quando estavam, correspondiam aos anos 2004 e 2006. A Câmara de Recurso acrescentou que a prova de um nível elevado de densidade no setor de referência deveria ter consistido em meios de prova mais coerentes e precisos como, por exemplo, outros catálogos e provas documentais relacionadas com os produtos propostos por um grande número de empresas concorrentes, declarações de peritos do setor, declarações de associações de fabricantes e de consumidores, catálogos e listas de preços dos grandes distribuidores que operam no setor de referência e, por último, inquéritos e estudos setoriais efetuados por sociedades terceiras. A Câmara de Recurso concluiu daí que o conjunto da documentação apresentada era insuficiente para determinar o grau de saturação da área de conhecimento e, mais ainda, para verificar a veracidade da afirmação da recorrente de que o setor de referência estava saturado. Acrescentou que alguns dos desenhos ou modelos representados nas provas produzidas diferiam mesmo visualmente dos outros exemplos apresentados pela recorrente.

62      No que respeita às decisões anteriores do EUIPO, pertinentes quanto à existência de uma saturação do setor em questão, entre as quais especialmente a decisão de 17 de abril de 2008 (processo R 976/2007‑3), na qual a mesma Câmara de Recurso tinha mencionado o facto de o setor dos radiadores de aquecimento (radiatori per riscaldamento) estar «notoriamente» saturado, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que a sua prática decisória anterior só era uma indicação suficiente se fosse corroborada por uma documentação que apresentasse, inequivocamente, «o estado atual dos factos», o que não acontecia no presente caso.

63      Antes de mais, resulta da jurisprudência que é por referência à data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo que, de acordo com o artigo 6, n.° 1, do Regulamento n.° 6/2002, deve ser examinado o caráter singular do desenho ou modelo e determinada a eventual existência de uma saturação da área de conhecimento (v., neste sentido, acórdão de 29 de outubro de 2015, Torneira monocomando, T‑334/14, não publicado, EU:T:2015:817, n.° 87). Aliás, o EUIPO não o contesta.

64      No caso vertente, há que observar que a Câmara de Recurso cometeu um erro quanto à data de apreciação da eventual existência de uma saturação da área de conhecimento, como alega a recorrente. A Câmara de Recurso considerou, no n.° 46 das decisões recorridas, que, quando estavam datados, os catálogos apresentados pela recorrente «correspondiam aos anos 2004 e 2006» (a versão italiana das decisões recorridas tem a seguinte redação: «Infine, occorre anche sottolineare che i cataloghi in questione sono non datati, o che quando presentano data, essi corrispondono agli anni 2004 e 2006»), indicando assim que esses anos não eram relevantes para a sua apreciação da existência de uma saturação da área de conhecimento. Ora, o catálogo de 2006, pelo menos, corresponde ao ano de registo dos desenhos ou modelos controvertidos e, portanto, era relevante para apreciar a saturação da área de conhecimento. Além disso, saliente‑se que, no n.° 41 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso afirmou que, «considerando o caráter crucial desse fator [isto é, a saturação da área de conhecimento], não po[dia] ser objeto de nenhuma presunção e de[via] ser avaliado à luz de um conjunto de elementos de prova claros, precisos, coerentes e atuais», indicando assim que analisava a saturação da área de conhecimento no momento das decisões recorridas. Em especial, nos n.os 18 e 49 da decisão recorrida, a referida Câmara de Recurso declarou o seguinte:

«[a]s decisões [de 2007 e de 2008] tomadas anteriormente pelo [EUIPO] relativamente à saturação do setor de referência, e invocadas pela titular, não constituem uma indicação suficiente se não forem corroboradas por uma documentação que apresente, inequivocamente, o estado atual dos factos […]».

65      A expressão «estado atual dos factos» não pode, neste contexto, referir‑se a 2006.

66      Tendo em conta o que antecede, constata‑se que a Câmara de Recurso apreciou a saturação da área de conhecimento numa data errada. Contrariamente ao que alega o EUIPO, as várias referências ao estado atual dos factos mencionadas no n.° 64, supra, o facto de os catálogos de 2004 e de 2006 não terem sido considerados como reportando‑se ao período correto, bem como a utilização do tempo presente nos pontos pertinentes das decisões recorridas, constituem provas que, no seu conjunto, são suficientes, no presente caso, para demonstrar esse erro.

67      Além disso, não pode ser acolhida a argumentação do EUIPO segundo a qual, em substância, na medida em que a Câmara de Recurso considerou que o setor não estava saturado na data das decisões recorridas, não podia estar saturado oito anos antes, porque seria ilógico considerar que um setor saturado anteriormente deixou de o estar posteriormente. Primeiro, é errado afirmar que a Câmara de Recurso considerou, nas decisões recorridas, que o setor de referência não estava saturado no momento das decisões recorridas. A Câmara de Recurso simplesmente entendeu que a saturação da área de conhecimento não tinha sido demonstrada de forma juridicamente bastante, na data das decisões recorridas. Segundo, essa argumentação constitui uma simples afirmação não sustentada, dado que o EUIPO não demonstra porque é que a saturação da área de conhecimento não é suscetível de variar ao longo de um longo período de oito anos.

68      No entanto, há que observar que o erro cometido pela Câmara de Recurso não é suscetível de implicar a anulação das decisões recorridas.

69      Com efeito, embora tenha sido considerado erradamente que os catálogos de 2004 e de 2006 não se referiam aos anos pertinentes para a sua apreciação, a Câmara de Recurso teve, no entanto, o cuidado de examiná‑los e de concluir que eram insuficientes para estabelecer uma saturação da área de conhecimento, com base noutros elementos substanciais. Assim, observou, no n.° 40 das decisões recorridas, que os excertos dos catálogos de 2004 (Tubor) e de 2006 (The Radiator Company) eram insuficientes em número de modelos apresentados e não exibiam toda a gama dos produtos propostos por esses fabricantes (dois modelos no catálogo da Tubor, três modelos no da The Radiator Company) e que as imagens do catálogo de 2006 da The Radiator Company (modelos «Volcano» e «Volcano Verticale») eram de má qualidade. Além disso, a sua constatação de que os excertos de catálogos propostos apenas incluíam cinco fabricantes tinha efetivamente em conta os catálogos de 2004 e de 2006. A Câmara de Recurso entendeu que as provas deveriam ter consistido em meios de prova mais coerentes e precisos como, por exemplo, outros catálogos e provas documentais relacionados com os produtos propostos por um maior número de empresas concorrentes, declarações de peritos do setor, declarações de associações de fabricantes e de consumidores, catálogos e listas de preços dos grandes distribuidores que operam no setor de referência e, por último, inquéritos e estudos setoriais efetuados por sociedades terceiras, mas que a recorrente apenas tinha apresentado algumas imagens retiradas de cinco catálogos de empresas que fabricam radiadores. Além disso, no n.° 44 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso salientou que alguns dos desenhos ou modelos dos catálogos diferiam visualmente dos outros exemplos facultados, especialmente alguns existentes no catálogo de 2006 da The Radiator Company, indicando assim que esses exemplos não eram pertinentes para demonstrar a existência de modelos muito semelhantes aos que estavam em causa e, portanto, uma saturação da área de conhecimento. Essas considerações, atinentes ao insuficiente número e à falta de pertinência das provas, são válidas incluindo no que respeita a uma apreciação da saturação da área de conhecimento e à data do pedido de registo dos desenhos ou modelos controvertidos.

70      Por conseguinte, há que declarar, definitivamente, que a Câmara de Recurso considerou, com justeza, que as provas relativas ao período pertinente de apreciação da saturação da área de conhecimento (designadamente as provas de 2006) eram insuficientes em número, qualidade e relevância.

71      Por conseguinte, a primeira alegação não é procedente.

72      Com a segunda alegação, a recorrente argumenta que a Câmara de Recurso não tomou em consideração provas relativas à saturação do mercado já apresentadas por ela no âmbito dos processos anteriores no EUIPO que deram lugar às decisões de 2 de novembro de 2010.

73      Em primeiro lugar, há que recordar que, na sequência do acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), o relator convidou as partes a apresentar todas as provas e observações que pretendessem quanto à questão da saturação da área de conhecimento. A recorrente apresentou observações e provas sobre essa questão em 12 de março de 2014. Essas provas, anexas às observações da recorrente, de 12 de março de 2014, estão devidamente enumeradas no n.° 39 das decisões recorridas. A Câmara de Recurso mencionou igualmente a prática decisória anterior do EUIPO quanto a este aspeto, nos n.os 48 a 51 das decisões recorridas.

74      Cumpre referir que os documentos expressamente mencionados nas decisões recorridas não são os únicos que a Câmara de Recurso examinou, na medida em que o n.° 39 das decisões recorridas começa por: «[e]m particular», expressão que sublinha que a lista seguinte dos documentos relativos à saturação da área de conhecimento apresentados pela recorrente não pretendia ser exaustiva, e que a análise da Câmara de Recurso foi feita com base num conjunto mais vasto de documentos. Observe‑se, a este propósito, que a Câmara de Recurso não está obrigada a apresentar uma exposição que siga exaustivamente e um a um todos os raciocínios articulados pelas partes perante ela, podendo a fundamentação ser implícita na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais a decisão da Câmara de Recurso foi tomada e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização [v., por analogia, acórdão de 9 de julho de 2008, Reber/IHMI — Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (Mozart), T‑304/06, EU:T:2008:268, n.° 55 e jurisprudência aí referida].

75      Em segundo lugar, observe‑se que o conjunto das provas da saturação da área de conhecimento apresentadas pela recorrente foi considerado insuficiente para determinar que existia uma saturação da área de conhecimento no setor em causa, como resulta do n.° 41 das decisões recorridas.

76      Em terceiro lugar, quanto às peças anexas às observações de 3 de setembro de 2008 da recorrente, concretamente as fotos dos radiadores E.CO.TERM (da Cordivari), e Runtal, há que observar que não são suscetíveis de alterar a constatação de insuficiência das provas efetuada nas decisões recorridas. Trata‑se de algumas fotografias de radiadores, em apenas três páginas. A única fotografia que representa seis radiadores da Cordivari entrelaçados (aliás pouco visíveis) está datada de 1997, ou seja, nove anos antes do momento em que deve ser apreciada a saturação da área de conhecimento, e representa radiadores, quatro dos quais não apresentam as mesmas características globais que os desenhos e modelos em causa. Constata‑se o mesmo quanto às seis fotografias de radiadores Runtal, sendo dois diferentes dos que estão em causa. DE resto, essas fotografias não estão datadas, ou antes, se se dever interpretar a referência à lista de preços como uma data, são, em qualquer caso, datadas de 2000. No que respeita às observações da recorrente de 6 de agosto de 2009, há que observar que esta não apresenta nenhum argumento que permita determinar que as eventuais provas delas constantes são suscetíveis de demonstrar uma saturação da área de conhecimento. Assim, cumpre observar que a recorrente não demonstra quais as provas da saturação da área de conhecimento que foram omitidas no exame e teriam sido suficientemente pertinentes e decisivas para alterar a posição da Câmara de Recurso.

77      Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda alegação e, portanto, que julgar improcedente o segundo fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao terceiro e quarto fundamentos, invocados a título subsidiário e relativos à violação do artigo 6.° e do artigo 63.°, n.° 1, do Regulamento n.° 6/2002, dos princípios da proteção da confiança legítima, da boa administração e da igualdade de tratamento, bem como à violação do artigo 6.° e do artigo 62.°, primeiro período, do Regulamento n.° 6/2002, no que respeita ao dever de fundamentação das decisões do EUIPO

78      Com o terceiro e quarto fundamentos, invocados a título subsidiário, a recorrente acusa, em substância, a Câmara de Recurso de se ter afastado da sua própria decisão anterior de 17 de abril de 2008 (processo R 976/2007‑3), apresentada a título de prova pela recorrente, decisão em que a Câmara de Recurso tinha concluído no sentido do caráter «notoriamente» saturado do mercado dos radiadores de aquecimento. Com o quarto fundamento, invocado a título ainda mais subsidiário, a recorrente critica a fundamentação excessivamente sumária, no n.° 51 das decisões recorridas, das razões desta viragem.

79      O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação.

80      No caso vertente, nos n.os 48 e 49 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso entendeu que, apesar das conclusões da Divisão de Anulação numa decisão de 12 de abril de 2007, bem como das da Câmara de Recurso na decisão de 17 de abril de 2008 (processo R 976/2007‑3), mencionadas pela recorrente, a documentação apresentada por esta última não podia ser considerada suficiente para demonstrar que, no caso, o setor de referência estava tão saturado que o utilizador informado prestaria grande atenção às diferenças entre os desenhos ou modelos comparados. A Câmara de Recurso considerou que as decisões aprovadas anteriormente pelo EUIPO respeitantes à saturação do setor de referência não constituíam uma indicação suficiente se não fossem corroboradas por uma documentação que apresentasse inequivocamente o estado atual dos factos, não podendo estes últimos ser objeto de nenhuma presunção na medida em que a saturação da área de conhecimento não podia simplesmente basear‑se num facto notório. No n.° 50 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso sublinhou que, tendo em conta a importância do conceito de saturação da área de conhecimento, especialmente no contexto dos presentes processos, era absolutamente necessário que a titular apresentasse um sistema probatório suficientemente claro, preciso e coerente, e não algumas imagens retiradas de catálogos ou, como no caso em apreço, uma simples referência a decisões anteriores do EUIPO ou das Câmaras de Recurso. No n.° 51 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso recordou que a legitimidade das decisões aprovadas pelo EUIPO devia ser apreciada unicamente com base no Regulamento n.° 6/2002, conforme interpretado pelo juiz da União, e não com base numa prática decisória anterior do EUIPO. A Câmara de Recurso recordou ainda que, à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da boa administração, o EUIPO devia certamente ter em conta as decisões aprovadas sobre pedidos semelhantes e questionar‑se minuciosamente quanto à questão de saber se devia decidir no mesmo sentido ou não, mas que a aplicação desses princípios devia, contudo, ser conjugada com a observância do princípio da legalidade. Assim, o titular de um desenho ou modelo contestado não poderia invocar a seu favor um ato ilegal cometido em benefício de outros para obter uma decisão idêntica, devendo ser efetuado um exame rigoroso em cada caso concreto.

81      O Tribunal Geral considera que há que analisar, antes de mais, o quarto fundamento, relativo, em substância, à violação do dever de fundamentação.

–        Quanto à violação do dever de fundamentação

82      Recorde‑se que, nos termos do artigo 62.°, primeiro período, do Regulamento n.° 6/2002, as decisões do EUIPO devem ser fundamentadas. Este dever de fundamentação tem o mesmo alcance que o que decorre do artigo 296.° TFUE, segundo o qual o raciocínio do autor do ato deve transparecer de forma clara e inequívoca. Tem por duplo objetivo permitir, por um lado, aos interessados que conheçam as justificações da medida tomada para defenderem os seus direitos e, por outro, ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão [v., por analogia, acórdão de 12 de julho de 2012, Gucci/IHMI — Chang Qing Qing (GUDDY), T‑389/11, não publicado, EU:T:2012:378, n.° 16 e jurisprudência aí referida].

83      No acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), o Tribunal Geral constatou que a Câmara de Recurso não tinha apresentado nenhuma fundamentação acerca dos argumentos da recorrente relativos à saturação da área de conhecimento, nem sequer para os julgar como não provados (acórdão de 13 de novembro de 2012, T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592, n.os 79, 87 e 97 a 99).

84      Na sequência deste acórdão, a recorrente invocou, perante a Câmara de Recurso, designadamente nas suas observações de 12 de março de 2014, as decisões anteriores da Divisão de Anulação de 2 de abril de 2007 e da Terceira Câmara de Recurso de 17 de abril de 2008, que declaram, respetivamente, a saturação e o caráter notoriamente saturado do setor dos radiadores.

85      É imperioso declarar, face aos n.os 48 a 51 das decisões recorridas recordadas no n.° 80, supra, que, contrariamente ao que alega a recorrente, as decisões recorridas são suficientemente fundamentadas quanto às razões pelas quais a Câmara de Recurso decidiu não considerar que o mercado em causa estava notoriamente saturado, contrariamente ao que decorria das anteriores decisões do EUIPO. Com efeito, nos n.os 48 e 49 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso explicou que as decisões anteriores do EUIPO invocadas só poderiam ter constituído uma indicação suficiente se tivessem sido corroboradas por uma documentação que apresentasse inequivocamente o estado «atual» dos factos, dado que estes últimos não podiam ser objeto de nenhuma presunção na medida em que a saturação da área de conhecimento não pode basear‑se simplesmente num facto notório. Embora a referência ao estado atual dos factos demonstre um erro quanto à data de apreciação a ter em consideração, a fundamentação permite compreender claramente que a Câmara de Recurso decidiu que a sua prática decisória anterior devia ser corroborada por provas pertinentes na data em que a saturação da área de conhecimento devia ser apreciada. De resto, nos n.os 51 e 52 das decisões recorridas, a Câmara de Recurso recordou a jurisprudência constante segundo a qual o EUIPO não está vinculado pela sua prática decisória, e segundo a qual a aplicação dos princípios da igualdade de tratamento e da boa administração deve conjugar‑se com o princípio da legalidade, devendo cada caso concreto ser objeto de um exame rigoroso. Resulta dessa fundamentação que a Câmara de Recurso entendeu que devia afastar‑se da constatação efetuada nas suas decisões anteriores, porque não estava suficientemente sustentada ou podia estar ferida de ilegalidade. A questão de saber se esta fundamentação é pertinente faz parte da análise do mérito das decisões recorridas.

86      A alegação da recorrente de que as decisões recorridas não indicam as circunstâncias que permitem dizer que o mercado não está ou deixou de estar saturado é inoperante, na medida em que a Câmara de Recurso expõe, nas decisões recorridas, outras razões que explicam por que não efetuou a mesma constatação que a resultante de decisões anteriores do EUIPO.

87      Resulta do que precede que o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve ser julgado improcedente.

–        Quanto à violação do artigo 63.°, n.° 1, do Regulamento n.° 6/2002 e dos princípios da proteção da confiança legítima, da igualdade de tratamento e da legalidade

88      A recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter aplicado no caso em apreço constatação efetuada na sua decisão anterior de 17 de abril de 2008 (processo R 976/2007‑3), segundo a qual o mercado dos radiadores de aquecimento está notoriamente saturado. A recorrente alega que o facto de a Câmara de Recurso se ter afastado de tal constatação factual anterior constitui uma violação do artigo 63.°, n.° 1, do Regulamento n.° 6/2002, do princípio de proteção da confiança legítima e dos princípios da igualdade e da boa administração. A recorrente invoca designadamente a jurisprudência segundo a qual, tendo em conta os dois últimos princípios referidos, o EUIPO deve, no âmbito da instrução de um pedido de registo, ter em consideração as decisões já tomadas sobre pedidos similares e tratar com especial atenção a questão de saber se há ou não que decidir no mesmo sentido. A recorrente entende que, perante essas obrigações, a Câmara de Recurso não podia mudar de opinião sobre uma questão factual como o estado de saturação do mercado, exceto se tivessem ocorrido circunstâncias que expliquem tal viragem, circunstâncias essas que, em todo o caso, não explicou.

89      O EUIPO e a interveniente contestam esta argumentação. O EUIPO alega designadamente que foi o acórdão de 12 de março de 2014, Radiateur (T‑315/12, não publicado, EU:T:2014:115, n.° 87), que impôs uma exigência de demonstração da saturação da área de conhecimento com o auxílio de provas e proibiu que se presumisse a saturação do setor de referência ou que se considerasse a mesma como um simples facto notório, como ocorrera em decisões anteriores.

90      A título liminar, o Tribunal Geral observa que, contrariamente ao que alega o EUIPO, o acórdão de 12 de março de 2014, Radiateur (T‑315/12, não publicado, EU:T:2014:115), não estabeleceu uma exigência de demonstração do estado de saturação com o auxílio de provas e não proibia que fosse eventualmente considerado como um facto notório. A alusão, no n.° 87 desse acórdão, ao facto de uma saturação da área de conhecimento poder ser suscetível, quando é certa, de tornar o utilizador informado mais sensível às diferenças de pormenor dos desenhos ou modelos em causa, não impedia a Câmara de Recurso de considerar que uma saturação da área de conhecimento era notória. Um facto «certo» significa unicamente um facto reconhecido como verdadeiro, exato. Ora, um facto notório é, normalmente, um facto «[que pode] ser conhecid[o] por qualquer pessoa ou que pod[e] ser conhecid[o] através de fontes geralmente acessíveis» [acórdão de 22 de junho de 2004, Ruiz‑Picasso e o./IHMI — DaimlerChrysler (PICARO), T‑185/02, EU:T:2004:189, n.° 29]. Um facto notório é pois um facto reconhecido como verdadeiro por todas as pessoas, a tal ponto que não é necessário demonstrá‑lo.

91      Além disso, recorde‑se que o artigo 63.° do Regulamento n.° 6/2002 dispõe que, «[n]o decurso do processo, o [EUIPO] procederá ao exame oficioso dos factos», mas que, «em ações de nulidade, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes». Esta disposição é uma expressão do dever de diligência, segundo o qual a instituição competente é obrigada a examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto [v., por analogia, acórdão de 15 de julho de 2011, Zino Davidoff/IHMI — Kleinakis kai SIA (GOOD LIFE), T‑108/08, EU:T:2011:391, n.° 19 e jurisprudência aí referida].

92      No presente caso, a recorrente não demonstra em que medida o facto de não ter aplicado a constatação do caráter notoriamente saturado do setor de referência constitui uma violação da referida disposição, uma vez que essa disposição se limita a indicar os elementos que devem ser examinados pelo EUIPO e não predetermina o resultado desse exame. O facto de a sua posição final não corresponder à posição defendida pela recorrente não constitui em nada uma violação do artigo 63.°, n.° 1, do Regulamento n.° 6/2002.

93      No que respeita à alegação relativa à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da igualdade de tratamento e da boa administração, resulta de jurisprudência constante que as decisões que as Câmaras de Recurso do EUIPO são chamadas a adotar, nos termos do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE (JO 2009, L 78, p. 1), no que respeita ao registo de um sinal enquanto marca da UE, resultam de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Por conseguinte, a legalidade das referidas decisões só deve ser apreciada com base nesse regulamento e não numa prática decisória anterior àquelas [acórdãos de 26 de abril de 2007, Alcon/IHMI, C‑412/05 P, EU:C:2007:252, n.° 65, e de 24 de novembro de 2005, Sadas/IHMI — LTJ Diffusion (ARTHUR ET FELICIE), T‑346/04, EU:T:2005:420, n.° 71]. O Tribunal de Justiça entendeu que, tendo em conta os princípios da igualdade de tratamento e da boa administração, o EUIPO devia, no âmbito da instrução de um pedido de registo de uma marca da UE, considerar as decisões já tomadas sobre pedidos similares e tratar com especial atenção a questão de saber se há ou não que decidir no mesmo sentido. Acrescentou, no entanto, que os princípios da igualdade de tratamento e da boa administração deviam ser conciliados com o cumprimento da legalidade. Por conseguinte, a pessoa que pede o registo de um sinal como marca não pode invocar em seu benefício uma eventual ilegalidade cometida a favor de outrem, para obter uma decisão idêntica. De resto, por razões de segurança jurídica e, precisamente, de boa administração, a apreciação de qualquer pedido de registo deve ser estrita e completa, para evitar que se registem marcas indevidamente. Esta apreciação deve ser efetuada em cada caso concreto. Com efeito, o registo de um sinal como marca depende de critérios específicos, aplicáveis no âmbito das circunstâncias factuais do caso concreto, destinados a verificar se o sinal em causa não é abrangido por um motivo de recusa (acórdão de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.os 74 a 77). Esta jurisprudência, recordada no n.° 51 das decisões recorridas, é aplicável por analogia à instrução dos pedidos de declaração de nulidade de desenhos ou modelos.

94      No que respeita, mais especificamente à acusação feita à Câmara de Recurso de, no n.° 35 das decisões recorridas, ter subitamente elevado o nível de prova da saturação do mercado requerido relativamente ao que exigia anteriormente, apesar de já não ser possível à recorrente apresentar novas provas, basta observar que a recorrente, contrariamente ao que alega, teve muitas oportunidades de apresentar provas e observações sobre a saturação da área de conhecimento após o acórdão de 13 de novembro de 2012 (T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592), dado que o relator convidou as partes a intervirem neste sentido no seguimento do acórdão do Tribunal Geral, o que a recorrente aliás fez em 12 de março de 2014. Consequentemente, em quaisquer circunstâncias, a Câmara da Recurso não infringiu o princípio da proteção da confiança legítima.

95      Assim sendo, o terceiro e quarto fundamentos devem ser julgados improcedentes e, em consequência, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

96      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

97      No presente caso, tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo EUIPO e pela interveniente, de acordo com o pedido formulado por este últimos.

98      Além disso, a interveniente pediu a condenação da recorrente nas despesas que efetuou no procedimento administrativo no EUIPO. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 190.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, os encargos indispensáveis suportados pelas partes para efeitos do processo perante a instância de recurso são consideradas despesas recuperáveis. Contudo, isso não se verifica no caso das despesas efetuadas no processo na Divisão de Anulação. Por conseguinte, o pedido da interveniente no sentido de que a recorrente, por ter sido vencida, seja condenada nas despesas do processo administrativo no EUIPO só pode ser julgado procedente no que respeita às despesas indispensáveis efetuadas pela interveniente para efeitos do processo na Câmara de Recurso [v., neste sentido, acórdão de 12 de janeiro de 2006, Devinlec/IHMI — TIME ART (QUANTUM), T‑147/03, EU:T:2006:10, n.° 115]. Importa precisar que esta condenação só é aplicável aos processos R 1272/2013‑3 e R 1273/2013‑3 na Câmara de Recurso.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A Antrax It Sarl suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e pelo Vasco Group NV, incluindo as efetuadas pelo Vasco Group relativas aos processos na Câmara de Recurso nos processos R 1272/2013‑3 e R 1273/2013‑3.

Gervasoni

Madise

Csehi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de fevereiro de 2017.

Assinaturas


1* Língua do processo: italiano.