Language of document : ECLI:EU:T:2023:276

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

24 de maio de 2023(*)

«Concorrência — Mercado de dados — Procedimento administrativo — Artigo 18.o, n.o 3, e artigo 24.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Pedido de informações — Sala de dados virtual — Dever de fundamentação — Segurança jurídica — Direitos de defesa — Necessidade das informações pedidas — Abuso de poder — Direito ao respeito pela vida privada — Proporcionalidade — Princípio da boa administração — Segredo profissional»

No processo T‑451/20,

Meta Platforms Ireland Ltd, anteriormente Facebook Ireland Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada por D. Jowell, KC, D. Bailey, barrister, J. Aitken, D. Das, S. Malhi, R. Haria, M. Quayle, solicitors, e T. Oeyen, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Conte, C. Urraca Caviedes e C. Sjödin, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por S. Costanzo, na qualidade de agente,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada),

composto, na deliberação, por: S. Papasavvas, presidente, D. Spielmann (relator), R. Mastroianni, M. Brkan e I. Gâlea, juízes,

secretária: I. Kurme, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 1 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, a sociedade Meta Platforms Ireland, anteriormente Facebook Ireland Ltd, pede a anulação da Decisão C(2020) 3011 final da Comissão, de 4 de maio de 2020, relativa a um procedimento nos termos do artigo 18.o, n.o 3, e do artigo 24.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (processo AT.40628 — Práticas da Facebook relativas a dados) (a seguir «decisão inicial»), conforme alterada pela Decisão C(2020) 9231 final da Comissão, de 11 de dezembro de 2020 (a seguir «decisão de alteração») (a seguir, conjuntamente, «decisão impugnada»).

I.      Antecedentes do litígio

2        Em 13 de março de 2019, a Comissão Europeia enviou à recorrente um pedido de informações mediante decisão tomada ao abrigo do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1). Esse pedido de informações incluía mais de 100 questões únicas, relativas a diferentes aspetos das atividades e da oferta de produtos da recorrente.

3        A recorrente respondeu a esse pedido de informações em três fases, em 23 de abril, 21 de maio e 18 de junho de 2019. Os documentos apresentados foram identificados através de uma pesquisa inicial efetuada utilizando termos de pesquisa escolhidos pela recorrente e de um controlo da pertinência realizado pelos juristas externos desta, qualificados para exercer na União Europeia.

4        Em 30 de agosto de 2019, a Comissão enviou um pedido de informações com base no artigo 18.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. O pedido de informações continha 83 questões únicas relativas à Facebook Marketplace, às redes sociais e aos fornecedores de pequenos anúncios em linha.

5        A recorrente respondeu a esse pedido de informações em três fases, em 30 de setembro, 10 de outubro e 5 de novembro de 2019.

6        Em 11 de novembro de 2019, a Comissão adotou uma segunda decisão ao abrigo do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. A Comissão pediu à recorrente que fornecesse, nomeadamente, um certo número de documentos internos respondendo a determinados critérios cumulativos. Em substância, os documentos pedidos eram os preparados por alguns depositários (custodiantes) por sua conta ou recebidos por estes últimos, datados desde 1 de janeiro de 2013 até à data dessa decisão e que continham determinados termos de pesquisa. Em particular, deviam ser aplicados dois conjuntos diferentes de termos de pesquisa a dois conjuntos diferentes de depositários. Para um conjunto de depositários, os termos de pesquisa a utilizar eram os que a própria recorrente tinha selecionado e utilizado por sua iniciativa para pesquisar e identificar documentos internos a apresentar em resposta à decisão de 13 de março de 2019. Para a segunda série de depositários, os termos de pesquisa a utilizar tinham sido elaborados pela Comissão com base, por um lado, nos documentos da recorrente e nas respostas dadas na sequência da decisão de 13 de março de 2019 e, por outro, em determinados documentos internos da recorrente publicados em 5 de dezembro de 2018 pelo Digital, Culture, Media and Sport Committee (Comissão do Digital, da Cultura, dos Meios de Comunicação Social e do Desporto do Parlamento do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a seguir «comité DCMS»).

7        Por carta de 20 de novembro de 2019, a recorrente comunicou a sua preocupação quanto à necessidade, à proporcionalidade e à fundamentação de certos aspetos da decisão de 11 de novembro de 2019. Houve uma série de contactos entre a recorrente e a Comissão com o objetivo de afinar os termos de pesquisa e reduzir o número de documentos identificados.

8        Em 17 de janeiro de 2020, a Comissão comunicou à recorrente uma versão revista dos termos de pesquisa.

9        Em 22 de janeiro de 2020, a Comissão informou a recorrente da sua intenção de adotar uma nova decisão com termos de pesquisa alterados.

10      Em 4 de maio de 2020, a Comissão adotou a decisão inicial. Nos termos do artigo 1.o dessa decisão, a recorrente devia fornecer à Comissão as informações especificadas nos anexos I.A, I.B e I.C da referida decisão até 15 de junho de 2020. O artigo 2.o previa uma coima diária potencial de oito milhões de euros em caso de não comunicação das informações completas e exatas pedidas ao abrigo do artigo 1.o

11      No mesmo dia, o diretor‑geral da Direção‑Geral (DG) da Concorrência da Comissão enviou à recorrente uma carta propondo um procedimento distinto para a apresentação de documentos que, segundo a recorrente, apenas continham informações pessoais, totalmente alheias às suas atividades comerciais. Esses documentos seriam juntos aos autos apenas após terem sido examinados numa sala de dados virtual.

12      Numa série de contactos, a recorrente e a Comissão discutiram as eventuais modalidades de utilização da sala de dados virtual.

13      Por carta de 12 de junho de 2020, a Comissão aceitou prorrogar até 27 de julho seguinte o prazo fixado à recorrente para responder ao pedido de informações contido na decisão inicial.

II.    Pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de julho de 2020, a recorrente interpôs o presente recurso.

15      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular o artigo 1.o da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas e condenar a República Federal da Alemanha a suportar as suas próprias despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar inadmissível o pedido da recorrente de anulação parcial do artigo 1.o da decisão impugnada, uma vez que não prevê a criação de garantias precisas e suficientes que permitam preservar os direitos das pessoas afetadas pela apresentação de documentos de caráter pessoal ou de natureza privada desprovidos de pertinência;

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

17      A República Federal da Alemanha conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que a recorrente seja condenada nas despesas.

III. Factos posteriores à interposição do recurso

A.      Processo de medidas provisórias

18      Por requerimento separado entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de julho de 2020, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias.

19      Por Despacho de 24 de julho de 2020, Facebook Ireland/Comissão (T‑451/20 R, não publicado), adotado com base no artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral ordenou a suspensão da execução da decisão inicial até à data do despacho que ponha termo ao processo de medidas provisórias.

20      Por Despacho de 29 de outubro de 2020, Facebook Ireland/Comissão (T‑451/20 R, não publicado, EU:T:2020:515), o presidente do Tribunal Geral revogou o despacho referido no n.o 19, supra, reservou para final a decisão quanto às despesas, ordenou o a seguir exposto e indeferiu o pedido de medidas provisórias quanto ao restante:

«1)      É suspensa a execução do artigo 1.o da [decisão inicial] na medida em que a obrigação nele imposta diga respeito a documentos que não apresentam qualquer ligação com a atividade comercial da [recorrente] e contenham dados pessoais sensíveis, e enquanto o procedimento referido no n.o 2 não tiver sido implementado.

2)      A [recorrente] identificará os documentos que contêm os dados referidos no n.o 1 e transmiti‑los‑á à Comissão em suporte eletrónico separado. Estes documentos serão em seguida colocados numa sala de dados virtual que só poderá ser acedida pelo menor número possível de membros da equipa responsável pelo inquérito, na presença (virtual ou física) de um número equivalente de advogados da [recorrente]. Os membros da equipa responsável pelo inquérito irão examinar e selecionar os documentos em causa, concedendo aos advogados da Facebook Ireland a possibilidade de se pronunciarem antes da junção ao processo dos documentos considerados relevantes. Em caso de desacordo quanto à qualificação de um documento, os advogados da [recorrente] poderão expor os motivos do desacordo. Em caso de desacordo persistente, a [recorrente] poderá requerer uma arbitragem ao Diretor responsável pela informação, comunicação e meios de comunicação social da Direção‑Geral “Concorrência” da Comissão.»

B.      Adoção de uma decisão de alteração e adaptação da petição

21      Em 11 de dezembro de 2020, a Comissão adotou a decisão de alteração, que prevê um procedimento distinto para a apresentação de documentos que não têm ligação com as atividades comerciais da recorrente e que contêm dados pessoais sensíveis.

22      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de fevereiro de 2021, a recorrente, com base no artigo 86.o do Regulamento de Processo, adaptou a petição para ter em conta a adoção da decisão de alteração.

C.      Pedidos de tratamento confidencial e de omissão de certos dados perante o público e pedido de intervenção

23      Em 15 de julho de 2020, 7 de maio e 10 de setembro de 2021, a recorrente pediu, ao abrigo do artigo 66.o do Regulamento de Processo, a omissão de certos dados perante o público.

24      Por cartas de 30 de outubro e 27 de novembro de 2020, bem como de 8 de fevereiro e 14 de maio de 2021, a recorrente pediu, ao abrigo do artigo 144.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o tratamento confidencial de determinados dados em relação à República Federal da Alemanha.

25      Por Despacho de 21 de dezembro de 2020, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da República Federal da Alemanha e deferiu os pedidos de tratamento confidencial da recorrente em relação a esta.

IV.    Questão de direito

26      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à falta de clareza do objeto do inquérito, o segundo, a violações do artigo 18.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 1/2003, o terceiro, a violações do direito ao respeito pela vida privada, do princípio da proporcionalidade e do direito a uma boa administração e, o quarto, a violações do dever de fundamentação.

A.      Quanto à admissibilidade do pedido relativo à inexistência de garantias precisas e suficientes

27      A Comissão contesta a admissibilidade do pedido da recorrente de anulação parcial do artigo 1.o da decisão impugnada, visto que não prevê a criação de garantias precisas e suficientes que permitam preservar os direitos das pessoas afetadas pela apresentação de documentos de caráter pessoal ou de natureza privada desprovidos de pertinência. Sustenta que este pedido não figurava na petição que contestava a decisão inicial e que não era fornecida nenhuma fundamentação no articulado de adaptação para explicar o seu aditamento. Assim, o articulado de adaptação não explica em que medida este pedido adicional é justificado pela adoção da decisão de alteração e por que razão não podia ter sido formulado na petição que contesta a decisão inicial.

28      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os pedidos das partes são, em princípio, caracterizados pela sua imutabilidade. O artigo 86.o do Regulamento de Processo, relativo à adaptação da petição inicial, constitui uma codificação da jurisprudência preexistente relativa às exceções que este princípio de imutabilidade pode admitir (v. Acórdão de 9 de novembro de 2017, HX/Conselho, C‑423/16 P, EU:C:2017:848, n.o 18 e jurisprudência referida).

29      Em conformidade com o artigo 86.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, quando um ato cuja anulação é pedida é substituído ou alterado por outro com o mesmo objeto, o recorrente pode, antes do encerramento da fase oral do processo ou antes da decisão do Tribunal Geral de decidir sem fase oral, adaptar a petição para ter em conta este elemento novo.

30      Para que o recorrente possa adaptar no decurso da instância os seus pedidos iniciais, é necessário, em todo o caso, que, ao fazê‑lo, não altere a natureza do recurso (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.o 103 e jurisprudência referida).

31      No caso em apreço, é certo que os pedidos da recorrente de anulação parcial do artigo 1.o da decisão impugnada, dado que não prevê a instituição de garantias precisas e suficientes que permitam preservar os direitos das pessoas afetadas pela apresentação de documentos de caráter pessoal ou de natureza privada desprovidos de pertinência, não figuram, enquanto tal, na petição inicial e só aparecem explicitamente no articulado de adaptação.

32      Todavia, há que salientar que a Comissão não contesta que o articulado de adaptação diz respeito, por outro lado, às condições previstas no artigo 86.o do Regulamento de Processo, interpretado conforme a jurisprudência referida no n.o 30, supra.

33      A este propósito, há que observar que este pedido, na parte em que visa a anulação parcial do artigo 1.o da decisão impugnada, dado que não prevê a instituição de garantias precisas e suficientes, está abrangido pelo pedido de anulação do artigo 1.o apresentado a título subsidiário na petição.

34      Além disso, há que declarar que o artigo 86.o do Regulamento de Processo não impõe à recorrente que explique especificamente as razões pelas quais, por um lado, decidiu formular um pedido que não figurava, enquanto tal, da petição e, por outro, não teria podido formular esse pedido na petição inicial, dirigida contra a decisão inicial.

35      Daqui resulta que a exceção de inadmissibilidade da Comissão destinada a contestar a admissibilidade do pedido da recorrente recordado no n.o 27, supra, deve ser julgada improcedente.

B.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à insuficiência de clareza do objeto do inquérito

36      A recorrente critica a Comissão por ter violado o princípio da segurança jurídica, o dever de fundamentação geral que lhe incumbe por força do artigo 296.o TFUE, o dever de fundamentação especial que lhe é imposto pelo artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, bem como os seus direitos de defesa e o seu direito a uma boa administração, ao não ter definido em termos suficientemente claros e coerentes o objeto e o alcance do seu inquérito.

a)      Quanto à violação do dever de fundamentação

37      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação dos atos das instituições da União, exigida pelo artigo 296.o TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma que permita aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. O dever de fundamentação deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas por este direta e individualmente abrangidos possam ter em receber explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não só do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 16 e jurisprudência referida).

38      Em particular, quanto à fundamentação de uma decisão de pedido de informações, importa recordar que o artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 define os seus elementos essenciais. Esta disposição prevê o seguinte:

«Sempre que solicitar, mediante decisão, às empresas ou associações de empresas que prestem informações, a Comissão deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas. Deve indicar igualmente as sanções previstas no artigo 23.o e indicar ou aplicar as sanções previstas no artigo 24.o Deve indicar ainda a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça.»

39      Este dever de fundamentação específico constitui uma exigência fundamental que tem em vista não só demonstrar o caráter justificado do pedido de informações mas também colocar as empresas em causa em condições de conhecerem o alcance do seu dever de cooperação, preservando ao mesmo tempo os seus direitos de defesa (v. Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 19 e jurisprudência referida).

40      Quanto à obrigação de indicar a «finalidade do pedido», esta significa que a Comissão deve indicar o objeto do seu inquérito no seu pedido e, por conseguinte, identificar a alegada infração às regras de concorrência (v. Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 20 e jurisprudência referida).

41      A este respeito, a Comissão não tem de comunicar ao destinatário de uma decisão de pedido de informações todas as informações de que dispõe sobre presumíveis infrações nem proceder a uma qualificação jurídica rigorosa dessas infrações, desde que indique claramente as suspeitas que pretende verificar (v. Acórdão de 10 de março de 2026, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, parágrafo 21 e jurisprudência citada).

42      Tal obrigação explica‑se, em particular, pela circunstância de que, como resulta do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e do seu considerando 23, no cumprimento das funções que lhe são atribuídas por este regulamento, a Comissão pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e às associações de empresas que forneçam «todas as informações necessárias» (Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 22).

43      Daí resulta que a Comissão só pode exigir a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir investigar as presunções de infrações que justificam a realização do inquérito e estejam indicadas no pedido de informações (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 23, e de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, EU:T:2010:165, n.o 333 e jurisprudência referida).

44      Ora, uma vez que a necessidade da informação deve ser apreciada tendo em conta a finalidade referida no pedido de informações, essa finalidade deve ser indicada com precisão suficiente, sem a qual seria impossível determinar se a informação é necessária e o juiz da União não poderia exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 24 e jurisprudência citada).

45      O caráter suficientemente fundamentado ou não da decisão impugnada depende, portanto, da questão de saber se as presunções de infrações que a Comissão pretende averiguar são especificadas com suficiente clareza (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 25).

46      Quando da apreciação do alcance do dever de fundamentação em relação a uma decisão de pedido de informações ao abrigo do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, importa igualmente ter em conta a fase do inquérito em que tal decisão foi adotada e o facto de a Comissão já dispor ou não de certas informações sobre as presumidas infrações (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 39, e Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2015:694, n.o 50).

47      No caso em apreço, resulta do próprio título da decisão impugnada que esta foi adotada com base no artigo 18.o, n.o 3, e no artigo 24.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1/2003.

48      No considerando 1 da decisão impugnada, a Comissão referiu que investigava o comportamento do grupo Facebook relativo, por um lado, à sua utilização de dados e, por outro, à plataforma de rede social Facebook no Espaço Económico Europeu (EEE).

49      No considerando 3 dessa decisão, a Comissão afirmou o seguinte:

«A Comissão concentra o seu inquérito na utilização de dados feita pela Facebook, como mostram determinados documentos internos da Facebook publicados em 5 de dezembro de 2018 e 18 de fevereiro de 2019 pelo [comité DCMS]. Os documentos internos da Facebook acima referidos datam dos anos de 2012 a 2015. Alguns desses documentos parecem referir‑se a discussões internas da Facebook, às estratégias comerciais ou a comportamentos relativos ao acesso aos dados da Facebook, ao acesso às funcionalidades da Facebook e às estratégias de monetização dos dados, incluindo a possibilidade de conceder a terceiros o acesso aos dados ou funcionalidades da Facebook em troca de diferentes tipos de contrapartida e sob diversas condições. Outros documentos ilustram, aparentemente, a utilização feita pela Facebook da aplicação Onavo a fim de obter dados de valor comercial sobre os serviços concorrentes.»

50      Assim, a Comissão indicou que concentrava o seu inquérito na utilização de dados pela recorrente, evidenciada por determinados documentos internos desta última, tornados públicos pelo comité DCMS, e cujo conteúdo descreveu brevemente. Indicou igualmente que outros documentos pareciam ilustrar a utilização feita pela recorrente da aplicação Onavo a fim de obter dados de valor comercial sobre os serviços concorrentes.

51      No considerando 4 da decisão impugnada, a Comissão afirmou o seguinte:

«Com base nestes documentos, afigura‑se que a Facebook recorreu ou recorre a (i) acordos condicionais de partilha de dados, que aumentam o fluxo de dados entre a Facebook e terceiros, reforçando assim o poder de mercado da Facebook num eventual mercado de dados ou criando barreiras à entrada graças à acumulação de dados; (ii) práticas relativas à utilização dos produtos Facebook (incluindo nomeadamente a aplicação Onavo, a aplicação Facebook Research e o Facebook Business Tools) para obter dados de valor comercial sobre os serviços concorrentes, excluindo assim potenciais concorrentes e criando barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social e/ou outros serviços digitais, e (iii) práticas potencialmente discriminatórias que limitam o acesso aos dados, funcionalidades e interfaces de programação de aplicações (API) da Facebook ou a outras ferramentas em função da eventual qualificação de terceiros como concorrentes, excluindo assim potenciais concorrentes e criando barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social e/ou outros serviços digitais.»

52      No considerando 5 da decisão impugnada, a Comissão salientou o seguinte:

«A Comissão considera igualmente, com base em informações acessíveis ao público, que pode ter havido casos em que a Facebook bloqueou referências a aplicações ou a sítios [Internet] concorrentes no conjunto de aplicações Facebook, excluindo assim potenciais concorrentes e criando barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social e/ou outros serviços digitais. Além disso, baseando‑se em informações acessíveis ao público, a Comissão considera que o projeto anunciado pela Facebook de integrar as suas diferentes plataformas de comunicação (a saber, WhatsApp, Instagram e Facebook Messenger) poderia reforçar a sua posição enquanto fornecedor de serviços de comunicação para os consumidores, levando à exclusão de potenciais concorrentes.»

53      No considerando 6 da decisão impugnada, a Comissão considerou o seguinte:

«Se a existência de tais comportamentos vier a ser confirmada, poderão constituir uma ou várias infrações aos artigos 101.o e/ou 102.o [TFUE] e aos artigos 53.o e/ou 54.o do Acordo sobre o EEE.»

54      Há que examinar, em primeiro lugar, o argumento da recorrente relativo à ambiguidade do objeto do inquérito da Comissão.

1)      Quanto à determinação do objeto do inquérito da Comissão

55      A recorrente entende, em substância, que a decisão impugnada está fundamentada de maneira ambígua, uma vez que os considerandos 1 a 3 dessa decisão dão a entender que o objeto do inquérito da Comissão engloba qualquer prática que implique uma utilização de dados, ao passo que os considerandos 4 e 5 dessa decisão contêm exemplos não exaustivos de utilização de dados e de práticas de que a Comissão a considera suspeita. Acrescenta que a decisão impugnada não descreve nenhuma infração identificável ao direito da concorrência e que essa decisão parece autorizar a Comissão a realizar uma auditoria geral e ilimitada da totalidade das suas atividades. Por conseguinte, o inquérito da Comissão assemelha‑se a uma «pesca de informações» e nem a recorrente pode conhecer o alcance dos seus direitos e das suas obrigações nem o Tribunal Geral pode apreciar se o pedido de informações em causa é justificado e as informações pedidas necessárias.

56      A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da recorrente.

57      Há que salientar, à semelhança da Comissão, que os considerandos 1 e 3 da decisão impugnada têm uma finalidade essencialmente introdutória. Assim, o considerando 1 identifica as entidades abrangidas pelo inquérito, a saber, a Facebook Inc. e todas as sociedades do seu grupo, incluindo, nomeadamente, a WhatsApp Inc., a Instagram LLC, a Facebook Israel Ltd e a Onavo Inc., bem como o domínio em que se enquadram os comportamentos objeto da investigação, a saber, a utilização de dados; os serviços objeto do inquérito, a saber, a plataforma de rede social Facebook; e o âmbito geográfico examinado, a saber, o EEE.

58      Quanto ao considerando 3 da decisão impugnada, a Comissão identificou no mesmo os documentos com base nos quais tinha decidido abrir o seu inquérito sobre a utilização de dados pela recorrente.

59      Nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada, a Comissão enumerou as práticas de que considerava a recorrente suspeita, com base nos documentos identificados no considerando 3 dessa decisão, e sobre as quais pretendia investigar.

60      No considerando 6 da decisão impugnada, a Comissão considerou que «tais comportamentos» poderão constituir uma ou várias infrações aos artigos 101.o e 102.o TFUE, bem como aos artigos 53.o e 54.o do Acordo EEE. Deste modo, referiu‑se necessariamente às práticas identificadas nos considerandos 4 e 5 dessa decisão.

61      A este respeito, há que considerar que, como alega a própria Comissão, as práticas enumeradas nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada são‑no de forma taxativa. Com esta enumeração, a Comissão indicou claramente as suspeitas que pretendia verificar, identificou as alegadas infrações às regras de concorrência e, deste modo, delimitou o objeto do seu inquérito, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 40 e 41, supra.

62      Consequentemente, tal fundamentação cumpre a obrigação de indicar a finalidade do pedido de informações, na aceção do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003.

63      A este respeito, há que declarar que as outras interpretações evocadas pela recorrente, que tendem a considerar que as práticas referidas nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada são «exemplos não exaustivos» ou «práticas mais específicas» de utilização de dados, conduziriam a interpretar o objeto do inquérito da Comissão de uma maneira exageradamente extensiva, incompatível com a jurisprudência recordada nos n.os 40 e 41, supra.

64      Ora, resulta de jurisprudência constante que um texto de direito derivado da União deve ser interpretado, na medida do possível, num sentido conforme com as disposições do Tratado e os princípios gerais do direito da União (Acórdãos de 4 de outubro de 2007, Schutzverband der Spirituosen‑Industrie, C‑457/05, EU:C:2007:576, n.o 22; de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporácion of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 174; e de 25 de novembro de 2009, Alemanha/Comissão, T‑376/07, EU:T:2009:467, n.o 22).

65      Nestas condições, é sem razão que a recorrente sustenta que o objeto do inquérito da Comissão é ambíguo, uma vez que se estende a qualquer prática que implique da sua parte a utilização de dados.

2)      Quanto à descrição dos comportamentos imputados

66      A recorrente sustenta que, mesmo admitindo que o objeto do inquérito da Comissão deva ser entendido como estritamente limitado às práticas enumeradas nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada, essa decisão não descreve de forma suficientemente precisa certos elementos essenciais das infrações de que a Comissão suspeita.

67      Primeiro, a recorrente sustenta que a Comissão não precisou, na decisão impugnada, as atividades ou os produtos que eram suscetíveis de ser afetados pelos acordos de partilha de dados referidos no considerando 4, alínea i), dessa decisão, nem as práticas discriminatórias que limitam o acesso aos dados, às funcionalidades e às interfaces de programação das suas aplicações ou a outras ferramentas, referidas no considerando 4, alínea iii), da mesma decisão. Segundo, a Comissão não identificou o ou os concorrentes suscetíveis de terem sido lesados pelas práticas discriminatórias mencionadas no considerando 4, alínea ii), da decisão impugnada, pelo bloqueio suspeito das referências a publicidade ou a sítios Internet de concorrentes e pelo plano provisório de integração das suas diferentes plataformas de comunicação, referidos no considerando 5 da decisão impugnada. Terceiro, as referências feitas nos considerandos 4 e 5 dessa decisão à exclusão de potenciais concorrentes e à criação de barreiras à entrada são tão gerais que não determinam a natureza do comportamento objeto das suspeitas da Comissão. Além disso, na falta de identificação do tipo ou da origem da exclusão ou das alegadas barreiras, não é possível distinguir uma exclusão anticoncorrencial de uma concorrência pelos méritos que conduza à exclusão de concorrentes menos eficazes.

68      Segundo a recorrente, destas imprecisões resulta uma impossibilidade de determinar se a Comissão podia razoavelmente supor que alguns dos documentos a que se refere a decisão impugnada a ajudariam a confirmar a realidade das práticas mencionadas nos considerandos 4 e 5 dessa decisão. A recorrente refere‑se, a título de exemplo, a três documentos cuja apresentação é pedida pela Comissão e a termos de pesquisa indicados na decisão impugnada, apesar de o conteúdo desses documentos ser desprovido de pertinência para verificar a existência das práticas mencionadas nos considerandos 4 e 5 da referida decisão e de os termos em causa não apresentarem nenhuma ligação plausível com essas práticas. A recorrente alega que também não pode dar a conhecer utilmente as suas observações à Comissão e que tem de, em substância, adivinhar o que lhe é imputado.

69      A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da recorrente.

70      Há que examinar se, tendo em conta o contexto da adoção da decisão impugnada e a fase do inquérito em que essa decisão foi adotada, a fundamentação da decisão impugnada é conforme com a jurisprudência recordada nos n.os 37 a 46, supra.

71      A Comissão descreveu, no considerando 4 da decisão impugnada, as práticas de que considerava a recorrente suspeita, bem como os produtos ou serviços da recorrente afetados, eventualmente, por essas práticas. Mencionou nesse considerando, primeiro, acordos de partilha de dados que reforçavam o poder de mercado da recorrente num eventual mercado de dados ou criavam barreiras à entrada nesse mercado; segundo, práticas relativas à sua utilização dos produtos Onavo, Facebook Research e Facebook Business Tools, para obter dados de valor comercial sobre os serviços concorrentes e, terceiro, práticas potencialmente discriminatórias que limitavam o acesso dos concorrentes aos dados, às funcionalidades e às interfaces de programações das suas aplicações. Quanto aos dois últimos tipos de práticas, precisou que podiam ter por efeito excluir potenciais concorrentes ou criar barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social e a outros serviços digitais.

72      No considerando 5 da decisão impugnada, a Comissão referiu que podia ter havido casos em que a recorrente tinha bloqueado, em algumas das suas aplicações, referências a aplicações ou a sítios Internet de concorrentes, excluindo assim potenciais concorrentes e criando barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social e a outros serviços digitais. A Comissão acrescentou que o projeto da recorrente de integrar as suas diferentes plataformas de comunicações, a saber, o WhatsApp, o Instagram e o Facebook Messenger, poderia reforçar a sua posição enquanto fornecedor de serviços de comunicação para os consumidores, levando à exclusão de potenciais concorrentes.

73      Há que considerar que o conteúdo dos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada constitui uma descrição clara e inequívoca do objeto ou do efeito das práticas de que a Comissão considera a recorrente suspeita, bem como dos produtos ou serviços da recorrente eventualmente afetados por essas práticas. Tais informações permitem igualmente determinar com um grau de precisão suficiente os produtos sobre os quais incide o inquérito e as suspeitas de infração que justificam a adoção dessa decisão.

74      Além disso, importa observar que é certo que a Comissão adotou a decisão impugnada cerca de um ano após a primeira decisão de pedido de informações, adotada em 13 de março de 2019, e na sequência de contactos com a recorrente, recordados nos n.os 3 a 9, supra, no âmbito dos quais esta última lhe forneceu algumas informações para efeitos do seu inquérito. Todavia, a decisão impugnada foi adotada no âmbito da fase de instrução preliminar do procedimento administrativo ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003, que se destina a permitir à Comissão reunir todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infração às regras da concorrência e tomar uma primeira posição sobre a orientação e sobre o seguimento a dar ao procedimento (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 113 e jurisprudência referida).

75      Tendo em conta estes elementos, importa considerar que a fundamentação da decisão impugnada permite, por um lado, à recorrente verificar se as informações pedidas são necessárias para efeitos do inquérito e, por outro, ao juiz da União exercer a sua fiscalização. Daqui deve deduzir‑se que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada.

76      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente referidos no n.o 67, supra.

77      Com efeito, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 41, supra, a Comissão estava obrigada a indicar claramente, na decisão impugnada, as suspeitas que pretendia verificar, mas não a comunicar à recorrente todas as informações de que dispunha a respeito das presumidas infrações, nem a proceder a uma qualificação jurídica rigorosa dessas infrações.

78      Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão no caso em apreço não exigia, na fase em que a decisão impugnada foi adotada, uma menção mais precisa das atividades e dos produtos da recorrente suscetíveis de serem afetados pelas práticas referidas no considerando 4, alíneas i) a iii), da decisão impugnada, uma identificação mais precisa dos potenciais concorrentes lesados pelas práticas referidas no considerando 4, alínea ii), e no considerando 5 dessa decisão, nem precisões adicionais quanto à exclusão de potenciais concorrentes e à criação de barreiras à entrada.

79      Além disso, no considerando 1 da decisão impugnada, a Comissão definiu o âmbito geográfico do seu inquérito, a saber, o EEE, e o seu âmbito material, a saber, a utilização dos dados pela recorrente e a sua plataforma de rede social. Como a Comissão alega com razão, o simples facto de o inquérito visar numerosas atividades e de o âmbito geográfico desse inquérito ser alargado não pode, enquanto tal, ser considerado uma indicação de uma fundamentação vaga.

80      Consequentemente, há que considerar que as supostas imprecisões criticadas pela recorrente não eram suscetíveis de prejudicar nem a sua compreensão da finalidade e do objeto do inquérito e das suspeitas de infrações sobre as quais a Comissão pretendia investigar, nem a possibilidade de o Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

81      Por último, no que respeita aos argumentos baseados em exemplos de documentos e de termos de pesquisa mencionados pela recorrente e pretensamente não pertinentes para verificar a existência das práticas referidas nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada, os mesmos visam, na realidade, contestar a necessidade desses documentos e termos de pesquisa para o inquérito. Ora, os argumentos destinados a contestar a necessidade das informações pedidas enquadram‑se na legalidade substantiva da decisão impugnada e não podem ser tidos em conta no âmbito do exame do fundamento relativo à violação do dever de fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 9 de abril de 2019, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, T‑371/17, não publicado, EU:T:2019:232, n.o 55 e jurisprudência referida). Estes argumentos serão, portanto, analisados no âmbito do exame do segundo fundamento.

82      Tendo em conta o que precede, é sem razão que a recorrente invoca uma violação do dever de fundamentação, conforme previsto no artigo 296.o TFUE e no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, no que respeita ao objeto do inquérito da Comissão e à descrição das práticas cuja existência pretende verificar no âmbito do seu inquérito.

b)      Quanto à violação do princípio da segurança jurídica, dos direitos de defesa e do direito a uma boa administração

83      Quanto às alegações relativas a uma violação do princípio da segurança jurídica, dos direitos de defesa e do direito a uma boa administração, não se pode deixar de observar que a recorrente não apresenta nenhum argumento autónomo em seu apoio, distinto dos apresentados em apoio da alegação relativa à violação do dever de fundamentação. Estas alegações devem, portanto, ser rejeitadas.

84      Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

2.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação no que respeita à definição dos termos de pesquisa mencionados na decisão impugnada e ao tratamento reservado aos documentos não pertinentes para o inquérito

85      A recorrente critica a Comissão por ter violado o dever de fundamentação no que respeita, por um lado, à definição dos termos de pesquisa mencionados na decisão impugnada e, por outro, ao tratamento reservado aos documentos não pertinentes para o seu inquérito e apresentados em execução da decisão impugnada.

a)      Quanto à adequação dos termos de pesquisa

86      A recorrente sustenta que a Comissão não explicou de que forma e por que razão tinha considerado que os termos de pesquisa cuja aplicação tinha pedido apenas identificavam documentos pertinentes para o seu inquérito, que lhe permitiam determinar se as infrações de que suspeitava tinham sido cometidas.

87      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

88      Como resulta dos n.os 57 a 82, supra, a decisão impugnada está suficientemente fundamentada no que respeita ao objeto do inquérito da Comissão, à descrição das práticas cuja existência pretendia verificar no âmbito do seu inquérito e à necessidade das informações pedidas.

89      Tendo em conta as disposições e a jurisprudência recordadas nos n.os 37 a 46, supra, que delimitam o alcance do dever de fundamentação de uma decisão de pedido de informações, esse dever não chega ao ponto de impor à Comissão que forneça, relativamente a cada informação pedida ou, como no caso em apreço, a cada termo de pesquisa cuja aplicação é pedida, uma fundamentação específica das razões pelas quais considera que essa informação ou esse termo de pesquisa, por um lado, é necessário para o seu inquérito e, por outro, apenas contém ou identifica informações pertinentes para esse inquérito.

90      Impor tal fundamentação à Comissão excederia igualmente as obrigações, enunciadas nos n.os 110 a 114, infra, que lhe incumbem à luz do princípio da necessidade. Em particular, a exigência de uma correlação entre o pedido de informações e a infração objeto de suspeita é satisfeita se a Comissão puder razoavelmente supor, à data do pedido, que essa informação é suscetível de a ajudar a determinar a existência dessa infração. Não se pode exigir à Comissão nenhuma certeza a este respeito.

91      Por outro lado, como resulta do n.o 37, supra, o respeito do dever de fundamentação deve ser apreciado à luz não só do seu teor literal mas também do seu contexto.

92      A este respeito, como recordado no n.o 74, supra, a decisão impugnada foi adotada no âmbito da fase de instrução preliminar do procedimento administrativo ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003, a qual se destina a permitir à Comissão reunir todos os elementos pertinentes que confirmem ou não a existência de uma infração às regras da concorrência e tomar uma primeira posição sobre a orientação e o seguimento a dar ao procedimento.

93      Em particular, um pedido de informações como a decisão impugnada tem unicamente por objeto permitir à Comissão recolher as informações e a documentação necessárias para verificar a realidade e o alcance de uma determinada situação de facto e de direito (Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 37).

94      Além disso, a decisão impugnada foi adotada na sequência de contactos entre a recorrente e a Comissão, no âmbito dos quais, nomeadamente, a própria recorrente identificou determinados termos de pesquisa que podiam ser pertinentes para fornecer à Comissão as informações que esta última pretendia obter. Assim, nomeadamente, o anexo I.C da decisão impugnada designa determinados termos de pesquisa como tendo sido identificados pela recorrente em resposta ao pedido de informações enviado pela Comissão em 13 de março de 2019. Além disso, resulta do considerando 15 da decisão impugnada, que diz respeito à decisão de pedido de informações de 11 de novembro de 2019, posteriormente retirada pela Comissão, que esta última tinha elaborado a lista dos termos de pesquisa cuja aplicação tinha pedido a partir da resposta dada pela recorrente ao pedido de informações de 13 de março de 2019 e com base em documentos internos desta tornados públicos pelo comité DCMS. Ora, é pacífico que os termos de pesquisa que figuram na decisão impugnada figuravam igualmente na decisão de 11 de novembro de 2019.

95      Tendo em conta o que precede, a recorrente não pode invocar utilmente uma violação do dever de fundamentação no que respeita à adequação dos termos de pesquisa que figuram na decisão impugnada.

b)      Quanto ao tratamento dos documentos não pertinentes

96      A recorrente acusa a Comissão de não ter fundamentado na decisão inicial a sua recusa de autorizar um controlo da pertinência dos documentos identificados na sequência da aplicação dos termos de pesquisa. Em particular, primeiro, a Comissão não explicou por que razão a recorrente não podia ser autorizada a recusar a apresentação de certos documentos, mesmo que os seus advogados independentes e habilitados a exercer na União tivessem considerado que esses documentos não tinham manifestamente pertinência. Segundo, não explicou as razões pelas quais os documentos que continham informações confidenciais em matéria de comunicações entre um advogado e o seu cliente não lhe seriam transmitidos, ao passo que documentos que continham dados pessoais podiam sê‑lo. A este respeito, a recorrente sustenta que, uma vez que a decisão inicial impunha o fornecimento de informações que continham dados pessoais, devia prever garantias adequadas e suficientes para proteger essas informações. Ora, a Comissão não fundamentou a sua recusa em conceder essas garantias.

97      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

98      A título preliminar, importa recordar que o artigo 1.o da decisão inicial prevê que a recorrente deve fornecer à Comissão os documentos indicados nos anexos I.A, I.B e I.C dessa decisão. Com o artigo 3.o da decisão de alteração, a Comissão adotou um procedimento específico relativamente aos documentos que deviam ser apresentados pela recorrente por força da decisão impugnada, mas que não tinham ligação com as suas atividades comerciais e continham dados pessoais sensíveis.

99      Além disso, em 8 de fevereiro de 2021, a recorrente, com base no artigo 86.o do Regulamento de Processo, adaptou a petição para ter em conta a adoção da decisão de alteração. Portanto, e tendo em conta os pedidos recordados no n.o 15, supra, o recurso da recorrente tem por objeto um pedido de anulação da decisão inicial, conforme alterada pela decisão de alteração.

100    No caso em apreço, o Tribunal Geral não se pode pronunciar sobre a legalidade da decisão inicial sem ter em conta as alterações resultantes da decisão de alteração.

101    Ora, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível na medida em que essa pessoa tenha interesse em que o ato recorrido seja anulado. Tal interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de ter consequências jurídicas e que o resultado do recurso possa, assim, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55 e jurisprudência referida). Por analogia, o mesmo se aplica ao interesse em invocar um fundamento (Acórdão de 28 de fevereiro de 2017, Canadian Solar Emea e o./Conselho, T‑162/14, não publicado, EU:T:2017:124, n.o 68).

102    No caso em apreço, a recorrente, antes da adoção da decisão de alteração, não forneceu à Comissão documentos resultantes do procedimento da sala de dados virtual decidido nessa decisão.

103    Por conseguinte, a recorrente não poderia, sendo caso disso, retirar nenhum benefício da eventual anulação da decisão inicial com fundamento numa violação do dever de fundamentação resultante da falta de indicação nessa decisão, por um lado, das razões que excluem a possibilidade de recusar comunicar determinados documentos e, por outro, das razões da não implementação de garantias específicas, como um procedimento que institui uma sala de dados virtual, para salvaguardar a vida privada de determinadas pessoas singulares.

104    Daqui se conclui que esta alegação deve ser julgada inadmissível.

105    Uma vez que nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente em apoio do quarto fundamento é procedente, há que julgar este fundamento improcedente.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, à violação dos direitos de defesa e a abuso de poder

106    Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada viola o artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que, ao obrigá‑la a apresentar numerosos documentos desprovidos de pertinência para o inquérito da Comissão, essa decisão é contrária ao princípio da necessidade, viola os seus direitos de defesa e constitui um desvio dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 com o objetivo ilícito de obter informações desprovidas de pertinência para as potenciais infrações descritas na decisão impugnada.

107    O segundo fundamento divide‑se em três partes.

a)      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do artigo 18.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 1/2003

108    A recorrente critica a Comissão por ter violado o princípio da necessidade enunciado no artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003. Sustenta que a aplicação dos termos de pesquisa mencionados na decisão impugnada conduz inevitavelmente à identificação de um grande número de documentos desprovidos de pertinência para o inquérito da Comissão, em razão, por um lado, da longa duração do período sobre o qual as pesquisas são pedidas e, por outro, do facto de os termos de pesquisa em causa serem palavras ou expressões muito comuns, ou mesmo que fazem parte da linguagem corrente. Tais termos de pesquisa são, assim, suscetíveis de ser utilizados num contexto alheio às práticas objeto do inquérito da Comissão. A recorrente alega igualmente que a Comissão violou o princípio da necessidade ao pedir a apresentação de numerosos documentos sem implementar garantias pelo menos equivalentes às concedidas às empresas no âmbito das inspeções efetuadas ao abrigo do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

109    A Comissão contesta a admissibilidade dos argumentos da recorrente dirigidos contra certos termos de pesquisa que figuram na decisão impugnada, com o fundamento de que, suscitados pela primeira vez na fase da réplica, são intempestivos e que, além disso, apenas figuram num anexo da réplica.

110    Nos termos do considerando 23 do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão deverá dispor, em todo o território da União, de poderes para exigir as informações necessárias para detetar eventuais acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo artigo 101.o TFUE, ou eventuais abusos de posição dominante proibidos pelo artigo 102.o TFUE.

111    Resulta do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 que, no cumprimento das funções que lhe são atribuídas por este regulamento, a Comissão pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam todas as informações necessárias.

112    Como recordado no n.o 43, supra, a Comissão só pode exigir a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir averiguar as presunções de infrações que justificam a realização do inquérito e que estejam indicadas no pedido de informações.

113    Tendo em conta o amplo poder de investigação conferido à Comissão pelo Regulamento n.o 1/2003, compete‑lhe apreciar se uma informação é necessária para poder detetar uma infração às regras da concorrência. Ainda que já disponha de indícios, ou mesmo de elementos de prova relativos à existência de uma infração, a Comissão pode legitimamente considerar necessário pedir informações adicionais que lhe permitam delimitar melhor o alcance da infração, determinar a sua duração ou o círculo de empresas envolvidas (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 69).

114    No que respeita à fiscalização exercida pelo juiz da União sobre a apreciação da Comissão quanto à necessidade de uma informação, resulta da jurisprudência que essa necessidade deve ser apreciada em relação à finalidade mencionada no pedido de informações, a saber, as suspeitas de infrações que a Comissão pretende averiguar. A exigência de uma correlação entre o pedido de informações e a infração de que se suspeita está preenchida se a Comissão puder razoavelmente supor, à data do pedido, que essa informação é suscetível de a ajudar a determinar a existência dessa infração (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 70).

115    No caso em apreço, importa recordar que, no artigo 1.o, primeiro parágrafo, da decisão impugnada, a Comissão decidiu que a recorrente lhe devia comunicar as informações indicadas nos anexos I.A, I.B e I.C dessa decisão. O anexo I.A contém definições dos conceitos pertinentes e instruções, nomeadamente técnicas, a respeitar para a apresentação dos documentos pedidos. O anexo I.B contém instruções de apresentação. O anexo I.C contém os termos de pesquisa a aplicar pela recorrente entre os seus documentos internos e explicações a esse respeito. Os documentos pedidos pela Comissão são os que correspondem a esses termos de pesquisa e que foram preparados por alguns depositários (custodiantes), por sua conta, ou recebidos por estes. Estes depositários são três, a saber, [confidencial] (1).

1)      Quanto ao alcance dos argumentos da recorrente e à identificação dos termos de pesquisa contestados

116    Em apoio da sua argumentação segundo a qual a aplicação dos termos de pesquisa referidos na decisão impugnada daria lugar a resultados que incluem um grande número de documentos não pertinentes, a recorrente identifica, particularmente, certos termos de pesquisa indicados no anexo I.C da decisão impugnada, alegando que estes devem ser entendidos como exemplos não exaustivos, destinados a ilustrar a sua argumentação. Acrescenta que teria sido irrazoável, se não impossível, indicar cada termo de pesquisa separadamente.

117    Recorda que o simples facto de o Tribunal Geral considerar que um fundamento invocado pela parte recorrente em apoio do seu recurso de anulação é procedente não lhe permite anular automaticamente o ato impugnado na sua totalidade. Com efeito, não se pode decidir por uma anulação total quando se afigure evidente que esse fundamento, que visa unicamente um aspeto específico do ato impugnado, só é suscetível de justificar uma anulação parcial (Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret, C‑295/07 P, EU:C:2008:707, n.o 104).

118    A este respeito, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato. Esta exigência de separabilidade não é cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a sua substância. No que diz respeito à verificação da possibilidade de autonomização das disposições controvertidas, esta pressupõe o exame do alcance das referidas disposições, a fim de se poder avaliar se a sua anulação modificaria o espírito e a substância da decisão impugnada (v. Acórdão de 16 de julho de 2015, Comissão/Comissão/Conselho, C‑425/13, EU:C:2015:483, n.o 94 e jurisprudência referida).

119    Importa recordar que o artigo 1.o da decisão impugnada sujeita a recorrente à obrigação, ao abrigo do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, de apresentar os documentos indicados nos anexos dessa decisão, a saber, os que resultam da aplicação, nas suas bases de dados, dos termos de pesquisa indicados nos referidos anexos e que foram preparados por certos depositários, por sua conta, ou recebidos por estes últimos durante um determinado período.

120    A este propósito, importa considerar que uma apreciação global do respeito do princípio da necessidade pela Comissão não é adequada, admitindo que seja possível. Com efeito, a circunstância de certos termos de pesquisa poderem ser, como alega a recorrente, demasiado vagos, no sentido de que, ao exigir a apresentação de todos os documentos resultantes da aplicação desses termos de pesquisa, a Comissão violou o princípio da necessidade, não tem influência no facto de outros termos de pesquisa poderem ser suficientemente precisos ou orientados para permitir verificar a correlação exigida por força da jurisprudência recordada no n.o 114, supra.

121    Daqui resulta que, se o Tribunal Geral considerasse que certos termos de pesquisa estavam definidos de forma demasiado vaga, pelo que figuravam na decisão impugnada em violação do princípio da necessidade, deveria anular essa decisão apenas na parte em que impõe à recorrente a apresentação dos documentos resultantes da aplicação dos termos de pesquisa em causa.

122    Tal anulação parcial não tem influência na obrigação da recorrente, por força do artigo 1.o da decisão impugnada, de apresentar os documentos resultantes da aplicação dos outros termos de pesquisa, adotados em conformidade com o princípio da necessidade. Deste modo, essa anulação parcial não teria por efeito modificar o espírito nem a substância da decisão impugnada, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 118, supra.

123    Por outro lado, segundo jurisprudência constante, os atos das instituições da União beneficiam de uma presunção de legalidade que cabe ao recorrente ilidir, mediante elementos de prova suscetíveis de infirmar as apreciações da instituição recorrida (v. Acórdão de 6 de outubro de 1999, Salomon/Comissão, T‑123/97, EU:T:1999:245, n.o 46 e jurisprudência referida).

124    Nestas condições, só os termos de pesquisa especificamente contestados pela recorrente podem ser objeto de uma fiscalização do respeito do princípio da necessidade pelo Tribunal Geral. Deve considerar‑se que os outros termos de pesquisa foram definidos em conformidade com este princípio.

125    A recorrente identificou certos termos de pesquisa na petição, e outros unicamente na fase da réplica, alguns no corpo desse articulado e outros num seu anexo.

126    A Comissão contesta a admissibilidade dos argumentos da recorrente invocados contra os termos de pesquisa mencionados pela primeira vez na fase da réplica, pelo facto de serem intempestivos e de figurarem apenas num anexo.

127    Ora, resulta do artigo 84.o do Regulamento de Processo que a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

128    O conceito de «fundamento» na aceção desta disposição foi interpretado de forma extensiva, abrangendo igualmente alegações (Acórdão de 29 de novembro de 2018, Espanha/Comissão, T‑459/16, não publicado, EU:T:2018:857, n.o 25) e mesmo simples «argumentos» (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2019, Silver Plastics e Johannes Reifenhäuser/Comissão, T‑582/15, não publicado, EU:T:2019:497, n.o 198).

129    No caso em apreço, a recorrente sustenta, em substância, que a menção, na réplica, de novos termos de pesquisa visa simplesmente apoiar argumentos já expostos na petição e não infirmar argumentos ou elementos de prova contrários que foram apresentados pela Comissão na contestação. Todavia, tendo em conta os fundamentos enunciados nos n.os 120 e 121, supra, há que considerar que, deste modo, a recorrente desenvolveu uma argumentação nova dirigida contra elementos, por um lado, que não tinha expressamente contestado na petição, quando lhe era lícito fazê‑lo, e, por outro, que a Comissão não invocou na contestação.

130    Além disso, quanto aos termos de pesquisa em causa que figuram, não no corpo da própria réplica, mas apenas num anexo desta, importa recordar que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (Acórdão de 21 de março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, EU:T:2002:84, n.o 154).

131    Consequentemente, há que julgar inadmissíveis os argumentos da recorrente baseados em termos de pesquisa evocados pela primeira vez na fase da réplica.

2)      Quanto à procedência dos argumentos dirigidos contra os termos de pesquisa mencionados na petição

132    Primeiro, a recorrente sustenta que as expressões «big question» (grande questão), «for free» (gratuitamente), «not good for us» (que nos é desfavorável) e «shutdown» (desligar) são, por natureza, suscetíveis de ser utilizadas na linguagem corrente para falar de assuntos que, em todo o caso, nada têm que ver com os comportamentos ou as práticas abrangidas pelo inquérito da Comissão. Assim, tais termos de pesquisa são manifestamente demasiado vagos e gerais e fazem parte de uma «pesca de informações» de grande amplitude. Acrescenta que a aplicação destes termos gerais aos documentos relativos a [confidencial] personalidades públicas [confidencial] aumenta a probabilidade de obter resultados desprovidos de pertinência. Com efeito, estas assumem a responsabilidade e a supervisão de todos os aspetos das atividades comerciais da recorrente, incluindo as atividades que têm pouca, ou nenhuma, relação com os factos objeto do inquérito, como os recursos humanos, a organização financeira e a responsabilidade social da empresa, ou ainda o seu envolvimento em projetos pessoais e atividades filantrópicas que lhe são próprias. Por outro lado, a recorrente cita alguns exemplos de documentos, que considera desprovidos de pertinência, identificados através da aplicação de certos termos de pesquisa.

133    A Comissão contesta as alegações relativas aos termos de pesquisa «big question», «for free», «not good for us» e «shutdown».

134    Quanto ao termo de pesquisa «big question», a Comissão alega, com razão e sem que a recorrente o conteste, que esta expressão aparece numa mensagem de correio eletrónico enviada por [confidencial], a dois dos seus colegas, sendo [confidencial] destinatária em cópia. Nessa mensagem, [confidencial] dava instruções para recusar a certos operadores o acesso às interfaces de programação de aplicações (API) da recorrente. Essa mensagem designava sob a expressão «big question» uma decisão estratégica a tomar a esse respeito. A Comissão deduz daí, sem que a recorrente o conteste, que as palavras «big question» podiam figurar quer em respostas a essa mensagem de correio eletrónico, quer em mensagens de correio eletrónico que faziam referência à «grande questão» em causa redigidas pelas pessoas acima referidas, quer noutras mensagens de correio eletrónico das mesmas pessoas e que evocam eventuais decisões estratégicas anticoncorrenciais semelhantes.

135    Ora, como resulta do considerando 4, alínea iii), da decisão impugnada, a Comissão pretende investigar a existência de práticas potencialmente discriminatórias que limitem o acesso aos dados, funcionalidades e API da Facebook ou a outras ferramentas em função da eventual qualificação de terceiros como concorrentes, excluindo assim potenciais concorrentes e criando barreiras à entrada em eventuais mercados de serviços relativos a uma rede social ou a outros serviços digitais.

136    A recorrente não pode sustentar que a Comissão deveria ter limitado o seu pedido às mensagens de correio eletrónico que faziam referência a essa mensagem inicial ou relacionadas com esta última, ou limitado sensivelmente o seu pedido por outros meios, por exemplo, definindo períodos muito mais curtos ou visando apenas as comunicações entre determinadas pessoas. Também não pode alegar que aplicar este termo a todos os documentos preparados ou recebidos por três depositários num período de sete anos constituía uma «pesca de informações» de grande amplitude.

137    Com efeito, importa salientar que o termo de pesquisa «big question» apenas se destina a ser aplicado a dois depositários, a saber, [confidencial], e que o período a que se refere o pedido relativo a este termo de pesquisa é o mesmo que o período abrangido pelo próprio inquérito.

138    Por conseguinte, e tendo em conta as circunstâncias recordadas no n.o 134, supra, não contestadas pela recorrente, a Comissão, ao pedir‑lhe que apresentasse os documentos resultantes da aplicação do termo de pesquisa «big question» apesar do facto de essa expressão poder ser utilizada na linguagem corrente, podia razoavelmente supor, à data da decisão impugnada, que essas informações eram suscetíveis de a ajudar a determinar a existência do comportamento mencionado no considerando 4, alínea iii), dessa decisão, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 114, supra.

139    Quanto ao termo de pesquisa «for free», a Comissão alega, com razão e sem que a recorrente o conteste, que esta expressão figura numa mensagem de correio eletrónico tornada público pelo comité DCMS, que evocava estratégias comerciais da recorrente em matéria de monetização de dados, nomeadamente das diferentes possibilidades de conceder a criadores de aplicações terceiros o acesso a API e a dados relativos aos seus utilizadores. Também não contesta que o autor da mensagem de correio eletrónico discutia a questão de saber se o acesso devia ser concedido gratuitamente ou mediante pagamento, sujeito à condição de despesas publicitárias ou em contrapartida de uma reciprocidade total dos dados e das API, nos termos da qual as API e os dados da recorrente seriam postos gratuitamente à disposição de aplicações terceiras que funcionam na plataforma Facebook através da API, em troca da partilha dos dados dos seus utilizadores com a recorrente. A Comissão deduz daí, sem que a recorrente o conteste, que o termo de pesquisa «for free» permite identificar documentos que fazem referência a eventuais acordos condicionais de partilha de dados suscetíveis de aumentar o fluxo de dados entre a recorrente e terceiros, reforçando assim o seu poder de mercado ou criando barreiras à entrada através da acumulação de dados. Ora, como resulta do considerando 4, alínea i), da decisão impugnada, a Comissão pretende precisamente investigar a existência desses acordos.

140    A recorrente apresenta igualmente, a respeito deste termo de pesquisa, os argumentos que figuram no n.o 136, supra. Há que considerar, por motivos análogos aos que figuram nos n.os 137 e 138, supra, que a Comissão podia razoavelmente supor, à data da decisão impugnada, que essas informações eram suscetíveis de a ajudar a determinar a existência do comportamento mencionado no considerando 4, alínea i), dessa decisão, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 114, supra.

141    No que respeita ao termo de pesquisa «shutdown», a Comissão alega, sem que a recorrente o conteste, que esta expressão foi utilizada, por um lado, nos seus documentos internos publicados pelo comité DCMS, no contexto de uma eventual adoção por si de uma estratégia de restrição do acesso aos seus dados por terceiros considerados concorrentes, e, por outro, numa mensagem de correio eletrónico na qual [confidencial] aprovava as restrições do acesso às API através da aplicação Vine.

142    A Comissão acrescenta, sem que a recorrente o conteste, que o termo de pesquisa «shutdown» se refere à eventual adoção pela recorrente de uma estratégia de restrição do acesso aos seus dados por terceiros considerados concorrentes, referida no considerando 4, alínea iii), da decisão impugnada. Por conseguinte, este termo de pesquisa permite identificar documentos que aludam a tais práticas potencialmente anticoncorrenciais, dado que foi provavelmente utilizado para evocar a restrição do acesso aos dados da recorrente a outros concorrentes.

143    A recorrente apresenta igualmente, a respeito deste termo de pesquisa, os argumentos que figuram no n.o 136, supra. Importa considerar, por motivos análogos aos que figuram nos n.os 137 e 138, supra, com a salvaguarda que o termo de pesquisa «shutdown» foi aplicado a três depositários, que a Comissão podia razoavelmente supor, à data da decisão impugnada, que essas informações eram suscetíveis de a ajudar a determinar a existência do comportamento mencionado no considerando 4, alínea iii), dessa decisão, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 114, supra.

144    Quanto ao termo de pesquisa «not good for us», a recorrente não contesta que esta expressão aparece numa mensagem de correio eletrónico dirigida a [confidencial] em 19 de novembro de 2012, tornada pública pelo comité DCMS em 2018, que dizia respeito à possibilidade de criadores desenvolverem aplicações que utilizam dados relativos a utilizadores do Facebook e respetivos amigos, sem fornecerem dados em retorno à recorrente. Nessa mensagem de correio eletrónico, [confidencial] evocava diferentes formas como a recorrente podia obter dados da parte de terceiros em troca dos seus próprios dados.

145    A Comissão acrescenta, sem que a recorrente o conteste, que a expressão «not good for us» parece, à luz da mensagem de correio eletrónico em causa, dizer respeito a eventuais acordos condicionais, referidos no considerando 4, alínea i), da decisão impugnada, de partilha de dados suscetíveis de aumentar o fluxo de dados entre a recorrente e terceiros, reforçando assim o poder de mercado desta última ou criando barreiras à entrada através da acumulação de dados. Acrescenta ainda que esta expressão pode também figurar em respostas a essa mensagem de correio eletrónico, em mensagens subsequentes sobre a questão de saber se outras práticas dos criadores também podem não ser «boas para [a recorrente]», segundo [confidencial], ou noutras mensagens de correio eletrónico deste último que suscitem a mesma questão relativa a práticas semelhantes adotadas por outros criadores.

146    A recorrente apresenta igualmente, a respeito deste termo de pesquisa, os argumentos que figuram no n.o 136, supra. Há que considerar, por motivos análogos aos que figuram nos n.os 137 e 138, supra, que a Comissão podia razoavelmente supor, à data da decisão impugnada, que essas informações eram suscetíveis de a ajudar a determinar a existência do comportamento mencionado no considerando 4, alínea i), dessa decisão, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 114, supra.

147    Daqui resulta que a recorrente não demonstrou que a Comissão violou o princípio da necessidade no que respeita aos termos de pesquisa «big question», «for free», «not good for us» e «shutdown».

148    Além disso, tendo em conta o respeito pela Comissão do dever de fundamentação que lhe incumbia, como resulta do exame do primeiro fundamento supra, é também erradamente que a recorrente critica a Comissão por não ter explicado de que modo a utilização de certos termos de pesquisa era conforme ao princípio da necessidade.

149    Segundo, quanto aos termos de pesquisa «compet* + shar*», «compet* + partner*», «compet* + strateg*», «line + strateg*» e «line + block*», importa salientar que a recorrente contesta a sua legalidade em razão do número, que considera muito elevado, de documentos identificados pela aplicação destes termos nas suas bases de dados internas. Quanto aos termos «[confidencial] + shar*», «[confidencial] + shar*», «[confidencial] + shar*», «[confidencial] + shar*», «[confidencial] + shar*», «duplicat* + (limit & data)», «duplicat* + block*» e «duplicat* + remov*», a recorrente alega que a sua aplicação identifica documentos que considera sem pertinência para o inquérito da Comissão. Estas duas circunstâncias demonstram a falta de conformidade de todos estes termos de pesquisa com o princípio da necessidade.

150    Ora, como alega a Comissão, estes argumentos não permitem contestar a adequação ou a necessidade dos termos em causa para o seu inquérito. Com efeito, resulta da natureza do pedido de informações controvertido que o seu alcance só se concretiza depois da aplicação dos termos de pesquisa nas bases de dados da recorrente para identificar os documentos que respondem a esses mesmos termos. O método que visa aplicar termos de pesquisa torna inevitável a identificação de documentos que se revelarão, afinal, não pertinentes para o inquérito. Assim, o simples facto de a aplicação de termos de pesquisa dar lugar à identificação de numerosos documentos, alguns dos quais, em seguida, se revelam não pertinentes para o inquérito da Comissão não basta, por si só, para considerar, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 113 e 114, supra, que os termos de pesquisa em causa não apresentam nenhuma correlação com a infração de que a Comissão suspeita. Isto também não basta para excluir que a Comissão pudesse razoavelmente supor, à data da decisão impugnada, que a aplicação desses termos de pesquisa era suscetível de a ajudar a determinar a existência e o alcance dessa infração, a sua duração ou o círculo das empresas implicadas.

151    Tendo em conta o que precede, a recorrente não demonstrou que um termo de pesquisa que figura na decisão impugnada não era conforme com o princípio da necessidade resultante do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, conforme interpretado pela jurisprudência recordada nos n.os 110 a 114, supra.

152    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão violou o princípio da necessidade, uma vez que pediu a apresentação de documentos sem implementar garantias pelo menos equivalentes às concedidas às empresas no âmbito das inspeções efetuadas nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, há que salientar que cabe ao Tribunal Geral, chamado a decidir de um recurso de anulação de uma decisão de pedido de informações, como a decisão impugnada, fiscalizar, no limite dos fundamentos invocados perante ele, que essa decisão respeita os direitos que a empresa em causa retira do quadro jurídico aplicável a essa decisão. Em contrapartida, não lhe compete fiscalizar a legalidade dessa decisão por comparação com o quadro jurídico aplicável a decisões adotadas com base em fundamentos jurídicos diferentes, como decisões de inspeção.

153    No entanto, há que recordar que as empresas destinatárias de um pedido de informações beneficiam de garantias adequadas.

154    Em especial, no âmbito da execução de uma decisão de pedido de informações, tal empresa pode identificar os documentos pedidos pela Comissão e examiná‑los com o auxílio dos seus advogados antes de os comunicar à Comissão. Por conseguinte, tem a possibilidade de recusar a comunicação de documentos abrangidos pela confidencialidade entre um advogado e o seu cliente. Além disso, pode enviar à Comissão um pedido fundamentado com vista à restituição de documentos sem pertinência. Tal possibilidade é expressamente reconhecida pela Comunicação da Comissão sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (JO 2011, C 308, p. 6). A Comissão deve examinar esse pedido e, se for caso disso, restituir os documentos não pertinentes.

155    Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a uma violação dos direitos de defesa

156    A recorrente sustenta que a decisão impugnada viola os seus direitos de defesa, conforme protegidos pelo artigo 41.o, n.o 2, e pelo artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dado que lhe impõe a apresentação de documentos que, por um lado, são inúteis para o inquérito da Comissão e, por outro, dizem respeito a atividades que não são abrangidas por essa decisão, como a realidade virtual ou aumentada. Acrescenta que o conteúdo da decisão impugnada não lhe permite saber se os centros de dados que gere e se alguns dos seus novos produtos, como o serviço de videochamadas de grupo «Messenger Rooms», estão abrangidos pelo inquérito da Comissão. Do mesmo modo, as presumidas infrações que a Comissão investiga são‑lhe desconhecidas ou não foram claramente identificadas. Por estas razões, é‑lhe impossível preparar eficazmente a sua defesa na fase contraditória do procedimento e tomar as medidas que considere úteis para esse efeito, como a pesquisa e a conservação de elementos de prova ou testemunhos abonatórios.

157    A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da recorrente.

158    A este propósito, importa recordar que o respeito dos direitos de defesa na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União (v. Acórdão de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 26 e jurisprudência referida).

159    Importa recordar que o procedimento administrativo previsto no Regulamento n.o 1/2003, que decorre na Comissão, se divide em duas fases distintas e sucessivas, obedecendo cada uma delas a uma lógica interna própria, concretamente, uma fase de instrução preliminar, por um lado, e uma fase contraditória, por outro. A fase de instrução preliminar, durante a qual a Comissão faz uso dos poderes de instrução previstos no Regulamento n.o 1/2003 e que se estende até à comunicação de acusações, destina‑se a permitir à Comissão reunir todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infração às regras da concorrência e tomar uma primeira posição sobre a orientação e o seguimento posterior a dar ao procedimento. Em contrapartida, a fase contraditória, que se estende da comunicação de acusações até à adoção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infração imputada (v., Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 33 e jurisprudência referida).

160    Por um lado, a fase de instrução preliminar tem como ponto de partida a data em que a Comissão, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos artigos 18.o e 20.o do Regulamento n.o 1/2003, toma medidas que implicam a imputação da prática de uma infração e que têm repercussões significativas na situação das empresas objeto de suspeita. Por outro lado, só no início da fase contraditória administrativa é que a empresa em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento e essa empresa dispõe do direito de acesso ao processo, para garantir o exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Consequentemente, apenas após o envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa pode fazer valer plenamente os direitos de defesa. Com efeito, se esses direitos fossem estendidos à fase que antecede o envio da comunicação de acusações, a eficácia do inquérito da Comissão ficaria comprometida, pois a empresa em causa estaria, logo na fase de instrução preliminar, em condições de identificar as informações conhecidas da Comissão e, portanto, as que lhe poderiam ainda ser ocultadas (v. Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 34 e jurisprudência referida).

161    Todavia, as medidas de instrução tomadas pela Comissão no decurso da fase de instrução preliminar, nomeadamente as medidas de verificação e os pedidos de informações, implicam, por natureza, a imputação de uma infração e podem ter repercussões significativas na situação das empresas objeto de suspeita. Assim, importa evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos no decurso dessa fase do procedimento administrativo, uma vez que as medidas de instrução tomadas podem ser decisivas para o apuramento de provas do caráter ilegal de comportamentos de empresas suscetíveis de implicar a sua responsabilidade (v. Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 35 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 15).

162    No caso em apreço, há que observar que a Comissão adotou a decisão impugnada no âmbito da fase de instrução preliminar do seu inquérito sobre a utilização de dados pela recorrente e antes da adoção de uma comunicação de acusações. Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência acima recordada no n.o 161, supra, há que determinar se a recorrente demonstrou que os seus direitos de defesa tinham ficado irremediavelmente comprometidos devido à adoção da decisão impugnada.

163    Primeiro, os argumentos pelos quais a recorrente invoca uma violação dos seus direitos de defesa pelo facto de, por força da decisão impugnada, ter de apresentar documentos inúteis para o inquérito da Comissão, assentam na premissa de que essa decisão foi adotada em violação do princípio da necessidade previsto no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003. Por conseguinte, devem ser rejeitados em consequência da improcedência da primeira parte do presente fundamento.

164    Segundo, há que observar que, ao alegar em apoio desta parte que não está em condições de identificar as práticas de que a Comissão a considera suspeita nem se algumas das suas atividades e alguns dos seus produtos estão abrangidos pelo inquérito da Comissão, a recorrente contesta, na realidade, a clareza da delimitação do objeto do inquérito da Comissão e o respeito por esta última do dever de fundamentação que lhe incumbe.

165    Ora, tendo em conta as considerações que figuram no n.o 82, supra, das quais resulta que a Comissão respeitou o dever de fundamentação que lhe incumbia no que se refere ao objeto do inquérito e à descrição das práticas cuja existência pretendia verificar no âmbito do seu inquérito, estas alegações devem ser rejeitadas.

166    Quanto às interrogações da recorrente quanto à questão de saber se alguns dos seus domínios de atividade ou alguns dos seus produtos estão incluídos no objeto do inquérito da Comissão, recordou‑se, no n.o 41, supra, que a Comissão não está obrigada a comunicar ao destinatário de uma decisão de pedido de informações todas as informações de que dispõe a propósito de presumíveis infrações e que também não lhe pode ser imposto que indique, na fase de instrução preliminar, além das presunções de infrações que pretende averiguar, os indícios, ou seja, os elementos que a levam a considerar a hipótese de uma violação do artigo 101.o TFUE. Com efeito, tal obrigação poria em causa o equilíbrio que a jurisprudência estabelece entre a preservação da eficácia do inquérito e a preservação dos direitos de defesa da empresa em causa (Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 37).

167    Por outro lado, não se pode deixar de observar que a recorrente alega que as pretensas incertezas quanto aos comportamentos que lhe são imputados a impediram de tomar as medidas que considerava úteis a seu favor e, assim, de preparar a sua defesa na fase contraditória do procedimento administrativo, sem, contudo, demonstrar que as referidas incertezas causaram uma violação irremediável dos seus direitos de defesa.

168    Nestas condições, a decisão impugnada, que se inscreve no âmbito da fase da instrução preliminar do procedimento administrativo previsto no Regulamento n.o 1/2003, deve considerar‑se adotada no respeito dos direitos de defesa da recorrente.

169    Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativo a um desvio de poder

170    A recorrente critica a Comissão por ter abusado dos seus poderes de inquérito e de, na realidade, ter efetuado um inquérito geral e ilimitado sobre todas as suas atividades, bem como sobre a atividade dos seus mais altos dirigentes, ou mesmo uma «pesca de informações», ao tentar, através da decisão impugnada, determinar se se dedicou a outras práticas anticoncorrenciais ou cometeu outras infrações, incluindo fora do âmbito do direito da concorrência. A este respeito, alega que as práticas abrangidas pelo inquérito da Comissão estão formuladas de forma vaga na decisão impugnada e que a mesma não especifica os mercados nem as atividades em causa, nem os potenciais concorrentes que podem ter sido lesados, nem a diferença entre uma exclusão anticoncorrencial e uma exclusão pelos méritos.

171    A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da recorrente.

172    Há que observar que os argumentos da recorrente invocados em apoio desta parte visam, de novo, contestar o cumprimento pela Comissão do seu dever de fundamentação. Assim, o argumento relativo ao caráter vago das práticas objeto do inquérito da Comissão e o relativo à não identificação dos concorrentes pretensamente lesados pelas práticas objeto do inquérito já foram rejeitados no âmbito da primeira alegação do primeiro fundamento. Quanto aos argumentos relativos ao facto de as atividades da recorrente e os mercados objeto do inquérito não estarem suficientemente especificados na decisão impugnada, tal como a diferença entre uma exclusão anticoncorrencial e uma exclusão pelos méritos, os mesmos não são suscetíveis, tendo em conta, por um lado, a fase do procedimento em que a decisão impugnada foi adotada e a jurisprudência recordada no n.o 160, supra, e, por outro, o alcance do dever de fundamentação dessa decisão que incumbe à Comissão, recordado nos n.os 38 a 46, supra, de demonstrar um abuso dos poderes de inquérito da Comissão.

173    Resulta do exposto que há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento e, portanto, o segundo fundamento na sua totalidade.

4.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violações do direito ao respeito pela vida privada, do princípio da proporcionalidade e do direito a uma boa administração

174    Com o seu terceiro fundamento, a recorrente alega que, ao exigir a apresentação de numerosos documentos privados e desprovidos de pertinência, a decisão impugnada viola o direito fundamental ao respeito pela vida privada consagrado no artigo 7.o da Carta e no artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o princípio da proporcionalidade e o direito a uma boa administração.

175    Este fundamento divide‑se em três partes.

a)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do direito ao respeito pela vida privada

176    A recorrente invoca a violação do direito ao respeito pela sua vida privada, a de membros do seu pessoal e a de outras pessoas, conforme protegido pelo artigo 7.o da Carta e pelo artigo 8.o da CEDH.

177    A recorrente sustenta que a decisão impugnada constitui uma ingerência injustificada no direito ao respeito pela vida privada, na aceção do artigo 8.o da CEDH. Com efeito, primeiro, resulta dos argumentos expostos em apoio de cada um dos fundamentos da petição que esta ingerência não está prevista por lei, a saber, o artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Segundo, a decisão impugnada não prossegue uma finalidade legítima, uma vez que a Comissão pede a apresentação de informações que não podia razoavelmente supor que a ajudariam a determinar a realidade das práticas objeto de suspeita. Terceiro, essa decisão não respeita o princípio da necessidade exigido pelo artigo 8.o da CEDH.

178    A Comissão e a República Federal da Alemanha contestam os argumentos da recorrente.

179    Nos termos do artigo 7.o da Carta, todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.

180    Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, da CEDH, qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

181    O artigo 7.o da Carta, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, contém direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.o, n.o 1, da CEDH. Por conseguinte, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, há que dar ao artigo 7.o da Carta o mesmo sentido e o mesmo alcance que os conferidos pelo artigo 8.o, n.o 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 70).

182    O artigo 52.o, n.o 1, da Carta prevê que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela referida Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Além disso, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

183    Há que examinar se a decisão impugnada respeita o artigo 7.o da Carta e, para esse efeito, cumpre os requisitos enunciados no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

1)      Quanto à existência de uma base legal da ingerência na vida privada

184    A recorrente alega que a decisão impugnada constitui uma ingerência ilegal no direito ao respeito pela vida privada, pelas seguintes razões. Primeiro, resulta dos argumentos expostos em apoio de cada um dos fundamentos da petição que esta ingerência não está prevista por lei, a saber, no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Segundo, a transmissão à Comissão de todos os documentos que respondem aos termos de pesquisa que figuram na decisão impugnada implica a comunicação de dados pessoais relativos aos depositários visados nessa decisão, a outros membros do pessoal da recorrente e a amigos ou familiares dos mesmos (a seguir «dados pessoais controvertidos»). Terceiro, a recorrente alega que não pode ser obrigada a comunicar à Comissão informações desprovidas de pertinência para efeitos do inquérito. Sustenta que, se fosse esse o caso, violaria o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1; retificação no JO 2018, L 127, p. 2), ao proceder a um tratamento de dados de caráter pessoal ilícito, por não ser necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica, na aceção da referida disposição.

185    Segundo as condições enunciadas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a restrição do direito ao respeito pela vida privada deve, antes de mais, ser prevista por lei. Portanto, a medida em causa deve ter uma base legal (v. Acórdão de 28 de maio de 2013, Trabelsi e o./Conselho, T‑187/11, EU:T:2013:273, n.o 79 e jurisprudência referida).

186    É o que acontece no caso em apreço. A decisão impugnada foi adotada com base no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que confere à Comissão competência para, mediante decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam informações.

187    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos da recorrente segundo os quais a decisão impugnada é ilegal, porquanto implica da sua parte um tratamento ilícito de dados pessoais, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679.

188    Antes de mais, há que salientar que o Regulamento (UE) 2018/1725 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos e organismos da União e à livre circulação desses dados, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 45/2001 e a Decisão 1247/2002/CE (JO 2018, L 295, p. 39), se aplica, segundo o seu artigo 2.o, n.o 1, ao tratamento de dados pessoais por todas as instituições e órgãos da União, enquanto o Regulamento 2016/679 se aplica a qualquer outra pessoa singular ou coletiva, exceto nos casos previstos no artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento.

189    Em seguida, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679, dispõe:

«O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

[…]

c)      O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito; […]»

190    Importa recordar que o artigo 1.o da decisão impugnada sujeita a recorrente à obrigação, por força do artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, de apresentar os documentos referidos nos anexos dessa decisão. Por conseguinte, essa decisão constitui uma obrigação jurídica na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2016/679.

191    Os outros argumentos invocados pela recorrente no n.o 127 da petição estão formulados de maneira global e indiferenciada e, portanto, não são conformes com as exigências enunciadas no artigo 76.o do Regulamento de Processo.

192    Por último, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2018/1725 dispõe que as instituições da União podem licitamente tratar dados pessoais quando tal «é necessário para o exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que a instituição ou o órgão da União estão investidos».

193    A este respeito, o exercício dos poderes conferidos à Comissão pelo Regulamento n.o 1/2003 contribui para a manutenção do regime concorrencial pretendido pelos Tratados, cujo respeito se impõe imperativamente às empresas (v. Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑621/16, não publicado, EU:T:2018:367, n.o 105 e jurisprudência referida).

194    Uma vez que o Regulamento n.o 1/2003 confere à Comissão o poder de adotar decisões de pedidos de informações, a recorrente não pode sustentar que a decisão impugnada constitui uma ingerência não prevista por lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

2)      Quanto à prossecução de objetivos de interesse geral reconhecidos pela União

195    No que respeita ao requisito segundo o qual, na observância do princípio da proporcionalidade, as restrições ao exercício de um direito só podem ser introduzidas se corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, a recorrente contesta que a decisão impugnada responda a tais objetivos. A este respeito, sustenta que a Comissão exige a comunicação de informações relativamente às quais não pode razoavelmente supor que a ajudarão a demonstrar a realidade das práticas que investiga.

196    Resulta da jurisprudência que os poderes conferidos à Comissão pelo artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 têm por objetivo permitir‑lhe cumprir a missão, que lhe é confiada pelos Tratados, de zelar pelo respeito das regras de concorrência no mercado interno. Estas regras têm por função evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores (v., por analogia, Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑621/16, não publicado, EU:T:2018:367, n.o 105 e jurisprudência referida).

197    Assim, a decisão impugnada constitui uma manifestação do exercício dos poderes conferidos à Comissão pelo Regulamento n.o 1/2003, o qual, como salientado no n.o 193, supra, contribui para a manutenção do regime concorrencial pretendido pelos Tratados, cujo respeito se impõe imperativamente às empresas.

198    Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a decisão impugnada responde a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União.

3)      Quanto ao respeito do conteúdo essencial do direito ao respeito pela vida privada

199    A recorrente não sustenta que a decisão impugnada infringe o conteúdo essencial do direito ao respeito pela vida privada na aceção do artigo 7.o da Carta.

4)      Quanto ao caráter proporcionado da ingerência na vida privada

200    Importa recordar que o princípio da proporcionalidade exige que as restrições que podem ser impostas por atos de direito da União aos direitos e liberdades consagrados na Carta não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para alcançar os objetivos legítimos prosseguidos ou a necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, entendendo‑se que, sempre que exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados por esta não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdão de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 65 e jurisprudência referida).

201    Assim, para examinar o caráter proporcionado da ingerência na vida privada causada pela decisão impugnada, importa verificar se essa ingerência é adequada e necessária para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela União antes de examinar a ponderação dos interesses.

i)      Quanto à adequação da ingerência

202    No caso em apreço, tendo em conta os n.os 110, 196 e 197, supra, há que considerar que um pedido de informações como a decisão impugnada constitui uma medida adequada para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela Comissão.

ii)    Quanto à necessidade da ingerência

203    Quanto à questão de saber se a decisão impugnada excede o necessário para atingir os objetivos de interesse geral que prossegue, a recorrente apresenta vários argumentos.

–       Quanto ao nível de proteção insuficiente do procedimento da sala de dados virtual

204    A recorrente sustenta que o procedimento da sala de dados virtual adotado pela Comissão na decisão de alteração não permite proteger suficientemente o seu direito nem o das pessoas afetadas ao respeito pela sua vida privada. A este propósito, por um lado, sustenta que o referido procedimento permite aos agentes da Comissão realizar um exame sumário dos dados pessoais controvertidos, em violação do direito ao respeito pela vida privada das pessoas afetadas, e que é suscetível de causar um prejuízo grave a estas últimas. Por outro lado, esse procedimento não tem influência na obrigação, contrária ao direito ao respeito pela vida privada dessas pessoas, de comunicar à Comissão dados como os dados pessoais controvertidos, que não são pertinentes para o inquérito desta última. A este respeito, a recorrente defende a existência de uma abordagem proporcionada suscetível de sanar a ilegalidade da decisão impugnada através da adoção de outras medidas ou de medidas adicionais.

205    Importa recordar que, na sequência da prolação do Despacho de 29 de outubro de 2020, Facebook Ireland/Comissão (T‑451/20 R, não publicado, EU:T:2020:515), a Comissão adotou, em 11 de dezembro de 2020, a decisão de alteração. Nos termos dessa decisão, a Comissão adotou um procedimento especial relativamente aos documentos que deviam ser apresentados pela recorrente por força da decisão impugnada, mas que, à primeira vista, não tinham ligação com as suas atividades comerciais e continham dados pessoais sensíveis (a seguir «documentos protegidos»).

206    O artigo 3.o da decisão de alteração prevê a inserção, no anexo I.A da decisão impugnada, do ponto 9, alíneas o) e p), redigido da seguinte forma:

«9      o)      Os documentos protegidos serão enviados à Comissão num suporte eletrónico separado. Estes documentos serão em seguida colocados numa sala de dados virtual que só poderá ser acedida pelo menor número possível de membros da equipa responsável pelo inquérito, na presença (virtual ou física) de um número equivalente de advogados da Facebook. Os membros da equipa responsável pelo inquérito irão examinar e selecionar os documentos em causa, concedendo aos advogados da Facebook a possibilidade de se pronunciarem antes da junção ao processo dos documentos considerados relevantes. Em caso de desacordo quanto à qualificação de um documento, os advogados da Facebook poderão expor os motivos do desacordo. Em caso de desacordo persistente, a Facebook poderá requerer uma arbitragem ao diretor responsável pela informação, comunicação e meios de comunicação social da Direção‑Geral “Concorrência” da Comissão;

9      p)      Os documentos protegidos podem ser transmitidos à Comissão num formato expurgado dos nomes das pessoas em causa e de qualquer informação que permita a sua identificação. A pedido da Comissão, justificado pelas necessidades do inquérito, os documentos protegidos que foram transmitidos em formato anonimizado devem ser‑lhe enviados na sua versão integral e não anonimizada.»

207    Importa recordar que, por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2016/679, a recorrente procede a um tratamento lícito de dados pessoais ao transmitir à Comissão documentos contendo esses dados que são pedidos ao abrigo da decisão impugnada.

208    Além disso, como recordado no n.o 192, supra, por força do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2018/1725, as instituições da União podem licitamente tratar dados pessoais quando tal é necessário para o exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que estão investidas.

209    Por outro lado, a recorrente alegou, sem que a Comissão o conteste, que certos documentos identificados na sequência da aplicação dos termos de pesquisa contidos na decisão impugnada, e que deviam, portanto, ser apresentados em aplicação dessa decisão, continham dados pessoais sensíveis.

210    Tais dados são suscetíveis de ser abrangidos pelos referidos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725.

211    O artigo 9.o, n.o 1 e n.o 2, alínea g), do Regulamento 2016/679 e o artigo 10.o, n.o 1 e n.o 2, alínea g), do Regulamento 2018/1725 preveem, em termos idênticos, o seguinte:

«1.      É proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, e o tratamento de dados genéticos, de dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, de dados relativos à saúde ou de dados relativos à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.

2.      O n.o 1 não se aplica se se verificar um dos seguintes casos:

[…]

g)      O tratamento é necessário por motivos de interesse público importante, com base no direito da União […] que deve ser proporcionado em relação ao objetivo visado, deve respeitar a essência do direito à proteção dos dados pessoais e deve prever medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos fundamentais e os interesses do titular dos dados.»

212    O artigo 9.o, n.o 2, alínea g), do Regulamento 2016/679 e o artigo 10.o, n.o 2, alínea g), do Regulamento 2018/1725 subordinam, assim, a possibilidade de tratar os dados pessoais referidos nos respetivos n.os 1 a três requisitos. Primeiro, o tratamento deve prosseguir um interesse público importante, que encontra o seu fundamento no direito da União. Segundo, o tratamento deve ser necessário para a realização desse interesse público. Terceiro, o direito da União deve ser proporcionado ao objetivo visado, respeitar a essência do direito à proteção dos dados e prever medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos fundamentais e os interesses do titular dos dados.

213    A recorrente não invoca a violação das condições previstas nestas disposições, pelo que o Tribunal Geral não está obrigado a fiscalizar a conformidade da decisão impugnada com estas disposições. Todavia, as referidas disposições são pertinentes para apreciar se a decisão impugnada preenche a terceira das condições enunciadas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, se essa decisão excede o necessário para alcançar os objetivos de interesse geral que prossegue.

214    Quanto ao primeiro requisito, foi recordado no n.o 202, supra, que um pedido de informações como a decisão impugnada constituía uma medida adequada para alcançar os objetivos de interesse geral prosseguidos pela Comissão.

215    Quanto ao segundo requisito, resulta do exame da primeira parte do segundo fundamento que a Comissão demonstrou suficientemente, à luz da jurisprudência recordada no n.o 114, supra, a correlação exigida entre as informações pedidas na decisão impugnada e as infrações objeto de suspeita e mencionadas nessa decisão. Por conseguinte, o tratamento de dados pessoais que a decisão impugnada implica é necessário para a realização do interesse público importante prosseguido.

216    Quanto ao terceiro requisito, importa recordar que o artigo 5.o do Regulamento 2018/1725 delimita o poder das instituições da União de tratar dados pessoais, prevendo nomeadamente, no seu n.o 1, alínea a), que esse tratamento é permitido quando é necessário para o exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que a instituição está investida. Além disso, resulta do n.o 74, supra, que, na sequência de contactos com a recorrente, a Comissão retirou um pedido de informações anterior e adotou a decisão impugnada, que contém um número reduzido de termos de pesquisa e visa um número menor de depositários, a fim de diminuir o número de resultados subsequentes e limitar a apresentação de documentos internos identificados. Esta diligência teve como consequência reduzir o número de documentos contendo dados pessoais, ou mesmo de documentos protegidos, na aceção da decisão de alteração, que a recorrente estava obrigada a apresentar. Por último, como resulta do considerando 3 desta última decisão, o objetivo do procedimento da sala de dados virtual é juntar ao processo apenas os documentos protegidos que se provou, após análise nessa sala, que são efetivamente pertinentes para o inquérito da Comissão. Além disso, a recorrente não alega que a decisão impugnada infringe o conteúdo essencial do direito ao respeito pela vida privada na aceção do artigo 7.o da Carta.

217    Por outro lado, como resulta do ponto 9, alíneas o) e p), do anexo I.A da decisão impugnada, os documentos protegidos devem ser enviados à Comissão de forma distinta da dos outros documentos pedidos, num suporte eletrónico separado. Acresce que a sala de dados virtual em que esses documentos serão em seguida colocados só estará acessível ao menor número possível de membros da equipa responsável pelo inquérito, na presença virtual ou física de um número equivalente de advogados da recorrente. Adicionalmente, os advogados da recorrente têm a possibilidade de se pronunciar sobre os documentos considerados pertinentes pelos membros da equipa responsável pelo inquérito antes de estes os juntarem ao processo. Além disso, o ponto 9, alínea o), do anexo I.A da decisão impugnada prevê que, em caso de desacordo quanto à qualificação de um documento, os advogados da recorrente poderão expor os motivos do desacordo, o qual, se persistir, confere à recorrente o direito de requerer uma arbitragem ao diretor responsável pela informação, comunicação e meios de comunicação social da DG Concorrência da Comissão; Por outro lado, o ponto 9, alínea p), do anexo I.A da decisão impugnada prevê que os documentos protegidos podem ser transmitidos à Comissão num formato expurgado dos nomes das pessoas em causa e de qualquer informação que permita a sua identificação e que, a pedido da Comissão, justificado pelas necessidades do inquérito, os documentos protegidos que foram transmitidos em formato anonimizado devem ser‑lhe enviados na sua versão integral e não anonimizada.

218    Por conseguinte, as medidas previstas no ponto 9, alíneas o) e p), do anexo I.A da decisão impugnada não excedem o necessário para efeitos dos objetivos prosseguidos pela decisão impugnada e os seus inconvenientes não são desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 200, supra.

219    Resulta do exposto que a decisão impugnada, uma vez que prevê o procedimento da sala de dados virtual, não excede o necessário para alcançar os objetivos de interesse geral que prossegue, a saber, contribuir para a manutenção do regime concorrencial pretendido pelos Tratados, cujo respeito se impõe imperativamente às empresas.

220    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente que visam identificar uma abordagem mais proporcionada que poderia ter sido adotada na decisão impugnada, através de outras medidas ou de medidas adicionais. Segundo a recorrente, a Comissão deveria ter permitido aos seus advogados controlar a pertinência para o inquérito dos documentos por ela pedidos e identificar e descrever, num documento que lhe fosse transmitido, os documentos que continham dados pessoais sensíveis, sem transmitir esses documentos propriamente ditos. A Comissão também poderia, ou mesmo deveria, ter obtido o consentimento das pessoas afetadas antes da comunicação dos documentos em causa.

221    A este respeito, quanto à intervenção dos advogados da recorrente para apreciar a pertinência dos documentos pedidos, por um lado, recorda‑se no n.o 113, supra, que é à Comissão que compete apreciar se uma informação é necessária para poder detetar uma infração às regras de concorrência. Por outro lado, como alegam com razão a Comissão e a República Federal da Alemanha, se a empresa objeto do inquérito, ou os seus advogados, pudessem, eles próprios, determinar quais os documentos que, na sua opinião, eram pertinentes para o seu inquérito, tal prejudicaria gravemente os poderes de inquérito da Comissão, com o risco de serem omitidos e nunca serem apresentados a esta documentos potencialmente pertinentes, e isso sem qualquer possibilidade de controlo.

222    No que respeita à obtenção do consentimento das pessoas afetadas para a transmissão à Comissão dos documentos protegidos, por um lado, como recordado nos n.os 189 e 190, supra, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 prevê que um tratamento de dados pessoais é lícito quando, pelo menos, se verifique uma das seis situações referidas nesse número. Ora, o tratamento dos dados pessoais que a apresentação dos documentos pedidos pela Comissão implica é lícito, desde que seja necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que a recorrente esteja sujeita, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento 2016/679. Por conseguinte, o consentimento das pessoas cujos dados pessoais são tratados não é exigido por força do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento. Por outro lado, tal consentimento não é, por força do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2018/1725, uma condição de licitude do tratamento de dados pela Comissão no âmbito do exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que está investida, o que é o caso de um inquérito baseado no Regulamento n.o 1/2003.

223    Por conseguinte, a recorrente, com os seus argumentos, não identifica medidas menos restritivas que a Comissão deveria ter adotado. Resulta do exposto que os argumentos da recorrente devem ser rejeitados.

–       Quanto à exclusão de certas categorias de documentos do procedimento da sala de dados virtual

224    A recorrente critica a Comissão por não ter incluído no âmbito de aplicação do procedimento da sala de dados virtual os documentos relacionados com as suas atividades comerciais e que continham igualmente dados pessoais sensíveis. Tal é contrário ao princípio segundo o qual o respeito pela vida privada se aplica igualmente à correspondência enviada a partir de um local de trabalho e no âmbito de comunicações comerciais. A recorrente identifica oito documentos suscetíveis de serem abrangidos por esta categoria.

225    A Comissão contesta os argumentos da recorrente e alega ter definido e delimitado o procedimento da sala de dados virtual em conformidade com o dispositivo do Despacho de 29 de outubro de 2020, Facebook Ireland/Comissão (T‑451/20 R, não publicado, EU:T:2020:515).

226    A título preliminar, há que salientar que a questão de saber se um documento que contém dados pessoais sensíveis apresenta ou não uma ligação com as atividades comerciais da recorrente, pelo que deve ou não ser tratado segundo o procedimento da sala de dados virtual, é concretamente apreciada em primeiro lugar pela recorrente. Com efeito, a Comissão não está em condições de controlar a apreciação da recorrente a este respeito antes de consultar o documento em causa, seja no âmbito do procedimento da sala de dados virtual ou fora dele. Só posteriormente pode sancionar o incumprimento das obrigações que incumbiam à recorrente.

227    Segundo a recorrente, um dos documentos em causa contém opiniões políticas pessoais [confidencial], misturadas com informações sobre as suas atividades comerciais. Importa observar que este documento é uma mensagem de correio eletrónico na qual um membro do pessoal da recorrente [confidencial] faz saber ter assistido a um pequeno‑almoço organizado por [confidencial] e exprime o seu apoio [confidencial] com vista a uma futura eleição. Todavia, a recorrente não identificou as informações relativas às suas atividades comerciais que esse documento continha e tais informações não resultam desse documento. Também não resulta do mesmo que o autor participava no evento em causa na sua qualidade de membro do pessoal [confidencial] da recorrente. Por conseguinte, não está demonstrado que esse documento está fora do âmbito de aplicação do procedimento da sala de dados virtual.

228    Quanto aos outros documentos invocados pela recorrente, há que observar o seguinte.

229    Entre esses documentos, a recorrente identifica quatro relativos aos seus recursos humanos, nomeadamente avaliações, doenças ou queixas, e que contêm trocas de informações pretensamente muito pessoais entre [confidencial] a respeito dos seus amigos e da sua família, misturados com informações sobre as suas atividades comerciais.

230    O primeiro documento é uma mensagem de correio eletrónico enviada por [confidencial] a colaboradores, no qual este descreve problemas parentais relacionados com os seus filhos adolescentes e que contém um episódio pessoal de outra pessoa relacionado com a mesma problemática. A recorrente não demonstrou que essa mensagem de correio eletrónico continha dados abrangidos pelos previstos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725.

231    O mesmo se aplica ao segundo documento, que consiste numa avaliação, por um membro do pessoal da recorrente, do seu próprio nível de prestações. Com efeito, as únicas informações pessoais invocadas pela recorrente são o desejo expresso pela pessoa em causa de viajar mais, bem como a expressão do ponto de vista, por natureza subjetiva, dessa pessoa sobre a vida privada de outra pessoa, sem referência a dados ou a factos precisos.

232    Do mesmo modo, no terceiro documento, que é uma troca de mensagens de correio eletrónico [confidencial], um considera que outro empregado deveria exprimir com mais determinação as suas convicções relativas a uma questão de natureza profissional ligada às atividades da recorrente. A recorrente não demonstrou que esse documento continha dados abrangidos pelos referidos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725.

233    Por último, a recorrente também não identificou dados desse tipo no quarto documento, que é o curriculum vitae de um candidato a um posto de trabalho na recorrente.

234    Além disso, a recorrente invoca dois documentos relativos às suas atividades e às realizadas por [confidencial] sobre assuntos políticos sem ligação com o objeto do inquérito da Comissão.

235    O primeiro documento é uma troca de mensagens de correio eletrónico entre membros do pessoal da recorrente [confidencial] para discutir, nomeadamente, questões de natureza comercial e relativas a atividades económicas num determinado Estado. Todavia, a recorrente não identificou nessa troca de mensagens dados abrangidos pelos referidos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725.

236    A recorrente também não identificou dados desse tipo no segundo documento, elaborado por [confidencial], que apresenta as atividades desta última no que respeita a assuntos políticos sem relação com o objeto do inquérito da Comissão.

237    A recorrente invoca um último documento, que refere discussões entre os seus representantes e políticos sobre questões como a luta contra o terrorismo e a prevenção da criminalidade. Importa observar que esse documento é, como alega a recorrente, uma mensagem de correio eletrónico interna que contém um resumo de uma mesa redonda, na qual participavam alguns dos seus representantes, dedicada à cooperação em matéria de luta contra a exploração sexual de crianças. Essa mensagem de correio eletrónico incluía um comunicado oficial de uma organização participante nessa luta, bem como extratos de comunicados de organismos governamentais igualmente envolvidos nesse plano. A recorrente não demonstrou a existência, nessa mensagem de correio eletrónico, de dados previstos no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1725.

238    Por último, a recorrente não pode deduzir apenas da adoção da decisão de alteração que a apresentação de documentos que continham dados pessoais que não foram examinados no âmbito do procedimento da sala de dados virtual violava o direito ao respeito pela sua vida privada e das pessoas afetadas.

239    Daqui se conclui que os argumentos da recorrente devem ser rejeitados.

–       Quanto ao volume de trabalho desproporcionado imposto pela sala de dados virtual

240    A recorrente sustenta que o procedimento da sala de dados virtual lhe impõe, tendo em conta o prazo para apresentar os documentos em causa, um volume de trabalho desproporcionado em relação às necessidades do inquérito da Comissão. Com efeito, as necessidades deste procedimento obrigam‑na a suprimir cerca de [confidencial] documentos, particularmente suscetíveis de carecerem de pertinência, os dados pessoais controvertidos que contêm.

241    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

242    Importa salientar que o ponto 9, alínea p), do anexo I.A da decisão impugnada prevê que «[o]s documentos protegidos podem ser transmitidos à Comissão num formato expurgado dos nomes das pessoas em causa e de qualquer informação que permita a sua identificação».

243    Daqui resulta que a supressão dos nomes das pessoas afetadas é uma faculdade oferecida à recorrente, mas que não lhe é imposta, de modo que pode não fazer uso da mesma. Por conseguinte, não pode alegar utilmente que a decisão impugnada lhe impõe um volume de trabalho desproporcionado a esse respeito.

244    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou nenhuma ilegalidade que vicie o procedimento da sala de dados virtual previsto no ponto 9, alíneas o) e p), do anexo I.A da decisão impugnada.

iii) Quanto à falta de ponderação entre as necessidades do inquérito e a proteção dos direitos da recorrente

245    A recorrente critica a Comissão por não ter ponderado a necessidade de recolher informações para efeitos do seu inquérito e a necessidade de proteger o seu direito ao respeito pela vida privada e o das pessoas afetadas. Com efeito, segundo a recorrente, essa ponderação deveria ter levado a Comissão a não exigir a apresentação de todos os documentos que responderam à aplicação dos termos de pesquisa indicados na decisão impugnada, quando a recorrente lhe tinha demonstrado que numerosos documentos não eram pertinentes para o seu inquérito.

246    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

247    No caso em apreço, resulta dos considerandos 17 a 26 da decisão impugnada que, na sequência da decisão de pedido de informações de 11 de novembro de 2019 e em resposta a um pedido da recorrente de 20 de novembro de 2019 no sentido de a Comissão rever o número de termos de pesquisa e de depositários abrangidos por esse pedido de informações, a recorrente e a Comissão discutiram, nomeadamente, a delimitação das informações pedidas. Assim, em 6 de dezembro de 2019, a Comissão convidou a recorrente a comunicar‑lhe o número de resultados por termo de pesquisa aplicado e por depositário, a fim de poder verificar se havia que alterar os termos de pesquisa ou a lista dos depositários. Ora, como resulta do considerando 27 da decisão impugnada, a Comissão considerou adequado alterar a decisão de 11 de novembro de 2019, nomeadamente a fim de reduzir o número de termos de pesquisa, a lista dos depositários e o número de resultados subsequentes e limitar a apresentação de documentos internos.

248    Há que observar que, na decisão impugnada, a Comissão reduziu significativamente o número de termos de pesquisa cuja aplicação pedia e o número de depositários abrangidos, que passou de 58 na decisão de 11 de novembro de 2019 para 3, número que a própria recorrente qualifica de «reduzido», na decisão impugnada. Esta redução, não contestada pela recorrente, teve necessariamente como consequência diminuir o número de documentos que deviam, eventualmente, ser comunicados à Comissão. A redução do número de depositários e o seu número finalmente incluído na decisão impugnada constituem indícios de uma ponderação pela Comissão das necessidades do seu inquérito e dos direitos da recorrente e das pessoas cujos dados pessoais poderiam figurar nas informações pedidas ao abrigo da decisão impugnada.

249    Além disso, tendo em conta o poder de apreciação da Comissão, recordado nos n.os 43 e 112 a 114, supra, quanto às informações cuja apresentação pode solicitar mediante pedido, o facto de alguns documentos poderem afinal revelar‑se desprovidos de pertinência para o inquérito não basta para demonstrar o caráter desproporcionado ou injustificado de um pedido de informações, nem a falta de ponderação entre as necessidades do inquérito e os direitos da recorrente e das pessoas cujos dados pessoais poderiam figurar nas informações pedidas ao abrigo da decisão impugnada.

250    Por último, visto que a recorrente invoca o Acórdão do TEDH de 2 de abril de 2015, Vinci Construction e GTM Génie Civil et Services c. França (CE:ECHR:2015:0402JUD006362910), basta salientar que esse processo dizia respeito à possibilidade de pedir um controlo efetivo do respeito da confidencialidade das comunicações entre um advogado e o seu cliente durante as operações de inspeção. Ora, no caso em apreço, a decisão impugnada não prevê a apresentação à Comissão do conteúdo das comunicações entre a recorrente, ou qualquer outra pessoa, e os seus advogados.

251    Por conseguinte, há que considerar que a recorrente não demonstrou que a decisão impugnada proceda a uma falta de ponderação entre as necessidades do inquérito da Comissão e a proteção do seu direito ao respeito pela sua vida privada e das pessoas afetadas.

5)      Quanto à inadequação ou à insuficiência do segredo profissional

252    A recorrente sustenta que o segredo profissional imposto aos agentes da Comissão por força do artigo 339.o TFUE e do artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, por um lado, não lhes confere um direito de acesso ilimitado aos dados pessoais controvertidos e, por outro, não oferece, por si só, garantias suficientes que permitam proteger eficazmente a vida privada das pessoas afetadas e os seus dados pessoais.

253    A recorrente sustenta igualmente que documentos não pertinentes para o inquérito poderiam ser utilizados para fins ilegítimos, como o alargamento do âmbito do inquérito atual ou a abertura de outro inquérito, ou mesmo ser divulgados além do círculo restrito dos agentes da Comissão responsáveis pelo inquérito. Esses documentos poderiam ser transmitidos a terceiros em resposta a eventuais pedidos de acesso ao processo ou converterem‑se automaticamente em documentos que podem ser comunicados a órgãos jurisdicionais. A recorrente poderia igualmente ver‑se obrigada a transmitir esses documentos às pessoas que a demandaram nos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos da América. Os dados pessoais controvertidos poderiam, assim, ser transmitidos a muitas pessoas fora da Comissão, em violação do direito à proteção da vida privada das pessoas afetadas.

254    A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha, contesta os argumentos da recorrente.

255    Importa recordar que os funcionários e agentes da Comissão estão sujeitos a obrigações estritas de segredo profissional por força do artigo 339.o TFUE e do artigo 28.o do Regulamento n.o 1/2003. Estas disposições proíbem os funcionários da Comissão de divulgarem as informações abrangidas pelo segredo profissional obtidas em resposta a um pedido de informações ou de as utilizarem para fins diferentes daqueles para que foram obtidas. Além disso, os funcionários e agentes da Comissão estão vinculados pelo artigo 17.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, que lhes proíbe, mesmo após a cessação das suas funções, «qualquer revelação não autorizada de informação recebida no exercício das suas funções, salvo se essa informação já tiver sido tornada pública ou for acessível ao público».

256    Nem o artigo 339.o TFUE nem o artigo 28.o do Regulamento n.o 1/2003 indicam expressamente quais as informações, além dos segredos comerciais, abrangidas pelo segredo profissional. Ora, não se pode inferir do artigo 28.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 que é esse o caso de todas as informações recolhidas em aplicação do referido regulamento, com exceção daquelas cuja publicação é obrigatória por força do seu artigo 30.o Com efeito, como o artigo 339.o TFUE, o artigo 28.o do Regulamento n.o 1/2003, que completa e dá execução a essa disposição do direito primário no domínio das regras da concorrência aplicáveis às empresas, opõe‑se apenas à divulgação de informações que, pela sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional (v. Acórdão de 28 de janeiro de 2015, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑345/12, EU:T:2015:50, n.o 61 e jurisprudência referida).

257    O segredo profissional inclui, além dos segredos comerciais, as informações que apenas são do conhecimento de um número restrito de pessoas e cuja divulgação é suscetível de causar um prejuízo sério à pessoa que as forneceu ou a terceiros. Por último, é necessário que os interesses que possam ser lesados pela divulgação das informações em questão sejam objetivamente dignos de proteção (v. Acórdão de 15 de julho de 2015, Pilkington Group/Comissão, T‑462/12, EU:T:2015:508, n.o 45 e jurisprudência referida).

258    No que respeita, em primeiro lugar, ao argumento da recorrente segundo o qual o segredo profissional que se impõe aos agentes da Comissão não lhes confere um direito de acesso ilimitado aos dados pessoais controvertidos, recorda‑se no n.o 192, supra, que, por força do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento 2018/1725, as instituições da União podem licitamente tratar dados pessoais quando tal é necessário para o exercício de funções de interesse público ou para o exercício da autoridade pública de que a instituição ou o órgão da União estão investidos.

259    Em segundo lugar, quanto ao argumento de que as obrigações em matéria de segredo profissional não constituem garantias suficientes de proteção eficaz da vida privada das pessoas afetadas e dos seus dados pessoais, há que observar que não está demonstrado e que nada permite presumir, a priori, que a Comissão não zelará, no momento oportuno, pelo cumprimento das suas obrigações e das obrigações dos seus agentes nos termos do artigo 339.o TFUE, do artigo 28.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 17.o do Estatuto dos Funcionários (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, T‑39/90, EU:T:1991:71, n.o 58).

260    Em terceiro lugar, quanto ao argumento relativo ao risco de utilização dos documentos recolhidos para fins alegadamente ilícitos, como o alargamento do âmbito do inquérito atual ou a abertura de outro inquérito, importa recordar os dois princípios seguintes. Por um lado, as obrigações que incumbem aos agentes da Comissão por força do artigo 339.o TFUE e do artigo 28.o do Regulamento n.o 1/2003 impedem a utilização das informações obtidas em resposta a um pedido de informações para fins diferentes daqueles para os quais foram obtidas. Por outro lado, um pedido de informações tem por objeto permitir à Comissão recolher as informações e a documentação necessárias para verificar a realidade e o alcance de uma determinada situação de facto e de direito (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2016, HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2016:149, n.o 37), sem prejuízo da possibilidade de a Comissão fazer evoluir o âmbito do seu inquérito na sequência das informações recolhidas.

261    Com efeito, o Tribunal Geral confirmou, tratando‑se de uma decisão de pedido de informações adotada após uma comunicação de acusações, que era inerente ao procedimento administrativo de aplicação das regras de concorrência do Tratado que a Comissão pudesse enviar pedidos de informações complementares após o envio de uma comunicação de acusações, com vista, sendo caso disso, a retirar certas acusações ou acrescentar novas (Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 121, e de 9 de abril de 2019, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, T‑371/17, não publicado, EU:T:2019:232, n.o 76).

262    Tendo em conta a subdivisão em duas fases distintas e sucessivas do procedimento administrativo nos termos do Regulamento n.o 1/2003, recordada no n.o 159, supra, as considerações precedentes são válidas, por maioria de razão, no que respeita à adoção, como no caso em apreço, de uma decisão de pedido de informações durante a fase de instrução preliminar, antes da adoção de uma comunicação de acusações. A este respeito, importa recordar que a fase preliminar visa permitir que a Comissão reúna todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infração às regras de concorrência e tome uma primeira posição sobre a orientação e sobre o seguimento a dar ao procedimento.

263    Por conseguinte, a recorrente não pode invocar utilmente um pretenso risco de que certos documentos apresentados em resposta à decisão impugnada sejam utilizados pela Comissão para alargar o âmbito do inquérito atual ou abrir outro inquérito.

264    Em quarto lugar, quanto aos argumentos da recorrente de que os documentos não pertinentes para o inquérito ou que contêm dados como os dados pessoais controvertidos poderiam ser divulgados de forma mais ampla fora da Comissão, há que observar que os mesmos visam situações hipotéticas, como eventuais pedidos de acesso ao processo por terceiros e a comunicação pretensamente automática de documentos a órgãos jurisdicionais, e que não estão fundamentados.

265    Resulta das considerações que figuram nos n.os 200 a 264, supra, que a recorrente não demonstrou que a decisão impugnada constituía uma ingerência injustificada na sua vida privada ou na de membros do seu pessoal ou de outras pessoas. Nestas condições, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

266    A recorrente critica a Comissão por ter violado o princípio da proporcionalidade. Sustenta que a violação deste princípio resulta, primeiro, da obrigação que lhe é imposta de apresentar, no contexto da sala de dados virtual, documentos que contêm dados pessoais sensíveis; segundo, da obrigação de apresentar, no mesmo contexto, documentos que contêm simultaneamente dados de natureza comercial e dados pessoais; terceiro, da existência de métodos que protegem melhor a vida privada das pessoas do que a sala de dados virtual para apreciar a pertinência dos documentos protegidos e quarto, da inadequação e ineficácia da possibilidade de anonimizar os documentos em causa.

267    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

268    Recorde‑se que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do adequado e do necessário para alcançar o objetivo prosseguido, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 13, e de 14 de julho de 2005, Países Baixos/Comissão, C‑180/00, EU:C:2005:451, n.o 103).

269    Resulta de jurisprudência constante que os pedidos de informações dirigidos pela Comissão a uma empresa devem respeitar o princípio da proporcionalidade e que a obrigação imposta a uma empresa de fornecer uma informação não deve representar para esta um encargo desproporcionado em relação às necessidades do inquérito (Acórdãos de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, T‑39/90, EU:T:1991:71, n.o 51; de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 86; e de 9 de abril de 2019, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, T‑371/17, não publicado, EU:T:2019:232, n.os 120 e 121).

270    No caso em apreço, por um lado, a recorrente invocou o caráter manifestamente desproporcionado do volume de trabalho que a resposta à decisão impugnada implicava apenas em relação à anonimização dos documentos relativamente aos quais se aplicava o procedimento da sala de dados virtual. Ora, como salientado no n.o 243, supra, a supressão dos nomes das pessoas afetadas é uma faculdade oferecida à recorrente, mas que não lhe é imposta, pelo que pode não fazer uso dessa faculdade, e não tem fundamento para invocar uma violação do princípio da proporcionalidade a este respeito. Quanto à suposta inadequação da anonimização em razão do reduzido número de depositários abrangidos, que facilitaria a sua identificação num determinado documento, importa recordar que o reduzido número de depositários abrangidos constitui um indício do respeito do princípio da necessidade das informações pedidas, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, e da ponderação entre as necessidades do inquérito e a proteção dos direitos da recorrente.

271    Por outro lado, a recorrente invoca a possibilidade, suscetível de constituir uma alternativa à sala de dados virtual prevista na decisão impugnada, de identificar e descrever, num documento que seria transmitido à Comissão, os documentos que contêm dados pessoais sensíveis, sem transmitir esses documentos propriamente ditos. Em seu entender, esta prática permitiria evitar, primeiro, que os agentes da Comissão tivessem acesso aos dados pessoais em causa ao consultar os documentos na sala de dados virtual e, segundo, ter de suprimir desses documentos os dados pessoais sensíveis neles contidos antes de os transmitir à Comissão.

272    Ora, como salientado no n.o 219, supra, o procedimento da sala de dados virtual instituído no caso em apreço não excede o necessário para alcançar os objetivos de interesse geral que prossegue, à luz do direito ao respeito pela vida privada da recorrente e das pessoas afetadas, conforme protegido pelo artigo 7.o da Carta.

273    Além disso, como resulta do n.o 238, supra, a apresentação de documentos que contêm dados pessoais que não foram examinados no âmbito do procedimento da sala de dados virtual não constitui uma violação do direito ao respeito pela vida privada da recorrente e das pessoas afetadas.

274    Daqui resulta que a recorrente não demonstrou uma violação do princípio da proporcionalidade, pelo que a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do direito a uma boa administração

275    A recorrente sustenta que a falta de controlo da pertinência dos documentos pedidos ao abrigo da decisão impugnada constitui uma violação manifesta do seu direito a uma boa administração. A este respeito, recorda que a decisão impugnada lhe impõe que comunique à Comissão muitos documentos sem pertinência para o inquérito desta ou que contêm dados pessoais, alguns dos quais são sensíveis.

276    A Comissão contesta estes argumentos.

277    Recorde‑se que o considerando 37 do Regulamento n.o 1/2003 especifica que este regulamento «respeita os direitos fundamentais e observa os princípios gerais reconhecidos, nomeadamente, na [Carta]» e que «nada no presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado como afetando esses direitos e princípios».

278    O artigo 41.o da Carta, que, por força do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados, com a epígrafe «Direito a uma boa administração», dispõe, no seu n.o 1, que «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável».

279    Segundo a jurisprudência relativa ao princípio da boa administração, entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos, figura, nomeadamente, a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 404).

280    Não se pode deixar de observar que, contrariamente ao que alega a recorrente na sua resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, os argumentos apresentados em apoio desta parte se confundem, no essencial, com os apresentados em apoio da segunda parte deste fundamento, que se confundem, eles próprios, em parte, com os invocados em apoio do segundo fundamento, relativo à violação do princípio da necessidade, e da primeira parte do presente fundamento.

281    Tendo todos estes argumentos sido já rejeitados, há que considerar que a recorrente não demonstrou que a Comissão não tinha procedido a um exame diligente e imparcial do caso em apreço. Por conseguinte, não demonstrou que a decisão impugnada estava viciada por uma violação do princípio da boa administração.

282    Consequentemente, há que julgar improcedente a terceira parte do terceiro fundamento e, portanto, este fundamento na sua totalidade.

283    Decorre do conjunto das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

V.      Quanto às despesas

284    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

285    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportam as suas despesas. Por conseguinte, a República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Meta Platforms Ireland Ltd suportará as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Papasavvas

Spielmann

Mastroianni

Brkan

 

      Gâlea

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de maio de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1 Dados confidenciais ocultados.