Language of document : ECLI:EU:T:2014:92

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

27 de fevereiro de 2014 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado mundial dos ecrãs de cristais líquidos (LCD) — Acordos e práticas concertadas em matéria de preços e capacidades de produção — Competência territorial — Vendas internas — Vendas de produtos acabados que integram os produtos cartelizados — Infração única e continuada — Coimas — Método de arredondamento — Plena jurisdição»

No processo T‑91/11,

InnoLux Corp., anteriormente Chimei InnoLux Corp., com sede em Zhunan (Taiwan), representada por J.‑F. Bellis, advogado, e R. Burton, solicitor,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Van Nuffel, F. Ronkes Agerbeek e A. Biolan, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da Decisão C (2010) 8761 final da Comissão, de 8 de dezembro de 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.309 — LCD), e de redução do montante da coima aplicada à recorrente por esta decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, G. Berardis (relator) e C. Wetter, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1.     Sociedades em causa no presente processo

1        A Chi Mei Optoelectronics Corp. (a seguir «CMO») era a sociedade de direito taiwanês que controlava um grupo de sociedades com sedes no mundo inteiro e que atuavam na produção de ecrãs de cristais líquidos de matriz ativa (a seguir «LCD»).

2        Em 20 de novembro de 2009, a CMO celebrou um acordo de concentração com as sociedades InnoLux Display Corp. e TPO Displays Corp. Por força deste acordo, a partir de 18 de março de 2010, a TPO Displays e a CMO deixaram de existir. A entidade jurídica sobrevivente mudou de denominação por duas vezes, tendo passado inicialmente de InnoLux Display Corp. a Chimei InnoLux Corp. e, por fim, a InnoLux Corp., a recorrente.

2.     Procedimento administrativo

3        Em [confidencial] (1), a sociedade de direito coreano Samsung Electronics Co. Ltd (a seguir «Samsung») apresentou à Comissão das Comunidades Europeias um pedido para obtenção de imunidade em relação à coima aplicada a título da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a clemência de 2002»).

4        Nessa ocasião, a Samsung denunciou a existência de um cartel entre várias empresas, entre as quais a recorrente, relativamente a certos tipos de LCD.

5        Em 23 de novembro de 2006, a Comissão concedeu à Samsung imunidade condicional, em conformidade com o n.° 15 da comunicação sobre a clemência de 2002, ao passo que recusou concedê‑la a outra participante no cartel, a sociedade de direito coreano LG Display Co. Ltd, anteriormente designada LG Philips LCD Co. Ltd (a seguir «LGD»).

6        Em 27 de maio de 2009, a Comissão iniciou o procedimento administrativo e adotou uma comunicação de acusações, nos termos do artigo 10.° do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18). Esta comunicação de acusações foi enviada a dezasseis sociedades, entre as quais a CMO e duas filiais europeias que esta detinha a 100%, a saber, a Chi Mei Optoelectronics BV e a Chi Mei Optoelectronics UK. Ltd. A este respeito, nos considerandos 281 a 285 da comunicação de acusações, a Comissão lembrou designadamente que, segundo a jurisprudência, em primeiro lugar, as disposições do direito da União Europeia relativas à concorrência reconhecem que sociedades diferentes pertencentes a um mesmo grupo constituem uma entidade económica e, portanto, uma empresa na aceção dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE, se as sociedades em causa não determinarem de forma autónoma o seu comportamento no mercado (acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colet., p. II‑4071, n.° 290) e, em segundo lugar, que basta que a Comissão provasse que a totalidade do capital de uma filial era detida pela sua sociedade‑mãe para que ficasse demonstrada a presunção de que esta última exerce uma influência determinante sobre o comportamento da filial no mercado (acórdão do Tribunal Geral de 31 de março de 2009, ArcelorMittal Luxembourg e o./Comissão, T‑405/06, Colet., p. II‑771, n.° 91). Em seguida, nos considerando 327 a 329 da comunicação de acusações, a Comissão explicou as razões pelas quais, em aplicação da jurisprudência recordada, as duas filiais da CMO supramencionadas deviam ser consideradas solidariamente responsáveis pelas infrações cometidas por esta última.

7        À comunicação de acusações foi anexado um CD‑ROM que continha as partes acessíveis do processo da Comissão. Os destinatários da comunicação de acusações exerceram o seu direito de acesso às partes do processo da Comissão que só se encontravam disponíveis nas instalações da Comissão.

8        Os destinatários da comunicação de acusações deram conhecimento à Comissão, por escrito, da sua opinião sobre as objeções suscitadas a seu respeito no prazo previsto.

9        Vários destinatários da comunicação de acusações, entre os quais a recorrente, exerceram o seu direito a ser ouvidos, na audiência que decorreu em 22 e 23 de setembro de 2009.

10      Através de um pedido de informações de 4 de março de 2010 e por carta de 6 de abril de 2010, as partes foram designadamente convidadas a apresentar os dados relativos ao valor das vendas que seriam consideradas para o cálculo das coimas e a apresentar as suas observações sobre esta questão.

11      A CMO respondeu à referida carta em 23 de abril de 2010.

3.     Decisão impugnada

12      Em 8 de dezembro de 2010, a Comissão adotou a Decisão C (2010) 8761 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.309 — LCD) (a seguir «decisão impugnada»), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 7 de outubro de 2011 (JO C 295, p. 8).

13      A decisão impugnada é dirigida a seis das dezasseis sociedades destinatárias da comunicação de acusações, entre as quais a recorrente. Em contrapartida, as suas filiais, às quais a comunicação havia sido dirigida, já não são referidas.

14      Na decisão impugnada, a Comissão declarou a existência de um acordo entre seis grandes fabricantes internacionais de LCD, entre os quais a recorrente, relativo às duas categorias seguintes destes produtos, de tamanho igual ou superior a doze polegadas: os LCD para as tecnologias de informação, como os que são utilizados em computadores portáteis compactos e os monitores de computadores (a seguir «LCD‑TI»), e os LCD para os televisores (a seguir «LCD‑TV») (a seguir, em conjunto, «LCD cartelizados»).

15      Segundo a decisão impugnada, este cartel assumiu a forma de uma infração única e continuada nos termos do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE, cuja duração se estendeu, pelo menos, entre 5 de outubro de 2001 e 1 de fevereiro de 2006 (a seguir «período em que a infração foi cometida»). Durante esse período, os participantes no cartel realizaram numerosas reuniões multilaterais, a que davam o nome de «reuniões Cristal», principalmente em hotéis de Taiwan. Estas reuniões tinham um objetivo claramente anticoncorrencial, uma vez que constituíam a ocasião para os participantes, nomeadamente, fixarem preços mínimos para os LCD cartelizados, discutirem as suas projeções de preços para evitar a respetiva diminuição e coordenarem os aumentos de preços, bem como para fixarem os níveis de produção. Durante o período em que a infração foi cometida, os participantes no cartel encontraram‑se também em reuniões bilaterais e trocaram frequentemente informações sobre os assuntos debatidos nas «reuniões Cristal». Por outro lado, tomaram medidas para verificar se as decisões adotadas por ocasião dessas reuniões eram aplicadas (considerandos 70 a 74 da decisão impugnada).

16      Apesar de a recorrente ter alegado que o mercado dos LCD‑TV era diferente do dos LCD‑TI e que só existia um cartel relativamente aos últimos, a Comissão considerou contudo que se tratava de uma infração única e continuada que abrangia a totalidade desses produtos (considerandos 281 e 283 a 290 da decisão impugnada).

17      Para a fixação das coimas aplicadas pela decisão impugnada, a Comissão utilizou as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações de 2006»).

18      Em aplicação das Orientações de 2006, a Comissão, em primeiro lugar, definiu o valor das vendas dos LCD cartelizados direta ou indiretamente afetadas pela infração. Para o efeito, a Comissão determinou as três seguintes categorias de vendas efetuadas pelos participantes no cartel:

¾        «vendas EEE diretas», a saber, vendas de LCD cartelizadas a outra empresa dentro do Espaço económico europeu (EEE);

¾        «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a saber, vendas de LCD cartelizados integrados, no grupo a que o produtor pertence, em produtos acabados que são vendidos a outra empresa dentro do EEE;

¾        «vendas indiretas», a saber, vendas de LCD cartelizados a outra empresa situada fora do EEE, que incorpora em seguida os ecrãs em produtos acabados que vende no EEE (considerando 380 da decisão impugnada).

19      No entanto, a Comissão considerou que podia limitar‑se a ter em consideração as duas primeiras categorias referidas no n.° 18, supra, não sendo necessário incluir a terceira categoria para que as coimas aplicadas pudessem atingir um nível dissuasivo suficiente (considerando 381 da decisão impugnada).

20      Em vez de utilizar o valor das vendas realizadas por uma empresa durante o último ano completo da sua participação na infração, como previsto no ponto 13 das Orientações de 2006, a Comissão considerou que era mais adequado utilizar, no presente caso, o valor anual médio das vendas durante o período completo em que a infração foi cometida, devido nomeadamente ao crescimento exponencial das vendas da maioria das empresas em causa durante os anos abrangidos pela decisão impugnada (considerando 384 da decisão impugnada).

21      Quanto à recorrente, a Comissão indeferiu as suas objeções relativamente aos factos de, em primeiro lugar, o valor das vendas pertinentes dever ter sido calculado sem ter em conta as suas «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» e as suas «vendas EEE diretas », feitas a outros destinatários da comunicação de acusações, em segundo lugar, deverem ter sido excluídas as expedições de LCD que não tinham sido faturadas a empresas europeias e, por último, ser necessário diferenciar entre as vendas de LCD‑TI e de LCD‑TV. Assim, para a recorrente, o total das vendas pertinentes realizadas durante o período em que a infração foi cometida foi fixado em 1 555 111 603 euros, equivalendo a média anual, que é obtida através da divisão do referido montante pela duração do cartel igual a 4,33 anos, a 359 148 176 euros (considerandos 388, 394, 398 a 401 e quadro 4 da decisão impugnada).

22      Em segundo lugar, a Comissão observou que, tendo em conta a gravidade da infração cometida, devia ser fixada em 16% a proporção do valor das vendas dos produtos em questão a ter em conta para o cálculo do montante de base da coima, para todos os participantes no cartel (considerando 416 da decisão impugnada).

23      Em terceiro lugar, a Comissão aplicou um fator de multiplicação relativo à duração da infração de 4,25 à recorrente, por ter participado na infração durante toda a duração do cartel referida na decisão impugnada, a saber, quatro anos e três meses (considerandos 417 e 418 e quadro 5 da decisão impugnada).

24      Em quarto lugar, a Comissão considerou que as circunstâncias do caso justificavam a inclusão, no montante de base da coima, de uma majoração de 16% sobre o valor médio das vendas pertinentes, para lhe assegurar o efeito dissuasivo (a seguir «taxa de entrada»), em conformidade com o n.° 25 das Orientações de 2006, para todos os participantes no cartel (considerandos 419 e 424 da decisão impugnada).

25      Em quinto lugar, a Comissão não teve em consideração circunstâncias agravantes ou atenuantes, nos termos das Orientações de 2006, em relação a nenhum dos participantes no cartel. Assim, a Comissão indeferiu designadamente os argumentos da recorrente relativos aos factos alegados segundo os quais tinha tido um papel passivo no cartel, tinha nele participado por negligência e, por fim, tinha cooperado com a Comissão além do âmbito de aplicação da comunicação sobre a clemência de 2002, isto apesar de a Comissão não lhe ter enviado pedidos de esclarecimentos tão precisos como os que foram enviados a outros participantes no cartel (considerandos 426, 430, 433, 434, 438, 439 e 442 a 444 da decisão impugnada).

26      Em sexto lugar, em aplicação da comunicação sobre a clemência de 2002, a Comissão começou por confirmar a imunidade total atribuída à Samsung. Em seguida, considerou que a cooperação prestada pela recorrente não lhe atribuía direito a redução da coima (considerandos 455 a 458 e 472 da decisão impugnada).

27      Com base nestas considerações, a Comissão, no artigo 2.° da decisão impugnada, condenou a recorrente ao pagamento de uma coima de 300 000 000 euros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

28      Por petição inicial apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de fevereiro de 2011, a recorrente interpôs o presente recurso.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, colocou por escrito questões às partes, tendo estas respondido no prazo concedido.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 24 de abril de 2013.

31      A recorrente pede, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão impugnada, na medida em que lhe diz respeito;

¾        reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

33      A recorrente invoca três fundamentos de recurso:

¾        o primeiro, relativo à aplicação de um conceito jurídico errado por parte da Comissão, o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», na determinação do valor das vendas pertinentes para efeitos de cálculo da coima;

¾        o segundo, relativo à violação, por parte da Comissão, do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE, ao ter concluído que a infração abrangia os LCD‑TV;

¾        o terceiro, relativo ao facto de o valor das vendas que a Comissão considerou pertinentes em relação a si incluir erradamente outras vendas além das dos LCD cartelizados.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à aplicação de um conceito jurídico errado por parte da Comissão, o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», na determinação do valor das vendas pertinentes para efeitos de cálculo da coima

34      O primeiro fundamento invocado pela recorrente é composto, em substância, por duas partes, a primeira relativa ao facto de o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» estar em contradição com a não declaração de uma infração relativa aos produtos acabados que integram os LCD cartelizados e, a segunda, às incoerências alegadamente inerentes a esse conceito.

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» estar em contradição com a não declaração de uma infração relativa aos produtos acabados que integram os LCD cartelizados

35      A recorrente alega, por um lado, que a utilização do conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» não é compatível com o ponto 13 das Orientações de 2006, uma vez que a Comissão teve em conta as vendas de produtos acabados, relativamente aos quais não foi constatada nenhuma infração na decisão impugnada e que, como tal, não têm nenhuma relação, direta ou mesmo indireta, com a infração declarada nessa decisão. Por outro lado, a recorrente salienta que os preços dos LCD cartelizados não são preços de referência para os produtos acabados que integram os referidos LCD.

36      Nos termos do ponto 13 das Orientações de 2006, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utiliza[...] o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]».

37      A este respeito, deve observar‑se, em primeiro lugar, que não decorre desta disposição que no cálculo do valor pertinente das vendas apenas possa ser levado em conta o valor das vendas resultante das mudanças realmente afetadas pelas práticas infratoras (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, Colet., p. II‑3729, n.° 58).

38      A formulação do ponto 13 das Orientações de 2006 visa, com efeito, as vendas realizadas no mercado pertinente, em causa na infração. A fortiori, o referido ponto não visa apenas os casos a respeito dos quais a Comissão dispõe de provas documentais da infração (v., neste sentido, acórdão Putters International/Comissão, já referido, n.° 59).

39      Esta interpretação é confortada pelo objetivo das normas da União relativas à concorrência. De facto, a interpretação proposta pela recorrente significa que, na determinação do montante de base das coimas a aplicar nos processos relativos a cartéis, a Comissão estava obrigada, em cada caso, a demonstrar quais as vendas individuais que foram afetadas pelo cartel. Tal obrigação nunca foi imposta pelos órgãos jurisdicionais da União e nada há que indique que a Comissão tivesse a intenção de impor a si própria tal obrigação nas Orientações de 2006 (acórdão Putters International/Comissão, já referido, n.° 60).

40      Por último, resulta de jurisprudência constante que a parte do volume de negócios obtida com as mercadorias objeto da infração é de natureza a fornecer uma justa indicação da amplitude de uma infração no mercado em causa. Em particular, o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objeto de uma prática restritiva constitui um critério objetivo, que dá uma justa medida do caráter nocivo desta prática para o funcionamento normal da concorrência (acórdão Putters International/Comissão, já referido, n.° 61; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 121, e acórdão do Tribunal Geral de 11 de março de 1999, British Steel/Comissão, T‑151/94, Colet., p. II‑629, n.° 643).

41      No caso vertente, deve recordar‑se que, no considerando 380 da decisão impugnada, a Comissão definiu as categorias de vendas descritas no n.° 18, supra.

42      No que se refere às «vendas EEE diretas», é pacífico que estas preenchem os requisitos previstos no ponto 13 das Orientações de 2006, interpretadas à luz da jurisprudência pertinente.

43      Relativamente às «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a recorrente, na primeira parte do primeiro fundamento, alega que estas não têm relação direta ou indireta com a infração, uma vez que dizem respeito às vendas dos produtos acabados que integram os LCD cartelizados, e não às vendas destes últimos.

44      A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que, embora a nota de pé de página inserida no ponto 13 das Orientações de 2006 indique que um caso de vendas indiretamente relacionadas com uma infração pode ser constatado quando o preço do produto que é objeto de acordos horizontais de fixação de preços determina os preços de produtos de qualidade inferior ou superior, esta nota esclarece que o referido caso é apresentado a título exemplificativo. Assim, o facto, invocado pela recorrente, segundo o qual, no caso vertente, os produtos acabados que incluem os LCD cartelizados não são produtos de qualidade superior ou inferior àqueles é totalmente destituído de pertinência.

45      Quanto à circunstância, também invocada pela recorrente, segundo a qual a decisão impugnada não declarou nenhuma infração relativamente aos produtos acabados que integram os LCD cartelizados, há que observar que a Comissão não teve em consideração o valor total das vendas desses produtos acabados, mas apenas a fração desse valor que podia corresponder ao valor dos LCD cartelizados, integrados nos produtos acabados, contanto que estes tenham sido vendidos pela recorrente a empresas terceiras com sede no EEE. Embora seja evidente que a Comissão não podia ter tido em conta o referido valor total, sem ter previamente declarado a infração relativamente aos produtos acabados, não pode entender‑se que essa declaração era necessária para se poder ter em consideração a fração desse valor constituída pelo valor dos LCD cartelizados integrados nos produtos acabados.

46      Por outro lado, caso a Comissão não tivesse recorrido ao conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», não teria podido ter em conta, no cálculo da coima, uma fração considerável das vendas de LCD cartelizados feitas pelos participantes no cartel inseridos em empresas verticalmente integradas, apesar de essas vendas terem prejudicado o jogo da concorrência no EEE.

47      Assim, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 37 a 40, supra, a Comissão devia ter em conta a dimensão da infração no mercado em questão, e, para tal, podia utilizar o volume de negócios realizado pela recorrente quanto aos LCD cartelizados, enquanto elemento objetivo que fornece uma justa medida do caráter nocivo da sua participação no cartel sobre o jogo normal da concorrência, desde que esse volume de negócios fosse o resultado das vendas que apresentam um nexo com o EEE. Ora, esse nexo existe quando os LCD cartelizados são transferidos pela recorrente para as suas filiais, independentemente de onde se encontrem sediadas, que os integram nos produtos acabados que são vendidos a terceiros no EEE.

48      O facto de a Comissão ter optado por ter em consideração as «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» é ainda mais justificado no presente caso uma vez que resulta dos elementos de prova contidos na decisão impugnada (v., designadamente, o considerando 394 da decisão impugnada), que não são postos em causa pela recorrente, que as vendas de LCD cartelizados entre as empresas participantes no cartel eram feitas a preços influenciados pelo próprio cartel.

49      Por outro lado, conforme resulta designadamente dos considerandos 92 e 93 da decisão impugnada, os participantes no cartel sabiam que os preços dos LCD cartelizados afetavam os preços dos produtos acabados em que eram integrados.

50      Por fim, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2008, JSC Kirovo‑Chepetsky Khimichesky Kombinat/Conselho (T‑348/05, não publicado na Coletânea, n.° 62), se opõe a qualquer equiparação entre as vendas de produtos acabados que incorporam um componente e as vendas desses componentes enquanto tal, há que observar que o contexto no qual e a finalidade para a qual a Comissão teve em consideração os LCD cartelizados que foram integrados nos produtos acabados não podem ser equiparados aos que caracterizavam o processo que deu origem ao referido acórdão.

51      Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão JSC Kirovo‑Chepetsky Khimichesky Kombinat/Conselho, já referido (n.os 54, 55, 57 e 58), o Conselho da União Europeia, após ter adotado, com base num inquérito antidumping relativo a certos produtos entre os quais o nitrato de amónio, medidas antidumping relativas a esses produtos, alargou o âmbito de aplicação dessas medidas a outros produtos, sem iniciar um novo inquérito, uma vez que esses outros produtos eram semelhantes aos que eram objeto do referido inquérito, designadamente quanto ao teor de nitrato de amónio.

52      A este respeito, o Tribunal Geral declarou a ilegalidade desse alargamento, salientando o seguinte:

«62.      […] O componente de um produto acabado pode, é certo, ser objeto de medidas antidumping, mas, neste caso, deve ser considerado um produto [que é] enquanto tal [objeto de dumping]. Quando esse componente não é considerado como tal, mas como elemento de outro produto, é este outro produto, com todos os seus componentes, que constitui o produto em questão, e o inquérito antidumping deve então incidir sobre esse produto independentemente dos referidos componentes. Apenas os produtos que foram objeto de um inquérito antidumping podem ser sujeitos a medidas antidumping, uma vez que foi declarado que os produtos em questão são exportados para a Comunidade a um preço inferior ao preço de ‘produtos similares’ na aceção do artigo 1.° do Regulamento [(CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objet[o] de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1)]. Consequentemente, uma vez que é pacífico que os novos tipos de produtos referidos pelo regulamento impugnado diferem do produto em questão na aceção dos regulamentos iniciais, é impossível aplicar‑lhes um direito antidumping sem, previamente, proceder a um inquérito a fim de examinar se esses produtos são, eles próprios, objeto de dumping no mercado comunitário.»

53      No caso vertente, não se verifica nada de comparável, uma vez que, neste caso, a Comissão não utilizou o inquérito que efetuou sobre os LCD cartelizados para declarar uma infração relativa aos produtos acabados em que esses LCD estão integrados. Sem equiparar os LCD cartelizados aos produtos acabados de que são componente, a Comissão limitou‑se a considerar, apenas com a finalidade de calcular a coima, que, em relação às empresas verticalmente integradas como a recorrente, o local de venda dos produtos acabados coincidia com o local de venda do componente que é objeto do cartel a um terceiro, não pertencendo portanto à empresa que produziu esse componente.

54      Resulta das considerações que precedem que a primeira parte do presente fundamento deve ser rejeitada.

 Quanto à segunda parte, relativa às incoerências alegadamente inerentes ao conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados»

55      A segunda parte do primeiro fundamento inclui duas acusações contra o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», que teve por efeito a Comissão, por um lado, ultrapassar os limites da sua competência territorial e, por outro, submeter a recorrente a um tratamento desfavorável e discriminatório relativamente a outros participantes no mesmo cartel.

 Quanto à competência territorial da Comissão

56      A recorrente alega que, para a contabilização das «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a Comissão deslocou artificialmente o local onde as vendas ocorreram efetivamente e violou assim os limites territoriais da sua competência.

57      Em primeiro lugar, há que recordar os princípios definidos pela jurisprudência relativamente à competência territorial da Comissão para declarar infrações ao direito da concorrência.

58      A este respeito, o Tribunal de Justiça reconheceu que, quando as empresas, sediadas fora do EEE, mas que produzem bens que são vendidos no EEE a terceiros, se concertam sobre os preços que proporcionarão aos seus clientes estabelecidos no EEE e põem em prática essa concertação vendendo a preços efetivamente coordenados, participam numa concertação que tem por objetivo e por efeito restringir a concorrência no mercado interno, na aceção do artigo 101.° TFUE, relativamente à qual a Comissão é territorialmente competente para instaurar um processo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colet., p. 5193, a seguir «acórdão pasta de madeira I», n.os 13 e 14).

59      A jurisprudência precisou também que uma infração ao artigo 101.° TFUE implica dois elementos de comportamento, a saber, a formação do acordo e a respetiva execução. Fazer depender a aplicabilidade das proibições estabelecidas pelo direito da concorrência do lugar da formação do acordo redundaria evidentemente em fornecer às empresas um meio fácil para se subtraírem às referidas proibições. O que é determinante, por isso, é o lugar da execução do acordo. Por outro lado, para determinar se esse lugar se situa no EEE, pouco importa que os participantes no acordo tenham, ou não, recorrido a filiais, agentes, subagentes ou sucursais estabelecidos no EEE com vista a estabelecer contactos entre eles e os compradores que nele estão estabelecidos (v., neste sentido, acórdão pasta de madeira I, n.os 16 e 17).

60      Uma vez preenchido o requisito relativo à execução, a competência da Comissão para aplicar as regras de concorrência da União em relação a tais comportamentos está coberta pelo princípio da territorialidade, que é universalmente reconhecido em direito internacional público (acórdão pasta de madeira I, n.° 18).

61      A jurisprudência resultante do acórdão pasta de madeira I foi retomada pelo acórdão do Tribunal Geral de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão (T‑102/96, Colet., p. II‑753), em que estava em causa uma decisão sobre uma concentração nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 257, p. 13), substituído pelo Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1).

62      Nessa ocasião, o Tribunal Geral efetivamente salientou que, quando seja previsível que uma concentração projetada possa produzir efeitos imediatos e substanciais na União, a aplicação das disposições do direito da União relativas ao controlo das concentrações é justificada à luz do direito internacional público (acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.° 90).

63      Todavia, no n.° 87 do acórdão Gencor/Comissão, já referido, o Tribunal Geral salientou, em substância, que o critério da execução de um acordo como elemento de conexão deste ao território da União é satisfeito pela simples venda no seu interior do produto cartelizado, independentemente da localização das fontes de abastecimento e das instalações de produção. Assim, o Tribunal Geral rejeitou o argumento que a recorrente, no processo que deu lugar ao referido acórdão, procurava retirar do facto de a concentração em causa no processo não ter tido origem nem ter sido executada no território da União, mas sim na África do Sul, e como tal nunca ter reunido os requisitos de competência territorial definidos no acórdão pasta de madeira I (acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.os 56, 61 e 87).

64      Daí decorre que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral no acórdão Gencor/Comissão, já referido, não põe em causa a jurisprudência resultante do acórdão pasta de madeira I.

65      Como tal, no presente processo, basta apreciar a questão de saber se a Comissão podia utilizar a categoria de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» sem contudo violar os princípios enunciados no acórdão pasta de madeira I.

66      A este respeito, deve observar‑se, em primeiro lugar, que, quando um cartel de dimensão mundial tem um objetivo anticoncorrencial, é executado no mercado interno, na aceção do acórdão pasta de madeira I, pelo simples facto de os produtos cartelizados serem comercializados nesse mercado.

67      Com efeito, há que salientar que a execução de um cartel não implica necessariamente que este produza efeitos reais (acórdão do Tribunal Geral de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado na Coletânea, n.° 110; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.os 116 e 117). Na verdade, a questão de saber se o cartel produziu efeitos concretos sobre os preços praticados pelos participantes só é relevante no âmbito da determinação da gravidade do cartel, para efeitos de cálculo da coima, caso a Comissão decida basear‑se nesse critério (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.° 31), entre aqueles que pode ter em consideração nesse contexto. Ora, tal não se verifica no caso vertente (v. considerando 416 da decisão impugnada).

68      De igual modo, não é relevante que os participantes no cartel não tenham sempre cumprido as decisões tomadas em matéria de preços. Com efeito, a fixação de um preço, mesmo meramente indicativo, afeta o jogo da concorrência pelo facto de permitir a todos os participantes no acordo preverem, com um grau razoável de certeza, qual a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes. De uma forma mais geral, tais acordos comportam uma intervenção direta nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa. Com efeito, ao expressarem uma vontade comum de aplicar determinado nível de preços aos seus produtos, os produtores em causa já não determinaram de forma autónoma a sua política no mercado, assim infringindo a conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência (v. acórdão do Tribunal Geral de 9 de julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colet., p. II‑2597, n.° 120 e jurisprudência referida).

69      Em segundo lugar, deve observar‑se que o conceito de execução na aceção do acórdão pasta de madeira I se baseia, em substância, no conceito de empresa no direito da concorrência, conforme resulta da jurisprudência referida no n.° 6, supra (v. também, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau, 170/83, Colet., p. 2999, n.° 11, e de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, Colet., p. I‑2239, n.° 95), ao qual deve ser reconhecido um papel determinante na fixação dos limites da competência territorial da Comissão para aplicar o referido direito.

70      Em particular, embora a empresa em que se insere a recorrente tenha participado num cartel concebido fora do EEE, a Comissão deve poder instaurar um processo relativo às repercussões que o comportamento desta empresa teve no jogo da concorrência no mercado interno e aplicar‑lhe uma coima proporcional ao caráter nocivo desse cartel no jogo da concorrência no referido mercado. Para tal, uma vez que os LCD cartelizados produzidos pela recorrente foram integrados nos produtos acabados por sociedades da mesma empresa que a recorrente e que esses produtos acabados foram vendidos no EEE por essa empresa, há que considerar que o cartel afetou as transações que se realizaram até ao momento dessa venda, inclusive.

71      Neste contexto, não é determinante saber se as vendas internas à referida empresa se realizaram ou não a preços majorados em razão do cartel. Com efeito, em caso afirmativo, o caráter nocivo do cartel reflete‑se nessas majorações. Em caso negativo, esse caráter nocivo reside na vantagem competitiva de que beneficia a empresa que participa no cartel em comparação com as outras empresas que produzem produtos acabados que contêm LCD cartelizados, mas que compram os referidos LCD a um preço que não decorre das condições normais de mercado. A este respeito, resulta da jurisprudência que não ter em conta o valor das entregas internas a uma empresa significaria necessariamente beneficiar, sem justificação, as sociedades verticalmente integradas, uma vez que o benefício feito com o cartel poderia, nessa situação, não ser tido em conta, de modo que a empresa em causa escaparia a uma sanção proporcional à sua importância no mercado dos produtos objeto da infração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colet., p. II‑869, n.os 127 e 128).

72      A recorrente não contesta esta jurisprudência, mas salienta que a sua simples transposição para o caso vertente permite à Comissão alcançar o objetivo de não beneficiar as empresas verticalmente integradas. Assim, diferentemente do que a Comissão alegou na decisão impugnada, não era necessário para esse fim recorrer ao conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados». Segundo a recorrente, a Comissão não pode basear‑se no acórdão Europa Carton/Comissão, já referido, para ter em consideração o valor dos LCD cartelizados incorporados, fora do EEE, nos produtos acabados vendidos no EEE. Deve excluir‑se qualquer equiparação entre a venda de um produto acabado e a de um LCD cartelizado. Em contrapartida, as vendas internas a uma empresa verticalmente integrada devem ser equiparadas às vendas a terceiros e, como tal, serem contabilizadas, caso sejam feitas no EEE.

73      Importa observar que, conforme salientou a Comissão, nada na jurisprudência decorrente do acórdão Europa Carton/Comissão, já referido, pode ser interpretado no sentido de que a competência territorial da Comissão é excluída quando os produtos objeto de um cartel são inicialmente submetidos a uma transação entre duas sociedades, com sede fora do EEE e inseridas na empresa que participou no cartel, antes de entrarem no mercado interno.

74      No caso em apreço, os participantes no cartel que, como a recorrente, eram empresas verticalmente integradas, incorporavam, fora do EEE, LCD cartelizados em produtos acabados vendidos no EEE. Assim, o caso com que a Comissão foi confrontada não se prestava à transposição pura e simples da jurisprudência resultante do acórdão Europa Carton/Comissão, já referido. Consequentemente, a Comissão tinha o direito de adaptar os ensinamentos desse acórdão às circunstâncias em questão, para atingir o objetivo, pretendido pela referida jurisprudência, de não beneficiar as empresas verticalmente integradas que participaram num cartel.

75      Com base nas considerações precedentes, há que concluir que, através da contabilização das «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», a Comissão não ampliou ilegalmente a sua competência territorial para instaurar um processo contra as infrações às regras da concorrência enunciadas nos Tratados.

 Quanto às alegadas discriminações decorrentes do conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados»

76      A recorrente alega que o caráter ilegal do conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» é provado pelo facto de a sua aplicação a ter exposto a um tratamento desfavorável e discriminatório relativamente a outros participantes no mesmo cartel.

–       Observações preliminares

77      Deve recordar‑se que o princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral do direito da União, consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

78      Resulta de jurisprudência constante que o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.° 55 e jurisprudência referida).

79      Quanto à determinação do montante da coima, o princípio em questão opõe‑se a que a Comissão opere, através da aplicação de métodos de cálculo diferentes, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 58 e jurisprudência referida).

80      No caso vertente, há que observar que a Comissão calculou a coima a aplicar a cada um dos participantes no cartel com base nas três categorias de vendas referidas no n.° 18, supra. O facto de a categoria de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» só ser aplicável a alguns desses participantes não constitui uma discriminação, uma vez que a Comissão apreciou a aplicabilidade desta categoria a cada um deles com base nos mesmos critérios objetivos. De forma análoga, o facto de as «vendas indiretas» não terem sido tomadas em consideração poder ter beneficiado certos participantes de forma mais importante do que a recorrente também não constitui por si só uma discriminação (v., neste sentido, acórdão Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão e Comissão/Alliance One International e o., já referido, n.os 135 e 138, e conclusões da advogada‑geral J. Kokott no mesmo processo, n.° 87).

–       Quanto à alegada discriminação relativamente à Samsung

81      A recorrente alega que a Comissão a tratou menos favoravelmente do que à Samsung, apesar de as duas empresas se encontrarem em situações alegadamente comparáveis. A este respeito, a recorrente refere que as entregas de LCD cartelizados feitas pela Samsung às suas filiais com sede no EEE, que os integraram nos seus produtos acabados, foram contabilizadas como «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» apenas quando os produtos acabados foram vendidos no EEE. Em contrapartida, os LCD cartelizados vendidos pela recorrente às mesmas filiais europeias da Samsung foram todos tidos em consideração, inclusivamente quando os produtos acabados foram vendidos por essas filiais fora do EEE, como «vendas EEE diretas». Atendendo a estas circunstâncias, a recorrente salienta que, quando vende LCD cartelizados à Samsung, estes não saem do círculo dos membros do cartel e não constituem, portanto, uma colocação no mercado.

82      Deve salientar‑se, em primeiro lugar, que a Comissão aplicou os mesmos critérios à Samsung e à recorrente. Com efeito, por um lado, as vendas de LCD cartelizados feitas pela recorrente ou pela Samsung a terceiros independentes com sede no EEE foram incluídas nas «vendas EEE diretas». Por outro lado, as situações em que a recorrente ou a Samsung transferiam em primeiro lugar os LCD cartelizados a outras sociedades da mesma empresa, que os integravam nos produtos acabados vendidos a terceiros independentes, foram tidas em consideração como «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», caso essas vendas a terceiros tenham ocorrido no EEE.

83      Em seguida, deve observar‑se que a Comissão tinha todo o direito de incluir as vendas da recorrente às filiais europeias da Samsung nas «vendas EEE diretas», uma vez que os LCD cartelizados em questão eram vendidos a clientes com sede no EEE, o que falseou necessariamente o jogo da concorrência no mercado interno. A medida do caráter nocivo deve ser considerada com base no volume de negócios que a recorrente realizou, designadamente através dessas vendas, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 37, supra.

84      O argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não devia ter tido em conta as vendas que não saíram do círculo dos participantes no cartel não pode ser atendido. Com efeito, quando um produto que é objeto de um cartel é vendido no mercado interno, falseia‑se o jogo da concorrência no seu interior e a Comissão deve ter isso em consideração no cálculo da coima que aplica à empresa que beneficiou dessa venda. A este respeito, importa salientar que o artigo 101.° TFUE se destina, a exemplo de outras regras de concorrência enunciadas nos Tratados, a proteger não apenas os interesses dos concorrentes ou dos consumidores, mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência em si mesma (acórdãos do Tribunal de Justiça T‑Mobile Netherlands e o., já referido, n.° 38, e de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 63). No caso vertente, a origem da distorção da concorrência no mercado interno encontra‑se na venda entre a recorrente e a Samsung.

85      Por outro lado, apesar de certos LCD cartelizados que foram comprados pelas filiais europeias da Samsung à recorrente poderem ter sido integrados nos produtos acabados vendidos fora do EEE, esta circunstância não põe em causa o facto de uma venda entre duas empresas diferentes ter efetivamente ocorrido no EEE quando os LCD da recorrente foram comprados pelas filiais europeias da Samsung. Assim, a Comissão podia considerar que se tratava de vendas que afetavam o jogo da concorrência no mercado interno.

86      Quanto ao facto de, relativamente à Samsung, a Comissão ter tido em consideração apenas as vendas de LCD cartelizados que foram integrados, pelas filiais europeias da Samsung, em produtos acabados vendidos no EEE, há que salientar que, em relação a estes LCD cartelizados, a sua primeira venda a uma empresa terceira foi realizada quando da venda do produto acabado. Como tal, para ter apenas em consideração as vendas que apresentam um nexo com o EEE, a Comissão tinha o direito, ou mesmo a obrigação, de se limitar a ter em conta as vendas de LCD cartelizados que tinham sido integrados em produtos acabados vendidos no EEE.

87      Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o facto de se fazer uma distinção baseada no destino do produto acabado é contrário à jurisprudência que decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão (6/73 e 7/73, Colet., p. 119, n.° 33), importa observar que a questão que se colocava no processo que deu origem ao referido acórdão era diferente da do caso vertente. Com efeito, tratava‑se de saber se a proibição do abuso de posição dominante, prevista no artigo 102.° TFUE, era aplicável quando o detentor dessa posição no mercado interno fazia um uso abusivo da mesma, de modo a provavelmente eliminar um concorrente nesse mercado. Foi apenas a este respeito que o Tribunal de Justiça considerou que era irrelevante saber se esse comportamento dizia respeito às suas exportações ou ao seu comércio no mercado interno. O Tribunal de Justiça sublinhou que a própria eliminação do referido concorrente é que teria repercussões na estrutura da concorrência no mercado interno (acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, n.° 33). No caso vertente, pelo contrário, a Comissão tinha o direito de definir a categoria de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», limitando‑a apenas às vendas de LCD cartelizados que se encontravam nos produtos acabados vendidos no EEE. Com efeito, caso essa primeira venda de produtos cartelizados a um terceiro não tivesse ocorrido no EEE, a ligação entre o mercado interno e a infração teria sido demasiado ténue.

88      Por fim, embora não se possa excluir que mesmo os LCD integrados noutros produtos acabados vendidos pela Samsung a terceiros fora do EEE possam em seguida ser vendidos no seu interior e desse modo falsear o jogo da concorrência, há que lembrar que, de acordo com jurisprudência constante, a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas Orientações de 2006, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com o disposto no Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1) (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., p. I‑7191, n.° 112, e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.° 271). Além disso, a Comissão não é obrigada a declarar e a sancionar todo o comportamento anticoncorrencial (acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Coletânea, n.° 369). Por outro lado, uma vez que a Comissão aplicou, em relação a todas as empresas verticalmente integradas, o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», que exclui as vendas de LCD cartelizados que foram integrados nos produtos acabados vendidos fora do EEE, independentemente do local onde os produtos acabados foram realizados, não foi cometida nenhuma desigualdade de tratamento injustificada.

–       Quanto às alegadas discriminações em relação a dois outros destinatários da decisão impugnada

89      A recorrente alega que foi discriminada em relação a dois outros participantes no cartel, a saber, a LGD e a sociedade de direito taiwanês AU Optronics Corp. (a seguir «AUO»), que se inserem em grupos que têm um grau de integração vertical comparável ao da recorrente. Com efeito, segundo a recorrente, uma vez que a Comissão aplicou a estas participantes apenas o conceito de «vendas EEE diretas», as suas vendas de LCD cartelizados destinadas às sociedades ligadas foram unicamente tidas em conta quando o comprador se encontrava no EEE. Em contrapartida, através da utilização do conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», as vendas internas da recorrente foram contabilizadas mesmo quando se destinavam a filiais com sede fora do EEE, desde que os produtos acabados, realizados por essas filiais utilizando os LCD cartelizados, fossem vendidos no EEE. O caráter discriminatório da distinção efetuada pela Comissão é tanto mais evidente quanto, conforme resulta dos considerandos 394 e 396 da decisão impugnada, utilizou, em substância, os mesmo elementos de prova para determinar a influência do cartel, por um lado, nas vendas da recorrente às suas filiais e, por outro, nas vendas da LGD e da AUO às sociedades às quais cada uma delas se encontrava ligada.

90      Em primeiro lugar, deve observar‑se que, na decisão impugnada, a Comissão não concluiu que a LGD formava uma empresa única, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 6 e 69, supra, com a sociedade de direito coreano LG Electronics, Inc. (a seguir «LGE») e com a sociedade de direito neerlandês Koninklijke Philips Electronics NV (a seguir «Philips»). De igual modo, a Comissão não aplicou esse conceito à AUO e à sociedade de direito taiwanês BenQ Corp. (a seguir «BenQ»). Como tal, as vendas da LGD à LGE e à Philips e as vendas da AUO à BenQ foram consideradas «vendas EEE diretas» e não de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados». O tratamento diferente a que as vendas da recorrente foram sujeitas é justificado pelo facto de esta ter transferido os LCD cartelizados, em primeiro lugar, no interior da mesma empresa, a sociedades com sede fora do EEE, que integraram depois esses LCD nos produtos acabados que foram vendidos, por essa mesma empresa, a terceiros com sede no EEE. Esta diferença objetiva justifica a inclusão das vendas da recorrente numa categoria diferente da aplicada às vendas da LGD à LGE e à Philips.

91      Em segundo lugar, na medida em que a acusação da recorrente resumida no n.° 89, supra, pode ser interpretada no sentido de que censura a Comissão por ter excluído a existência de um empresa única entre a LGD, a LGE e a Philips e entre a AUO e a BenQ, deve recordar‑se, antes de mais, que, segundo a jurisprudência, uma acusação relativa a um fundamento de anulação é inadmissível por falta de interesse em agir quando, mesmo admitindo que pudesse proceder, a anulação do ato com base nesse fundamento não seja suscetível de satisfazer a recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2011, Evropaïki Dynamiki/BCE, C‑401/09 P, Colet., p. I‑4911, n.° 49; v. também, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de março de 1973, Marcato/Comissão, 37/72, Recueil, p. 361, n.os 2 a 8, Colet., p. 173, e de 21 de setembro de 2000, EFMA/Conselho, C‑46/98 P, Colet., p. I‑7079, n.° 38).

92      No caso vertente, a acusação da recorrente é inadmissível, na medida em que, admitindo que a Comissão errou ao não considerar que a LGD, a LGE e a Philips formavam uma empresa única, tal como a AUO e a BenQ, esta circunstância não poderia de modo algum aproveitar à recorrente. Com efeito, contrariamente ao que esta invoca, estes alegados erros da Comissão, mesmo que se provasse que existiram, não demonstram que o conceito de «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados» é por sua vez incorreto, uma vez que a definição deste conceito é independente dos casos em que é ou não aplicado. Assim, se a Comissão tivesse declarado que os grupos de sociedades suprarreferidos constituíam empresas únicas, devia ter simplesmente excluído que as transferências de LCD cartelizados no interior da mesma empresa fossem contabilizadas como «vendas EEE diretas». Em contrapartida, a Comissão verificou quais das referidas vendas preenchiam os requisitos para serem consideradas «vendas EEE diretas por intermédio de produtos transformados», requisitos que foram exatamente os que foram aplicados às vendas da recorrente incluídas nessa categoria.

93      Em todo o caso, admitindo que a acusação da recorrente resumida no n.° 89, supra, é admissível, há que recordar que, segundo a jurisprudência, por um lado, o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito pelo princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem; por outro lado, quando uma empresa, com o seu próprio comportamento, violou o artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não pode escapar a uma sanção com o fundamento de que não foi aplicada nenhuma coima a outros operadores económicos, quando, como no caso vertente, a situação desses últimos não foi submetida à apreciação do juiz da União (v. acórdão do Tribunal Geral de 16 de novembro de 2006, Peróxidos Orgánicos/Comissão, T‑120/04, Colet., p. II‑4441, n.° 77 e jurisprudência referida).

94      Pelos mesmos motivos, a recorrente não pode retirar nenhum benefício dos erros eventualmente cometidos pela Comissão quanto à existência de uma empresa única entra a LGD, a LGE e a Philips e entre a AUO e a BenQ.

95      Quanto ao facto, invocado pela recorrente, de que a Comissão, na comunicação de acusações, considerou que a LGD, a LGE e a Philips formavam uma empresa única, importa recordar que, segundo a jurisprudência, é inerente à natureza da comunicação de acusações o facto de esta ser provisória e suscetível de sofrer alterações no momento da avaliação que a Comissão faz posteriormente com base nas observações que lhe foram apresentadas em resposta pelas partes e no apuramento de outros factos. Com efeito, a Comissão tem de levar em conta os elementos decorrentes do procedimento administrativo no seu todo, quer para renunciar às acusações que não têm fundamento quer para organizar e completar, tanto no que diz respeito à apreciação dos factos como do direito, a argumentação que fundamenta as acusações por ela feitas. Assim, a comunicação de acusações não impede a Comissão de modificar a sua posição em benefício das empresas em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951, n.° 63 e jurisprudência referida).

96      Por conseguinte, a Comissão não está vinculada à manutenção das apreciações de facto ou de direito efetuadas nesse documento. Pelo contrário, deve fundamentar a sua decisão final com as suas apreciações definitivas baseadas nos resultados da totalidade do seu inquérito, no estado em que se apresentavam na data em que foi encerrado o procedimento administrativo. Por outro lado, a Comissão não é obrigada a explicar as eventuais diferenças existentes entre as suas apreciações definitivas e as suas apreciações provisórias contidas na comunicação de acusações (v. acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).

97      Assim, a Comissão não tinha de explicar, na decisão impugnada, as razões pelas quais acabou por considerar que a LGD não formava uma empresa única com a LGE e a Philips.

98      Por fim, quanto ao argumento da recorrente relativo ao facto de o raciocínio seguido e os elementos de prova invocados pela Comissão quer em relação às vendas de LCD cartelizados internas das empresas, quer às feitas a empresas ligadas aos participantes por uma relação particular serem, em substância, os mesmos, deve ser julgado inoperante. Com efeito, esta circunstância não afeta o facto de a existência ou não de uma empresa única na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 6 e 69, supra, bastar para justificar que a Comissão classifique de forma diferente as vendas efetuadas num caso ou noutro, para efeitos de determinação da coima.

99      Com base nestas considerações, há que considerar também a segunda parte do primeiro fundamento improcedente e, consequentemente, o fundamento na sua totalidade.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter violado o artigo 101.° TFUE e o artigo 53.° do Acordo EEE ao concluir que a infração abrangia os LCD‑TV

100    Com o presente fundamento, por um lado, a recorrente contesta, em substância, que se possa considerar que o seu comportamento anticoncorrencial relativo quer aos LCD‑TV quer aos LCD‑TI originou uma infração única e continuada. Por outro lado, acusa a Comissão de não ter tomado em consideração o facto de os participantes coreanos no cartel declarado na decisão impugnada se terem concertado com os fornecedores japoneses de LCD‑TV quanto a estes últimos produtos.

 Observações preliminares

101    Antes de mais, há que lembrar que o conceito de infração única visa uma situação em que várias empresas participaram numa infração que consiste num comportamento continuado com uma única finalidade económica e com o intuito de falsear a concorrência ou ainda em infrações individuais ligadas entre si através de uma identidade de objeto (mesma finalidade de todos os elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objeto comum) (v. acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, Colet., p. II‑1255, n.° 89 e jurisprudência referida).

102    Seguidamente, refira‑se que uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado, mas igualmente de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes ações se inscrevem num plano global, em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado único, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (v. acórdão Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, já referido, n.° 90 e jurisprudência referida).

103    Há que esclarecer também que o objetivo único referido pelo plano global que caracteriza uma infração única e continuada não pode ser determinado pela referência geral à distorção da concorrência no mercado afetado pela infração, uma vez que o prejuízo causado à concorrência constitui, como objetivo ou como efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Essa definição do conceito de objetivo único pode retirar ao conceito de infração única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que pode ter por consequência que vários comportamentos, relativos a um setor económico, proibidos pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE devam ser sistematicamente qualificados de elementos constitutivos de uma infração única. Assim, para efeitos de qualificação de diversas atuações como infração única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interação, para a realização do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objetivo único. A este respeito, há que ter em conta quaisquer circunstâncias suscetíveis de demonstrar ou de pôr em causa essa relação, tais como o período de aplicação, o conteúdo (incluindo os métodos utilizados) e, correlativamente, o objetivo das diversas atuações em causa (v. acórdão Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, já referido, n.° 92 e jurisprudência referida).

104    É à luz destes princípios que cumpre examinar os argumentos da recorrente, após ter recordado as conclusões da Comissão na decisão impugnada que são pertinentes a este respeito.

 Conclusões na decisão impugnada

105    Antes de mais, deve observar‑se que a infração que a Comissão imputou aos destinatários da decisão impugnada reside no facto de terem participado, por um lado, nas «reuniões Cristal», nas quais fixavam preços mínimos para os LCD cartelizados, discutiam as suas projeções de preços para evitarem a sua diminuição e coordenavam os seus aumentos de preços e os seus níveis de produção, e, por outro, nas reuniões bilaterais relativas às questões discutidas nas «reuniões Cristal» (v. n.° 15).

106    De forma mais detalhada, na decisão impugnada, a Comissão entendeu, em primeiro lugar, que os participantes no cartel se tinham envolvido numa prática única, complexa e continuada para os LCD‑TI e os LCD‑TV, constituída por uma série de atos conexos e interdependentes que perduraram durante todo o período em que a infração foi cometida, com o objetivo de aumentar e manter o preço dos referidos LCD a nível mundial e do EEE (considerando 283).

107    Em segundo lugar, de acordo com a decisão impugnada, a fixação dos preços, obtida através de aumento de preços, de fixação de grelhas de variação de preços e de fixação de preços mínimos ou preços‑objetivo, e a adoção de uma posição comum e de uma estratégia futura quanto aos parâmetros que determinam os preços, como a produção, as capacidades, as expedições e a procura, juntamente com um sistema de supervisão para garantir o respeito dos acordos celebrados, são elementos que fazem parte de um plano global, que tinha por objetivo comum o controlo dos preços das vendas mundiais, incluindo as efetuadas no EEE, tanto de LCD‑TI como de LCD‑TV (considerando 284).

108    Em terceiro lugar, a Comissão observou que as características da infração, as suas linhas de ação e a sua organização seguiram o mesmo modelo durante todo o período em que a infração foi cometida. Embora seja verdade que o modo de execução da concertação mudou ao longo do tempo, segundo a decisão impugnada, tal deve ser considerado normal num cartel de longa duração, em que os participantes se adaptaram a alterações das circunstâncias, designadamente para não serem identificados. Assim, na decisão impugnada, observou‑se que mesmo a presença, nas reuniões do cartel que ocorreram a partir de maio de 2005, de pessoal do secretariado, e não já da direção como anteriormente, não determinou uma mudança na natureza das reuniões, que continuavam a ter como objetivo a fixação dos preços e o controlo de parâmetros como a produção dos LCD cartelizados (considerando 287).

109    Em quarto lugar, a Comissão reconheceu que as discussões que tinham tido lugar durante o primeiro ano do cartel se concentraram nos LCD‑TI e salientou que os LCD‑TV estavam implicados nessas discussões a partir de setembro de 2002. Salientou contudo que à medida que os outros participantes no cartel se tinham lançado na produção de LCD‑TV, tinham começado a partilhar entre si os dados a eles relativos. A este respeito, a Comissão salientou, por um lado, que, desde então, os LCD‑TV tinham sido sistematicamente objeto de discussão nas reuniões em que foram discutidos os LCD‑TI e, por outro, que os participantes estavam em condições de reafetar as capacidades entre as diferentes aplicações dos LCD cartelizados para influenciar a procura e, dessa forma, também os preços desses produtos. Com base nisto, a Comissão concluiu que as mesmas empresas procuravam, em relação aos LCD‑TV, o mesmo objetivo e seguiam o mesmo procedimento, no âmbito do mesmo plano global, que nos casos das discussões relativas aos LCD‑TI que tinham tido lugar desde 2001 (considerandos 288 e 289).

 Apreciação dos argumentos que contestam as conclusões da decisão impugnada

110    Resulta de vários documentos recolhidos pela Comissão que os participantes no cartel estavam em condições de reafetar as suas capacidades de produção entre LCD‑TI e LCD‑TV para influenciar a procura e, dessa forma, os preços desses produtos.

111    A este respeito, em primeiro lugar, o considerando 154 da decisão impugnada cita as notas de um participante na «reunião Cristal» de 11 de junho de 2003, à qual a recorrente assistiu, nas quais uma declaração de [confidencial] foi reproduzida nos seguintes termos:

«[[…] S]e os atuais clientes nos setores dos monitores e dos computadores portáteis reduzirem as suas encomendas, a capacidade de produção será reafetada a fim de produzir, como reação, televisores […]»

112    Em segundo lugar, resulta de um correio eletrónico relativo à «reunião Cristal» de 9 de julho de 2003, referido no considerando 155 da decisão impugnada, que a recorrente decidia as suas prioridades de alocação das suas capacidades de produção de LCD entre os LCD‑TV e os LCD‑TI segundo as margens de lucro esperadas. Esse mesmo correio eletrónico dá conta de uma reafetação das capacidades de produção dos LCD‑TI aos LCD‑TV por parte de [confidencial]. Por outro lado, a ata redigida por um dos participantes nessa reunião dá conta da circunstância, referida no considerando 156 da decisão impugnada, de que, para a recorrente, a produção de monitores era uma forma de absorver todas as capacidades de produção disponíveis.

113    Em terceiro lugar, num correio eletrónico interno de [confidencial], relativo à ata da «reunião Cristal» de 5 de fevereiro de 2004, que decorreu nas instalações da recorrente, refere‑se que [confidencial] reafetou as suas capacidades de produção designadamente aos LCD‑TV.

114    Em quarto lugar, no considerando 187 da decisão impugnada, a Comissão referiu‑se às notas de um participante na «reunião Cristal» de 4 de novembro de 2004, que mencionavam discussões sobre a reatribuição das capacidades de produção entre as diferentes aplicações dos LCD cartelizados a fim de influenciar a procura. Em particular, [confidencial] confirmou a «sua intenção de lançar a produção do MEP 17’’ apenas se a procura do mercado dos televisores [fosse] limitada e se não [tivesse] alternativa». Segundo as mesmas notas, a oferta da recorrente de certos LCD‑TV tornara‑se insuficiente uma vez que tinha reafetado as suas capacidades de produção a outros LCD [confidencial], que eram LCD‑TI, conforme foi confirmado pela recorrente em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral.

115    Em quinto lugar, no considerando 192 da decisão impugnada, a Comissão cita notas relativas à «reunião Cristal» de 7 de janeiro de 2005, em que a recorrente participou, das quais decorre que outro participante no cartel reafetou as suas capacidades de produção dos monitores aos computadores portáteis e aos televisores.

116    Em sexto lugar, no considerando 220 da decisão impugnada, a Comissão menciona o facto de, segundo um relatório de [confidencial] sobre a «reunião Cristal» de 4 de novembro de 2005, a recorrente ter, nessa ocasião, apresentado os seus volumes de vendas e as suas capacidades de produção. A este respeito, há que precisar que o relatório em questão menciona o facto de a recorrente, em novembro de 2005, utilizar quase 100% das capacidades de produção de algumas das suas instalações para produzir LCD‑TV.

117    Em sétimo lugar, no considerando 223 da decisão impugnada, a Comissão referiu documentos relativos à «reunião Cristal» de 6 de dezembro de 2005, à qual a recorrente assistiu, nos quais se refere que um dos participantes no cartel reafetou uma parte das suas capacidades de produção aos televisores e aos computadores portáteis.

118    Estes elementos comprovam que os participantes no cartel, incluindo a recorrente, estavam em condições de reafetar, e que efetivamente o fizeram por diversas vezes, as suas capacidades de produção dos LCD‑TI aos LCD‑TV e vice‑versa, para procurar manter os preços de ambos os produtos nos níveis convencionados ou, pelo menos, para limitar a sua diminuição. Como tal, estes elementos permitem concluir que existia uma relação de complementaridade, na aceção da jurisprudência referida no n.° 103, supra, entre as decisões tomadas e as informações trocadas face às duas categorias de LCD cartelizados.

119    Relativamente ao alegado caráter superficial e episódico das trocas de informações entre os participantes no cartel quanto aos LCD‑TV invocado pela recorrente, deve observar‑se que as provas contidas na decisão impugnada revelam, em primeiro lugar, que em várias ocasiões os participantes nas reuniões do cartel acordaram manter constante o nível dos preços dos LCD‑TV. Conforme se indicou no considerando 154 da decisão impugnada, na «reunião Cristal» de 11 de junho de 2003, foram trocadas informações designadamente quanto à estratégia de preços («price policies») que um dos participantes no cartel pretendia, designadamente, para os LCD‑TV. Foram igualmente examinados quadros relativos às tendências dos preços de diferentes tipos de LCD cartelizados para os meses de maio, junho e julho desse ano. De um desses quadros constam dados relativos aos LCD‑TV. Em seguida, no considerando 165 da decisão impugnada, a Comissão referiu documentos relativos à «reunião Cristal» de 7 de novembro de 2003, dos quais resulta que os participantes fixaram como objetivos o aumento dos preços dos LCD para computadores portáteis e a manutenção dos preços dos outros LCD cartelizados, com menção expressa dos LCD‑TV. Em anexo a uma ata dessa reunião constam quadros que apresentam os preços de várias categorias de LCD cartelizados, entre os quais os LCD‑TV, ao longo do ano de 2003. Outros exemplos do facto de as discussões nas reuniões do cartel incidirem sobre dados, designadamente sobre os preços e as capacidades de produção, não só em relação aos LCD‑TI, mas também aos LCD‑TV, constam dos considerandos 167, 171, 173, 174, 202 e 214 da decisão impugnada e dos documentos do processo da Comissão para os quais remetem esses considerandos.

120    Mesmo admitindo que os participantes no cartel tenham partilhado mais informações, ou informações mais sensíveis, relativamente aos LCD‑TI do que relativamente aos LCD‑TV, não é menos verdade que as provas reunidas pela Comissão demonstram que todas essas informações foram partilhadas no mesmo momento, muitas vezes através dos mesmos documentos e, sobretudo, com o mesmo objetivo. Por outro lado, o caráter sensível e detalhado das informações fornecidas pela recorrente resulta do considerando 202 da decisão impugnada, em que a Comissão cita um documento, relativo à «reunião Cristal» de 5 de maio de 2005, do qual decorre que, no que diz respeito à recorrente, tendo em conta capacidades limitadas, o preço de uma categoria de LCD‑TV aumentou entre 5 e 10 dólares americanos (USD) em maio, o que fez o preço ascender a 230 USD.

121    Quanto ao facto, invocado pela recorrente, de as discussões sobre os LCD‑TV terem, na sua opinião, evidenciado uma tendência contínua para a redução de preços desses produtos, há que observar que vários documentos nos quais a Comissão baseou a decisão impugnada dão conta da intenção de os participantes no cartel manterem os níveis dos preços dos LCD constantes e do facto de as reduções de preços não serem prováveis a curto prazo (v. considerandos 165, 167, 173 e 207 da decisão impugnada). Em todo o caso, mesmo admitindo que, por várias vezes, as discussões do cartel tenham levado apenas a decisões de redução de preços, esta coordenação de comportamentos falseou em igual medida o jogo da concorrência, uma vez que as reduções de preços foram efetuadas de forma coordenada e que podiam ter sido mais pronunciadas caso não houvesse concertação. Por outro lado, a possibilidade de reafetar as capacidades de produção, que era objeto das discussões do cartel, permitia aos seus participantes reagir às reduções de preços dos LCD‑TV, de forma coordenada, no âmbito de um plano global.

122    Quanto à circunstância, também invocada pela recorrente, de que o pessoal enviado pelos participantes no cartel às suas reuniões era especializado nos LCD‑TI, e não nos LCD‑TV, deve salientar‑se que, embora tal possa ser interpretado no sentido de que os LCD‑TI eram mais importantes aos olhos das empresas em questão, não significa contudo que os LCD‑TV só fossem objeto de discussões superficiais e episódicas. Com efeito, como notou corretamente a Comissão, a circunstância em questão prova que as trocas de informações sobre os LCD‑TV eram feitas de forma premeditada, uma vez que o pessoal presente nas reuniões devia preparar‑se para essa temática, que não fazia parte do seu principal domínio de atividade.

123    Resulta das considerações precedentes que as trocas de dados relativas aos LCD‑TV se inserem no mesmo plano global que as relativas aos LCD‑TI e, consequentemente, na mesma infração única e continuada.

124    Os outros argumentos da recorrente não põem em causa a constatação de que se tratava efetivamente de uma infração única e continuada, relativa quer aos LCD‑TI quer aos LCD‑TV, que a Comissão tinha o direito de punir através de uma coima global.

125    Em primeiro lugar, o facto de os dados relativos aos LCD‑TV terem começado a ser discutidos entre os participantes no cartel após uma primeira fase em que este apenas dizia respeito aos LCD‑TI não é pertinente. Com efeito, uma vez que se provou que as trocas de informações e as decisões tomadas nas reuniões do cartel relativamente aos LCD‑TV se inseriam no mesmo plano global que o executado para os LCD‑TI, o momento em que essa extensão do cartel ocorreu, relativamente a cada um dos participantes, não tem influência. Além disso, deve salientar‑se que, para o cálculo do montante da coima, a Comissão teve em consideração a média do valor das vendas pertinentes de cada destinatário da decisão impugnada ao longo do período em que a infração foi cometida. Esta média é influenciada, de forma favorável à recorrente, pelo facto de esta não produzir LCD‑TV no início do período em que a infração foi cometida.

126    Por outro lado, o facto de a recorrente não produzir LCD‑TV quando os dados relativos a estes começaram a ser trocados nas «reuniões Cristal» em nada altera a circunstância de a recorrente, quando ampliou as suas atividades aos LCD‑TV, ter beneficiado das informações de que dispunha relativamente aos preços e às capacidades de produção dos outros participantes no cartel que a tinham precedido nesse setor. A este respeito, resulta da jurisprudência que uma empresa pode ser considerada responsável por uma prática concertada mesmo que a sua participação se limite à simples receção de informações sobre o comportamento futuro dos seus concorrentes (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, T‑54/03, não publicado na Coletânea, n.os 459 e 460, e jurisprudência referida). Assim, a empresa pode só ter participado diretamente numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem uma infração única e continuada, mas ter tido conhecimento de todos os outros comportamentos infratores perspetivados ou aplicados por outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o risco. Nesse caso, a Comissão tem também o direito de lhe imputar a responsabilidade de todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração e, por consequência, de toda a infração (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, n.° 43).

127    Nestas circunstâncias, não é necessário examinar o valor probatório, contestado pela recorrente, do documento em que a Comissão se baseou para considerar que o alargamento do acordo aos LCD‑TV começou em setembro de 2002.

128    Em segundo lugar, não é relevante que os LCD‑TI e os LCD‑TV possam inserir‑se em mercados diferentes, como defende a recorrente. A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que uma infração única não tem necessariamente de incidir sobre o mesmo produto ou sobre produtos substituíveis. Para tal são também pertinentes outros critérios, como a identidade ou diversidade dos objetivos das práticas em causa, a identidade das empresas que nela participaram, a identidade das modalidades de aplicação das referidas práticas, a identidade das pessoas singulares implicadas por conta das empresas e a identidades do âmbito de aplicação geográfico das práticas em questão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2012, Almamet/Comissão, T‑410/09, não publicado na Coletânea, n.os 172 e 174, e jurisprudência referida). Estes critérios encontram‑se preenchidos no caso vertente, conforme resulta dos n.os 111 a 127, supra.

129    Além disso, segundo jurisprudência constante, no quadro da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, para determinar se um acordo é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado interno é que é necessário definir o mercado em causa. Consequentemente, a obrigação de proceder a uma delimitação do mercado numa decisão adotada em aplicação do artigo 101.°, n.° 1 TFUE, só se impõe à Comissão quando, sem essa delimitação, não seja possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (acórdãos do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colet., p. II‑4407, n.° 99, e de 6 de dezembro de 2005, Brouwerij Haacht/Comissão, T‑48/02, Colet., p. II‑5259, n.° 58; v. também, neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2006, Adriatica di Navigazione/Comissão, C‑111/04 P, não publicado na Coletânea, n.° 31).

130    No caso vertente, a recorrente não contesta que o cartel era suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e tinha por objetivo restringir e falsear o jogo da concorrência no mercado interno.

131    Por outro lado, a jurisprudência também precisou que o mercado visado numa decisão da Comissão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE é determinado pelos acordos e pelas atividades do cartel (v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, IBP e International Building Products France/Comissão, T‑384/06, Colet., p. II‑1177, n.° 118 e jurisprudência referida). No presente caso, conforme salienta corretamente a Comissão, foram os membros do cartel que deliberadamente focaram o seu comportamento anticoncorrencial tanto nos LCD‑TI como nos LCD‑TV.

132    Em seguida, há que analisar o argumento que a recorrente procura extrair do acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão (T‑61/99, Colet., p. II‑5349, n.° 36), para defender que a Comissão definiu de forma insuficiente os mercados em causa e como tal cometeu um erro na compreensão da natureza e da medida precisas da infração declarada na decisão impugnada.

133    A este respeito, recorde‑se que, na verdade, no n.° 30 do acórdão Adriatica di Navigazione/Comissão, já referido, o Tribunal Geral observou que críticas à definição do mercado em causa adotada pela Comissão podem visar elementos próprios à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE diferentes da existência de um atentado à concorrência no mercado interno e da afetação do comércio entre os Estados‑Membros, como o alcance do acordo em causa, o seu caráter único ou global e a medida da participação individual de cada uma das empresas envolvidas. De igual modo, nos n.os 31 e 32 do referido acórdão, o Tribunal Geral salientou que uma decisão da Comissão que julgue provada a participação num cartel é suscetível de ter consequências para as relações dos destinatários dessa decisão com terceiros. É também desejável que a Comissão, quando adota uma decisão que julgue provada a participação de uma empresa numa infração complexa, coletiva e ininterrupta, além da verificação dos pressupostos específicos de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, tome em consideração que, se essa decisão implicar a responsabilidade pessoal de cada um dos seus destinatários, é unicamente pela sua participação comprovada nos comportamentos coletivos punidos e corretamente delimitados.

134    Contudo, mesmo interpretado à luz desta jurisprudência, o argumento da recorrente não pode ser acolhido. Com efeito, resulta dos n.os 110 a 127 do presente acórdão que a Comissão considerou a recorrente responsável unicamente pela infração que se concretizou na participação nas «reuniões Cristal» e nas reuniões bilaterais ligadas a estas, que tinham por objetivo coordenar os preços e as capacidades de produção quer de LCD‑TI quer de LCD‑TV. Assim, a falta de definição mais precisa dos mercados em causa no cartel não expôs a recorrente aos riscos enunciados pelo Tribunal Geral no acórdão Adriatica di Navigazione/Comissão, já referido, mencionados no n.° 133, supra.

 Não consideração dos contactos com os fornecedores japoneses

135    A recorrente acusa a Comissão de não ter tido em consideração o facto de os participantes coreanos na infração declarada na decisão impugnada se terem alegadamente concertado com os fornecedores japoneses de LCD‑TV, que, com os referidos participantes coreanos, eram os principais atores nesse mercado, tendo a recorrente apenas um papel secundário. Segundo a recorrente, a verdadeira infração atinente aos LCD relativamente à qual a Comissão devia ter instaurado um processo residia na concertação entre os atores principais desse mercado. Como tal, a Comissão violou o dever de fundamentação, o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da proporcionalidade.

 Observações preliminares

136    Deve salientar‑se que, embora a jurisprudência relativa ao conceito de infração única e continuada permita à Comissão proceder em simultâneo, através de um único processo e uma única decisão, contra vários comportamentos que poderiam ter sido tratados individualmente, esta não tem por consequência que a Comissão seja obrigada a agir dessa forma. Assim, admitindo que a alegada concertação entre os fornecedores japoneses de LCD‑TV e os participantes coreanos no cartel referida pela decisão impugnada constitui uma infração ao artigo 101.° TFUE, e que essa infração se insere na mesma infração única e continuada que foi declarada na decisão impugnada, a Comissão não era contudo obrigada a proceder simultaneamente contra todos esses comportamentos.

137    Com efeito, a Comissão dispõe de um poder de apreciação quanto ao alcance dos procedimentos que inicia. A este respeito, segundo a jurisprudência, não pode ser obrigada a declarar e a aplicar sanções a todo o comportamento anticoncorrencial, e os órgãos jurisdicionais da União não podem declarar — ainda que apenas para efeitos de redução da coima — que a Comissão, à luz dos elementos de prova à sua disposição, devia ter concluído pela existência de uma infração durante um determinado período por parte de uma determinada empresa (v., neste sentido, Tokai Carbon e o./Comissão, já referido, n.os 369 e 370).

138    O exercício desse poder está sujeito ao controlo jurisdicional. Contudo, decorre da jurisprudência que só se se pudesse demonstrar que a Comissão iniciou, sem razão objetiva, dois procedimentos distintos relativos a uma situação de facto única é que a sua escolha poderia ser considerada um desvio de poder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, Colet., p. I‑5949, n.° 89).

139    No caso vertente, a Comissão considerou que não dispunha, ou que ainda não dispunha, de provas suficientes contra os fornecedores japoneses e, por isso, optou por não instaurar um processo contra eles quando o fez contra a recorrente e as outras destinatárias da decisão impugnada, em relação às quais dispunha, em contrapartida, de várias provas da existência de uma infração, quer quanto aos LCD‑TI quer quanto aos LCD‑TV, conforme se constatou supra (n.os 110 a 134). Ora, esta circunstância constitui um motivo objetivo, que justifica a escolha da Comissão. Contudo, deve observar‑se que, no âmbito do processo iniciado contra os fornecedores japoneses, a Comissão será obrigada a respeitar designadamente o princípio ne bis in idem relativamente à recorrente.

 Quanto à alegada violação do dever de fundamentação

140    A recorrente alega que a Comissão devia ter explicado, na decisão impugnada, as razões pelas quais excluiu do processo que conduziu à adoção da decisão impugnada os fornecedores japoneses de LCD‑TV.

141    A este respeito, deve recordar‑se que a Comissão não tinha nenhum dever de expor, na decisão impugnada, as razões pelas quais os fornecedores japoneses não foram incluídos no âmbito desse processo. Com efeito, segundo a jurisprudência, o dever de fundamentação de um ato não pode englobar um dever de a instituição autora desse ato fundamentar o facto de não ter adotado outros atos similares destinados a terceiros (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., p. II‑2501, n.° 414, e de 4 de julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colet., p. II‑1887, n.° 63).

 Quanto à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento

142    Importa recordar que, segundo a jurisprudência recordada no n.° 93, supra, quando uma empresa, com o seu comportamento, violou o artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não pode escapar a uma sanção com o fundamento de que não foi aplicada nenhuma coima a outros operadores económicos, mesmo quando, como no caso vertente, a situação desses operadores não foi submetida à apreciação do juiz da União. A este respeito, deve observar‑se que, embora, de facto, a Comissão não tenha o direito de estabelecer uma discriminação entre as empresas que participaram num mesmo cartel, não há dúvida de que a infração imputada à recorrente reside na concertação que ocorreu, nas «reuniões Cristal» e nas reuniões bilaterais a elas ligadas, entre os fornecedores taiwaneses e coreanos de LCD cartelizados. Uma vez que os fornecedores japoneses não participaram nesta concertação, a decisão impugnada não se encontra viciada por uma desigualdade de tratamento a esse respeito.

143    No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual apenas eram importantes as discussões relativamente aos LCD‑TV que implicavam os fornecedores japoneses, nas quais a recorrente não participava, basta recordar que a Comissão produziu prova suficiente para demonstrar que os destinatários da decisão impugnada se concertaram, no âmbito de um plano global, quer quanto aos LCD‑TI quer aos LCD‑TV (v. n.os 105 a 134, supra). Esta concertação constitui uma infração contra a qual Comissão tinha o direito de proceder, independentemente da eventual existência de outras infrações relativamente aos LCD‑TV em que outros destinatários da decisão impugnada, diferentes da recorrente, possam ter participado.

144    Em resposta ao argumento que a recorrente procura retirar da prática administrativa da Comissão, em particular da Decisão C (2008) 5955 final da Comissão, de 15 de outubro de 2008, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.188 — Bananas) (a seguir «decisão Bananas»), deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, uma prática decisória da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas aplicadas em matéria de concorrência e que as decisões referentes a outros processos só podem ter caráter indicativo no que respeita à eventual existência de discriminações, pois é pouco provável que os dados circunstanciais destes processos, como os mercados, os produtos, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colet., p. II‑2661, n.° 92 e jurisprudência referida).

145    Para salientar as diferenças entre os factos referidos na decisão Bananas e os do caso vertente, deve observar‑se que foi reconhecida uma redução da coima de 10% a um dos participantes na infração em questão na referida decisão, a título de circunstância atenuante, uma vez que não resultava dos autos que tivesse conhecimento de determinados aspetos dessa infração, nos quais não participara diretamente, ou que os pudesse razoavelmente prever (v. considerandos 465 e 466 da decisão Bananas).

146    Em contrapartida, o caso vertente não apresenta circunstâncias comparáveis, uma vez que a recorrente, que efetivamente participou em todos os aspetos da infração declarada na decisão impugnada, procura invocar o facto de não ter participado numa infração que implicou outras empresas.

147    Em todo o caso, como salientou corretamente a Comissão, admitindo que os contactos bilaterais entre os fornecedores coreanos e japoneses de LCD‑TV tenham constituído uma infração única e continuada juntamente com a que foi declarada na decisão impugnada e que a recorrente ignorava a existência desses contactos bilaterais, estas circunstâncias não teriam por consequência que as acusações contra a recorrente, devido à sua participação na infração declarada na decisão impugnada, ficassem destituídas de fundamento nem que a coima aplicada devesse ser reduzida. Com efeito, nada permite afirmar que a coima aplicada no caso de um cartel mais alargado, que incluísse os fornecedores japoneses, tivesse sido, no final, inferior em relação à recorrente. A este respeito, a redução que a Comissão poderia eventualmente ter atribuído à recorrente, a título de circunstância atenuante, poderia ter sido compensada, ou mesmo ultrapassada, pelo aumento decorrente da aplicação de percentagens mais elevadas devido à gravidade da infração e da «taxa de entrada».

 Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade

148    A recorrente invoca a violação do princípio da proporcionalidade, dado que a Comissão não teve em conta o caráter menos grave dos comportamentos anticoncorrenciais relativos aos LCD‑TV, em comparação com os relativos aos LCD‑TI.

149    Em resposta a este argumento, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que a Comissão considerou, corretamente, que se tratava de uma infração única e continuada. A este respeito, resulta da jurisprudência que a Comissão não é obrigada a efetuar uma análise separada de cada elemento da infração única considerada, devido designadamente à existência de uma estratégia de conjunto partilhada por todos os membros do cartel (v., neste sentido, acórdão Carbone‑Lorraine/Comissão, já referido, n.° 49).

150    Em segundo lugar, mais particularmente no que diz respeito ao caráter proporcionado dos coeficientes adotados pela Comissão em relação à gravidade da infração e como «taxa de entrada» (v. n.° 24, supra), há que recordar que as Orientações de 2006, e a jurisprudência em que se inspiram, preveem que a gravidade da infração é, numa primeira fase, apreciada em função dos elementos específicos da infração, como a sua natureza, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se foi ou não posta em prática. Numa segunda fase, essa apreciação é modulada em função de circunstâncias agravantes ou atenuantes específicas de cada uma das empresas que participaram na infração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2011, Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, T‑348/08, Colet., p. II‑7583, n.° 264 e jurisprudência referida).

151    A primeira fase tem por objetivo determinar o montante de base da coima aplicada a cada empresa em causa, aplicando ao valor das vendas de produtos ou de serviços em questão no mercado geográfico em análise, de cada uma delas, um primeiro coeficiente multiplicador que reflita a gravidade da infração, ou mesmo um segundo coeficiente multiplicador destinado a dissuadi‑las de voltarem a envolver‑se nesses comportamentos ilícitos. Cada um desses dois coeficientes multiplicadores é determinado tomando em conta fatores que refletem as características da infração tomada na sua totalidade, a saber, na medida em que engloba todos os comportamentos anticoncorrenciais da totalidade dos seus participantes (v., neste sentido, acórdão Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, já referido, n.° 265).

152    Daí decorre que, mesmo admitindo que os comportamentos anticoncorrenciais quanto aos LCD‑TV tenham sido menos graves do que em relação aos LCD‑TI, a Comissão tinha o direito de fixar o coeficiente relativo à gravidade e o coeficiente relativo às «taxas de entrada» tendo em conta o plano global objeto da infração única e continuada em que o conjunto desses comportamentos se insere.

153    Por outro lado, quanto ao facto de, na decisão Bananas, a Comissão ter aplicado percentagens mais baixas do que as da decisão impugnada e concedido uma elevada redução a título de circunstância atenuante, basta remeter para a jurisprudência referida no n.° 144, supra, e salientar que, nessa decisão, a Comissão concedeu uma redução, tendo em conta a situação concreta criada designadamente pelo quadro regulamentar em vigor para o comércio das bananas (v. considerando 460 da decisão Bananas e a remissão que contém, bem como o seu considerando 467).

154    Com base nas considerações expostas, há que julgar o segundo fundamento improcedente.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao facto de o valor das vendas pertinentes considerado pela Comissão em relação à recorrente conter incorretamente outras vendas além das relativas aos LCD cartelizados

155    Em apoio do seu pedido para que Tribunal Geral altere o montante da coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada, a recorrente invoca um terceiro fundamento, relativo, em substância, ao facto de o montante da coima ter sido calculado com base num valor de vendas incorreto, uma vez que, por erro, a recorrente incluiu nesse valor vendas relativas a categorias de LCD além das referidas na decisão impugnada.

156    Deve recordar‑se que a fiscalização da legalidade das decisões da Comissão é completada pela competência de plena jurisdição, que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.

157    Por conseguinte, incumbe ao Tribunal Geral, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, apreciar, na data em que profere a sua decisão, se o montante da coima aplicada à recorrente reflete corretamente a gravidade da infração em causa (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2012, Shell Petroleum e o./Comissão, T‑343/06, n.° 117 e jurisprudência referida).

158    No caso vertente, as partes não contestam que, devido a erros cometidos pela recorrente, o montante de base da coima que lhe foi aplicada era, antes do arredondamento, de 301 684 468 euros e que a porção desse montante que decorria dos erros em questão era de 13 246 618 euros. Em contrapartida, as partes discordam quanto à forma como esses montantes devem ser arredondados.

159    Na petição, a recorrente pediu que um montante de 13 250 000 euros fosse deduzido da coima que lhe foi aplicada na decisão impugnada, a saber, 300 000 000 euros. O novo montante devia então fixar‑se em 286 750 000 euros.

160    Na contestação, a Comissão explicou que, relativamente a todos os destinatários da decisão impugnada, tinha arredondado o montante de base para baixo aos dois primeiros dígitos, exceto no caso em que essa redução representava mais de 2% do montante anterior ao arredondamento, caso em que a Comissão arredondou esse montante aos três primeiros dígitos.

161    A este respeito, há que salientar que, na decisão impugnada, a recorrente beneficiou do arredondamento aos dois primeiros dígitos. Com efeito, o montante de base não arredondado era de 301 684 468 euros, enquanto este montante arredondado, conforme se indica no quadro n.° 6 da decisão impugnada, era de 300 000 000 euros.

162    Segundo a Comissão, o cálculo proposto pela recorrente está errado, pois inclui dois arredondamentos: o que a Comissão já aplicou ao montante de base que consta da decisão impugnada e o que leva a considerar que o montante a subtrair devido à exclusão das vendas dos outros produtos diferentes dos LCD cartelizados passaria de 13 246 618 a 13 250 000 euros.

163    Em contrapartida, conforme observa a Comissão, a aplicação do método seguido na decisão impugnada ao montante de base que resulta do valor das vendas corrigido, a saber, 288 437 850 euros, leva a um montante arredondado de 288 000 000 euros. Com efeito, um arredondamento aos dois primeiros dígitos daria lugar a uma redução de 8 437 850 euros, ou seja, mais de 2% (2,9%) do montante de base não arredondado.

164    Na réplica, a recorrente alega que o arredondamento do novo montante da sua coima ao terceiro dígito, em vez de ao segundo, teria por resultado ser a destinatária da decisão impugnada que menos beneficia do arredondamento. Pede então uma redução mais significativa.

165    A este respeito, deve salientar‑se que, embora caiba ao Tribunal Geral apreciar ele próprio as circunstâncias do caso em apreço a fim de determinar o montante da coima, o exercício de uma competência de plena jurisdição não pode implicar, no momento da fixação do montante das coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrários ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v., neste sentido, acórdão Comissão/Verhuizingen Coppens, já referido, n.° 80).

166    No caso vertente, na decisão impugnada, a Comissão aplicou o método de arredondamento descrito no n.° 160, supra, a todos os participantes no cartel. Este método é objetivo e permite a todos os seus participantes beneficiar de uma redução, de 2% no máximo. Embora seja verdade que algumas reduções são mais significativas do que outras e que a da recorrente seria a menos elevada percentualmente caso o Tribunal Geral seguisse a mesma metodologia, o facto é que todos os métodos de arredondamento incluem ajustamentos que variam conforme as empresas e que originam reduções mais ou menos elevadas. Como tal, uma vez que o método escolhido pela Comissão beneficia, ainda que em diferente medida, todos os destinatários da decisão impugnada e que essa medida é limitada a 2%, este deve ser mantido, para evitar desigualdades de tratamento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, T‑299/08, Colet., p. II‑2149, n.os 307 e 308).

167    No entanto, há que recordar que, a fim de preservar o efeito útil do artigo 18.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão tem o direito de obrigar uma empresa a fornecer todas as informações necessárias relativas aos factos de que possa ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, com a única condição de não impor à empresa a obrigação de fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infração, cuja prova cabe à Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colet., p. 3283, n.os 34 e 35). Uma empresa à qual a Comissão envie um pedido de informações em aplicação das disposições do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 está, por conseguinte, vinculada a um dever de colaboração ativa e pode ser punida com uma coima específica, prevista nas disposições do artigo 23.°, n.° 1, daquele regulamento, que pode atingir 1% do seu volume de negócios total, se fornecer, deliberadamente ou por negligência, informações inexatas ou deturpadas (acórdão Shell Petroleum e o./Comissão, já referido, n.° 118).

168    Daqui resulta que, no exercício dos seus poderes de plena jurisdição, o Tribunal Geral pode ter em conta, se for o caso, uma falta de colaboração de uma empresa e, consequentemente, majorar o montante da coima que lhe foi aplicada por violação dos artigos 101.° TFUE ou 102.° TFUE, desde que esta empresa não tenha sido punida por esse mesmo comportamento com uma coima específica, com base nas disposições do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 (acórdão Shell Petroleum e o./Comissão, já referido, n.° 118).

169    Tal poderia acontecer, por exemplo, caso uma empresa, em resposta a um pedido nesse sentido da Comissão, omitisse, deliberadamente ou por negligência, durante o procedimento administrativo, elementos determinantes para a fixação do montante da coima de que dispunha ou teria podido dispor à data da adoção da decisão impugnada. Se o Tribunal não está impedido de tomar em consideração tais elementos, não é menos verdade que a empresa que só os revele na fase contenciosa e, desse modo, atente contra a finalidade e a boa condução do procedimento administrativo, se sujeita a que este facto seja tomado em consideração na determinação, pelo Tribunal, do montante adequado da coima (acórdão Shell Petroleum e o./Comissão, já referido, n.° 119).

170    No caso vertente, a recorrente admite ter cometido erros quando forneceu os dados necessários para o cálculo do valor das vendas pertinentes à Comissão, uma vez que incluiu vendas relativas a outros produtos além dos LCD cartelizados. A Comissão confirma que esses produtos não deviam ter sido incluídos no cálculo.

171    Além disso, resulta dos autos que esses erros decorrem do facto de a recorrente não ter precisado as características específicas de certos LCD à empresa que tinha escolhido para calcular os dados a transmitir à Comissão.

172    O Tribunal entende que esta circunstância não permite considerar que a recorrente violou o seu dever de colaboração que resulta das disposições do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 de tal modo que deva ser tido em conta na fixação do montante da coima. De facto, a recorrente não procurou induzir a Comissão em erro, nem lhe apresentou dados brutos, a partir dos quais a Comissão devia calcular o valor das vendas pertinentes, sem lhe prestar simultaneamente os esclarecimentos necessários para daí extrair os valores líquidos. A recorrente contratou consultores externos especializados para poder fornecer os dados necessários à Comissão, mas cometeu a negligência de não explicar a esses consultores as diferenças existentes entre certas tipologias de LCD. A este respeito, deve observar‑se que a recorrente não tinha manifestamente nenhum interesse em que a Comissão recebesse dados errados, que incluíssem as vendas de outros produtos além dos LCD cartelizados, uma vez que essas incorreções só podiam atuar em seu desfavor, tornando mais elevado o montante da coima que a Comissão lhe aplicaria.

173    Nestas circunstâncias, far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias do caso, calculando o montante da coima a aplicar à recorrente com base no valor corrigido das vendas e aplicando‑lhe o mesmo método que o seguido pela Comissão na decisão impugnada, inclusivamente no que diz respeito ao arredondamento. O montante assim fixado é de 288 000 000 euros (v. n.° 163, supra).

174    Tendo em conta as considerações precedentes, a coima é reduzida para o montante de 288 000 000 euros e é negado provimento aos restantes pedidos.

 Quanto às despesas

175    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n.° 3, primeiro parágrafo, da mesma disposição, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal Geral pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes.

176    No presente caso, a Comissão só foi vencida no que diz respeito ao facto de ter incluído as vendas relativas a outros produtos além dos LCD cartelizados no valor das vendas pertinentes para efeitos do cálculo do montante de base da coima a aplicar à recorrente. Ora, este erro deveu‑se apenas à negligência da recorrente, que forneceu dados errados à Comissão. Em contrapartida, a recorrente foi vencida no que se refere aos restantes pedidos deduzidos. Numa situação destas, far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias da causa ao condenar a recorrente nas despesas, conforme o pedido da Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão, T‑322/01, Colet., p. II‑3137, n.os 338 e 339).

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      O montante da coima aplicada à InnoLux Corp., anteriormente Chimei InnoLux Corp., no artigo 2.° da Decisão C (2010) 8761 final da Comissão, de 8 de dezembro de 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.309 — LCD), é fixado em 288 000 000 euros.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A InnoLux é condenada nas despesas.

Kanninen

Berardis

Wetter

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de fevereiro de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.


1 —      Dados confidenciais ocultados.