Language of document : ECLI:EU:T:2012:434

Processo T‑265/08

República Federal da Alemanha

contra

Comissão Europeia

«FEDER ― Redução da contribuição financeira ― Programa operacional incluído no objetivo n.° 1 (1994‑1999), relativo ao Land da Turíngia (Alemanha)»

Sumário do acórdão ― Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 19 de setembro de 2012

1.      Coesão económica, social e territorial ― Intervenções estruturais ― Financiamentos comunitários concedidos para ações nacionais ― Princípios ― Decisão de suspensão, de redução ou de supressão de uma contribuição financeira concedida inicialmente em razão de irregularidades ― Tomada em conta de irregularidades sem um impacto financeiro preciso ― Admissibilidade ― Conceito de irregularidade ― Erros cometidos por administrações nacionais ― Inclusão

(Artigos 10.° CE e 274.° CE; Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.os 1 e 2)

2.      Direito da União Europeia ― Interpretação ― Princípios ― Interpretação autónoma e uniforme

3.      Coesão económica, social e territorial ― Intervenções estruturais ― Financiamentos comunitários concedidos para ações nacionais ― Decisão da Comissão que reduz uma contribuição financeira em razão de irregularidades ― Escolha do método de cálculo do montante da redução ― Margem de apreciação da Comissão ― Método de extrapolação destinado a estabelecer as correções financeiras ― Admissibilidade

(Artigos 274.° CE; Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.os 1 e 2)

4.      Coesão económica, social e territorial ― Intervenções estruturais ― Financiamentos comunitários concedidos para ações nacionais ― Decisão da Comissão que reduz uma contribuição financeira em razão de irregularidades ― Ónus da prova ― Repartição entre a Comissão e o Estado‑Membro

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.° 2)

5.      Recurso de anulação ― Atos suscetíveis de recurso ― Atos destinados a produzir efeitos jurídicos ― Ato que traduz a intenção da Comissão de adotar uma certa linha de conduta no quadro da redução ou da suspensão de uma contribuição financeira de um fundo estrutural ― Exclusão

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°)

6.      Coesão económica, social e territorial ― Intervenções estruturais ― Financiamento comunitário ― Controlo aprofundado, pelas autoridades nacionais, do respeito das obrigações financeiras dos beneficiários de uma contribuição ― Obrigação da Comissão de proceder a um novo inquérito ― Inexistência

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.os 1 e 2)

7.      Coesão económica, social e territorial ― Intervenções estruturais ― Financiamento comunitário ― Controlos efetuados pela Comissão e pelo Tribunal de Contas ― Instituições com papéis e funções diferentes ― Necessidade de a Comissão adotar a sua própria decisão com base nos controlos efetuados pelas autoridades nacionais e nas conclusões do Tribunal de Contas

(Artigos 246.° CE e 248.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.° 1)

8.      Direito da União Europeia ― Princípios ― Proteção da confiança legítima ― Requisitos

9.      Direito da União Europeia ― Princípios ― Proporcionalidade ― Supressão de uma contribuição financeira em caso de violação de obrigações essenciais ― Admissibilidade

1.      Nos termos do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro, a Comissão está autorizada a reduzir ou a suspender a contribuição para uma intervenção se a existência de uma irregularidade for confirmada pelo exame efetuado nos termos do n.° 1 desse artigo. No entanto, esse artigo não se refere ao autor da irregularidade cometida na execução da ação ou da medida financiada pelos fundos. A este respeito, as autoridades nacionais são consideradas responsáveis pela utilização correta dos fundos comunitários, e é às mesmas que compete tomar, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, as medidas necessárias para, entre outras, garantir a realidade e a regularidade das operações financiadas pelos fundos. Com efeito, a Comissão só exerce uma função complementar.

Por outro lado, o artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 não faz qualquer distinção de ordem quantitativa ou qualitativa no que toca às irregularidades que podem levar à redução de uma contribuição. Mesmo as irregularidades sem um impacto financeiro preciso podem lesar seriamente os interesses financeiros da União e o respeito do direito da União e justificar, por essa razão, a aplicação de correções financeiras pela Comissão. Assim, um erro administrativo relacionado com a não coincidência entre os montantes previstos no plano de financiamento e os do pedido de pagamento é, por exemplo, suscetível de constituir uma irregularidade que pode justificar a redução da contribuição. Além disso, o facto de as autoridades nacionais terem um papel central na execução dos fundos estruturais pode ser invocado a favor de uma interpretação ampla do conceito de «irregularidade». Com efeito, um erro cometido por estas autoridades deve ser considerado uma «irregularidade», na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, à luz dos princípios da boa gestão financeira, que figura no artigo 274.° CE, e da cooperação leal, que figura no artigo 10.° CE, que não autoriza uma imunidade dos Estados‑Membros, e tendo em conta o facto de o artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 ser a única disposição que permite a redução do montante de uma contribuição no caso de a intervenção não ter decorrido como inicialmente previsto.

Por conseguinte, há que concluir que uma interpretação do artigo 24.°, n.° 2 do Regulamento n.° 4253/88 que excluísse do conceito de «irregularidade» os erros cometidos pelas administrações nacionais prejudicaria o efeito útil da regra enunciada pela referida disposição. Assim, resulta do exposto que as violações do direito da União imputáveis a autoridades administrativas nacionais estão abrangidas pelo artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88. Atendendo a que as autoridades nacionais têm um papel central na execução dos fundos estruturais, uma violação cometida por elas deve ser considerada uma «irregularidade», na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88.

(cf. n.os 35, 37 a 40, 42 e 43)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 58)

3.      Resulta da redação do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro, que a Comissão pode reduzir a contribuição para a ação ou a medida em causa, desde que constate, após a análise contraditória prevista no artigo 24.°, n.° 1, uma irregularidade, designadamente uma alteração importante que afete a natureza ou as condições de execução da ação ou da medida. O artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 não faz qualquer distinção de ordem quantitativa ou qualitativa no que toca às irregularidades que podem levar à redução da contribuição. Esta disposição confere um poder de redução e uma ampla margem de manobra à Comissão, sem mencionar limites quanto à escolha dos métodos que a Comissão pode utilizar para determinar o montante da redução.

A este respeito, no exercício do poder de impor correções financeiras, o método utilizado pela Comissão para determinar o montante a devolver deve ser conforme ao objetivo prosseguido pelo artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88. Esse objetivo consiste em permitir uma correção financeira, quando as despesas cujo financiamento foi pedido não tenham sido efetuadas de acordo com as regras do direito da União. Atendendo a esse objetivo, o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88 deve ser interpretado de modo a permitir que a Comissão reduza a contribuição de forma adequada. Mais precisamente, como a Comissão indica acertadamente no considerando 25 da decisão recorrida, o montante da correção depende das perdas financeiras que o orçamento da União sofreu, apuradas pela auditoria. Essas perdas devem ser corrigidas na sua totalidade pois todos os erros de execução constituem uma violação do princípio da boa gestão financeira, ao qual a Comissão e os Estados‑Membros devem dar cumprimento por força do artigo 274.° CE. Assim, a Comissão deve poder reduzir a contribuição numa medida que reflita a dimensão da irregularidade que apurou no quadro do processo contraditório realizado nos termos do artigo 24, n.° 1, do Regulamento n.° 4253/88.

A decisão de redução deve refletir esta dimensão sistemática das irregularidades. Além disso, a Comissão não dispõe de informações sobre todos os controlos efetuados pelo Estado‑Membro em causa. Nesse caso, a utilização do método de extrapolação representa o meio mais adequado para garantir os objetivos prosseguidos pelo artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88. Tendo sido estabelecida a dimensão sistemática das irregularidades, a redução da contribuição não assenta sobre uma simples presunção da Comissão, mas sobre um facto demonstrado. A Comissão continua porém sujeita à obrigação de respeitar as regras do direito da União que resultam, designadamente, do princípio da proporcionalidade.

Assim, há que concluir que o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88 não proíbe a Comissão de utilizar o método de extrapolação a fim de estabelecer uma correção financeira.

(cf. n.os 85 e 86, 89 a 91, 95 a 97)

4.      No que respeita a uma decisão de redução de uma contribuição financeira em razão de irregularidades, a Comissão não se pode limitar a presumir as irregularidades em causa, devendo determinar de forma suficiente que as irregularidades não estavam limitadas aos casos concretos que examinou. Assim, para demonstrar que as irregularidades não estão limitadas aos casos concretos que examinou, basta que apresente elementos de prova que deixem pairar uma dúvida séria e razoável quanto à regularidade de todos os controlos efetuados pelo Estado‑Membro em causa. A Comissão não é obrigada a demonstrar exaustivamente a insuficiência de todos os controlos. Este aligeiramento do ónus da prova explica‑se pelo facto de o regime do Regulamento n.° 4253/88 não prever um controlo sistemático da parte da Comissão, que esta, por não gozar da proximidade necessária para obter as informações de que precisa junto dos agentes económicos, estaria, de resto, materialmente impossibilitada de assegurar. Quando a Comissão tenha apresentado elementos suficientes para deixar pairar uma dúvida séria e razoável sobre todos os controlos nacionais, compete ao Estado‑Membro em causa demonstrar a inexatidão das afirmações da Comissão mediante a apresentação de elementos de prova mais detalhados quanto à realidade dos seus controlos. Se o Estado‑Membro não apresentar esses elementos, a Comissão demonstrou que as irregularidades não estavam limitadas aos casos concretos que examinou.

(cf. n.os 92 a 94)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 107 a 110)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 123 a 125)

7.      No que respeita às missões de controlo da utilização dos fundos comunitários, é necessário verificar se as garantias processuais e as consequências práticas dos controlos efetuados pelo Tribunal de Contas e pela Comissão são equivalentes. Quanto às garantias processuais, há que assinalar que os dois tipos de controlos ― efetuados pela Comissão e pelo Tribunal de Contas ― são comparáveis. Nos dois casos, os direitos de defesa devem ser respeitados, são aplicadas normas de auditoria de um nível elevado, o Estado‑Membro deve ser informado antes de ser efetuado um controlo no próprio local, os agentes das autoridades nacionais podem participar no controlo e o Estado‑Membro em causa deve ser convidado a apresentar as suas observações sobre os resultados do controlo. Em contrapartida, as consequências práticas previsíveis dos dois tipos de controlos não são comparáveis, na medida em que o relatório do Tribunal de Contas não tem força vinculativa e as correções financeiras não podem ser impostas diretamente com base nesse relatório.

Com efeito, o Tribunal de Contas e a Comissão têm um papel separado no processo orçamental da Comunidade. Segundo o artigo 246.° CE, o Tribunal de Contas assegura a fiscalização das contas. Nos termos do artigo 248.°, n.° 1, CE, examina a totalidade das receitas e das despesas da Comunidade, e fornece ao Parlamento Europeu e ao Conselho uma declaração de garantia sobre a fiabilidade das contas e a legalidade e a regularidade das operações subjacentes. Resulta daqui que o Tribunal de Contas deve, designadamente, verificar a gestão pela Comissão dos recursos dos fundos comunitários. O Tribunal de Contas verifica a situação e formula igualmente recomendações a fim de otimizar a gestão das finanças. A Comissão possui uma função complementar, que é a recuperação dos recursos no caso de terem sido verificadas irregularidades na execução dos projetos.

Por conseguinte, do ponto de vista sistemático, os papéis e as funções das duas instituições não são idênticos, e a Comissão não se pode apropriar automaticamente das conclusões do Tribunal de Contas. Regra geral, resulta daqui que o controlo exigido pelo artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4253/88 não tem de ser necessariamente efetuado pelos funcionários ou agentes da Comissão. No entanto, a Comissão é obrigada, por um lado, a assegurar‑se de que as correções que realiza com base em controlos efetuados por um terceiro não são automáticas, mas baseadas na análise, em parceria com o Estado‑Membro em causa, dos dados e dos resultados dos controlos e, por outro lado, a adotar a sua própria decisão com base nos referidos controlos e nas consultas consecutivas.

(cf. n.os 126 a 131)

8.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 142, 150)

9.      O princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objetivo pretendido. Em particular, à luz deste princípio, a violação das obrigações cujo respeito assuma importância fundamental para o bom funcionamento de um sistema comunitário pode ser sancionada pela perda de um direito proporcionado pela regulamentação comunitária, tal como o direito a uma contribuição financeira. A este respeito, resulta de jurisprudência assente em matéria do FEOGA, igualmente aplicável mutatis mutandis ao presente caso, que a Comissão pode chegar a recusar a assunção, pelos fundos, da totalidade das despesas efetuadas se constatar que não existem mecanismos de controlo suficientes. No entanto, a Comissão deve respeitar o princípio da proporcionalidade. Ora, se, no âmbito da sua missão de apurar as contas, em vez de recusar o financiamento da totalidade das despesas, a Comissão se esforça por estabelecer regras destinadas a distinguir consoante o grau de risco que apresentam diferentes níveis de falta de controlo, o Estado‑Membro deve demonstrar que estes critérios são arbitrários e injustos.

(cf. n.os 152 e 153)