Language of document : ECLI:EU:T:2008:420

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

8 de Outubro de 2008 (*)

«Cobrança a posteriori de direitos de importação – Açúcar proveniente da Croácia – Artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 – Aviso aos importadores publicado no Jornal Oficial – Boa‑fé»

No processo T‑51/07,

Agrar‑Invest‑Tatschl GmbH, com sede em St. Andrä im Lavanttal (Áustria), representada por U. Schrömbges e O. Wenzlaff, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Alcover San Pedro e S. Schønberg, na qualidade de agentes, assistidos por B. Wägenbaur, advogado,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da decisão da Comissão C (2006) 5789 final, de 4 de Dezembro de 2006,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIADAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, N. Wahl e A. Dittrich (relator), juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Abril de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        A recorrente impugna a decisão da Comissão C (2006) 5789 final, de 4 de Dezembro de 2006 (a seguir «decisão impugnada», dirigida à República da Áustria, na medida em que a Comissão nela indica, por um lado, que se deve proceder ao registo de liquidação a posteriori de direitos de importação num montante de 110 937,60 euros, devidos pela recorrente, Agrar‑Invest‑Tatschl GmbH, relativamente à importação de açúcar proveniente da Croácia e, por outro, que a dispensa de pagamento desses direitos não se justifica.

 Quadro jurídico

2        O artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «CAC»), na versão alterada pelo Regulamento (CE) n.° 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Novembro de 2000 (JO L 311, p. 17), prevê:

«Excepto nos casos referidos no segundo e terceiro parágrafos do n.° 1 do artigo 217.°, não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando:

a)      […]

b)      O registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa‑fé e observado todas as disposições previstas na regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.

Se o estatuto preferencial das mercadorias for determinado com base num sistema de cooperação administrativa que envolva as autoridades de um país terceiro, a emissão de um certificado por estas autoridades constitui, quando este se revele incorrecto, um erro que não podia ser razoavelmente detectado na acepção do primeiro parágrafo.

Todavia, se o certificado se basear numa declaração materialmente incorrecta do exportador, a emissão de um certificado incorrecto não constitui um erro, salvo, nomeadamente, se for evidente que as autoridades emissoras tinham ou deviam ter tido conhecimento de que as mercadorias não tinham direito a tratamento preferencial.

A boa‑fé do devedor pode ser invocada sempre que este possa demonstrar que, durante o período das operações comerciais em causa, diligenciou para se assegurar de que foram respeitadas todas as condições para o tratamento preferencial.

O devedor não pode, todavia, invocar a boa‑fé quando a Comissão tenha publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um aviso que refira dúvidas fundadas sobre a boa aplicação do regime preferencial pelo país beneficiário.»

3        O artigo 239.° do CAC tem a seguinte redacção:

«1.      Pode‑se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.°:

–        a determinar pelo procedimento do comité;

–        decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento pode ficar subordinado a condições especiais.

2.      O reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos pelos motivos indicados no n.° 1 será concedido mediante requerimento apresentado na estância aduaneira respectiva no prazo de doze meses a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor.»

 Factos

4        A recorrente é uma empresa austríaca, especializada no comércio de produtos agrícolas. Entre 20 de Setembro de 2001 e 8 de Agosto de 2002, realizou 76 operações de importação de açúcar proveniente da Croácia. As importações n.os 1 a 67 não são visadas pelo presente recurso. O litígio incide somente sobre o registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação relativamente às nove operações de importação n.os 68 a 76 (a seguir «importações controvertidas»), bem como à dispensa de pagamento de que podiam ser objecto. Essas importações tiveram lugar entre 1 de Julho e 8 de Agosto de 2002.

5        As importações controvertidas foram efectuadas com base no «Acordo Provisório sobre o comércio e matérias conexas entre a Comunidade Europeia, por um lado, e a República da Croácia, por outro» (JO 2001, L 330, p. 3, a seguir «Acordo Provisório»). Esse acordo prevê, nomeadamente, um tratamento preferencial do açúcar proveniente da Croácia, desde que as autoridades croatas emitam um certificado de circulação de mercadorias EUR.1 (a seguir «certificado EUR.1»), que deve ser apresentado às autoridades aduaneiras do país de importação.

6        Em 2 de Abril de 2002, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) informou a Comissão de que havia suspeitas de utilização de certificados de origem falsos relativos às importações preferenciais de açúcar proveniente de alguns países dos Balcãs Ocidentais.

7        Através de um «aviso aos importadores» (JO 2002, C 152, p. 14), a Comissão anunciou, em 26 de Junho de 2002, que existiam dúvidas fundadas quanto à correcta aplicação dos regimes preferenciais aplicáveis ao açúcar proveniente, nomeadamente, da Croácia. Referiu igualmente que as importações preferenciais de açúcar proveniente da Croácia e dos países dos Balcãs tinham aumentado consideravelmente quando os países em questão acusavam ainda recentemente um défice de produção de açúcar. A Comissão convidava, portanto, os operadores comunitários a tomar todas as precauções que se impunham, dado que a introdução em livre prática das mercadorias em questão podia dar origem a uma dívida aduaneira e a uma situação de fraude em detrimento dos interesses financeiros da Comunidade.

8        A totalidade das importações controvertidas teve lugar após a publicação desse aviso no Jornal Oficial.

9        A pedido da Administração Aduaneira austríaca, as autoridades aduaneiras croatas procederam, entre 23 de Julho de 2002 e 16 de Setembro de 2003, a um controlo a posteriori dos certificados EUR.1 apresentados pela recorrente para as importações controvertidas, como previsto no artigo 32.° do Protocolo n.° 4 do Acordo Provisório.

10      No termo desses controlos, a Administração Aduaneira croata confirmou, em 18 de Fevereiro de 2003, a autenticidade e a exactidão dos certificados EUR.1 emitidos para as importações controvertidas n.os 68 a 72 e, em 16 de Setembro de 2003, para as importações controvertidas n.os 73 a 76.

11      Após a publicação do aviso aos importadores, o OLAF analisou, na Grécia, açúcar de origem pretensamente croata e descobriu que era composto de uma mistura de açúcar de beterraba e de açúcar de cana, o que excluía a origem croata. Em 28 de Outubro de 2002, o OLAF informou os Estados‑Membros.

12      Em Junho de 2003, o OLAF investigou o produtor de açúcar croata IPK Tvornica Šećera Osijek d.o.o. e apurou que essa empresa, à qual a recorrente comprara açúcar, utilizava também açúcar de cana importado para a sua produção, não sendo possível distinguir os diferentes lotes de açúcar.

13      As autoridades croatas retiraram, então, todos os certificados EUR.1 emitidos entre 14 de Setembro de 2001 e 17 de Setembro de 2002. Em 30 de Junho de 2004, as autoridades austríacas informaram os importadores em causa da revogação dos certificados.

14      Na sequência dessa revogação, a autoridade aduaneira austríaca competente dirigiu à recorrente, em 9 de Agosto de 2004, um aviso de cobrança a posteriori de 916 807,21 euros.

15      A recorrente interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional austríaco competente e pediu, em conformidade com o disposto no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, a não efectivação do registo de liquidação a posteriori do montante dos direitos objecto do aviso de cobrança e, subsidiariamente, com fundamento no disposto no artigo 239.° do CAC, a dispensa do pagamento.

16      Por carta de 1 de Junho de 2005, a República da Áustria pediu à Comissão que decidisse, de harmonia com os referidos artigos, se se justificava, no caso da recorrente, renunciar ao registo de liquidação a posteriori do montante dos direitos de importação e, subsidiariamente, decidir se a dispensa de pagamento desses direitos se justificava.

17      Na decisão impugnada, a Comissão referiu que se devia renunciar ao registo de liquidação a posteriori dos direitos relativos às importações n.os 1 a 67, mas recusou essa renúncia, bem como a concessão de uma dispensa de pagamento, em relação às importações controvertidas, ou seja, em relação a um total de 110 937,60 euros.

18      Em substância, a Comissão alega que as autoridades croatas competentes sabiam ou, pelo menos, deviam ter, razoavelmente, tido conhecimento de que as mercadorias não preenchiam as condições impostas para poderem beneficiar do tratamento preferencial previsto pelo Acordo Provisório e que, por isso, tinham cometido um erro na acepção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC. Todavia, dado que tinha sido publicado um aviso aos importadores em 26 de Junho de 2002, a recorrente não podia invocar, segundo a Comissão, a sua boa‑fé no que respeita às importações realizadas após essa data. O facto de as autoridades croatas terem confirmado a validade de alguns certificados EUR.1 após a publicação do aviso não é pertinente neste contexto. Com efeito, no momento em que realizou as importações controvertidas, a recorrente conhecia, segundo a Comissão, os riscos que corria, e a confirmação da validade dos certificados em causa não podia dar origem a posteriori a uma confiança legítima, sob pena de se esvaziar o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quinto parágrafo, do CAC, de todo o seu sentido.

 Tramitação processual e pedidos das partes

19      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Fevereiro de 2007, a recorrente interpôs o presente recurso.

20      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Oitava Secção) decidiu abrir a fase oral do processo.

21      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 2 de Abril de 2008.

22      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.°, n.° 2, e o artigo 1.°, n.° 3, da decisão recorrida;

–        ordenar à Comissão que decida que não há lugar ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação num montante de 110 937,60 euros sobre as importações controvertidas;

–        subsidiariamente ao segundo pedido, ordenar à Comissão que decida que há que proceder à dispensa de pagamento dos direitos de importação num montante de 110 937,60 euros sobre as importações controvertidas.

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

24      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, a violação, pela decisão impugnada, do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC e do artigo 239.° do CAC, na medida em que a não efectivação do registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação relativos às importações controvertidas e/ou a dispensa de pagamento desses direitos foram recusadas pela Comissão.

 Quanto à admissibilidade dos segundo e terceiro pedidos

 Argumentos das partes

25      A Comissão, sem arguir formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade, salienta que não cabe ao juiz comunitário, no quadro da fiscalização da legalidade, dirigir injunções aos órgãos ou instituições ou substituir‑se a eles. Por conseguinte, os segundo e terceiro pedidos, que visam coagir a Comissão a realizar certos actos, são inadmissíveis.

26      Na audiência, a recorrente reiterou, todavia, os seus pedidos, tendo alegado que, no caso em apreço, a Comissão não dispunha de um poder discricionário e que, por isso, não existia qualquer razão que se opusesse a que o Tribunal, uma vez reconhecida a ilegalidade da decisão impugnada, ordenasse à Comissão que adoptasse uma decisão conforme aos seus pedidos.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

27      Segundo jurisprudência bem assente, o Tribunal é incompetente para dirigir injunções às instituições comunitárias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 1983, Verzyck/Comissão, 225/82, Recueil, p. 1991, n.° 19; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Novembro de 1996, SDDDA/Comissão, T‑47/96, Colect., p. II‑1559, n.° 45). Com efeito, em conformidade com o disposto no artigo 231.° CE, o Tribunal só pode anular o acto impugnado. Incumbe em seguida à instituição em causa, em aplicação do disposto no artigo 233.° CE, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995, Ladbroke/Comissão, T‑74/92, Colect., p. II‑115, n.° 75, e de 9 de Setembro de 1999, UPS Europe/Comissão, T‑127/98, Colect., p. II‑2633, n.° 50).

28      No que diz respeito ao argumento relativo à falta de poder discricionário da Comissão, deve acrescentar‑se que essa limitação da fiscalização da legalidade se aplica em todos os domínios contenciosos de que o Tribunal pode conhecer (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Mattila/Conselho e Comissão, T‑204/99, Colect., p. II‑2265, n.° 26, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2004, Mattila/Conselho e Comissão, C‑353/01 P, Colect., p. I‑1073, n.° 15).

29      Consequentemente, os segundo e terceiro pedidos são inadmissíveis.

 Quanto ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação

 Argumentos das partes

30      A recorrente salienta que, segundo o disposto no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, não há que efectuar o registo de liquidação a posteriori quando, em primeiro lugar, o registo da liquidação dos direitos legalmente devidos não tenha sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, em segundo lugar, esse erro não tenha podido ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por sua vez, agido de boa‑fé e, em terceiro lugar, tenham sido observadas todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que se refere à declaração aduaneira.

31      No caso em apreço, a questão pertinente é a de saber se a publicação no Jornal Oficial do aviso aos importadores, em 26 de Junho de 2002, afastou a boa‑fé da recorrente quanto à autenticidade e à exactidão dos certificados EUR.1 apresentados em relação às importações controvertidas.

32      Segundo a recorrente, a Comissão ignora que foi após a publicação do aviso aos importadores e devido a essa publicação que as autoridades aduaneiras austríacas dirigiram às suas homólogas croatas pedidos de controlo no que respeita a todos os certificados EUR.1 apresentados em relação às importações controvertidas.

33      Por conseguinte, a boa‑fé da recorrente não abrange a autenticidade e a exactidão dos certificados EUR.1 emitidos em relação às importações controvertidas. A boa‑fé relativa a esses elementos terá sido afastada pelo aviso aos importadores. Em contrapartida, não terá sido afastada no que respeita à confirmação a posteriori dos certificados EUR.1 na sequência do procedimento de controlo pela Administração Aduaneira croata, que terá sido encetada precisamente devido ao aviso aos importadores.

34      Com efeito, o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), último parágrafo, do CAC não exclui de maneira geral a boa‑fé do devedor na sua totalidade, mas unicamente quanto à autenticidade e à exactidão das provas de origem apresentadas na altura da importação de produtos que beneficiam de um regime preferencial.

35      Ora, segundo a recorrente, se o operador económico toma medidas suplementares para garantir a autenticidade e a exactidão do certificado com finalidade preferencial, e se essas medidas têm por efeito que o certificado seja autêntico e exacto quanto ao fundo, então a sua boa‑fé está restabelecida. Essa boa‑fé não abrange somente o certificado com finalidade preferencial que apresentara inicialmente, mas esse certificado juntamente com a confirmação a posteriori da sua validade e da sua exactidão através de um controlo que contenha a menção de que as condições de emissão do certificado de origem estão preenchidas.

36      A esse propósito, a recorrente remete igualmente para a redacção do aviso aos importadores, que convidava os operadores económicos comunitários, «a tomar todas as precauções necessárias». A Comissão afirmou, assim, que os certificados iniciais com finalidade preferencial já não eram válidos e que esperava que os operadores económicos tomassem medidas suplementares para garantir a sua validade e a sua exactidão.

37      Por isso, após confirmação da autenticidade e da exactidão dos certificados com finalidade preferencial pela Administração Aduaneira croata, a boa‑fé dos operadores económicos quanto à autenticidade e à exactidão dos referidos certificados foi restabelecida.

38      Na réplica, a recorrente precisa que, embora não estivesse efectivamente de boa‑fé no momento das importações controvertidas devido à publicação do aviso, é o procedimento de controlo a posteriori, cujo desfecho positivo permite restabelecer a sua boa‑fé, que importa no caso em apreço.

39      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

40      Segundo o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, não há que efectuar o registo da liquidação a posteriori dos direitos resultantes de uma dívida aduaneira quando estiverem cumulativamente preenchidos os seguintes requisitos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2006, Conseil général de la Vienne, C‑419/04, Colect., p. I‑5645, n.° 38 e jurisprudência aí referida):

–        o registo do montante dos direitos legalmente devidos não tenha sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras;

–        esse erro não tenha podido ser razoavelmente detectado pelo devedor;

–        este último tenha agido de boa‑fé;

–        todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira, tenham sido observadas.

41      No caso em apreço, as partes estão em discordância quanto ao requisito relativo à boa‑fé da recorrente. Com efeito, pode excluir‑se que esse requisito esteja preenchido devido ao efeito jurídico do aviso aos importadores.

42      A esse propósito, deve reconhecer‑se que a redacção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quinto parágrafo, do CAC é clara e unívoca. Dispõe que o devedor não pode invocar a sua boa‑fé quando a Comissão tenha publicado no Jornal Oficial um aviso aos importadores que expresse dúvidas justificadas, e não prevê a possibilidade de o devedor demonstrar a sua boa‑fé tomando medidas suplementares para assegurar a autenticidade e a exactidão dos certificados com finalidade preferencial. Essa redacção foi introduzida no CAC pelo Regulamento n.° 2700/2000, cujo considerando 11 tem a seguinte redacção:

«O devedor pode invocar a sua boa‑fé sempre que puder demonstrar que deu provas de diligência, excepto no caso de ter sido publicado um aviso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias que refira dúvidas justificadas.»

43      Além disso, como salienta a Comissão, a exclusão absoluta da boa‑fé no caso de publicação de um aviso aos importadores assegura um nível de segurança jurídico bastante elevado.

44      Não se pode deixar de reconhecer que o aviso aos importadores não contém, no caso em apreço, qualquer remissão para o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quinto parágrafo, do CAC e que não é muito explícito quanto às suas consequências jurídicas. Não especifica, nomeadamente, que a sua publicação acarreta a impossibilidade de os importadores se prevalecerem da sua boa‑fé. Após ter salientado que existia uma dúvida fundada quanto à correcta aplicação dos regimes preferenciais concedidos ao açúcar proveniente, nomeadamente, da Croácia, a Comissão declara simplesmente que «[o]s operadores comunitários [...] devem tomar todas as precauções necessárias».

45      Na audiência, a Comissão aceitou que não se pode excluir que, em circunstâncias excepcionais, possa ser levada a flexibilizar a sua posição quanto ao efeito absoluto de um aviso aos importadores no caso de um operador económico alegar que, posteriormente à publicação de tal aviso, mas anteriormente à importação, procedeu a medidas de verificação suplementares que confirmaram a origem da mercadoria.

46      Todavia, não há que examinar se, e em que condições, essa excepção é possível, pois, de qualquer forma, a recorrente não agiu de boa‑fé no caso em apreço.

47      Na réplica, a recorrente reconhece, assim, explicitamente que, no momento das importações controvertidas, não estava de boa‑fé devido ao aviso aos importadores. É certo, alega, que a sua boa‑fé foi «restabelecida» pela confirmação a posteriori da autenticidade e da exactidão dos certificados EUR.1 na sequência do procedimento de controlo levado a cabo pela Administração Aduaneira croata. Todavia, o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC prevê que o devedor pode invocar a boa‑fé «sempre que este possa demonstrar que, durante o período das operações comerciais em causa, diligenciou para se assegurar de que foram respeitadas todas as condições para o tratamento preferencial». Decorre dessa disposição que o devedor deve imperativamente ter estado de boa‑fé durante o período das operações comerciais em causa. Por isso, a data determinante para apreciar a boa‑fé do devedor é a data da importação.

48      Nos seus articulados, a recorrente não forneceu, todavia, qualquer informação sobre as diligências que empreendeu antes ou, o mais tardar, na data de cada uma das importações controvertidas, para se assegurar, na acepção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC, de que – apesar da publicação do aviso aos importadores – todos os requisitos de que depende o tratamento preferencial das mercadorias tinham sido observados.

49      Pelo contrário, ao afirmar que a sua boa‑fé tinha sido «restabelecida» pelos controlos a posteriori, a recorrente confirma implicitamente que não estava de boa‑fé até ao momento em que esses controlos a posteriori atestaram a autenticidade e a exactidão dos certificados EUR.1 emitidos em relação às importações controvertidas, isto é, vários meses depois dessas importações terem ocorrido.

50      Na medida em que a recorrente alega que, no tocante à sua boa‑fé quanto à autenticidade e à exactidão dos certificados EUR.1 relativos às importações controvertidas, é o procedimento de controlo a posteriori, e não o procedimento de importação original, que importa, pois que o seu desfecho positivo permitiria «restabelecer» a sua boa‑fé, basta referir que essa afirmação não encontra fundamento no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC.

51      Com efeito, mesmo a supor que a recorrente estivesse de boa‑fé quanto ao resultado dos controlos a posteriori, não é menos verdade que não estava de boa‑fé «durante o período das operações comerciais em causa». Ora, a recorrente não pode afirmar que a sua boa‑fé foi, de certa forma, retroactivamente demonstrada em razão de eventos posteriores às referidas importações. De facto, o conceito de boa‑fé «quanto à autenticidade e à exactidão dos certificados preferenciais controlados e confirmados a posteriori» é desprovido de sentido.

52      Por conseguinte, improcede o pedido de anulação do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada.

 Quanto à recusa de conceder uma dispensa de pagamento dos direitos de importação

 Argumentos das partes

53      No que respeita à recusa de conceder a dispensa de pagamento dos direitos aduaneiros a posteriori nos termos do disposto no artigo 239.° do CAC, a recorrente remete para a sua petição, e unicamente no quadro do seu terceiro pedido, para as «explicações que precedem», sem fornecer mais amplas precisões.

54      A Comissão observa que os requisitos para a concessão de uma dispensa de pagamento de direitos de importação, previstos no artigo 239.° do CAC, se distinguem dos que constam do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC. Todavia, em vez de demonstrar que os requisitos do artigo 239.° do CAC estão, no caso em apreço, preenchidos, a recorrente remete globalmente e sem explicação mais detalhada para a sua argumentação respeitante ao artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC. É, portanto, duvidoso que a sua petição seja, quanto a este ponto, conforme às exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. De qualquer forma, a exposição da recorrente não é concludente, o que basta para que não seja acolhida, dado que o artigo 220.°, n.° 2, e o artigo 239.° do CAC são disposições distintas cujos requisitos de aplicação são, portanto, diferentes.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

55      Deve desde já salientar‑se que os argumentos que podem ser invocados em apoio do terceiro pedido, cuja inadmissibilidade foi contestada, são igualmente pertinentes no quadro do primeiro pedido, na medida em que se destina a obter a anulação do artigo 1.°, n.° 3, da decisão impugnada, nos termos do qual a dispensa dos direitos de importação ao abrigo do disposto no artigo 239.° do CAC, no caso em apreço, não se justifica.

56      Todavia, não se pode deixar de referir que a recorrente também não fundamenta o seu pedido. Limita‑se a remeter, na petição, para as explicações relativas ao artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC. Na réplica, a recorrente também não aprofunda as suas observações quanto a este ponto. Na audiência, mencionou que uma inspecção das alfândegas tivera lugar na altura de cada importação. Afirmou que nessa ocasião tinham sido colhidas amostras e enviadas para o serviço de verificação técnica austríaco. Segundo a recorrente, esse serviço apurou que se tratava de açúcar de beterraba a 100%, confirmando assim a sua origem croata.

57      Em conformidade com as disposições do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, estes últimos oferecimentos de prova não poderão ser tomados em consideração. Com efeito, se bem que as partes possam, segundo essa disposição, oferecer prova em apoio da sua argumentação na réplica e na tréplica, o Tribunal só admite oferecimentos de prova posteriormente à tréplica em condições excepcionais, a saber, se o autor do oferecimento de prova não podia, antes do encerramento da fase escrita do processo, dispor das provas em questão ou se o facto de a parte contrária ter produzido a sua prova tardiamente justificar que o autos sejam completados de forma a assegurar a observância do princípio do contraditório (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Abril de 2004, M/Tribunal de Justiça, T‑172/01, Colect., p. II‑1075, n.° 44). De qualquer forma, o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo dispõe que as partes devem justificar o atraso no oferecimento das suas provas. Ora, se bem que a recorrente tenha admitido, na audiência, que não tinha evocado essas circunstâncias na fase escrita do processo, não invocou qualquer justificação para esse atraso. Por conseguinte, esses oferecimentos de prova não poderão ser tomados em conta.

58      Quanto à remissão, na petição, para as explicações relativas ao artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, deve salientar‑se que, embora seja verdade que essa disposição prossegue a mesma finalidade que o artigo 239.° do CAC, as duas disposições não coincidem. O primeiro artigo, com efeito, tem uma finalidade mais restrita do que o segundo, na medida em que tem unicamente por objectivo proteger a confiança legítima do devedor quanto ao fundado de todos os elementos intervenientes na decisão de proceder ou não a um registo de liquidação a posteriori de direitos aduaneiros. Em contrapartida, o artigo 239.° do CAC constitui uma cláusula geral de equidade (v., neste sentido, a propósito das disposições equivalentes em vigor na altura, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o., C‑153/94 e C‑204/94, Colect., p. I‑2465, n.° 87; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, Colect., p. II‑401, n.os 136 a 139).

59      Consequentemente, o artigo 230.°, n.° 2, alínea b), do CAC e o artigo 239.° do CAC são duas disposições distintas cujos critérios de aplicação são diferentes. Nestas circunstâncias, em aplicação do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a recorrente não pode limitar‑se a remeter para as explicações relativas ao artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do CAC, para fundamentar os seus pedidos relativos ao artigo 239.° do CAC.

60      Daqui resulta que o pedido de anulação do artigo 1.°, n.° 3, da decisão impugnada deve ser julgado inadmissível.

61      Não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

62      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Agrar‑Invest‑Tatschl GmbH é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Wahl

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Outubro de 2008.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. E. Martins Ribeiro


* Língua do processo: alemão.