Language of document : ECLI:EU:T:2001:272

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

22 de Novembro de 2001 (1)

«Concorrência - Artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) - Abuso de posição dominante - Sector dos cigarros em Itália - Contrato de distribuição - Cláusulas abusivas - Comportamentos abusivos - Redução da coima»

No processo T-139/98,

Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato (AAMS), representada por P. G. Ferri e D. Del Gaizo, avvocati dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Marenco e L. Pignataro, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Rothmans International Europe BV, com sede em Amsterdão (Países Baixos), representada por S. Crosby, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

JT International BV, anteriormente R. J. Reynolds International BV, estabelecida em Hilversum (Países Baixos), representada por O. W. Brouwer, F.-P. Louis e T. Janssens, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 98/538/CE da Comissão, de 17 de Junho de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CE (IV/36.010-F3 - Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato) (JO L 252, p. 47), e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: E. Sheehan, referendário,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Março de 2001,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    O presente recurso destina-se à anulação da Decisão 98/538/CE da Comissão, de 17 de Junho de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CE (IV/36.010-F3 - Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato) (JO L 252, p. 47, a seguir «decisão litigiosa»). A AAMS é um organismo integrado na administração financeira do Estado italiano que exerce, nomeadamente, actividades de produção, importação, exportação e distribuição por grosso de tabacos manufacturados. As actividades e a organização da AAMS estão definidas e regulamentadas pelo Decreto-Lei real italiano n.° 2258, de 8 de Dezembro de 1927.

2.
    Dando seguimento a três pedidos, na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), apresentados pelas empresas R. J. Reynolds Tobacco GmbH e R. J. Reynolds Tobacco Company SAE (em Maio de 1996), pela empresa Rothmans International BV (em Setembro de 1996) e pela empresa International Tobacco Company (em Junho de 1997) (a seguir «denunciantes»), a Comissão dirigiu à AAMS, pela carta SG (97) D/1583, de 28 de Fevereiro de 1997, uma comunicação das acusações, com o fim de apreciar a compatibilidade com o artigo 86.° do Tratado de determinados comportamentos da AAMS no sector dos cigarros em Itália. Esta comunicação das acusações foi também enviada a determinadas empresas terceiras. Por carta de 19 de Maio de 1997, a AAMS apresentou as suas observações sobre as acusações deduzidas pela Comissão. A R. J. Reynolds International BV e a Rothmans International BV apresentaram também observações escritas, as quais foram comunicadas à AAMS pela Comissão em 13 de Junho de 1997.

3.
    Após ter procedido, em 11 de Julho de 1997, à audição da AAMS e de terceiros, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 e do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), e ter recebido as observações escritas da AAMS, de 25 de Julho de 1997, sobre essa audição, a Comissão adoptou a decisão litigiosa.

Decisão litigiosa

4.
    A Comissão declarou que, nos termos do artigo 45.° da Lei n.° 907, de 17 de Julho de 1942 (GURI n.° 199, de 28 de Maio de 1942), a AAMS beneficiava do direito exclusivo de fabricar tabacos manufacturados no território do Estado italiano. Realçou que, no momento da adopção da decisão litigiosa, a AAMS produzia não só cigarros com as marcas de que é proprietária, mas também cigarros com as marcas da empresa Philip Morris. Notou ainda que, nos últimos decénios, a AAMS concluiu com essa empresa acordos de licença de fabrico e que, em 1995, a AAMS fabricou cerca de 54 milhões de quilos de cigarros, dos quais 40 milhões com as suas marcas e 14 milhões com a marca Philip Morris (considerando 2 da decisão litigiosa).

5.
    A Comissão realçou que a importação para Itália dos cigarros provenientes dos outros Estados-Membros e a sua comercialização por grosso foram liberalizadas pela Lei n.° 724, de 10 de Dezembro de 1975 (GURI n.° 4, de 7 de Janeiro de 1976), e que, em consequência, a importação através de depósitos de distribuição diferentes dos da AAMS era autorizada. Observou que, apesar desta liberalização, todos os cigarros de origem comunitária continuavam a ser importados para Itália pela AAMS, que procedia também à sua distribuição por grosso com base em acordos por si estabelecidos com os produtores estrangeiros (a seguir «empresasestrangeiras») interessados em vender os seus cigarros em território italiano (considerando 5 da decisão litigiosa).

6.
    A Comissão apurou que a organização dos serviços de distribuição e de venda dos produtos sujeitos a monopólio e, por conseguinte, dos cigarros se regia pela Lei n.° 1293, de 22 de Dezembro de 1957 (GURI n.° 9, de 13 de Janeiro de 1958), e que, com base nessa lei, os referidos serviços eram prestados por:

a)    inspecções territoriais, que eram responsáveis pelos serviços de distribuição e venda;

b)    órgãos de distribuição primária (a seguir «depósitos»), que tinham a seu cargo a recepção, a armazenagem e a distribuição dos produtos para venda. Os depósitos tinham, ainda, o encargo de proceder à cobrança dos impostos sobre as vendas, encarregando-se da sua transferência para a tesouraria;

c)    secções de venda dos depósitos, que levantavam dos depósitos os produtos armazenados, pagando o respectivo montante, e os vendiam aos revendedores autorizados;

d)    órgãos de distribuição secundária (a seguir «armazéns de venda»), que levantavam dos depósitos e das secções de venda os produtos neles armazenados, pagando o respectivo montante, e os vendiam aos revendedores autorizados;

e)    pontos de revenda (considerando 6 da decisão litigiosa).

7.
    A Comissão precisou que as inspecções, os depósitos e as secções de venda dos depósitos faziam parte da AAMS, que a gestão dos armazéns de venda era feita por particulares e que a AAMS não estava presente no mercado da venda a retalho dos cigarros (v. considerandos 7 a 9 e 32 da decisão litigiosa). Acrescentou que a venda a retalho de todos os cigarros em Itália era objecto de um monopólio, que a gestão dos pontos de venda se regia por decreto e, nomeadamente, por instruções emanadas da AAMS e que as empresas estrangeiras tinham, desde 1 de Janeiro de 1993, a possibilidade de confiar a distribuição por grosso dos seus cigarros aos operadores comerciais detentores de «depósitos fiscais» utilizados para a comercialização dos outros produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (considerandos 31 e 32 da decisão litigiosa).

8.
    Para verificar se a AAMS ocupava uma posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado, a Comissão distinguiu três mercados de produtos e de serviços, caracterizados por uma forte interdependência, de modo que um comportamento num destes mercados podia ter consequências relevantes nos outros. O primeiro mercado era o mercado dos cigarros produzidos em Itália ou noutros Estados-Membros da Comunidade e destinados a ser distribuídos e vendidos no território italiano (a seguir «mercado dos cigarros»). O segundo mercado era o dosserviços relativos à distribuição e à venda por grosso dos referidos cigarros (a seguir «mercado da distribuição por grosso»). O terceiro mercado era o dos serviços relativos à venda a retalho dos cigarros (a seguir «mercado da distribuição a retalho») (considerandos 22 a 27 da decisão litigiosa).

9.
    A Comissão considerou seguidamente que, do ponto de vista geográfico, estes diferentes mercados correspondiam ao território italiano pelas seguintes razões:

a)    as preferências dos fumadores italianos eram diferentes das dos fumadores dos outros Estados-Membros;

b)    os preços de venda a retalho dos cigarros diferiam sensivelmente dos praticados nos outros Estados-Membros;

c)    para satisfazer as exigências da legislação italiana em vigor, qualquer fabricante estrangeiro que tencionasse comercializar os seus produtos em Itália era obrigado a embalar os cigarros em maços contendo as indicações necessárias (por exemplo, «o tabaco prejudica gravemente a saúde») em língua italiana;

d)    não existiam importações paralelas de cigarros para Itália (considerando 28 da decisão litigiosa).

10.
    Destes diferentes elementos concluiu a Comissão que os mercados a tomar em consideração no caso vertente eram: o mercado italiano dos cigarros, o mercado italiano da distribuição por grosso e o mercado italiano da distribuição a retalho (considerando 29 da decisão litigiosa).

11.
    A Comissão apreciou depois a posição da AAMS nestes mercados. No que se refere, em primeiro lugar, ao mercado italiano dos cigarros, verificou que ele se caracterizava pela existência de um duopólio constituído pela Philip Morris e pela AAMS (que dispunham de cerca de 94% do referido mercado) e pela presença de outras empresas com quotas de mercado marginais (considerando 30 da decisão litigiosa).

12.
    No que se refere, em segundo lugar, ao mercado italiano da distribuição por grosso, a Comissão considerou que a AAMS nele detinha uma posição dominante. Apesar da liberalização das actividades de importação e distribuição por grosso de cigarros, os produtores preferiam continuar a recorrer à rede de distribuição da AAMS para os seus produtos em Itália. Segundo a Comissão, era com efeito bastante difícil, em termos económicos, para as empresas estrangeiras, criar uma rede independente própria de distribuição por grosso que tivesse uma extensão e capacidade suficientes. A Comissão apurou que, neste contexto, as empresas estrangeiras tinham sistematicamente escolhido recorrer à AAMS para que esta distribuísse os seus cigarros em Itália. A Comissão caracterizou-a ainda como um«contratante obrigatório» para as empresas estrangeiras, uma vez que detinha um monopólio de facto. Além disso, não era possível, para tais empresas, confiar a distribuição por grosso dos seus cigarros aos operadores comerciais detentores de depósitos fiscais, uma vez que tais operadores se veriam perante obstáculos economicamente intransponíveis. Com efeito, a legislação italiana impunha que os tabacos manufacturados fossem conservados em locais distintos dos depósitos destinados aos outros produtos sujeitos a imposto especial de consumo, devendo, por conseguinte, os operadores económicos em causa efectuar investimentos significativos. Em segundo lugar, os revendedores de cigarros são nitidamente diferentes dos clientes dos outros produtos sujeitos a imposto especial de consumo, de modo que seria necessário criar uma nova estrutura de transporte e de distribuição sem, no entanto, existirem sinergias em termos de funcionamento com a estrutura de distribuição existente anteriormente. Em terceiro lugar, as quotas de mercado do conjunto dos produtores estrangeiros (diferentes da Philip Morris, que se encontrava associada à AAMS por contratos de licença) eram extremamente reduzidas (cerca de 7%), não existindo, por isso, um incentivo económico suficiente para as empresas que desejassem lançar-se nesta actividade de distribuição por grosso de tabacos em concorrência com a AAMS. Além disso, os revendedores não teriam qualquer interesse em abastecer-se junto de um grossista alternativo se este só estivesse em condições de lhes fornecer uma parte mínima dos cigarros de que necessitavam (considerando 31 da decisão litigiosa).

13.
    Em terceiro lugar, a Comissão fez notar que a AAMS não estava presente no mercado da venda a retalho de cigarros (considerando 32 da decisão litigiosa).

14.
    A Comissão considerou que a AAMS explorara de modo abusivo a posição dominante que detinha no mercado da distribuição por grosso de cigarros. Distinguiu dois tipos de comportamento da AAMS:

-    a celebração do contrato-tipo de distribuição, pela AAMS, com algumas empresas produtoras de cigarros, com base no qual estas encarregavam a AAMS de introduzir e distribuir por grosso os cigarros fabricados noutro Estado-Membro;

-    certos comportamentos unilaterais da AAMS relativos aos cigarros fabricados noutro Estado-Membro e, posteriormente, introduzidos em Itália (considerando 12 da decisão litigiosa).

Cláusulas do contrato de distribuição

15.
    A Comissão apurou que a AAMS concluíra um contrato-tipo para a distribuição por grosso em Itália (a seguir «contrato de distribuição») dos cigarros fabricados noutro Estado-Membro por uma empresa estrangeira, tendo a última versão do referido contrato, datada de 1993, sido estabelecida por um período de cinco anos (considerando 13 da decisão litigiosa).

16.
    Observou que o texto do contrato de distribuição tinha sido redigido unilateralmente pela AAMS e que as empresas estrangeiras não tinham tido qualquer possibilidade de negociar as várias cláusulas nem de propor alterações que tivessem em conta os seus pontos de vista e os seus interesses específicos. Segundo a Comissão, tais empresas encontravam-se numa situação de extrema dependência relativamente à AAMS e tiveram de aceitar integralmente as cláusulas por esta impostas, as quais lhe permitiam controlar as iniciativas concorrenciais das empresas e, eventualmente, opor-se-lhes, com o fim de proteger as suas vendas (considerando 14 da decisão litigiosa).

- Cláusula relativa ao prazo para a introdução de novas marcas de cigarros no mercado

17.
    A Comissão observou que o terceiro parágrafo do artigo 1.° do contrato de distribuição previa que a AAMS podia autorizar as empresas estrangeiras a introduzirem novas marcas apenas duas vezes por ano e sustentou que esta cláusula limitava, assim, a possibilidade de essas empresas lançarem novas marcas de cigarros no mercado italiano no momento em que o considerassem mais oportuno (considerando 35 da decisão litigiosa).

- Cláusula relativa às quantidades máximas de novas marcas de cigarros introduzidas no mercado

18.
    A Comissão verificou que o quinto parágrafo do anexo B do contrato de distribuição estabelecia que as quantidades de novas marcas de cigarros introduzidas no mercado não podiam ser superiores a 5 000 kg e que o sexto parágrafo do mesmo anexo estabelecia que, durante o primeiro ano, as encomendas apresentadas pela AAMS deviam corresponder às do mês anterior. Considerou que essas disposições privavam a empresa estrangeira da possibilidade de determinar livremente as condições de lançamento de um novo produto, incluindo o nível das quantidades introduzidas no mercado no momento do referido lançamento. Acrescentou que a quantidade fixada era de todo inadequada no que diz respeito às exigências relativas ao lançamento de um novo produto no mercado italiano. A Comissão sublinhou que os cigarros da AAMS e os fabricados sob licença não estavam sujeitos a esse limite quantitativo e que, portanto, os cigarros das empresas estrangeiras eram injustificadamente discriminados relativamente aos produzidos pela AAMS (considerandos 36 e 37 da decisão litigiosa).

- Cláusula relativa às quantidades mensais máximas de lançamento de cigarros no mercado

19.
    A Comissão considerou que a cláusula prevista no segundo parágrafo do anexo B do contrato de distribuição, segundo a qual as quantidades de cigarros da empresa estrangeira destinados a serem lançados no mercado italiano deviam cingir-se às quantidades vendidas no mês anterior, restringia a liberdade dessa empresa emmatéria de fixação das quantidades dos produtos destinados à venda no mercado. Sustentou que essa cláusula não se justificava por exigências objectivas de protecção de eventuais legítimos interesses económicos e/ou comerciais da AAMS. A este respeito, sublinhou que esta dispunha de uma rede de distribuição excedentária que lhe permitiria responder favoravelmente a eventuais pedidos de aumento das quantidades a distribuir apresentados por produtores estrangeiros, sem ter que aumentar as suas estruturas de distribuição. As capacidades de distribuição da AAMS eram, com efeito, de cerca de 102 milhões de kg de cigarros por ano, enquanto as verdadeiras exigências do mercado italiano eram de cerca de 90 milhões de kg. Além disso, fez notar que a cláusula em questão não parecia justificar-se pela necessidade de garantir uma correspondência entre a quantidade de cigarros estrangeiros lançados na rede de distribuição da AAMS e a efectiva capacidade de absorção do mercado. A empresa estrangeira não tinha qualquer interesse em lançar nessa rede quantidades de cigarros superiores às que podiam ser absorvidas pelo mercado, uma vez que tinha a obrigação de retirar à sua custa todas as quantidades de cigarros mantidas muito tempo por vender nos depósitos da AAMS. Além disso, sempre que os cigarros estrangeiros ficassem muito tempo depositados em armazéns, a empresa estrangeira devia substituí-los por outros de produção mais recente. Finalmente, a Comissão salientou que os cigarros produzidos pela AAMS, com as suas marcas ou com a sua licença, não estavam sujeitos a esta limitação e gozavam, portanto, em termos concorrenciais, de significativa vantagem relativamente aos cigarros produzidos no estrangeiro (considerandos 38 a 40 da decisão litigiosa).

- Cláusula relativa ao aumento das quantidades mensais de lançamento de cigarros no mercado

20.
    A Comissão realçou que o quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição previa que a empresa estrangeira pudesse solicitar à AAMS o aumento das quantidades de cigarros destinados a serem lançados no mercado italiano, mas que essa possibilidade estava, no entanto, sujeita a uma tripla limitação que lesava gravemente a liberdade de concorrência das empresas estrangeiras. Em primeiro lugar, o aumento estava subordinado ao acordo da AAMS. Em segundo, estava limitado a 30% das «encomendas mensais autorizadas». Em terceiro lugar, a concessão desse aumento obrigava a empresa estrangeira a pagar uma majoração da retribuição de distribuição calculada não já em relação às quantidades «suplementares», mas sim sobre o total dos cigarros vendidos. Segundo a Comissão, a limitação dos aumentos a 30% das «encomendas mensais autorizadas» penalizava gravemente as capacidades concorrenciais da empresa estrangeira, impedindo-a de adaptar-se integralmente à procura existente no mercado italiano, sendo as suas consequências particularmente nocivas no que se refere aos cigarros cujas vendas são consideravelmente influenciadas em termos sazonais. Além disso, a obrigação de pagar à AAMS uma retribuição suplementar, calculada sobre o total das quantidades vendidas, caso proceda ao aumento, não se afigurava justificada, pois que a retribuição de distribuição estava de tal modo definida que ao aumento das quantidades vendidas correspondia uma diminuição do montanteda retribuição, de acordo com um sistema de escalões (considerandos 41 a 44 da decisão litigiosa).

- Cláusulas relativas à apresentação dos cigarros e ao seu controlo

21.
    A Comissão verificou que o primeiro parágrafo do artigo 4.° do contrato de distribuição obrigava a empresa estrangeira a imprimir a marcação Monital (ou seja, a abreviatura de «Monopoli italiani») em todos os cigarros destinados à venda no mercado italiano. Considerou que esta obrigação não parecia justificar-se pela necessidade de distinguir os cigarros do mercado legal dos do mercado de contrabando, antes constituindo uma forma de promoção da AAMS efectuada através de um produto de um concorrente, podendo criar dúvidas aos consumidores sobre a identidade do produtor dos cigarros em causa. A Comissão considerou ainda que os controlos previstos no artigo 5.° do contrato não podiam ser considerados necessários para assegurar a observância da legislação em vigor, que não eram, portanto, justificados e que a AAMS não podia exigir à empresa estrangeira o pagamento de uma taxa fixa pelo controlo de todas as embalagens de cada marca. Estes controlos atrasaram injustificadamente o lançamento de novas marcas de cigarros estrangeiros no mercado italiano (considerandos 45 e 46 da decisão litigiosa).

Práticas abusivas

22.
    A Comissão sublinhou que a AAMS recusou, várias vezes, a autorização de aumento das quantidades de cigarros importados solicitada pelas empresas estrangeiras em aplicação do quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição e que tal recusa impediu que essas empresas colocassem no mercado italiano as quantidades de cigarros que consideravam oportunas, debilitando assim a sua posição concorrencial (considerando 47 da decisão litigiosa).

23.
    A Comissão apurou ainda que os inspectores da AAMS que controlavam a actividade dos armazéns tinham adoptado comportamentos, não impostos por qualquer norma em vigor nem por qualquer disposição contratual, destinados a favorecer os cigarros nacionais e a limitar as vendas dos cigarros importados. O efeito restritivo desses comportamentos foi particularmente significativo nos casos em que a AAMS impôs aos armazéns quotas de venda aplicáveis aos cigarros da AAMS e aos das empresas estrangeiras. Além disso, os inspectores da AAMS adoptaram, face aos revendedores, um comportamento que não era imposto pela legislação em vigor nem por qualquer disposição contratual e se destinava a favorecer os cigarros da AAMS e a limitar as vendas dos cigarros importados (considerandos 48 a 53 da decisão litigiosa).

24.
    Com base nestes apuramentos de facto, a Comissão adoptou a decisão em litígio, cuja parte decisória é do seguinte teor:

«Artigo 1.°

A [AAMS], ao explorar a sua posição dominante no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros, teve um comportamento abusivo destinado a proteger a sua posição no mercado italiano de cigarros em violação do artigo 86.° do Tratado CE, sob forma das cláusulas impostas no contrato-tipo de distribuição objecto do artigo 2.° e das práticas unilaterais objecto do artigo 3.°

Artigo 2.°

As cláusulas impostas abusivamente pela AAMS no contrato-tipo de distribuição são as seguintes:

a)    A cláusula relativa ao limite de tempo para a colocação de novas marcas de cigarros no mercado (terceiro parágrafo do artigo 1.°);

b)    A cláusula relativa às quantidades máximas de colocação de novas marcas de cigarros no mercado (anexo B, quinto e sexto parágrafos);

c)    A cláusula relativa às quantidades mensais máximas de lançamento de cigarros no mercado (segundo parágrafo do anexo B);

d)    A cláusula relativa ao aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado (quinto e sexto parágrafos do artigo 2.°);

e)    A cláusula relativa à marcação Monital nos cigarros (artigo 4.°);

f)    A cláusula relativa aos controlos dos cigarros (artigo 5.°).

Artigo 3.°

As práticas unilaterais abusivas da AAMS são as seguintes:

a)    A recusa de autorizar o aumento das quantidades máximas de cigarros vendidos mensalmente pedido pelas empresas estrangeiras nos termos do contrato-tipo de distribuição;

b)    Os comportamentos relativamente aos armazenistas e retalhistas com o fim de favorecer a venda de cigarros nacionais e limitar a de cigarros estrangeiros.

Artigo 4.°

A AAMS deve, caso ainda o não tenha feito, pôr imediatamente termo às infracções referidas nos artigos 2.° e 3.° Em particular, a AAMS deve alterar as cláusulas dos contratos de distribuição ainda em vigor referidas no artigo 2.°, porforma a suprimir todos os aspectos abusivos referidos na presente decisão. A AAMS comunicará à Comissão os novos contratos.

Artigo 5.°

A AAMS deve abster-se de continuar ou repetir os comportamentos referidos nos artigos 2.° e 3.° e de qualquer comportamento com efeito equivalente.

Para tal, a AAMS, durante um período de três anos a contar da data da notificação da presente decisão, apresentará à Comissão, no prazo de dois meses subsequente ao termo de cada ano civil, um relatório que indique, relativamente ao ano anterior, as quantidades de cigarros estrangeiros distribuídos pela AAMS, bem como eventuais recusas (totais ou parciais) de distribuição desses cigarros.

Artigo 6.°

Relativamente aos comportamentos referidos nos artigos 2.° e 3.°, é aplicada à AAMS uma coima de 6 000 000 ecus.

[...]»

Tramitação processual

25.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Setembro de 1998, a AAMS interpôs o presente recurso.

26.
    Por acto entregue na Secretaria do Tribunal em 15 de Fevereiro de 1999, a Rothmans International Europe BV pediu a sua admissão como interveniente no processo, em apoio da recorrida.

27.
    Por acto entregue na Secretaria do Tribunal em 23 de Fevereiro de 1999, a JT International BV pediu também a sua admissão como interveniente no processo, igualmente em apoio da recorrida.

28.
    Por despacho de 6 de Julho de 1999 do presidente da Quinta Secção do Tribunal, estas duas sociedades foram admitidas como intervenientes no processo, em apoio da recorrida.

29.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral. No âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a apresentar documentos e a responder por escrito, antes da audiência, a determinadas perguntas. As partes deram satisfação a este convite.

30.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 20 de Março de 2001.

Pedidos das partes

31.
    A AAMS conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    a título principal, anular a decisão litigiosa;

-    a título subsidiário, reduzir o montante da coima;

-    condenar a Comissão nas despesas.

32.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a AAMS nas despesas.

33.
    A Rothmans International Europe BV, interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a AAMS nas despesas resultantes da sua intervenção.

34.
    A JT International BV, interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    rejeitar o recurso;

-    aumentar consideravelmente o montante da coima;

-    condenar a AAMS nas despesas, incluindo as das intervenientes.

Quanto ao pedido principal, destinado à anulação da decisão litigiosa

35.
    Em apoio do seu pedido de anulação, a AAMS aduz um fundamento único, assente na violação do artigo 86.° do Tratado e na existência de erros manifestos de apreciação relativos:

-    à determinação do mercado geográfico pertinente;

-    à existência de uma posição dominante no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros;

-    aos efeitos restritivos de determinadas cláusulas do contrato de distribuição;

-    às práticas unilaterais abusivas.

Quanto ao primeiro aspecto do fundamento, assente num alegado erro de apreciação do mercado geográfico pertinente

Argumentos das partes

36.
    A AAMS contesta a definição do mercado geográfico pertinente feita na decisão litigiosa. Em primeiro lugar, os elementos tomados em consideração pela Comissão para isolar o mercado italiano do resto do mercado europeu são insuficientes e muito gerais. Os hábitos diferentes dos consumidores, conjugados com tradições, gostos e usos nacionais, constituem um fenómeno relativamente generalizado, não sendo uma característica dos produtos do tabaco. Com base nestes elementos, é consequentemente difícil encontrar na Europa mercados mais amplos que os territórios nacionais. Em segundo lugar, a recorrente admira-se que disposições em matéria de rotulagem impostas por uma directiva comunitária «definam o mercado nacional e [tenham], em consequência, por efeito caracterizar o mercado europeu». Os argumentos invocados pela Comissão são pois contrários à própria noção de mercado comum e ao objectivo de harmonização prosseguido pela Directiva 89/622/CEE do Conselho, de 13 de Novembro de 1989, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de rotulagem dos produtos do tabaco (JO L 359, p. 1).

37.
    A Comissão e as intervenientes sustentam que os argumentos da AAMS não são susceptíveis de pôr em causa a definição que foi feita do mercado geográfico pertinente. Fazem notar que a AAMS não contesta os apuramentos factuais contidos na decisão litigiosa.

Apreciação do Tribunal

38.
    Há que começar por declarar que a decisão litigiosa define os mercados dos produtos e dos serviços em causa como sendo os dos cigarros produzidos em Itália ou noutros Estados-Membros e os dos serviços relativos à distribuição por grosso e à venda a retalho desses cigarros, não contestando a recorrente a correcção destas definições.

39.
    No que se refere, seguidamente, ao mercado geográfico em causa, é jurisprudência constante que ele deve ser delimitado com o fim de determinar se a empresa em causa detém uma posição dominante na Comunidade ou numa parte substancial desta. A definição do mercado geográfico decorre, pois, tal como a de mercado dos produtos, de uma apreciação económica. O mercado geográfico pode, assim, ser definido como o território em que todos os operadores económicos se encontram em condições de concorrência similares no que respeita, precisamente, aos produtos em causa. Não é de modo nenhum necessário que as condições objectivas da concorrência entre os operadores económicos sejam perfeitamente homogéneas. Basta que sejam similares ou suficientemente homogéneas (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect.,p. 77, n.os 44 e 53, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 91). Além disso, esse mercado pode ser limitado a um único Estado-Membro (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 28).

40.
    Segundo o considerando 28 da decisão litigiosa, os três mercados dos produtos e dos serviços em causa (v. n.° 36, supra) correspondem, do ponto de vista geográfico, ao território italiano. Resulta da decisão litigiosa, bem como da documentação apresentada ao Tribunal, que a AAMS forneceu exclusivamente em Itália os serviços previstos pelo contrato de distribuição e que não estava presente, quer enquanto produtor quer enquanto distribuidor de cigarros, nos mercados dos outros Estados-Membros. Além disso, a AAMS não contesta que, aquando da adopção da decisão litigiosa, era o único operador presente no mercado italiano de venda por grosso de cigarros e que desde há vários anos detinha uma situação de monopólio de facto nesse mercado. Estas circunstâncias são suficientes, só por si, para confirmar a análise, adoptada pela Comissão na decisão litigiosa, sobre a definição do mercado geográfico e para refutar os argumentos da AAMS a este respeito.

41.
    Além disso, a definição do mercado geográfico adoptada na decisão em litígio é confirmada por determinado número de outros factos não contestados que resultam da decisão e que demonstram a natureza específica deste mercado. Tais factos são, nomeadamente:

-    a existência em Itália de uma legislação que rege todas as operações relativas aos cigarros e, nomeadamente, a produção, importação, armazenagem, apresentação, distribuição por grosso e venda a retalho dos referidos cigarros;

-    uma diferença sensível relativamente aos outros Estados-Membros no domínio dos preços de venda a retalho dos cigarros em Itália;

-    a inexistência de importações paralelas de cigarros para Itália;

-    a existência de preferências por parte dos consumidores italianos;

-    a muito elevada quota de mercado, em Itália, das marcas de cigarros da AAMS, que praticamente estão ausentes dos outros Estados-Membros;

-    a quota de mercado, mais elevada em Itália do que nos outros Estados-Membros, das marcas de cigarros da Philip Morris.

42.
    Face ao que precede, há que considerar que a Comissão podia justamente concluir que os mercados em causa definidos na decisão litigiosa correspondiam ao território italiano. Quanto ao mais, há que sublinhar que, como é aduzido pelaComissão, o facto de a legislação italiana em matéria de apresentação dos tabacos ter sido imposta por uma directiva comunitária de modo algum se opõe a que tal legislação seja tida em consideração enquanto elemento de facto determinante para a definição do mercado geográfico pertinente.

43.
    Daqui resulta que o primeiro aspecto do fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo aspecto do fundamento, assente num alegado erro de apreciação da posição dominante da AAMS no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros

Argumentos das partes

44.
    A AAMS declara que a Comissão cometeu, na decisão litigiosa, um erro de apreciação sobre a sua posição dominante no mercado pertinente, uma vez que sobreavaliou os problemas relacionados com a criação de uma rede de distribuição alternativa. Reportando-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, Colect., p. 109), considera que da constatação de que, após a liberalização do mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros, em 1975, todas as empresas estrangeiras tinham continuado a recorrer à rede de distribuição da AAMS não podia a Comissão concluir que ela detinha uma posição dominante nesse mercado. Com efeito, estas empresas tiveram a possibilidade quer de implementar a sua própria rede de distribuição quer de recorrer a outras empresas operando no sector da distribuição de categorias de produtos similares sujeitos a impostos sobre consumos específicos. A AAMS faz notar que há numerosos «depósitos fiscais» autorizados, repartidos por todo o território italiano, que podem ser utilizados para a distribuição do tabaco manufacturado a partir de uma simples extensão da autorização de gestão do depósito fiscal.

45.
    A AAMS considera que o argumento da Comissão segundo o qual os titulares de depósitos fiscais não constituem, no domínio da distribuição por grosso de cigarros, uma solução substitutiva válida não pode ser aceite. Com efeito, em primeiro lugar, as despesas de adaptação desses locais são insignificantes. Em segundo lugar, no que respeita às relações com a clientela, a AAMS não se ocupa do transporte das mercadorias até aos diferentes revendedores de tabaco, uma vez que estes se encarregam eles próprios do seu aprovisionamento nos armazéns da AAMS. O recurso a outros grossistas não teria, portanto, como consequência, para os retalhistas de tabaco, uma modificação dos comportamentos e novos encargos financeiros. Além disso, os depósitos de outros produtos sujeitos a impostos sobre consumos específicos integram-se numa rede de distribuição mais densa que a dos depósitos e dos entrepostos de venda da AAMS. Esta observa, finalmente, que os revendedores de cigarros gerem ainda os pontos de venda consagrados à restauração e têm relações com os distribuidores de produtos alcoólicos sujeitos a impostos sobre consumos específicos. Em terceiro lugar, a distribuição de cigarrosfeita pela AAMS por conta de empresas terceiras representa não 7% mas 46% do consumo total de cigarros em Itália.

46.
    A AAMS observa ainda que o seu contrato de distribuição não comporta qualquer cláusula exclusiva que impeça os produtores de recorrer a outro canal de distribuição. Além disso, nenhuma das empresas denunciantes tentou recorrer à rede de distribuição alternativa existente. É assim que a AAMS realça que a JT International BV se limita a afirmar, nas suas observações, que analisou por diversas vezes a possibilidade de recorrer a um sistema de distribuição alternativo, sem explicar em que consistiram as suas tentativas nem os motivos pelos quais concluiu que esta perspectiva não seria rentável no plano económico.

47.
    A AAMS conclui que a decisão litigiosa tem o efeito de lhe impor, na sua qualidade de operador no mercado da produção dos tabacos, encargos excessivos que ultrapassam largamente a obrigação de não criar obstáculos aos outros produtores.

48.
    A Comissão realça que a AAMS não contesta deter 100% do mercado italiano da distribuição por grosso dos cigarros e daí conclui que ela dispõe de um monopólio de facto nesse mercado. Faz notar que, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 217, n.° 41), as quotas de mercado muito elevadas constituem por si só - e salvo circunstâncias excepcionais - a prova da existência de uma posição dominante. A AAMS não invocou qualquer circunstância de natureza excepcional susceptível de justificar uma tese diferente da que foi afirmada inequivocamente pelo Tribunal de Justiça. A Comissão acrescenta que, no momento da adopção da decisão litigiosa, não existiam concorrentes potenciais no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros e que, de um ponto de vista económico, a AAMS parecia ser um «contratante obrigatório» nesse mercado.

49.
    A Comissão e as intervenientes aduzem que a argumentação da AAMS segundo a qual os importadores podiam recorrer, em Itália, a uma rede de distribuição alternativa constituída por depósitos fiscais previstos para outros produtos que, tal como o tabaco, estão sujeitos a impostos sobre consumos específicos, ou criar as suas próprias redes de distribuição, é destituída de fundamento pelas razões expostas, nomeadamente, na decisão litigiosa. A Comissão faz notar que, antes de 1 de Janeiro de 1993, os produtores estrangeiros de cigarros não tinham a possibilidade de utilizar outras redes de distribuição, dado que o Decreto-Lei n.° 513/92, de 31 de Dezembro de 1992 [convertido na Lei n.° 427, de 29 de Outubro de 1993, que transpõe para a ordem jurídica italiana a Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1)], só entrou em vigor nessa data. No que respeita à possibilidade de recorrer aos depósitos fiscais após tal data ou de criar as suas próprias redes de distribuição, essa solução não teria sido praticamente realizável, uma vez que os concorrentes potenciais se teriam confrontado com obstáculosintransponíveis do ponto de vista económico. A Comissão conclui que a AAMS se limita a invocar a existência de possíveis redes de distribuição alternativas sem, no entanto, demonstrar em concreto que a distribuição através de depósitos diferentes dos seus é insusceptível de acarretar um encargo financeiro nitidamente mais importante para os produtores.

50.
    A JT International BV sustenta que não existe qualquer solução substitutiva realista para a distribuição por grosso dos cigarros em Itália e que a AAMS está consciente deste facto. A este respeito, realça que a AAMS, quando foi confrontada, em fins de 1997, com os pedidos de vários produtores estrangeiros de modificação dos contratos de distribuição, para os tornar compatíveis com o direito comunitário da concorrência e pôr fim às discriminações mais patentes, respondeu aos referidos produtores que esses contratos não eram negociáveis, acrescentando que, se eles não lhe fossem remetidos, devidamente assinados, no prazo de alguns dias, ela interromperia a distribuição dos cigarros desses produtores. O conceito de posição dominante, tal como definido por jurisprudência constante, consiste na capacidade de uma sociedade se comportar independentemente dos seus fornecedores, dos consumidores ou dos concorrentes, durante um período considerável (acórdãos United Brands/Comissão, já referido, e Michelin/Comissão, já referido). O comportamento da AAMS relativamente aos outros produtores de cigarros é perfeitamente revelador da sua capacidade de ignorar os pedidos dos seus co-contratantes, e isto impunemente.

Apreciação do Tribunal

51.
    É jurisprudência constante que quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. A posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa - sem que os detentores de quotas sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretende afastar-se da empresa que detém a quota mais importante -, numa situação de força, transformando-a num parceiro obrigatório e assegurando-lhe, só por isso e pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característica da posição dominante (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.° 41). Além disso, uma posição dominante é uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar-se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão United Brands/Comissão, já referido, n.° 65).

52.
    No caso vertente, a AAMS não contesta que a sua quota no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros era de 100% e que conservou intacta esta quota, apesar de as empresas estrangeiras terem a possibilidade jurídica quer de criar asua própria rede de distribuição quer de confiar a distribuição por grosso dos seus cigarros aos operadores comerciais titulares de depósitos fiscais. Além disso, o argumento da AAMS de que a criação, pelas empresas estrangeiras, da sua própria rede de distribuição se justificava de um ponto de vista económico não pode ser acolhido. Há que considerar que as dificuldades económicas que as empresas estrangeiras (com excepção da Philip Morris), cuja quota global no mercado italiano dos cigarros é inferior a 10%, teriam encontrado para criar uma rede de distribuição independente e a capacidade da AAMS de não responder favoravelmente aos pedidos das referidas empresas de modificação do contrato de distribuição são elementos que podem ser utilmente considerados para declarar a existência de uma posição dominante. Além disso, a AAMS não negou, na audiência, a obrigação factual de os retalhistas se aprovisionarem sempre nas secções de venda dos depósitos da AAMS.

53.
    Daqui resulta que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir pela existência de uma posição dominante da AAMS no mercado italiano da distribuição por grosso de cigarros.

54.
    Em consequência, o segundo aspecto do fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao terceiro aspecto do fundamento, assente num alegado erro de apreciação dos efeitos restritivos de determinadas cláusulas do contrato de distribuição

55.
    A AAMS sustenta que o contrato de distribuição celebrado com as empresas estrangeiras não continha cláusulas abusivas e contesta a justeza do artigo 2.° da decisão litigiosa, na sua integralidade. Contesta, em especial, os argumentos da Comissão sobre as cláusulas relativas às quantidades máximas de colocação de novas marcas de cigarros no mercado, às quantidades mensais máximas de lançamento de cigarros no mercado e ao aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado [artigo 2.°, alíneas b), c) e d), da decisão litigiosa], bem como os argumentos sobre a cláusula relativa aos controlos dos cigarros [artigo 2.°, alínea f), da decisão litigiosa]. A AAMS não apresenta, no entanto, qualquer argumento específico contra a justeza do artigo 2.°, alíneas a) e e), da decisão litigiosa.

Cláusulas relativas às quantidades máximas de colocação de novas marcas de cigarros no mercado, às quantidades mensais máximas de lançamento de cigarros no mercado e ao aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado

- Argumentos das partes

56.
    A AAMS declara que, desde a liberalização do mercado em 1975, está presente no mercado da distribuição por grosso por conta de terceiros, no limite das suas capacidades de armazenagem, que ultrapassam o que é necessário para a distribuição dos seus próprios produtos. Refere que não tem interesse emdesenvolver a sua rede de distribuição actual. Sustenta que também não é obrigada a fazê-lo, uma vez que não detém um monopólio de direito que, a existir, a obrigaria a garantir uma determinada qualidade a um serviço que pode ser facilmente executado por outros operadores. A AAMS acrescenta que a sua recusa de negociar cláusulas específicas com um ou outro produtor se justificava pela preocupação de garantir a paridade de tratamento a todos os utilizadores do seu sistema de distribuição, tendo em conta os limites deste sistema. Além disso, há ainda que ter em conta a real capacidade de operar no mercado com base nas estruturas de que dispõe. A capacidade máxima de armazenamento dos seus depósitos representa 10 500 000 quilos de tabacos manufacturados, não havendo qualquer excedente relativamente às exigências de abastecimento normal do mercado, segundo as regras fixadas pelo contrato de distribuição.

57.
    A AAMS realça que, mesmo que se admita que ela dispõe de uma certa capacidade excedentária de armazenamento, as cláusulas limitativas constantes do contrato de distribuição eram proporcionadas à exigência de evitar o grave risco de não poder satisfazer a procura dos outros produtores.

58.
    A AAMS considera que, em teoria, embora seja exacto que um produtor deve ter a liberdade de fixar as quantidades dos seus produtos que devem ser postas no mercado e que uma empresa estrangeira não tem qualquer interesse em pôr no circuito de distribuição quantidades de cigarros superiores às que podem ser absorvidas pelo mercado, ela não pode ser obrigada a fornecer uma prestação sem ter em conta o risco que dela resultaria para os seus interesses económicos ou a confiar a outros operadores uma apreciação económica e uma decisão que poriam em jogo os seus legítimos interesses. Segundo o acórdão United Brands/Comissão, já referido, o facto de ter uma posição dominante não pode, com efeito, privar a empresa em causa do direito de proteger os seus próprios interesses comerciais.

59.
    A AAMS acrescenta que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C-7/97, Colect., p. I-7791), abordou especificamente a questão de saber se, e em que limites, está um produtor obrigado a pôr à disposição de um produtor concorrente a sua própria rede de distribuição. Os fundamentos aduzidos no presente processo pelas denunciantes e retomados na decisão litigiosa, nomeadamente relativos à dificuldade de recorrer a um canal de distribuição alternativo, com base nos quais elas exigem que a AAMS se disponha a satisfazer totalmente os pedidos dos produtores concorrentes não foram admitidos pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Bronner, já referido.

60.
    Deve igualmente ter-se em conta o facto de a procura global de cigarros ser muito estável e de, em consequência, o aumento da procura de uma marca só poder ter efeito em razão da redução da procura de outras marcas. Além disso, tendo em conta a proibição legal de publicidade dos cigarros, as previsões quanto ao consumo dos cigarros não podem ter em conta prováveis efeitos de campanhas publicitárias a favor do produto em causa.

61.
    Além disso, os argumentos da Comissão relativos às variações sazonais do consumo de certos tipos de cigarros estão viciados por um erro de apreciação importante, uma vez que o sistema normal de abastecimento dos depósitos está suficientemente adaptado à necessidade de fazer face aos aumentos da procura. As empresas estrangeiras só, portanto, em circunstâncias muito específicas podem ter um fundamento para a formulação de pedidos de aumento das quantidades de cigarros. Em consequência, o contrato de distribuição garante suficientemente o interesse das referidas empresas, que é o de não encontrar no sistema de distribuição da AAMS obstáculos injustificados à comercialização dos seus produtos. As cláusulas contestadas são necessárias para satisfazer as exigências essenciais da AAMS, não enquanto produtora de cigarros, concorrente das empresas estrangeiras, mas enquanto elemento do serviço de distribuição.

62.
    No que se refere, em particular, à cláusula relativa ao aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado [artigo 2.°, alínea d), da decisão litigiosa e n.° 20, supra], a AAMS precisa que o limite de 30% previsto no quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição corresponde a uma exigência absoluta de compatibilidade com a capacidade de armazenagem. A AAMS indica que tem de ter em conta o facto de poder ser confrontada a uma série de pedidos sem lhes poder garantir um tratamento idêntico. Além disso, os aumentos por aplicação desta cláusula são negociados com os produtores e os critérios para os aumentos são fixados de modo objectivo e pertinente. No caso vertente, esta cláusula foi correctamente aplicada pela AAMS, uma vez que ela só foi acusada de alguns casos não justificados de recusa.

63.
    A AAMS realça que o pagamento de uma retribuição suplementar em caso de aumento das quantidades de cigarros colocadas no mercado, também previsto pelo quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição, se destina a evitar, por um lado, a necessidade de adiantar quantias durante um longo período e, por outro, certas consequências económicas negativas, que resultam do facto de os cigarros não encomendados pelo retalhista ficarem demasiado tempo nos depósitos. Esta taxa cobre, por exemplo, as despesas do transporte ferroviário da fronteira italiana até ao depósito, da descarga dos vagões, da armazenagem e da gestão das existências. Os dados mencionados pela Comissão no considerando 42 da decisão litigiosa, destinados a demonstrar que a AAMS não incorre em geral em qualquer risco financeiro decorrente do pagamento de quantidades de cigarros estrangeiros superiores às exigências do mercado, não são pertinentes, uma vez que não dizem respeito a produtos cuja duração de armazenagem ultrapasse a normal. A AAMS contesta, finalmente, a decisão litigiosa na parte em que a Comissão rejeita, no considerando 43 da dita decisão, a justeza da determinação forfetária dos encargos financeiros acima referidos. Este modo de determinação corresponde, pelo contrário, a um interesse preciso e inteiramente lícito da AAMS, destinado a evitar correcções suplementares e contestações das empresas estrangeiras no que respeita à importância dos encargos financeiros que devem reembolsar à AAMS.

64.
    No que se refere, mais especificamente, à cláusula que limita a introdução de novas marcas de cigarros no mercado [artigo 2.°, alínea b), da decisão litigiosa e n.° 17, supra], a decisão litigiosa está inquinada por um vício grave, uma vez que não tem em conta o facto de as armazenagens das novas marcas constituírem armazenagens suplementares, no sentido de que acrescem às das marcas existentes e são determinadas com base no consumo efectivo destas. A cláusula que limita as possibilidades de colocação de novas marcas de cigarros no mercado é, pois, necessária para garantir o respeito pelas capacidades de armazenagem por motivos inteiramente análogos aos expostos no número precedente e não obsta a uma entrada efectiva de uma nova marca no mercado.

65.
    Tanto a Comissão como as intervenientes contestam, a título liminar, a procedência da argumentação da AAMS segundo a qual a sua recusa de negociar cláusulas particulares com um ou outro produtor se justifica pela necessidade de garantir uma igualdade de tratamento desses produtores. Fazem notar que a decisão litigiosa de modo algum indica que a AAMS deve negociar as cláusulas do contrato de distribuição com cada empresa. A Comissão acusa a AAMS, na decisão litigiosa, de ter imposto aos produtores estrangeiros contratos de distribuição contendo cláusulas abusivas e de não deixar a esses produtores outra escolha para além da de aderir a tais contratos ou de renunciar aos serviços da AAMS para a distribuição dos seus produtos em Itália. A Comissão realça ainda que, em França e em Espanha - países que apresentam grandes semelhanças com a Itália no que respeita ao sector dos cigarros -, os produtores negoceiam as cláusulas dos contratos de distribuição com os distribuidores.

66.
    A Comissão constata que a AAMS distribuiu 106,8 milhões de quilos de tabacos manufacturados em 1985 e 90,5 milhões de quilos em 1997, ou seja, uma diminuição da ordem de 15%. Uma vez que a AAMS nunca afirmou ter procedido a reduções da sua capacidade de distribuição, pode considerar-se que esta capacidade se manteve intacta e é superior em 15% às necessidades reais de distribuição. A Comissão e as intervenientes realçam que a AAMS se contenta com considerar a hipótese, inteiramente irrealista, de que vários produtores estrangeiros poderiam pedir-lhe - simultaneamente e apesar das tendências reais do mercado italiano - «que introduzisse no circuito de distribuição quantidades suplementares». Além disso, um tal aumento do volume de cigarros, ainda que improvável, poderia facilmente ser absorvido pela rede de distribuição da AAMS.

67.
    No que se refere à aplicação do acórdão Bronner, já referido, ao caso vertente, a Comissão considera que há uma contradição na defesa da AAMS. Esta sempre defendeu a sua posição enquanto distribuidora e não enquanto produtora de cigarros. Uma vez que, de acordo com a própria AAMS, a solução encontrada nesse acórdão se aplica a relações entre produtores concorrentes e não entre distribuidores e produtores, a argumentação da AAMS é contrária à alegada aplicabilidade da referida solução ao caso vertente.

68.
    De qualquer modo, o acórdão Bronner, já referido, não pode ser interpretado fora do seu contexto. Nesse processo, o abuso em causa era devido ao facto de uma empresa em posição dominante no mercado da edição de jornais diários recusar o acesso ao mercado da distribuição de jornais diários a concorrentes. A AAMS, em contrapartida, não recusa o acesso ao mercado em causa, mas faz depender esse acesso da aceitação pelas empresas estrangeiras de cláusulas abusivas contidas no contrato de distribuição.

69.
    No que respeita à cláusula relativa ao aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado e, em especial, à obrigação de obter o consentimento da AAMS antes de qualquer nova comercialização de produtos, a Comissão declara que, embora seja exacto que a detenção de uma posição dominante no mercado não pode privar a empresa interessada do direito de proteger os seus próprios interesses comerciais, se não deve perder de vista que um distribuidor tem todo o interesse em seguir as indicações do seu fornecedor se o objectivo deste for o de abastecer suficientemente o mercado. No caso vertente, os produtores estrangeiros de cigarros não têm qualquer interesse em introduzir no circuito de distribuição quantidades de cigarros superiores às que o mercado pode efectivamente absorver. A alegação da AAMS de que as avaliações das empresas estão sujeitas a margens de erro importantes, uma vez que, por um lado, a procura global de cigarros estabilizou fortemente e, por outro, a legislação italiana proíbe a publicidade de cigarros, não pode ser aceite. A este respeito, a Comissão realça que a AAMS dispõe de uma rede de distribuição sobredimensionada, que lhe permite responder a eventuais pedidos de aumento das quantidades de cigarros a distribuir. De qualquer modo, em caso de aumento da procura de uma determinada marca de cigarros, os produtores das outras marcas seriam levados, por razões económicas, a reduzir as quantidades colocadas no mercado de cigarros das suas marcas, assim evitando qualquer risco de existências excedentárias nos armazéns da AAMS.

70.
    No que se refere às restrições relativas à possibilidade de uma empresa estrangeira aumentar as quantidades de cigarros colocadas no mercado e, mais particularmente, no que se refere ao limite de 30% da «encomenda mensal permitida» imposto pelo contrato de distribuição, a Comissão realça que ele se aplica exclusivamente aos cigarros importados, colocando-os numa situação desvantajosa relativamente aos cigarros produzidos em Itália. Esta desvantagem incide sobretudo sobre as marcas de cigarros cujas vendas têm uma natureza sazonal muito marcada. Além disso, o aumento de 30% não é sistematicamente autorizado pela AAMS, a qual detém um poder discricionário e pode, portanto, recusar aumentar as quantidades de cigarros distribuídas. A Comissão faz notar que a AAMS não descreve as características dos riscos para os seus próprios interesses económicos que invoca e, em especial, não contesta que as disposições do contrato de distribuição relativas ao aumento do limite de comercialização mensal violam gravemente a liberdade concorrencial da empresa estrangeira e são unicamente ditadas pela vontade de a impedir de aumentar, na medida exigida pelo mercado, as quantidades vendidas no mercado italiano. A AAMS teria podido, para garantira igualdade de tratamento entre todos os operadores, avaliar - caso a caso e concretamente - a quantidade de cigarros susceptível de ser introduzida na sua rede de distribuição, tendo em conta a situação real dos seus armazéns em termos de capacidade de armazenagem, em vez de fixar arbitrariamente um limite máximo correspondente a 30% das vendas do mês precedente.

71.
    No que respeita à cláusula relativa ao pagamento de uma taxa compensatória em caso de introdução suplementar de cigarros, a AAMS não provou a existência de um verdadeiro risco de duração excessiva da armazenagem, acarretando prejuízos económicos, susceptível de permitir justificar tal taxa. De qualquer modo, esse risco deve, em regra, ser excluído, uma vez que se deve supor que os armazenistas adoptam uma linha de conduta comercial racional e, em consequência, efectuam as suas aquisições a depósitos em função dos pedidos reais dos retalhistas. Além disso, no termo de um prazo determinado, o produtor estrangeiro tem a obrigação de retirar, por sua conta, todas as existências de cigarros não vendidos conservadas nos depósitos da AAMS. É, portanto, a empresa estrangeira que suporta o eventual risco económico. Finalmente, a AAMS nunca reduziu a números o volume dos seus encargos financeiros.

72.
    No que respeita à cláusula relativa aos volumes máximos de colocação de novas marcas de cigarros no mercado, a Comissão recorda que ela não se justifica, uma vez que as capacidades de distribuição da AAMS são suficientes para garantir a distribuição dos cigarros estrangeiros e que cada aumento das vendas de uma marca de cigarros por parte de uma empresa acarreta uma diminuição correspondente das vendas das outras marcas. Além disso, a cláusula é discriminatória, uma vez que os cigarros da Philip Morris produzidos pela AAMS não estão sujeitos ao limite quantitativo.

Apreciação do Tribunal

73.
    Há que realçar, a título liminar, que a AAMS se limitou a apresentar objecções de ordem geral à análise feita pela Comissão das três cláusulas atrás referidas, com excepção dos argumentos relativos ao pagamento de uma taxa suplementar previsto pelo quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição.

74.
    Nestas condições, há que examinar se a recorrente provou ter a Comissão cometido erros manifestos de apreciação ao considerar que a inserção no dito contrato das três cláusulas em questão era constitutiva de um abuso de posição dominante.

75.
    Em primeiro lugar, a argumentação da AAMS relativa à sua recusa de negociar cláusulas específicas com as diferentes empresas estrangeiras não é pertinente. A Comissão não levantou objecções, na decisão litigiosa, à utilização de um contrato-tipo de distribuição. Apenas condenou o facto de a AAMS ter imposto nesse contrato seis cláusulas específicas enumeradas no artigo 2.° da decisão litigiosa.

76.
    No que se refere, em segundo lugar, aos argumentos da AAMS relativos à aplicação, no caso vertente, da orientação que o Tribunal de Justiça seguiu no seu acórdão Bronner, já referido, há que considerar que este acórdão não é pertinente no caso presente. A Comissão não acusa a AAMS de ter recusado o acesso de certas empresas estrangeiras à sua rede de distribuição, mas sim de ter feito depender tal acesso da aceitação pelas referidas empresas de cláusulas abusivas contidas no contrato de distribuição.

77.
    Os argumentos da AAMS relativos à sua capacidade de armazenagem e de distribuição também não podem ser aceites. Para começar, há que considerar que a AAMS de modo algum menciona, nos seus textos, ter encontrado dificuldades concretas a este propósito. Seguidamente, há que realçar que a AAMS não contesta ter distribuído 102 milhões de quilos de cigarros em 1983, que 90 milhões de quilos de cigarros foram legalmente vendidos em Itália em 1995 e que, entretanto, ela não procedeu a uma redução da sua capacidade de armazenagem. Finalmente, há que constatar que a AAMS não avançou, antes da interposição do presente recurso, dados numéricos sobre a sua capacidade real de armazenagem ou exemplos concretos de dificuldade de armazenagem. Com efeito, resulta claramente da documentação submetida ao Tribunal que a AAMS não aproveitou a oportunidade de juntar, no decurso do procedimento administrativo, elementos de prova concretos a este respeito. Assim, nas suas observações de 19 de Maio de 1997 sobre a comunicação das acusações, a AAMS alega que a cláusula relativa aos volumes máximos de cigarros de novas marcas colocados no mercado era necessária por razões de capacidade de armazenagem. Faz notar que as empresas estrangeiras introduziram 150 novas marcas em 1997, o que representa um aumento de 750 000 quilos de cigarros distribuídos pela sua rede. Além disso, a AAMS evocou, aquando da audiência perante o conselheiro auditor, três casos concretos em que ela recusou autorizar o aumento do limite de comercialização mensal dos cigarros importados (a saber, os casos das marcas de cigarros Lucky Strike, Amadis e Lord Extra). Argumentou que não autorizou o aumento do limite porque estas marcas de cigarros não correspondiam à procura do mercado e, não obstante esta recusa, mantiveram-se invendidas, nos armazéns, existências de cigarros. No entanto, a AAMS não revelou problemas de capacidade de armazenagem nesta fase. Assim, os argumentos aduzidos pela AAMS, relativos às suas capacidades de armazenagem, após a interposição do presente recurso, não podem ser aceites pelo Tribunal como prova de um erro manifesto de apreciação por parte da Comissão aquando da adopção da decisão litigiosa.

78.
    No que respeita à obrigação de pagamento de uma taxa suplementar em caso de aumento das quantidades de cigarros colocados no mercado, prevista no quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato-tipo de distribuição, a AAMS argumenta que ela corresponde à necessidade de evitar determinados riscos financeiros. Basta verificar, nesta fase, que a AAMS se limita a retomar os argumentos que apresentou no decurso do procedimento administrativo, sem fazer a menor prova de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação aquando da adopção da decisão litigiosa.

79.
    De qualquer modo, embora seja exacto que a detenção por uma empresa de uma posição dominante num dado mercado não pode privá-la do direito de preservar os seus próprios interesses comerciais quando estes são atacados, e que é necessário conceder-lhe, em medida razoável, a possibilidade de praticar os actos que considere apropriados com o fim de proteger os seus interesses, a AAMS não fez suficiente prova de que o conjunto das cláusulas atrás referidas era necessário para proteger os seus interesses comerciais e evitar o risco de sobrecarga da sua rede de distribuição e o risco financeiro resultante de uma duração excessiva de armazenagem nos seus depósitos dos cigarros não encomendados pelos retalhistas.

80.
    Face ao conjunto destes elementos, há que considerar que a Comissão concluiu correctamente que o facto da AAMS ter imposto no contrato de distribuição as cláusulas em questão constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado.

Cláusula relativa aos controlos dos cigarros

- Argumentos das partes

81.
    A AAMS argumenta que tem o poder e o dever de proceder aos controlos, previstos no artigo 5.° do contrato de distribuição, incidentes sobre os produtos que comercializa, uma vez que é responsável in solido pela conformidade desses produtos com a regulamentação nacional aplicável. Realça, mais especialmente, que, nos termos do artigo 37.°, quinto parágrafo, da Lei n.° 142, de 19 de Fevereiro de 1992, «quem colocar no comércio ou, por qualquer modo, comercializar cigarros com um teor em alcatrão superior ao previsto pelas disposições em vigor no presente artigo é punido com multa até cem milhões e prisão até dois anos». A AAMS observa ainda que a Comissão fez referência, na decisão litigiosa, a uma regulamentação nacional, no caso, a Lei n.° 224, de 24 de Maio de 1988, que ela de modo algum tinha invocado como justificação para os controlos em causa.

82.
    A Comissão sustenta que estes controlos têm por efeito retardar, de modo injustificado, o lançamento de novas marcas de cigarros estrangeiros no mercado italiano. O argumento da AAMS de que está obrigada a garantir o respeito da regulamentação aplicável neste domínio não pode ser aceite, dado que é ao produtor que incumbe a responsabilidade de garantir a conformidade do produto com a regulamentação em vigor em matéria de cigarros. Além disso, esta cláusula é abusiva na medida em que impõe ao produtor estrangeiro o pagamento de uma quantia anual forfetária por cada embalagem de cada marca, independentemente dos controlos efectuados pela AAMS. O seu objectivo é, na realidade, criar um obstáculo suplementar à importação dos cigarros.

- Apreciação do Tribunal

83.
    No que se refere à alegada responsabilidade da AAMS relativa à conformidade com a lei italiana dos cigarros que distribui, há que realçar que subsistem divergências entre a AAMS e a Comissão relativamente às disposições legais italianas pertinentes no caso presente. A Comissão alega que a Lei n.° 224, de 24 de Maio de 1988, relativa à responsabilidade pelos produtos defeituosos é aplicável no caso vertente. Resulta claramente das disposições desta lei, disponibilizada pela Comissão (v. n.° 29, supra), que o produtor é responsável pelo prejuízo causado por um defeito do seu produto. Se, no entanto, o produtor não puder ser identificado, cada fornecedor será considerado produtor a menos que indique à vítima, num prazo de três meses, a identidade do produtor ou de quem lhe forneceu o produto. Há que considerar que, face ao papel muito importante que a AAMS tem no sector dos cigarros em Itália, é pouco provável que a AAMS não possa identificar o produtor dos cigarros defeituosos distribuídos através da sua rede, a fim de evitar qualquer responsabilidade por aplicação da Lei n.° 224, de 24 de Maio de 1988. No que respeita ao argumento da AAMS de que procedeu aos controlos previstos no artigo 5.° do contrato de distribuição a fim de evitar qualquer violação da regulamentação italiana aplicável no domínio dos cigarros, nomeadamente o artigo 37.°, quinto parágrafo, da Lei n.° 142, de 19 de Fevereiro de 1992, e, assim, qualquer sanção, há que realçar que o artigo 11.° do contrato de distribuição obriga as empresas estrangeiras a fornecer à AAMS cigarros que não violem a regulamentação italiana em vigor na matéria, a retirar todas as existências de cigarros não conformes e a aceitar toda a responsabilidade pela comercialização desses produtos. Nestas condições, há que considerar que tais controlos são desproporcionados e excessivos.

84.
    Resulta do que precede que a AAMS não trouxe ao processo indícios sérios susceptíveis de provar que a análise feita pela Comissão da cláusula referida no artigo 2.°, alínea f), da decisão litigiosa está viciada por um erro manifesto de apreciação.

85.
    Daqui resulta que o terceiro aspecto do fundamento deve ser rejeitado na sua totalidade.

Quanto ao quarto aspecto do fundamento, assente num alegado erro de apreciação quanto às práticas unilaterais abusivas

Argumentos das partes

86.
    No que se refere à recusa de autorizar o aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado solicitado pelas empresas estrangeiras, a AAMS observa que a Comissão apenas verificou alguns casos injustificados de recusa em 1995 e 1996. Acrescenta que, fundamentando a sua acusação numa recusa não justificada, a Comissão admite implicitamente que a cláusula contratual que prevê a possibilidade de uma tal recusa não está, em si mesma, inquinada por qualquer vício. Este apenas reside, portanto, numa aplicação incorrecta desta cláusula, a qual, em mais de dez anos, só nalguns casos deu lugar a dificuldades.

87.
    Tratando-se dos comportamentos da AAMS relativamente aos armazéns e do argumento da Comissão constante do considerando 18, terceiro parágrafo, da decisão litigiosa, segundo o qual a JT International BV se dirigiu à AAMS para assinalar que numerosos depósitos tinham efectuado repetidos cortes nos fornecimentos de algumas marcas de cigarros destinadas aos armazéns, a decisão litigiosa não é suficientemente fundamentada. Com efeito, fundamenta-se unicamente numa denúncia da JT International BV cujo fundamento não foi provado. Além disso, os comportamentos dos inspectores da AAMS, referidos no considerando 18, terceiro parágrafo, da decisão litigiosa, relativos a cartas enviadas a determinados armazéns declarando ter verificado «existências excessivas relativamente às exigências do mercado» e encarregando o depósito local «de efectuar um controlo pontual dos pedidos de abastecimento, por forma a assegurar um melhor equilíbrio das existências e uma gestão mais racional das quantidades» concedidas, não revelam qualquer irregularidade destinada a desfavorecer os cigarros estrangeiros. Essas cartas contêm referência a um procedimento destinado a garantir a eficácia e a regularidade do serviço.

88.
    A AAMS contesta o argumento da Comissão formulado no considerando 19 da decisão litigiosa segundo o qual exerceu um controlo permanente da actividade comercial dos pontos de revenda com o fim de favorecer a sua produção de cigarros. A AAMS sustenta que, nas suas relações com os pontos de revenda, actuava na sua qualidade de autoridade pública. A AAMS faz notar que, no acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Banchero (C-387/93, Colect., p. I-4663, n.° 49), o Tribunal de Justiça declarou que «a actividade da AAMS na fase da venda a retalho, que consiste essencialmente em autorizar a abertura de locais de venda de tabaco e em controlar o seu número e repartição no território italiano, constitui o exercício de uma prerrogativa de poder público e não uma actividade económica propriamente dita». Considera, em consequência, que não era possível avaliar os seus comportamentos relativamente aos pontos de venda no quadro de um processo aberto por aplicação do Regulamento n.° 17 e que dizia respeito à sua actividade enquanto empresa. A AAMS acrescenta que, se é verdade que o artigo 86.° do Tratado, conjugado com o artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE), impõe aos Estados-Membros que não tomem ou mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C-35/96, Colect., p. I-3581, n.° 53), a competência para declarar provadas tais violações compete, no entanto, ao juiz nacional, no quadro da aplicação das regras do Tratado em benefício dos particulares, ou ao Tribunal de Justiça, no quadro de acções intentadas em aplicação dos artigos 169.° e 170.° do Tratado CE (actuais artigos 226.° CE e 227.° CE).

89.
    A Comissão realça que a AAMS não contesta que ocorreram recusas de autorização de colocação no mercado de quantidades mais importantes de cigarrose que se limita a sublinhar o seu reduzido número sem, no entanto, fornecer a menor justificação para elas.

90.
    No que respeita aos comportamento da AAMS relativos aos armazéns, esta não contesta a realidade dos factos mencionados no fax da sociedade JT International BV (v. anexo 38 da denúncia e anexo C do recurso). Quanto aos exemplos mencionados no considerando 18, terceiro parágrafo, da decisão litigiosa, o exame do conteúdo das cartas transmitidas pelos inspectores do sector (v. anexos 17 e 18 da denúncia apresentada pela Rothmans e anexo C do recurso) revela, inequivocamente, a vontade da AAMS de «contingentar» o volume dos cigarros estrangeiros. No que se refere ao comportamento da AAMS relativamente aos revendedores (v. considerando 19 da decisão litigiosa), consistiu ele, no essencial, em acusá-los, por aplicação dos poderes de controlo atribuídos aos seus inspectores, de terem encomendado cigarros estrangeiros em quantidades comparáveis ao volume total mensal das vendas de praticamente todo o sector, ou em determinar a quantidade mínima de artigos sujeitos a monopólio e a ser conservados de modo permanente. A Comissão e as intervenientes não contestam o poder de vigilância conferido à AAMS sobre os concessionários e os pontos de revenda. No entanto, os comportamentos atrás referidos tiveram especificamente por fim favorecer os cigarros da AAMS e limitar as vendas dos cigarros importados. Nestas circunstâncias, os inspectores da AAMS não agiram no quadro do referido poder de vigilância, mas apenas com o fim de favorecer especificamente as actividades da AAMS, enquanto empresa, em detrimento dos concorrentes dela. Em consequência, o facto de os comportamentos em questão revestirem a forma de um acto administrativo em nada afecta a conclusão da Comissão de que tais comportamentos tinham por finalidade favorecer a AAMS enquanto empresa. Consequentemente, os actos da AAMS são equiparáveis a comportamentos empresariais passíveis de um exame à luz do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) e do artigo 86.° do Tratado, de acordo com as normas processuais do Regulamento n.° 17 (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873). O efeito anticoncorrencial destes comportamentos foi particularmente importante, e eles estão em contradição flagrante com o princípio da neutralidade do sistema de distribuição.

91.
    A JT International BV confessa-se admirada por a AAMS invocar o acórdão Banchero, já referido. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça perguntou especificamente ao Governo italiano se a regulamentação que regia a distribuição de cigarros em Itália continha uma regra destinada a favorecer a produção nacional, tendo a resposta sido que «as escolhas de abastecimento eram deixadas à livre apreciação dos retalhistas em função da procura no mercado». Ora, numa declaração ao Parlamento italiano em Novembro de 1995, o antigo director-geral da AAMS reconheceu a ilegalidade do comportamento desta relativamente aos retalhistas. Segundo a JT International BV, o acórdão do Tribunal de Justiça teria podido ser completamente diferente se ele tivesse sido correctamente informado pelas autoridades italianas.

Apreciação do Tribunal

92.
    A Comissão argumenta, na decisão litigiosa, que a AAMS, aproveitando a sua posição dominante no mercado da distribuição por grosso dos cigarros em Itália, adoptou diferentes comportamentos abusivos destinados a proteger e a reforçar a sua posição no mercado dos cigarros em Itália.

93.
    Em primeiro lugar, a argumentação da AAMS relativa às suas recusas de autorizar o aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado não pode ser acolhida. Com efeito, a AAMS não contesta ter recusado, por diversas vezes, nomeadamente em 1995 e 1996, a concessão às empresas estrangeiras do aumento das quantidades mensais de colocação de cigarros no mercado que elas solicitavam por aplicação do quinto parágrafo do artigo 2.° do contrato de distribuição. Pretende apenas minimizar a importância de tais recusas injustificadas quando argumenta que a Comissão só pôde apurar alguns casos, limitados no tempo.

94.
    Tratando-se, em segundo lugar, dos comportamentos dos inspectores da AAMS relativamente aos armazéns e aos pontos de venda, os argumentos da AAMS também não podem ser aceites. Há que considerar que a Comissão fez prova suficiente de que o comportamento da AAMS tinha por efeito impedir as empresas estrangeiras de colocar no mercado italiano o volume de cigarros que consideravam oportuno e enfraqueceu a situação concorrencial delas.

95.
    No que respeita aos comportamentos dos inspectores da AAMS relativamente aos armazéns, a Comissão enumerou, no considerando 18 da decisão litigiosa, oito exemplos que, segundo ela, demonstram a vontade da AAMS de favorecer os cigarros nacionais e restringir as vendas de cigarros importados. Deve salientar-se que a AAMS aduz objecções relativas à pertinência dos factos relatados nos três primeiros exemplos descritos no considerando 18 da decisão litigiosa, mas que não contesta os factos referidos nos cinco outros exemplos constantes do mesmo considerando. Resulta claramente destes cinco últimos exemplos que os inspectores da AAMS enviaram, por diversas vezes, cartas aos armazéns impondo-lhes, nomeadamente, o respeito de quotas de venda aplicáveis aos cigarros nacionais e aos cigarros estrangeiros. De uma dessas cartas consta o seguinte parágrafo: «é lógico que às quotas mais elevadas de vendas de produtos estrangeiros deverá corresponder um aumento proporcional das vendas dos produtos nacionais. As vendas excepcionais dos produtos não nacionais deverão, porém, ser recuperadas, no período dos dois meses subsequentes e por aí adiante [...]» (quarto exemplo do considerando 18 da decisão litigiosa). Há que considerar que a AAMS não demonstrou suficientemente, de um ponto de vista jurídico, que os comportamentos dos seus inspectores se justificavam pela vontade de garantir a eficácia e regularidade do serviço ou que se impunham pela regulamentação em vigor ou por disposições contratuais. Consequentemente, a Comissão demonstrou suficientemente que os comportamentos dos inspectores da AAMS eram de natureza abusiva na acepção do artigo 86.° do Tratado. Além disso, a decisãolitigiosa está suficientemente fundamentada, a este respeito, nos considerandos 48 a 50.

96.
    Além disso, a Comissão declarou, na decisão litigiosa, que os inspectores da AAMS tinham adoptado para com os retalhistas comportamentos destinados a favorecer a venda dos cigarros da AAMS e a limitar a dos cigarros importados. Os comportamentos em questão estão descritos no considerando 19 da decisão litigiosa e consistiram, nomeadamente, em indicar aos retalhistas a necessidade de vender uma quantidade mínima de cigarros nacionais, o que aliás não é contestado pela AAMS.

97.
    Esta alega, no entanto, que, nas suas relações com os retalhistas, actuava na sua qualidade de autoridade pública e que não era possível apreciar as referidas relações no quadro de um processo instaurado por aplicação do Regulamento n.° 17. O Tribunal convidou a AAMS a fornecer mais detalhes sobre o poder regulamentar exercido pelos seus inspectores no quadro das quatro intervenções referidas no considerando 19 da decisão litigiosa e a explicar em que medida respeitaram os comportamentos desses inspectores os objectivos da regulamentação aplicável no sector dos cigarros (v. n.° 29, supra).

98.
    Na sua resposta, a AAMS reafirmou que os seus inspectores exerciam funções de natureza pública e dispunham de um poder regulamentar de vigilância dos distribuidores e retalhistas no sector dos cigarros, por aplicação do artigo 2.° do Lei n.° 1283/1957. Acrescentou que, por aplicação da Lei italiana n.° 1074/1958, os seus inspectores estavam obrigados a controlar as actividades dos distribuidores e retalhistas dos produtos sujeitos a monopólio, a fim de evitar as fraudes. Segundo a AAMS, o «abastecimento anormal dos retalhistas pode ser a consequência ou o sintoma de fenómenos como a publicidade proibida dos produtos ou o abastecimento ou o fornecimento ilegais dos produtos a terceiros». Alega que, de qualquer modo, mesmo que os comportamentos em questão não correspondessem aos objectivos das disposições em causa, apenas seriam passíveis de uma declaração de abuso de poder.

99.
    Há que realçar que os comportamentos referidos no considerando 19 da decisão litigiosa foram adoptados a fim de favorecer a venda dos cigarros nacionais e que os argumentos da AAMS relativos à necessidade de evitar fraudes e uma publicidade ilegal são de natureza puramente especulativa e pouco convincentes. Por consequência, há que considerar que a AAMS não demonstrou que a Comissão tenha cometido um erro manifesto na sua apreciação dos comportamentos em questão.

100.
    Nestas condições, o quarto aspecto do fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao pedido subsidiário da redução do montante da coima aplicada

Argumentos das partes

101.
    A AAMS sustenta que se o Tribunal concordar com a sua argumentação relativa à posição dominante no mercado pertinente, deverá anular a decisão litigiosa na sua integralidade, incluindo a disposição relativa à coima. Se, porém, o Tribunal apenas concordar com a argumentação relativa às cláusulas do contrato de distribuição e às práticas unilaterais, deverá reduzir o montante da coima. No que respeita à duração da infracção e, em especial, à alegada recusa da AAMS de autorizar um aumento das quantidades mensais de cigarros importados passíveis de serem introduzidos no mercado, a decisão litigiosa limita-se a fazer referência a determinados acontecimentos que se produziram em 1995 e 1996. Por consequência, a infracção deverá ser considerada de duração média e não de longa duração, o que acarreta consequências quanto ao cálculo da coima [Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3)]. Além disso, a Comissão limita-se a afirmar que os contratos de distribuição em causa existiam já em 1985, sem explicar como e por que razão pode tal circunstância influir sobre a gravidade e a duração da infracção, na ausência de comportamentos especificamente destinados a limitar a concorrência e, sobretudo, por que motivos ela pode, por si só, justificar o montante da coima aplicada.

102.
    A Comissão refuta o argumento da AAMS segundo o qual as práticas unilaterais abusivas denunciadas na decisão litigiosa apenas dizem respeito a certos factos que remontam a 1995 e 1996 e reafirma que a infracção deve ser considerada como de longa duração. É com efeito manifesto que os contratos de distribuição existiam já desde finais de 1985, o que permite que legitimamente se considere que a infracção é de longa duração e, consequentemente, que o montante da coima é justificado. Além disso, as violações do artigo 86.° do Tratado pela AAMS inscrevem-se no quadro de uma política especificamente destinada a entravar, de modo grave e sistemático, o acesso dos produtores concorrentes ao mercado italiano dos cigarros e a limitar as suas possibilidades de expansão no seio do referido mercado. A Comissão conclui, portanto, que os comportamentos em causa da AAMS constituem uma grave violação do artigo 86.° do Tratado.

103.
    A JT International BV considera que, atendendo à duração e gravidade da infracção cometida pela AAMS e tendo em conta o facto de esses comportamentos abusivos terem sido cometidos voluntariamente, em violação de uma clara jurisprudência do Tribunal de Justiça que define as obrigações de uma empresa em posição dominante e das numerosas tentativas das empresas estrangeiras para chamar a atenção da AAMS sobre a ilegalidade da sua conduta, a coima imposta pela Comissão é demasiado baixa. A JT International BV convida, portanto, o Tribunal a fazer uso da sua competência de plena jurisdição, na acepção do artigo 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e a fixar o montante da coima num nível consideravelmente mais elevado que seis milhões de euros, a fim de dar à sanção um efeito dissuasivo apropriado.

Apreciação do Tribunal

104.
    A título liminar, há que declarar, relativamente à argumentação da recorrente sobre as circunstâncias em que se deveria anular a coima ou reduzir o seu montante, que o Tribunal não deferiu o pedido principal da AAMS, de anulação da decisão litigiosa, e que não há, portanto, que anular a disposição da referida decisão relativa à coima, nem reduzir o montante desta.

105.
    Além disso, a AAMS não pode invocar utilmente o facto de a decisão litigiosa apenas fazer referência a determinados acontecimentos que se produziram em 1995 e 1996 e de a infracção dever, consequentemente, ser considerada como de duração média e não de longa duração. Mesmo supondo que a Comissão apenas tenha podido apurar alguns casos de recusa da AAMS de autorizar o aumento das quantidades máximas de colocação no mercado dos cigarros importados entre 1995 e 1996, esses comportamentos não devem ser considerados isoladamente, mas globalmente, como fazendo parte de uma série de comportamentos verificados de 1990 a 1996. A apreciação que a Comissão fez sobre a duração da infracção não está viciada por qualquer erro, na medida em que resulta dos considerandos 16 a 19 da decisão litigiosa que os comportamentos de que a AAMS é acusada relativamente aos cigarros em Itália se prolongaram por sete anos, de 1990 a 1996. Nestas condições, há que concluir que a Comissão demonstrou suficientemente que a infracção de que a AAMS é acusada foi de longa duração.

106.
    Segundo o artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes. A JT International BV interveio no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Há que declarar que o seu pedido de aumento do montante da coima deve ser rejeitado por inadmissível, dado que a Comissão não pediu tal aumento.

107.
    Resulta do que precede que as conclusões da AAMS e da JT International BV relativas à validade e ao montante da coima devem ser rejeitadas na sua integralidade.

Quanto às despesas

108.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a AAMS sido vencida, há que condená-la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta.

109.
    Além disso, a AAMS suportará as despesas das intervenientes, que requereram nesse sentido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A AAMS suportará as despesas da Comissão e as das intervenientes, bem como as suas próprias.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de Novembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: italiano.