Language of document : ECLI:EU:T:2001:284

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

11 de Dezembro de 2001 (1)

«Transparência - Acesso do público aos documentos - Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão - Processo por incumprimento - Notificação de incumprimento - Parecer fundamentado - Excepção relativa à protecção do interesse público - Inspecções e inquéritos - Processos judiciais - Regra do autor - Efeito directo do artigo 255.° CE»

No processo T-191/99,

David Petrie , Victoria Jane Primhak e David Verzoni , residentes, respectivamente, em Verona (Itália), Nápoles (Itália) e Bolonha (Itália),

Associazione lettori di lingua straniera in Italia incorporating Committee for the Defence of Foreign Lecturers (ALLS I/CDFL), com sede em Verona,

representados por L. Picotti e C. Medernach, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Stancanelli e U. Wölker, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 20 de Julho de 1999, que recusa o acesso a certos documentos relativos ao processo de infracção n.° 96/2208 instaurado contra a República Italiana nos termos do artigo 226.° CE e relativo à situação dos leitores de língua estrangeira a exercer funções em Universidades italianas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: P. Mengozzi, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili, R. M. Moura Ramos e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Março de 2001,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    Na Acta Final do Tratado da União Europeia, assinada em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, os Estados-Membros incorporaram uma declaração (n.° 17) relativa ao direito de acesso à informação, segundo a qual:

«A Conferência considera que a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das instituições e a confiança do público na administração. Por conseguinte, a Conferência recomenda que a Comissão apresente ao Conselho, o mais tardar até 1993, um relatório sobre medidas destinadas a facilitar o acesso do público à informação de que dispõem as instituições.»

2.
    O Conselho e a Comissão aprovaram, em 6 de Dezembro de 1993, um código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão (JO 1993, L 340, p. 41, a seguir «código de conduta»), com vista a estabelecer os princípios que regulam o acesso aos documentos na sua posse.

3.
    Para garantir a sua aplicação, a Comissão adoptou, em 8 de Fevereiro de 1994, a Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58). O artigo 1.° desta decisão adopta formalmente o código de conduta, cujo texto é a esta anexado.

4.
    O código de conduta enuncia o princípio geral seguinte:

«O público terá o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho.»

5.
    O termo «documento» é aí definido como «todo o documento escrito, seja qual for o suporte, que contenha dados na posse da Comissão ou do Conselho.»

6.
    O código de conduta, na rubrica intitulada «Tratamento dos pedidos iniciais», terceiro parágrafo (a seguir «regra do autor»), dispõe:

«Sempre que o documento na posse de uma instituição tenha como autor uma pessoa singular ou colectiva, um Estado-Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outra organização nacional ou internacional, o pedido deve ser dirigido directamente ao autor do documento.»

7.
    As circunstâncias que podem ser invocadas por uma instituição para justificar a recusa de um pedido de acesso a documentos estão enumeradas sob a rubrica do código de conduta, intitulada «Regime de excepções», nos seguintes termos:

«As instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar:

-    a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais, estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos),

[...]

As instituições podem igualmente recusar o acesso a um documento para salvaguardar o interesse da instituição no que respeita ao sigilo das suas deliberações.»

8.
    Em 4 de Março de 1994, a Comissão adoptou uma comunicação sobre a melhoria do acesso aos documentos (JO C 67, p. 5), precisando os critérios de aplicação da Decisão 94/90. Nessa comunicação, afirma que «qualquer pessoa pode [...] solicitar o acesso a qualquer documento não publicado da Comissão, incluindo os documentos preparatórios ou outros documentos explicativos». Quanto às excepções previstas pelo código de conduta, a comunicação informa que «[a] Comissão pode considerar que o acesso a um determinado documento deve ser recusado, pelo facto de a sua divulgação prejudicar os interesses públicos ou privados, ou o bom funcionamento da instituição». Quanto a este ponto, é ainda indicado que «[a] aplicação das excepções não é automática e cada pedido de acesso a um documento será analisado em função dos seus méritos próprios».

9.
    Pelo Tratado de Amesterdão, que entrou em vigor em 1 de Maio de 1999, os Estados-Membros introduziram no Tratado CE um novo artigo relativo ao acesso aos documentos. O artigo 255.° CE estipula:

«1. Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado-Membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.os 2 e 3.

2. Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, hão-de reger o exercício do direito de acesso aos documentos serão definidos pelo Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.°, no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.

3. Cada uma das citadas instituições estabelecerá, no respectivo regulamento interno, disposições específicas sobre o acesso aos seus documentos.»

10.
    Além disso, o artigo 1.°, segundo parágrafo, UE dispõe:

«O presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos.»

11.
    Em 30 de Maio de 2001, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram, com base no artigo 255.°, n.° 2, CE, o Regulamento (CE) n.° 1049/2001 relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).

Factos na origem do litígio

12.
    Os recorrentes, pessoas singulares, exerceram a função de leitores de língua materna estrangeira em algumas Universidades italianas, função que foi extinta e substituída, em 1995, pela de «colaborador e perito linguístico de língua materna». No âmbito do presente processo, D. Petrie age em seu próprio nome, bem como na qualidade de representante legal da Associazione lettori di lingua straniera in Italia incorporating Committee for the Defence of Foreign Lecturers (ALLSI/CDFL), organização sindical criada com o fim de representar e proteger a categoria dos leitores em questão.

13.
    Nos acórdãos de 30 de Maio de 1989, Allué e Coonan (33/88, Colect., p. 1591), e de 2 de Agosto de 1993, Allué e o. (C-259/91, C-331/91 e C-332/91, Colect., p. I-4309), o Tribunal de Justiça salientou a incompatibilidade com o direito comunitário do contínuo e sistemático recurso das Universidades italianas a contratos de duração determinada para satisfazer necessidades permanentes no domínio do ensino das línguas, quando, nos outros domínios de ensino não existe, em princípio, esse limite. Não obstante estes acórdãos e a subsequente reforma do ensino de línguas estrangeiras nas Universidades italianas, os recorrentes consideram não ter sido eliminada a situação de discriminação dos antigos leitores de língua materna estrangeira.

14.
    Na sequência de várias denúncias, a Comissão deu início, nos termos do artigo 226.° CE, a um processo de infracção contra a República Italiana. Enviou uma notificação de incumprimento ao Governo italiano, com data de 23 de Dezembro de 1996. De seguida, em parecer fundamentado de 16 de Maio de 1997, convidou o referido governo a responder às acusações feitas. Consecutivamente à resposta do Governo italiano, a Comissão redefiniu as acusações por notificação de incumprimento complementar de 9 de Julho de 1998. Em 28 de Janeiro de 1999, emitiu um parecer fundamentado complementar. Na sequência deste processo, intentou uma acção no Tribunal de Justiça em Junho de 1999.

15.
    Considerando que a situação apresentada à Comissão não correspondia à realidade, os recorrentes, com o objectivo de examinar o conteúdo dos documentos na posse da Comissão relativos ao processo de infracção n.° 96/2208, pediram, por carta de 1 de Abril de 1999, dirigida à Direcção-Geral «Emprego, Relações Industriais e Assuntos Sociais» da Comissão, para ter acesso aos seguintes documentos:

a)    telex n.° 1923/I.2/93 do Ministero dell'Università e della Ricerca Scientifica e Tecnologica (a seguir «MURST»), de 2 de Novembro de 1993, dirigido aos reitores das Universidades italianas e relativo à suspensão de qualquer relação ou actividade com os leitores na sequência do acórdão Allué e o., já referido;

b)    notificação de incumprimento, de 23 de Dezembro de 1996, que deu início ao processo de infracção n.° 96/2208, e documentos a ela anexos;

c)    carta de resposta do MURST à Comissão, de 7 de Março de 1997 (cota 562) e, sendo esse o caso, documentos anexos;

d)    parecer fundamentado da Comissão, de 16 de Maio de 1997, relativo ao processo de infracção n.° 96/2208, e respectivos anexos;

e)    todos os documentos relativos à actividade do MURST, da Conferência dos Reitores, do Departamento de Políticas Comunitárias e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no sentido de obter os restantes elementos solicitados pela Comissão no parecer fundamentado de 16 de Maio de 1997, entre os quais, a título de exemplo, os pedidos de informações, de contra-argumentações ou de documentos enviados às Universidades italianas ou a outros órgãos ou serviços administrativos e as respostas deles recebidas, acompanhadas de uma lista contendo a sua enumeração;

f)    nota do mês de Julho de 1997 e/ou de 7 ou 21 de Agosto de 1997 do MURST, dirigida à Comissão (por intermédio da Representação Permanente italiana), e documentos anexos com os resultados do inquérito precedente;

g)    nota do Departamento de Políticas Comunitárias à Comissão, de 12 de Setembro de 1997, e documentos concernentes;

h)    comunicações do embaixador Cavalchini ao MURST, de 19 e 20 de Dezembro de 1997;

i)    notificação de incumprimento complementar, emitida pela Comissão em 9 de Julho de 1998;

l)    nota do MURST dirigida às Universidades italianas, de 7 de Agosto de 1998, e lista das Universidades destinatárias dessa nota;

m)    notas do MURST n.° 2599, de 10 de Agosto de 1998, e n.° 3830, de 16 de Novembro de 1998, dirigidas à Comissão;

n)    contra-argumentações e documentos enviados pelas Universidades italianas em resposta à nota do MURST de 7 de Agosto de 1998 e respectiva lista;

o)    nota do MURST, de 10 de Dezembro de 1997, enviada à Representação Permanente de Itália junto da União Europeia;

p)    circulares ministeriais que interpretaram o artigo 4.° da Lei n.° 236/95, entre as quais, designadamente, a de 7 de Agosto de 1998, do MURST aosreitores das Universidades italianas, assinada pelo sub-secretário Luciano Guerzoni;

q)    parecer fundamentado complementar da Comissão, de 28 de Janeiro de 1999;

r)    qualquer outro documento ou acto não incluídos na lista que precede e relativos aos inquéritos e pedidos de informações do MURST a respeito dos leitores e/ou colaboradores linguísticos nas Universidades italianas, após o acórdão Allué e o., já referido, e a entrada em vigor da Lei n.° 236/95 e, em todo o caso, relativo à defesa do Estado italiano no processo de infracção antes referido, entre os quais a eventual resposta ao parecer fundamentado referido em q).

16.
    Por carta de 3 de Maio de 1999, a Comissão recusou o acesso aos documentos atrás referidos. Os recorrentes, de seguida, confirmaram o seu pedido de acesso, por carta de 3 de Junho de 1999.

17.
    Depois de ter ampliado, ligeiramente, por carta de 2 de Julho de 1999, o prazo fixado para responder ao referido pedido, o secretário-geral da Comissão indeferiu o pedido confirmativo, por decisão de 20 de Julho de 1999 (a seguir «decisão» ou «decisão impugnada»). A decisão está redigida nos seguintes termos:

«[...] Em primeiro lugar, gostaria de confirmar que os documentos indicados na V. carta, nas alíneas a), c), e), f), g), h), l), m), n) e p), não são documentos da Comissão, antes tendo sido fornecidos pelas autoridades italianas. Sugiro, assim, que contactem directamente estas últimas no sentido de obter cópia desses documentos. Com efeito, embora o princípio geral do código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos da Comissão e do Conselho preveja que 'o público terá o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho', o quinto parágrafo do código dispõe que, 'sempre que o documento na posse de uma instituição tenha como autor uma pessoa singular ou colectiva, um Estado-Membro, outra instituição ou órgão comunitário ou qualquer outra organização nacional ou internacional, o pedido deve ser dirigido directamente ao autor do documento.'

No que diz respeito aos documentos indicados na V. carta, nas alíneas b), d), i) e q), que são documentos da Comissão, lamento informar que, após atenta análise do pedido, tenho de confirmar a recusa de [Larsson], já que a divulgação desses documentos pode prejudicar a protecção do interesse público e, em especial, a gestão de inquéritos que poderiam conduzir à abertura de um processo ao abrigo do artigo 226.° (ex artigo 169.°) do Tratado. Esta derrogação encontra-se expressamente prevista pelo código de conduta.

Com efeito, é essencial para a Comissão poder efectuar inquéritos sobre questões em que ela é directamente interessada na sua qualidade de guardiã dos Tratados, respeitando sempre a natureza reservada desses processos. Os inquéritos em matéria de infracções exigem uma cooperação sincera e um clima de confiança recíproca entre a Comissão e o Estado-Membro interessado, para que ambas as partes possam encetar negociações que permitam chegar rapidamente a uma solução.

Esta atitude é coerente com o acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo WWF-UK/Comissão (T-105/95), que declara, no n.° 63, que '[a] este respeito, o Tribunal considera que a confidencialidade que os Estados-Membros têm o direito de esperar da Comissão nestas situações justifica, no âmbito da protecção do interesse público, a recusa de acesso aos documentos relativos aos inquéritos que possam eventualmente resultar num processo por incumprimento, mesmo após o decurso de um certo lapso de tempo depois do encerramento desses inquéritos.'

Além disso, a divulgação destes documentos, que dizem respeito a um litígio pendente (processo de infracção n.° 96/2208, contra Itália), poderia prejudicar um outro interesse público mencionado no código de conduta, consistente no bom andamento dos processos judiciais. Com efeito, a divulgação seria susceptível de prejudicar os interesses das partes em presença e poderia violar as regras específicas que regulam a apresentação de documentos no âmbito desses processos [...]»

Tramitação e pedidos das partes

18.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Agosto de 1999, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

19.
    As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal, na audiência de 14 de Março de 2001.

20.
    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão que consta das cartas de 3 de Maio e 20 de Julho de 1999, na parte em que recusa o acesso aos documentos na posse da Comissão relativos ao processo de infracção n.° 96/2208, instaurado nos termos do artigo 226.° CE contra a República Italiana;

-    declarar que os recorrentes têm o direito de acesso aos referidos documentos e condenar a Comissão a autorizar esse acesso;

-    condenar a Comissão no pagamento das despesas.

21.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    a título principal, declarar inadmissível o recurso, na sua totalidade, por falta de interesse em agir;

-    a título subsidiário, negar procedência ao pedido de anulação da decisão impugnada;

-    declarar inadmissíveis o pedido de reconhecimento do direito de acesso dos recorrentes aos documentos em questão, bem como o de que a recorrida seja condenada a autorizar esse acesso;

-    condenar os recorrentes nas despesas.

22.
    Na audiência, os recorrentes desistiram do pedido de anulação na parte relativa à decisão contida na carta da Comissão datada de 3 de Maio de 1999. Desistiram igualmente do pedido de declaração do seu direito de acesso aos referidos documentos e de condenação da Comissão a autorizá-lo.

23.
    Na audiência, os recorrentes requereram também a junção ao processo da decisão do Provedor de Justiça Europeu, J. Söderman, de 13 de Setembro de 2000, relativa à sua queixa n.° 161/99/IJH. Ouvida a recorrida, que não suscitou objecções, muito embora tenha contestado a relevância do documento para a resolução do litígio, o Tribunal determinou a junção do documento ao processo.

Quanto à admissibilidade

24.
    A recorrida alega que, ao que parece, os recorrentes estão na posse de certos documentos cujo acesso lhes foi recusado e que, em todo o caso, conhecem o conteúdo dos documentos solicitados. Em consequência, a decisão impugnada não é susceptível de afectar substancialmente os interesses dos recorrentes, uma vez que não modifica de forma caracterizada a sua situação jurídica. Por conseguinte, os recorrentes não teriam interesse em agir.

25.
    Não pode aceitar-se a afirmação da Comissão.

26.
    Como a jurisprudência já por várias vezes recordou, resulta da economia da Decisão 94/90 que esta se destina a aplicar-se de uma forma geral aos pedidos de acesso aos documentos e que, nos termos dessa decisão, qualquer pessoa pode pedir o acesso a qualquer documento não publicado da Comissão, sem que tenha de fundamentar o pedido. Consequentemente, uma pessoa a quem tenha sido recusado o acesso a um documento ou a uma parte de um documento tem, apenas por esse facto, interesse em obter a anulação da decisão de indeferimento (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Fevereiro de 1998,Interporc/Comissão, T-124/96, Colect, p. II-231, n.° 48, a seguir «acórdão Interporc I», e de 17 de Junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho, T-174/95, Colect., p. II-2289, n.os 65 a 67).

27.
    Por conseguinte, o recurso é admissível.

Quanto ao mérito

28.
    Os recorrentes aduzem três fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro diz respeito à violação do artigo 255.°, n.° 1, CE, bem como do artigo 1.°, segundo parágrafo, UE. O segundo diz respeito à violação da Decisão 94/90. O terceiro baseia-se na violação do artigo 253.° CE.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 255.°, n.° 1, CE, bem como do artigo 1.°, segundo parágrafo, UE

Argumentos das partes

29.
    Os recorrentes observam, a título preliminar, que o artigo 1.°, segundo parágrafo, UE e o artigo 255.°, n.° 1, CE reforçam o princípio da transparência, o qual, ao permitir o exercício do direito à informação, constitui uma base democrática essencial para alcançar a integração europeia, graças a uma maior confiança dos cidadãos nas instituições comunitárias e a uma maior proximidade destas últimas relativamente aos cidadãos.

30.
    A este respeito, os recorrentes alegam que não se encontra previsto qualquer limite expresso ao exercício destes direitos, num acto normativo específico, à excepção do poder do Conselho de fixar um tal limite, segundo o processo previsto no artigo 251.° CE (v. artigo 255.°, n.° 2, CE), no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, e da disposição que prevê que cada instituição estabeleça, no respectivo regulamento interno, disposições específicas sobre o acesso aos seus documentos (v. artigo 255.°, n.° 3, CE).

31.
    Os recorrentes sublinham que o Tratado de Amesterdão entrou em vigor e que os princípios nele consagrados não podem ser esvaziados de sentido afirmando que não são directamente aplicáveis na falta de medidas de execução. Deve considerar-se que a disposição sobre o direito de acesso, também afirmado no artigo 1.° UE, deve ser entendida no sentido de ter conteúdo normativo e de dever ser objecto de aplicação imediata. Por conseguinte, para que possam considerar-se legais à luz das normas de direito primário de grau superior, as disposições comunitárias existentes devem ser objecto de uma interpretação conforme aos princípios consagrados nessas normas, mesmo que estas sejam posteriores àquelas disposições. A Comissão está, assim, obrigada a interpretar a Decisão 94/90 em conformidade com os princípios consagrados no artigo 255.° CE, privilegiando uma interpretação restritiva das disposições que limitam o direito de acesso.

32.
    A recorrida sustenta que o direito de acesso é, mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, um direito que pode ser objecto de limitações. Faz notar, ainda, que o artigo 255.°, n.° 2, CE refere expressamente os limites a fixar pelo legislador por razões de interesse público ou privado. Alega que o artigo 255.° CE não tem efeito directo, dado não constituir uma obrigação precisa e incondicional. E que os recorrentes parecem ter consciência disso, uma vez que afirmam que o importante é que a Comissão interprete a Decisão 94/90 à luz do princípio consagrado no artigo 255.° CE. Sublinha que aplicou a Decisão 94/90, respeitando o princípio constante do artigo 255.° CE, mesmo antes da entrada em vigor desta disposição.

33.
    Além disso, a Comissão salienta que o direito de acesso não é directamente aplicável, já que o Parlamento Europeu e o Conselho devem, ainda, adoptar disposições relativas aos princípios gerais e aos limites do referido direito. O Tratado prevê, a este respeito, um prazo de dois anos a contar da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, prazo que termina em 1 de Maio de 2001. Enquanto se aguarda a adopção de um acto, o direito de acesso aos documentos das instituições apenas se pode exercer no âmbito da regulamentação existente. O quadro jurídico de referência é constituído, assim, pela Decisão 94/90.

Apreciação do Tribunal

34.
    Ao contrário do que sustentam os recorrentes, os artigos 1.°, segundo parágrafo, UE e 255.° CE não são directamente aplicáveis. A este respeito, cabe recordar que, tal como resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1963, Van Gend en Loos (26/62, Colect. 1964-1964, p. 205), os elementos que permitem concluir que uma disposição do Tratado é directamente aplicável são os de a regra ser clara e incondicional, ou seja, de a sua execução não dever ser subordinada a qualquer condição de fundo, e de não depender da intervenção de medidas ulteriores a adoptar pelas instituições ou pelos Estados-Membros no uso de um poder discricionário de apreciação.

35.
    No caso vertente, é evidente que o artigo 1.°, segundo parágrafo, UE não é claro, no sentido exigido pela jurisprudência referida. Do mesmo modo, é óbvio que o artigo 255.° CE, por força dos seus n.os 2 e 3, não é incondicional e a sua concretização depende da adopção de medidas ulteriores. Com efeito, a fixação dos princípios gerais e dos limites que, por razões de interesse público ou privado, regulam o exercício do direito de acesso aos documentos é confiada ao Conselho no âmbito do exercício do seu poder de apreciação em matéria legislativa.

36.
    Daí decorre que a entrada em vigor dos artigos 1.°, segundo parágrafo, UE e 255.° CE não fez caducar automaticamente as disposições constantes da Decisão 94/90.

37.
    O argumento dos recorrentes segundo o qual a Decisão 94/90 deve interpretar-se em conformidade com os princípios consagrados no artigo 255.° CE não pode proceder. Com efeito, uma vez que o artigo 255.° CE não prevê uma obrigação incondicional, a Comissão não podia, antes da fixação pelo legislador comunitário dos princípios e dos limites que regem a aplicação daquele artigo, dele deduzir critérios para a interpretação das disposições limitadoras do direito de acesso aos documentos contidas na Decisão 94/90.

38.
    Daí decorre que o fundamento dos recorrentes que se baseia na violação do artigo 255.°, n.° 1, CE, bem como do artigo 1.°, segundo parágrafo, UE, deve ser declarado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação da Decisão 94/90

No que diz respeito aos documentos provenientes das autoridades italianas

- Argumentos das partes

39.
    Os recorrentes observam que a Decisão 94/90 se refere «aos documentos na posse da Comissão» e que, no código de conduta, o termo «documento» é definido como «todo o documento escrito, seja qual for o suporte, que contenha dados na posse da Comissão ou do Conselho». Nestes termos, consideram que o acesso aos documentos não abrange apenas os documentos provenientes dos órgãos comunitários ou por estes elaborados, mas igualmente todos os que estão na sua posse.

40.
    Alegam que a Decisão 94/90 não é mais do que uma auto-regulamentação da Comissão, devida à inexistência de normas ad hoc, que tem por objectivo garantir a transparência dos actos institucionais. As regras contidas nesta decisão não devem, assim, ser objecto de uma interpretação restritiva, limitada a uma categoria preestabelecida de documentos. De outro modo, não se atingiriam os dois principais objectivos do acesso aos documentos, que são o favorecimento da transparência das decisões e o reforço da confiança do público na administração comunitária.

41.
    Os recorrentes sublinham que a regra do autor constitui uma restrição significativa ao princípio da transparência, já que exclui completamente do âmbito do direito de acesso os documentos elaborados por terceiros, mas que estão na posse e são utilizados pela Comissão apenas em virtude das funções que esta exerce. Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e Van der Wal/Comissão (C-174/98 P et C-189/98 P, Colect., p. I-1), os recorrentes sustentam que o Tribunal de Justiça afirmou a necessidade de interpretar restritivamente as disposições da Decisão 94/90 que limitam o direito de acesso. Acrescentam que a interpretação restritiva da regra do autor impõe à Comissão a análise do conteúdo dos documentos solicitados e das regras nacionaisem matéria de divulgação, no sentido de verificar se os referidos documentos são ou não susceptíveis de divulgação segundo o direito nacional.

42.
    Os recorrentes fazem ainda notar que, nas suas decisões, os órgãos da Comunidade não utilizam apenas os seus próprios documentos, mas também aqueles que provêm de outros órgãos ou pessoas. Em consequência, a transparência do processo de decisão e a confiança do público na administração comunitária apenas podem ser garantidas se todos os documentos em que se fundam as decisões destes órgãos comunitários forem dados a conhecer aos interessados.

43.
    Por fim, consideram que a instituição deve ponderar sempre o interesse dos denunciantes na transparência do processo de decisão e o interesse dos autores dos documentos solicitados. A este respeito, realçam que o seu pedido de acesso foi rejeitado pelas autoridades italianas e consideram que o acesso aos documentos deve ser garantido de forma autónoma ao nível comunitário, independentemente de um eventual contencioso existente entre os interessados e o respectivo Estado-Membro.

44.
    A recorrida alega que a distinção criticada pelos recorrentes se fundamenta numa disposição expressa da Decisão 94/90, que determina que os documentos elaborados por uma pessoa estranha à Comissão não estão submetidos ao regime previsto pela mesma decisão, devendo o pedido de obtenção desses documentos ser dirigido ao seu autor.

45.
    No que diz respeito às afirmações dos recorrentes, que contestam a legalidade da regra do autor, a Comissão considera serem as mesmas inadmissíveis, dado que se trata de uma disposição de alcance geral, que não afecta directa e individualmente os recorrentes. Por outro lado, a Comissão alega que a regra do autor constitui uma limitação ao princípio geral da transparência expressamente reconhecida pela jurisprudência. Sublinha que nem o texto nem a interpretação sistemática do artigo 255.° CE revelam que esta disposição diga igualmente respeito a documentos na posse da Comissão, mas elaborados por terceiros. Por conseguinte, a regra do autor não obriga a Comissão a assegurar um equilíbrio entre interesses em conflito nesta matéria.

46.
    A Comissão acrescenta que a interpretação restritiva desta regra se limita aos casos em que exista uma dúvida quanto à identidade do autor do documento.

- Apreciação do Tribunal

47.
    O Tribunal já declarou que, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1996, Países Baixos/Conselho (C-58/94, Colect., p. I-2169, n.° 37), enquanto não existir um princípio de direito de grau superior prevendo que a Comissão não estava habilitada, na Decisão 94/90, a excluir do âmbito de aplicação do código de conduta os documentos de que não é autora, a referida regra pode ser aplicada(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 2000, JT's Corporation/Comissão, T-123/99, Colect., p. II-3269, n.° 53).

48.
    Relativamente ao artigo 255.° CE, há que reconhecer que esta disposição não obriga o legislador comunitário a admitir, sem qualquer limitação, o acesso do público aos documentos na posse das instituições. Pelo contrário, esta disposição prevê expressamente que o legislador deve precisar os princípios e os limites que regem o exercício do direito de acesso a esses documentos.

49.
    Esta conclusão não pode ser afastada pelo facto de, como correctamente afirmam os recorrentes, as instituições comunitárias utilizarem, quando da adopção de decisões, documentos provenientes de terceiros, pois a transparência do processo de decisão e a confiança dos cidadãos na administração comunitária podem ser garantidas por uma fundamentação suficiente dessas decisões. Com efeito, as restrições ao acesso aos documentos provenientes de terceiros e na posse das instituições não afectam o dever, que sobre estas impende nos termos do artigo 253.° CE, de fundamentação suficiente das suas decisões. Uma fundamentação suficiente implica que a instituição, quando tenha baseado a sua decisão num documento proveniente de um terceiro, explique o conteúdo desse documento nessa decisão e justifique por que é que o utilizou como fundamento dela.

50.
    Em consequência e uma vez que é pacífico que os documentos solicitados foram elaborados pelas autoridades italianas, cabe reconhecer que a Comissão não cometeu um erro de direito ao considerar que não estava obrigada a conceder acesso aos mesmos.

No que diz respeito aos documentos elaborados pela Comissão

51.
    Importa recordar que, no presente caso, os documentos em questão são notificações de incumprimento e pareceres fundamentados que foram redigidos no âmbito de um processo aberto contra a República Italiana nos termos do artigo 226.° CE.

- Argumentos das partes

52.
    Os recorrentes observam que uma interpretação demasiado estrita da excepção fundada na protecção do interesse público cria o risco de esvaziar os principais objectivos da política da Comunidade em matéria de acesso aos documentos.

53.
    Recordam que a primeira fase pré-contenciosa do processo de infracção é uma fase de inquérito que condiciona fortemente a eventual fase contenciosa. Em primeiro lugar, porque, na sequência da audição do Estado, a Comissão pode arquivar o processo, se considerar que a violação das obrigações comunitárias não está provada, e, em segundo lugar, porque, para garantir os direitos de defesa, a acção intentada pela Comissão no Tribunal de Justiça não pode ter por objecto acusações não invocadas no decurso da primeira fase.

54.
    Em consequência, o processo que tem por objectivo apurar a matéria de facto deve respeitar o princípio do contraditório, entendido como a possibilidade de todas as partes directamente interessadas ou lesadas pelas violações do direito comunitário invocadas intervirem no mesmo procedimento. Os recorrentes consideram que o processo de infracção é sempre um processo de verificação destinado a aplicar uma sanção pública a um Estado por factos que, no caso vertente, não são secretos e lhes dizem directamente respeito.

55.
    Os recorrentes concluem que nem todos os documentos relativos ao processo de infracção do artigo 226.° CE podem ser cobertos pela excepção fundada na protecção do interesse público e que, em todo o caso, eles não podem ser cobertos por esta excepção sem distinção ou sem que se dê uma fundamentação específica para cada documento.

56.
    Os recorrentes observam que a interpretação da excepção fundada na protecção do interesse público aduzida pela recorrida assenta numa presunção absoluta de lealdade e de confidencialidade nas relações entre um Estado-Membro e a Comissão. Ora, a presunção de lealdade da República Italiana é, segundo os recorrentes, claramente desmentida pelos pedidos de absolvição parcial da instância, formulados pelos magistrados italianos no âmbito do processo penal instaurado na sequência de uma queixa de um dos recorrentes, nos quais os magistrados parecem atribuir ao MURST e aos seus responsáveis a autoria das falsas declarações prestadas à Comissão pelo Estado italiano.

57.
    Os recorrentes consideram que a presunção de lealdade e de confidencialidade pode, quando muito, dizer respeito aos actos preparatórios da decisão da Comissão de instaurar ou não o processo de infracção. Referindo-se ao comunicado de imprensa da Comissão de 16 de Dezembro de 1997, os recorrentes alegam que esta presunção não pode ser invocada quando o pedido de documentos é formulado nos casos em que já foi adoptada e tornada pública a decisão de instaurar o processo de infracção. Consideram que a publicidade elimina a exigência de confidencialidade.

58.
    A recorrida recorda que a protecção do interesse público figura entre as excepções da primeira categoria, sendo, por isso, de natureza imperativa. Considera que, neste caso, não está obrigada a ponderar os interesses em presença antes de recusar o acesso.

59.
    Remetendo para o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão (T-105/95, Colect., p. II-313, a seguir «acórdão WWF»), que, segundo a recorrida, estabelece que os documentos relativos a um inquérito sobre uma eventual infracção do direito comunitário por um Estado-Membro susceptível de dar lugar a um processo por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE se enquadram na excepção baseada na protecção do interesse público, com o objectivo de não prejudicar o bom andamento do processo porincumprimento e, sobretudo, a sua finalidade, que é a de permitir ao Estado-Membro cumprir voluntariamente as exigências do Tratado ou justificar a sua posição, a Comissão alega que os quatro documentos que elaborou dizem respeito a um inquérito susceptível de resultar num processo por incumprimento. Considera que se trata de notificações de incumprimento e de pareceres fundamentados que, no essencial, dão a conhecer o resultado de inquéritos e inspecções efectuados pela Comissão e os contactos entre esta e a República Italiana. Por conseguinte, aplica-se a estes documentos a correspondente exigência de confidencialidade. Dado que os quatro documentos em causa dizem respeito a uma fase do inquérito susceptível de levar a um processo por incumprimento, cabendo, por isso, numa das hipóteses da excepção fundada na protecção do interesse público, a Comissão alega que recusou fundadamente, na decisão impugnada, o acesso dos recorrentes aos referidos documentos.

60.
    A recorrida recorda que a excepção decorrente da protecção do interesse público é relevante ainda por outra razão. Observa que os documentos em causa foram redigidos para efeitos de um processo judicial, tendo sido intentada uma acção, em Junho de 1999, contra a República Italiana, no âmbito do processo de infracção n.° 96/2208. A recorrida considera que, consequentemente, estes documentos se enquadram no conceito de «alegações ou requerimentos apresentados», os quais constituem uma categoria de documentos a que se aplica a excepção relativa à protecção do interesse público.

61.
    A recorrida contesta, além disso, o argumento dos recorrentes segundo o qual as pessoas que fazem denúncias à Comissão sobre alegadas violações do direito comunitário por parte dos Estados-Membros deveriam beneficiar de um direito de participação no processo por incumprimento.

62.
    A respeito da afirmação de que a excepção relativa à protecção do interesse público deve deixar de se aplicar em caso de conduta desleal do Estado-Membro num processo por incumprimento, a recorrida alega que este limite presumido não encontra qualquer fundamento na razão de ser daquela excepção e que a jurisprudência nesta matéria também não o reconhece. Considera, com efeito, que a obrigação de confidencialidade recai sobre a Comissão e joga a favor do Estado em causa, independentemente dos comportamentos por este último adoptados no decurso do processo por incumprimento. Segundo a Comissão, contrariamente ao que afirmam os recorrentes, não ficou provado que a conduta da República Italiana no processo por incumprimento n.° 96/2208 tenha sido desleal e incorrecta. Quanto à questão da publicidade dada à sua intenção de recorrer ao Tribunal de Justiça no âmbito de um processo por incumprimento, a Comissão acentua que, no comunicado de imprensa, as posições assumidas pelas partes não estão divulgadas em detalhe e que, por conseguinte, não se verifica qualquer ofensa à sinceridade no diálogo com o Estado-Membro em questão. A demonstrá-lo está o facto de o diálogo ter prosseguido mesmo após a publicação do comunicado de imprensa.

63.
    A Comissão acrescenta que nem mesmo a propositura de uma acção elimina a exigência de confidencialidade. Considera que a necessidade de garantir a confidencialidade, mesmo após o encerramento de um inquérito, se aplica a fortiori em caso de acção judicial. Segundo ela, a razão que justifica a exigência de confidencialidade, que consiste na possibilidade de o Estado-Membro em causa cumprir as exigências do direito comunitário ou, sendo esse o caso, justificar a sua posição a fim de evitar a verificação da existência do incumprimento, permanece válida ao longo de todo o processo judicial.

- Apreciação do Tribunal

64.
    Importa recordar que a Decisão 94/90 é um acto que confere aos cidadãos o direito de acesso aos documentos na posse da Comissão (v., nomeadamente, acórdão WWF, referido no n.° 59 supra, n.° 55, e acórdão Interporc I, referido no n.° 26 supra, n.° 46). A referida decisão tem por objectivo consagrar o princípio de um acesso tão amplo quanto possível dos cidadãos à informação, a fim de reforçar o carácter democrático das instituições e a confiança do público na Administração (acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, referido no n.° 26 supra, n.° 66).

65.
    No código de conduta adoptado pela Comissão na Decisão 94/90 figuram, todavia, duas categorias de excepções ao princípio geral de acesso dos cidadãos aos documentos da Comissão. O texto da primeira categoria, em que se insere a excepção invocada neste caso pela Comissão, redigido em termos imperativos, determina que «[a]s instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar [nomeadamente] a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais, estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos)».

66.
    Deve recordar-se que as excepções ao acesso aos documentos devem ser interpretadas e aplicadas restritivamente, de forma a não pôr em cheque a aplicação do princípio geral que consiste em conferir ao público «o acesso mais amplo possível aos documentos na posse da Comissão» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 1999, Bavarian Lager/Comissão, T-309/97, Colect., p. II-3217, n.° 39, e a jurisprudência referida).

67.
    Na decisão impugnada, a Comissão indica que a divulgação das notificações de incumprimento e dos pareceres fundamentados «pode prejudicar a protecção do interesse público e, em especial, a gestão de inquéritos que poderiam conduzir à abertura de um processo ao abrigo do artigo 226.° (ex artigo 169.°) do Tratado». A este respeito, a Comissão evoca expressamente o facto de que «os inquéritos em matéria de infracções exigem uma cooperação sincera e um clima de confiança recíproca entre a Comissão e o Estado-Membro interessado, para que ambas as partes possam encetar negociações que permitam chegar rapidamente a uma solução». Acrescenta que «a divulgação destes documentos, que dizem respeito a um litígio pendente [...], poderia prejudicar um outro interesse público mencionadono código de conduta, consistente no bom andamento dos processos judiciais. Com efeito, a divulgação seria susceptível de prejudicar os interesses das partes em causa e poderia violar as regras específicas que regulam a apresentação de documentos no âmbito desses processos».

68.
    No presente caso, os documentos solicitados são notificações de incumprimento e pareceres fundamentados que foram redigidos no âmbito de inquéritos e inspecções efectuadas pela Comissão. Como o Tribunal de Primeira Instância referiu no acórdão WWF (referido no n.° 59 supra, n.° 63), os Estados-Membros têm o direito de esperar que a Comissão respeite a confidencialidade no decurso dos inquéritos que possam eventualmente resultar num processo por incumprimento. Esta exigência de confidencialidade mantém-se mesmo após o recurso ao Tribunal de Justiça, pelo facto de não se poder excluir que as negociações entre a Comissão e o Estado-Membro em causa, tendo em vista o cumprimento voluntário, por este último, das exigências do Tratado, possam continuar durante o processo judicial e até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça. A preservação deste objectivo, que consiste na resolução amigável do diferendo entre a Comissão e o Estado-Membro antes da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, justifica, a título da protecção do interesse público relativo às inspecções e inquéritos e aos processos judiciais, a qual se enquadra na primeira categoria das excepções da Decisão 94/90, a recusa de acesso às notificações de incumprimento e aos pareceres fundamentados no âmbito do processo previsto no artigo 226.° CE.

69.
    Por conseguinte, a Comissão recusou correctamente a divulgação dos documentos em causa, com a justificação de que essa divulgação seria susceptível de prejudicar o interesse público.

70.
    No que diz respeito ao argumento dos recorrentes nos termos do qual o processo previsto no artigo 226.° CE para prova dos factos relativos às violações do direito comunitário invocadas deve respeitar o princípio do contraditório, cabe assinalar que os particulares não são partes nos processos por incumprimento, não podendo, por conseguinte, invocar direitos de defesa que impliquem a aplicação do princípio do contraditório.

71.
    No que diz respeito à afirmação dos recorrentes segundo a qual a eventual violação da lealdade por parte de um Estado-Membro no processo por incumprimento exclui a exigência de confidencialidade, cabe notar, a título preliminar, que os recorrentes não provaram que o Estado-Membro em questão agiu de forma desleal. Além disso, como a Comissão acentuou nas suas peças, sobre esta instituição impende uma obrigação de confidencialidade que não pode ser afectada pelo alegado comportamento de um Estado-Membro.

72.
    Decorre de tudo quanto precede que o segundo fundamento deve também ser declarado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 253.° CE

Argumentos das partes

73.
    Os recorrentes consideram que as fundamentações sumárias aduzidas pela Comissão para justificar, de forma geral, a sua recusa de acesso aos documentos em causa não assentam em qualquer fundamento normativo e traduzem-se no facto de os processos de infracção se desenrolarem em condições de sigilo absoluto. A este respeito, os recorrentes sublinham que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação da recusa de acesso deve ser adequada e incluir uma ponderação dos interesses em conflito.

74.
    Ora, no caso vertente, segundo os recorrentes, a fundamentação da decisão impugnada resume-se a simples referências gerais e abstractas às normas aplicáveis, sem mencionar as circunstâncias concretas e específicas e sem discriminar os documentos de acordo com a categoria de excepção em que eram susceptíveis de caber. Consideram, além disso, que, antes de recusar o acesso aos documentos elaborados pelo Estado italiano, a Comissão devia ter verificado se estes eram ou não susceptíveis de divulgação em conformidade com a legislação nacional.

75.
    A recorrida sublinha que, para que o artigo 253.° CE seja respeitado, basta que a decisão de recusa de acesso aos documentos contenha os fundamentos específicos da recusa por categoria de documentos. Acrescenta que a fundamentação decorrente da aplicação da regra do autor para justificar a recusa de acesso aos documentos elaborados pelas autoridades italianas, considerados como pertencentes a uma única e mesma categoria, é ao mesmo tempo clara, detalhada e absolutamente concreta. Quanto aos documentos elaborados pela Comissão, a decisão precisa de forma clara e adequada as razões pelas quais os referidos documentos cabem na excepção relativa à protecção do interesse público. Uma fundamentação comum é suficiente, dado que os documentos apresentam as mesmas características e pertencem, assim, a uma única e mesma categoria.

Apreciação do Tribunal

76.
    Relativamente aos documentos elaborados pelas autoridades italianas, cabe assinalar que foram objecto de um exame individual e que, para cada um deles, existia um motivo idêntico para negar a sua divulgação. Nestes termos, é lógico que a decisão impugnada contenha uma fundamentação, de recusa de acesso, comum à totalidade dos documentos.

77.
    A Comissão fundamentou a decisão impugnada referindo-se à regra do autor e afirmando que, nos termos dessa regra, o pedido dos recorrentes era improcedente por os documentos solicitados serem da autoria de um terceiro. Semelhante fundamentação é suficientemente clara para permitir aos interessados compreender a razão pela qual a Comissão não lhes comunicou os documentos em causa e para permitir ao Tribunal de Primeira Instância exercer a sua fiscalização da legalidadeda decisão impugnada (acórdão JT's Corporation/Comissão, referido no n.° 47 supra, n.° 67).

78.
    No que diz respeito aos documentos elaborados pela Comissão, resulta da utilização do verbo poder, no presente do conjuntivo, que, para provar as situações em que a divulgação de certos documentos «possa» prejudicar a protecção do interesse público, a Comissão está obrigada a apreciar, relativamente a cada documento cujo acesso é solicitado, se, à luz das informações de que dispõe, a sua divulgação é efectivamente susceptível de prejudicar um dos aspectos do interesse público protegido pela primeira categoria de excepções (acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, referido no n.° 26 supra, n.° 112, e jurisprudência referida).

79.
    Como o Tribunal de Primeira Instância indicou no acórdão WWF (referido no n.° 59 supra, n.° 64), a Comissão não pode contentar-se com invocar o eventual início de um processo por incumprimento para justificar, em nome da protecção do interesse público, a recusa de acesso a todos os documentos abrangidos pelo pedido de um cidadão. O Tribunal considerou que a Comissão é obrigada a indicar, no mínimo por categoria de documentos, as razões por que considera que os documentos mencionados no pedido que lhe é dirigido estão ligados à eventual abertura de um processo por incumprimento, precisando a que é que os documentos em causa se referem e, nomeadamente, se dizem respeito a inspecções e inquéritos que impliquem a declaração de um eventual incumprimento ao direito comunitário.

80.
    No caso vertente, há que reconhecer que a Comissão procedeu a esse exame. Tal como resulta do n.° 67, supra, a Comissão indicou, na decisão impugnada, as razões pelas quais considera que a divulgação das notificações de incumprimento e dos pareceres fundamentados prejudicaria o interesse público.

81.
    Em face do que precede, cabe igualmente declarar improcedente o terceiro fundamento e, por conseguinte, o recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

82.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, são condenados a suportar as suas próprias despesas, bem como as que foram efectuadas pela recorrida, em conformidade com o pedido por ela formulado.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)    O recurso é julgado improcedente.

2)    Os recorrentes suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas da recorrida.

Mengozzi
García-Valdecasas
Tiili

        Moura Ramos                        Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Dezembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: italiano.