Language of document : ECLI:EU:T:2001:285

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

11 de Dezembro de 2001 (1)

«Pesca - Medidas de conservação e de gestão dos recursos da pesca aplicáveis aos navios que arvoram pavilhão da Noruega - Apreensão de uma licença e de uma autorização especial de pesca - Direito de defesa - Princípio da proporcionalidade»

No processo T-46/00,

Kvitsjøen AS, com sede em Fosnavag (Noruega), representada por K. Storalm, J. Hoekstra e G. Vanquathem, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. van Rijn, na qualidade de agente, assistido por F. Tuytschaever, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, que apreendeu e recusou a emissão até 30 de Junho de 2000 da licença e da autorização especial de pesca relativas às águas comunitárias ao navio de pesca norueguês Kvitsjøen,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento regulamentar

1.
    Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 50/1999 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1998, que estabelece, para 1999, determinadas medidas de conservação e de gestão dos recursos de pesca aplicáveis aos navios que arvoram pavilhão da Noruega (JO 1999, L 13, p. 59).

«Os navios que pesquem no âmbito das quotas fixadas no artigo 1.° devem respeitar as medidas de conservação e de controlo, bem como quaisquer outras disposições que regulem as actividades de pesca nas zonas referidas no citado artigo.»

2.
    O artigo 3.°, n.os 7 e 8, do Regulamento n.° 50/1999 dispõe:

«As licenças e as autorizações especiais de pesca são retiradas em caso de incumprimento das obrigações fixadas no presente regulamento.

Não é emitida qualquer licença ou autorização especial de pesca, durante um período máximo de doze meses, para os navios em relação aos quais não tenham sido cumpridas as obrigações previstas no presente regulamento.»

3.
    O anexo I, nota de pé de página n.° 14, do Regulamento n.° 50/1999 refere que «não está prevista nenhuma pescaria dirigida ao linguado».

4.
    O artigo 4.°, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 894/97 do Conselho, de 29 de Abril de 1997, que prevê determinadas medidas técnicas de conservação dos recursos da pesca (JO L 132, p. 1), dispõe:

«É proibida a fixação de dispositivos que permitam obstruir as malhas de qualquer parte de uma rede ou reduzir-lhe efectivamente as dimensões.»

5.
    O Regulamento (CE) n.° 1447/1999 do Conselho, de 24 de Junho de 1999, que fixa uma lista dos tipos de comportamento que infringem gravemente as regras da política comum da pesca (JO L 167, p. 5), menciona designadamente, no seu anexo, ponto D, como tipo de comportamento, a «[u]tilização ou [o]transporte a bordo de artes de pesca proibidas ou de dispositivos que alterem a selectividade das artes».

6.
    O artigo 10.° do Regulamento (CE) n.° 1627/94 do Conselho, de 27 de Junho de 1994, que estabelece as disposições gerais relativas às autorizações de pesca especiais (JO L 171, p. 7), estabelece:

«1. Os Estados-Membros notificarão imediatamente a Comissão de qualquer infracção verificada relativamente a um navio que arvore pavilhão de um país terceiro.

2. Na sequência da notificação referida no n.° 1, a Comissão pode suspender ou apreender a licença de pesca ou as autorizações de pesca especiais concedidas ao navio em causa [...] podendo igualmente não voltar a conceder licenças de pesca ou autorizações de pesca especiais a esse navio. A decisão da Comissão será notificada ao país terceiro de pavilhão.

3. A Comissão notificará imediatamente as autoridades de controlo dos Estados-Membros em causa das disposições adoptadas nos termos do n.° 2.»

7.
    O artigo 5.° do Regulamento (CE) n.° 2943/95 da Comissão, de 20 de Dezembro de 1995, que estabelece regras de execução do Regulamento n.° 1627/94 (JO L 308, p. 15), dispõe:

«Os Estados-Membros notificarão qualquer infracção verificada [...] indicando, pelo menos, o nome, a marcação exterior, o indicativo de chamada rádio internacional do navio, o país terceiro de pavilhão, os nomes e os endereços do capitão e do armador, uma descrição pormenorizada dos actos verificados, as acções penais ou administrativas ou outras medidas adoptadas, bem como qualquer decisão definitiva de jurisdição relativa a essa infracção.»

8.
    O artigo 6.° deste último regulamento prevê:

«1. A Comissão examinará cada notificação de infracção verificada cometida por um navio arvorando pavilhão de um país terceiro e apreciará a sua gravidade, tendo em conta as decisões penais e administrativas adoptadas pelas autoridades competentes dos Estados-Membros e, nomeadamente, o benefício económico que o armador possa ter tirado, bem como as consequências dos actos verificados para os recursos haliêuticos.

Relativamente ao navio em causa e sem prejuízo das disposições previstas no acordo de pesca com o país terceiro de pavilhão, a Comissão pode decidir, após ter dado a possibilidade ao armador de apresentar as suas observações sobre a alegada infracção, e de acordo com a gravidade da infracção:

-     da suspensão da autorização de pesca especial,

-     da apreensão da autorização de pesca especial,

-     da exclusão do navio em causa da lista dos navios que podem obter uma autorização de pesca especial relativamente ao ano civil seguinte.

2. A decisão da Comissão não poderá ser adoptada antes do décimo quinto dia seguinte à recepção pelo armador da comunicação da alegada infracção.»

Matéria de facto

9.
    A recorrente, Kvitsjøen AS, é uma sociedade norueguesa cujo objecto social é a armação de navios destinados ao exercício da pesca no mar com fins lucrativos, bem como todos os actos do comércio e de indústria relacionados.

10.
    Por decisão de 2 de Fevereiro de 1999, foram emitidas pela Comissão para o navio de pesca norueguês M-600-HOE Kvitsjøen uma licença de pesca e uma autorização especial de pesca, autorizando-o a pescar em 1999 bacalhau, arinca, solha e badejo na zona CIEM IV e o escamudo nas zonas CIEM IIIa e IV, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 50/1999.

11.
    Quando de um controlo efectuado no mar em 7 de Outubro de 1999, o Algemene Inspectiedienst do Ministerie van Landbouw, Natuurbeheer en Visserij neerlandês (a seguir «serviço geral de inspecção») descobriu a presença de forras que permitiam reduzir a largura legal de 100 mm das malhas das redes. Verificou-se que na forra fixa a bombordo a largura média da malha era de 47 mm e que na forra fixa a estibordo era de 45 mm. Depois destas verificações, o navio foi conduzido ao porto de Harlingen (Países Baixos) onde as capturas foram apreendidas. Estas capturas (8 210 kg) eram essencialmente constituídas por linguado (3 640 kg) e por solha (4 288 kg).

12.
    Por carta de 13 de Outubro de 1999, o serviço geral de inspecção informou a Comissão deste incidente e do facto de que autos foram levantados ao Kvitsjøen por infracção das regras comunitárias relativas ao exercício da actividade da pesca.

13.
    Nessa mesma carta, o serviço geral de inspecção informou igualmente a Comissão de que fora também levantado um auto em 1 de Outubro de 1999 contra o Kvitsjøen por suspeita de pesca directa de linguado. Quando da descarga no porto de Harlingen, verificou-se que a captura (9 273 kg) se compunha principalmente de linguado (4 605 kg), além de solha (3 902) e de outras espécies de peixes (766 kg).

14.
    Por carta de 14 de Outubro de 1999, a Comissão, em primeiro lugar, recordou à recorrente que esta última devia, por força dos artigos 1.° e 2.° do Regulamento n.° 50/1999, respeitar as medidas de conservação e de controlo de todas as disposições reguladoras das actividades de pesca nas águas comunitárias e que devia limitar as capturas de linguado às capturas acessórias quando desenvolve actividades de pesca não especificamente mencionadas no anexo I deste regulamento. A seguir, a Comissão sublinhou que, por força do artigo 4.° do Regulamento n.° 894/97, é proibida a fixação de dispositivos que permitam obstruir as malhas de qualquer parte de uma rede ou reduzir efectivamente as suas dimensões.

15.
    Na mesma carta, a Comissão, mais à frente, chama a atenção da recorrente para as informações que recebeu do serviço geral de inspecção relativas à presença de forras que reduzem a largura legal das malhas das redes e às capturas relativamente importantes de linguado.

16.
    Por último, a Comissão conclui a sua carta indicando que, de acordo com o artigo 3.°, n.os 7 e 8, do Regulamento n.° 50/1999, iria dar início ao processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 para decidir, tendo em conta a gravidade da infracção e o benefício económico que o armador tinha retirado das consequências nefastas dos factos verificados relativamente às unidades populacionais de solha e de linguado na zona CIEM IV, a apreensão da licença e da autorização especial de pesca do Kvitsjøen quanto ao período ainda não decorrido e pretendia não emitir nova licença nem nova autorização especial de pesca antes de 30 de Junho de 2000. A Comissão terminou a carta referindo à recorrente a possibilidade de lhe apresentar, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2943/95, observações sobre a infracção cometida no prazo de dez dias a contar da recepção da carta.

17.
    Por carta de 15 de Outubro de 1999, a direcção da pesca do Ministerie van Landbouw, Natuurbeheer en Visserij neerlandês confirmou à Comissão as infracções verificadas pelo serviço geral de inspecção e informou-a de certas suspeitas de irregularidades cometidas anteriormente pelo Kvitsjøen.

18.
    Em resposta à carta da Comissão de 14 de Outubro de 1999, recebida a 22 de Outubro seguinte, a recorrente, por carta de 1 de Novembro de 1999, lamentou o facto de ter pescado com redes de malhagem ilegal e referia que, tendo já sido privada do benefício económico da infracção pela apreensão da captura, considerava a apreensão da licença desproporcionada em relação à infracção cometida.

19.
    Por cartas de 22 de Novembro de 1999, a Comissão notificou à recorrente [SG(99) D/10761] e, de acordo com o artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1627/94, à representação permanente da Noruega em Bruxelas [SG(99) D/10760], a sua decisão de apreender a licença e a autorização de pesca do Kvitsjøen a partir do quinto dia seguinte à data da sua carta e de não emitir nova licença nem nova autorização especial de pesca antes de 30 de Junho de 2000 (a seguir «decisão impugnada»). As autoridades dos Estados-Membros em causa, a saber, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Francesa, a Irlanda, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e o Reino dos Países Baixos, foram igualmente notificadas desta decisão.

Tramitação processual e pedidos das partes

20.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2000, a recorrente interpôs o presente recurso.

21.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu iniciar a fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às perguntas orais do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 8 de Maio de 2001.

22.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso admissível e dar-lhe provimento;

-    em consequência, anular a decisão impugnada;

-    decidir das despesas em conformidade com o direito.

23.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-     negar provimento ao recurso;

-     condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito

24.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, quatro fundamentos baseados, em primeiro lugar, em violação dos direitos da defesa e em violação do «princípio da publicidade da acção administrativa», em segundo lugar, em violação das regras processuais previstas no artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95, em terceiro lugar, em violação do processo relativo às sanções previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 e do princípio da proporcionalidade e, em quarto lugar, em desvio de poder.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação dos direitos da defesa e em violação do «princípio da publicidade da acção administrativa»

Argumentos das partes

25.
    A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos da defesa em todo e qualquer processo de que possa resultar um acto restritivo de direitos deve ser considerado um princípio fundamental de direito comunitário.

26.
    Acrescenta que, desde 1990, as autoridades neerlandesas têm insistido junto da Comissão para esta adoptar medidas contra os arrastões noruegueses que pescam nas águas comunitárias e que, segundo estas autoridades, tentam pescar especificamente linguado, designadamente punindo-os com a apreensão e suspensão das licenças de pesca.

27.
    As autoridades neerlandesas levaram mais de nove anos para recolher os dados necessários e constituir um processo, período durante o qual a Comissão deveria ter feito uma investigação aprofundada. Contudo, a recorrente nunca foi objecto da mesma e nunca recebeu qualquer pedido de informações.

28.
    Na réplica, a recorrente acrescenta que a decisão impugnada não é mais do que o culminar de uma campanha que as autoridades neerlandesas levaram a cabo contra ela. Refere ainda que não foi informada das acusações que lhe foram feitas e, portanto, não dispôs de um prazo razoável, tendo em conta a duração da investigação, para preparar a sua defesa de maneira aprofundada. Nestas condições, a acção administrativa não beneficiou da publicidade necessária.

29.
    Interrogada sobre este assunto na audiência, a recorrente referiu que a Comissão não podia retirar argumentos da investigação efectuada pelas autoridades neerlandesas, dado que ela própria não tinha sido informada da existência desta investigação e que nada tinha sido dito publicamente sobre este assunto.

30.
    Em seguida, a recorrente acusa a Comissão de se ter baseado em dados de facto inexactos, que lhe tinham sido fornecidos pelo ministério neerlandês. Não tendo verificado a exactidão destes dados, a Comissão não podia agir, em relação àrecorrente, com o cuidado e a diligência que seria de esperar da sua parte. A este respeito, invoca, nomeadamente, um acórdão da Economische Kamer van het Gerechtshof te Arnhem de 6 de Março de 1995 contra o antigo capitão do Kvitsjøen, que tinha então a matrícula F 600 M. Nesse acórdão, o órgão jurisdicional rejeitou a acusação do ministério público neerlandês e absolveu o arguido das infracções de pesca com forras durante o período de 20 de Setembro de 1993 a 11 de Março de 1994 que lhe eram imputadas e que o Governo neerlandês referiu na sua carta à Comissão de 15 de Outubro de 1999.

31.
    A Comissão considera que a argumentação da recorrente não procede, uma vez que ela respeitou escrupulosamente as disposições aplicáveis na matéria e não violou nenhum dos direitos da defesa.

Apreciação do Tribunal

32.
    No caso em apreço, há que assinalar que, na inspecção de 7 de Outubro de 1999, se verificou que o Kvitsjøen exercia actividades de pesca utilizando forras que reduziam a largura legal de 100 mm das malhas das redes violando o artigo 4.° do Regulamento n.° 894/97 (v. n.° 4, supra) e, consequentemente, que tinha igualmente violado o artigo 2.° do Regulamento n.° 50/1999 que prevê o respeito de todas as disposições reguladoras da actividade de pesca nas águas comunitárias.

33.
    De acordo com o artigo 3.°, n.° 7, do Regulamento n.° 50/1999, a Comissão retira as licenças e as autorizações especiais de pesca em caso de incumprimento das obrigações fixadas nesse regulamento. Além disso, por força do n.° 8, não é emitida qualquer licença ou autorização especial de pesca, durante um período máximo de doze meses, para os navios em relação aos quais não tenham sido cumpridas as obrigações previstas no referido regulamento.

34.
    A Comissão estava, portanto, habilitada a dar início a um processo de sanção na sequência da infracção cometida pelo Kvitsjøen, detectada na inspecção de 7 de Outubro de 1999 e notificada à Comissão por carta de 13 de Outubro de 1999.

35.
    Além disso, na carta de 14 de Outubro de 1999 da Comissão, a recorrente foi convidada apresentar as suas observações sobre a referida infracção, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2943/95.

36.
    Assim, tendo sido dada à recorrente a oportunidade para apresentar as suas observações, tal como o fez na sua carta de 1 de Novembro de 1999, o seu direito de defesa foi respeitado.

37.
    Nestas condições, a recorrente não pode invocar que foi objecto de uma investigação em relação a eventuais violações da proibição de pesca directa de linguado, investigação que teria sido efectuada pelas autoridades neerlandesas durante mais de nove anos. Mesmo que tal investigação existisse, não seria aqui pertinente, na medida em que o Kvitsjøen exerceu actividades de pesca ilícitas,descobertas em 7 de Outubro de 1999, que por si só desencadearam na sequência da sua notificação pelas autoridades neerlandesas prevista no artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95, a intervenção da Comissão, em conformidade com o artigo 6.° do mesmo regulamento.

38.
    Daí resulta igualmente que os argumentos baseados na alegada violação da boa administração e num eventual princípio da publicidade da acção administrativa são desprovidos de qualquer pertinência. Com efeito, com estes argumentos, a recorrente limita-se a fazer referência a acontecimentos anteriores à infracção detectada em 7 de Outubro de 1999, enquanto, nos termos das disposições referidas, esta infracção, por si só, desencadeou o processo de sanção no caso em apreço.

39.
    Resulta de quanto precede que este fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação das regras de processo previstas no artigo 5.° Regulamento n.° 2943/95

Argumentos das partes

40.
    A recorrente observa que o artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95 exige que os Estados-Membros comuniquem à Comissão vários dados no caso de ter sido detectada uma infracção (v. n.° 7, supra).

41.
    Ora, resulta da carta enviada em 13 de Outubro de 1999 à Comissão pelo serviço geral de inspecção que faltam determinados dados, que no entanto são obrigatórios.

42.
    Com efeito, se a carta de 13 de Outubro de 1999 contém parte dos dados exigidos, não menciona o nome do navio, o seu indicativo de chamada rádio internacional, os nomes e as moradas do capitão e do armador.

43.
    A Comissão contra-argumenta que nenhuma disposição prevê que as menções constantes do artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95 são previstas sob pena de nulidade e que são enumeradas limitativamente, nem sequer que a comunicação destas informações à Comissão deva ser feita por escrito. A notificação no caso em apreço é conforme ao artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95, uma vez que a carta de 13 de Outubro de 1999 lhe permitiu identificar o autor da infracção e contém além disso a descrição clara dos facto verificados e das circunstâncias em que se produziram.

Apreciação do Tribunal

44.
    O terceiro considerando do Regulamento n.° 3943/95 evoca que é conveniente estabelecer um processo de cooperação entre as autoridades competentes dosEstados-Membros, para facilitar as trocas de informações em caso de não observância da regulamentação comunitária.

45.
    Com este fim, o artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95 prevê que determinado número de elementos sejam comunicados à Comissão, para que esta possa conhecer, designadamente, o autor da infracção, a sua natureza e as sanções que eventualmente já tenham sido aplicadas a nível nacional.

46.
    Resulta destas disposições que as indicações previstas no artigo 5.° do Regulamento n.° 2943/95 têm por finalidade permitir a determinação de forma precisa da natureza da infracção e do seu autor.

47.
    No caso em apreço, basta verificar que as informações comunicadas pelas autoridades neerlandesas permitiram à Comissão identificar suficientemente a infracção e o seu autor. Além disso, a recorrente não alega que a afirmação, segundo a qual o Kvitsjøen exercia actividades de pesca utilizando forras que reduziam a largura legal de 100 mm das malhas das redes, se baseava em informações incompletas ou estava ferida de erro de facto.

48.
    Nestas condições, este fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado em violação do processo relativo às sanções previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 e do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

49.
    Em primeiro lugar, a recorrente alega que é acusada de duas infracções, uma relativa à pesca directa de linguado e a outra relativa à pesca com redes com uma malhagem demasiado reduzida. Considera que se conclui da carta da Comissão de 14 de Outubro de 1999 que a decisão impugnada não é unicamente o resultado de uma instrução sobre práticas ilegais de pesca com redes proibidas mas que é igualmente baseada em acusações de pesca directa de linguado.

50.
    No que respeita à pesca directa, é-lhe imputado o facto de não ter limitado a pesca de linguado às capturas acessórias, como previsto no anexo I, nota de pé de página n.° 14, do Regulamento n.° 50/1999. Ora, segundo a recorrente, esta condição foi respeitada, pois as suas capturas de linguado foram inferiores a 50% da captura total.

51.
    No que respeita à pesca com redes com uma malhagem demasiado reduzida, a recorrente alega que a regulamentação aplicável apenas tem uma incidência limitada na preservação dos recursos da pesca.

52.
    Acresce que os factos litigiosos se verificaram no Outono, quer dizer, em Outubro de 1999, quando o período de crescimento dos alevinos de linguado e de outras espécies de peixes é a Primavera. Assim, os factos imputados à recorrente nãopodem ter consequências tão graves para a conservação e a gestão dos recursos de pesca como as que invoca a recorrida.

53.
    Além do mais, a tese da Comissão é desprovida de pertinência na medida em que diz respeito à pesca de peixes que não atingem o tamanho mínimo, o que não é o caso no presente processo, pois as capturas em causa são peixes com o tamanho legal.

54.
    Aliás, a recorrente refere que, apesar dos controlos sistemáticos e de diversos autos de que foi destinatária, não foi ainda objecto de uma condenação penal por ter pescado com redes com uma malhagem demasiado reduzida. As capturas foram aprendidas uma única vez. Além do mais, este facto ou raramente é punido pelos tribunais dos Estados-Membros ou é punido unicamente com uma pena ligeira.

55.
    Em segundo lugar, argumenta que uma sanção do tipo da que lhe foi aplicada constitui um prejuízo manifesto para o seu património social e mesmo uma ameaça real à sua existência.

56.
    A este respeito, acrescenta que uma sanção deste tipo nunca foi aplicada no passado, nem a navios arvorando pavilhão de países terceiros, nem a navios arvorando pavilhão de um Estado-Membro, mesmo por infracções sensivelmente mais graves, que tiveram um impacte indubitavelmente mais importante nos recursos da pesca.

57.
    A recorrente considera que, consequentemente, a sanção aplicada no caso presente é manifestamente desproporcionada em relação às infracções cometidas e que viola manifestamente o processo relativo às sanções tal como está previsto no Regulamento n.° 2943/95. A este respeito, afirma que dificilmente se poderá considerar que o prejuízo para o seu património social e a ameaça real à sua existência são proporcionais à infracção cometida. Está efectivamente ameaçada de falência, tendo em conta que o seu banco lhe recusa agora qualquer crédito. O mesmo objectivo poderá ser alcançado por outros meios, tais como as sanções penais ao nível nacional, coimas, que, para além de serem igualmente eficazes para a preservação dos recursos da pesca, têm um impacte menos radical.

58.
    A Comissão sublinha que o presente processo assenta apenas numa única infracção, a saber, o exercício da pesca com forras que obstruem as malhas, o que constitui em si mesmo uma infracção grave às disposições relativas ao exercício da pesca.

59.
    A Comissão afirma, por um lado, ter aplicado a única sanção possível face ao artigo 3.°, n.os 7 e 8, do Regulamento n.° 50/1999 e, por outro, não ter fixado no máximo possível, correspondente a uma proibição de pescar nas águas comunitárias durante cerca de dois anos para navios de pesca arvorando pavilhão de um país terceiro.

60.
    A este respeito, a Comissão refere que a gravidade dos factos, designadamente o benefício económico esperado, as sua consequências nefastas para a conservação dos recursos haliêuticos e o facto de que na data da adopção da decisão impugnada nenhuma sanção nacional tinha sido tomada, justificam a sanção adoptada.

Apreciação do Tribunal

61.
    Importa precisar, liminarmente, que, na sua carta [SG(99) D/10761] dirigida à recorrente, a Comissão fez referência, relativamente à descrição da infracção, à sua carta de 14 de Outubro de 1999 (v. n.° 14, supra).

62.
    Em relação, antes de mais, ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão se baseou no caso em apreço em duas violações diferentes da regulamentação comunitária, deve referir-se, tal como foi verificado no âmbito do primeiro fundamento, que a Comissão deu início ao processo de sanção na sequência da infracção cometida pelo Kvitsjøen, detectada na inspecção de 7 de Outubro de 1999. Ainda que na carta de 14 de Outubro de 1999 a Comissão refira efectivamente a captura de linguado, importa notar que a Comissão apenas considerou violação das disposições comunitárias susceptíveis de abertura do processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95, a violação do artigo 4.° do Regulamento n.° 894/97 que proíbe a fixação de dispositivos que permitam obstruir as malhas de qualquer parte de uma rede ou reduzir efectivamente as suas dimensões.

63.
    Com efeito, importa referir, antes de mais, que a Comissão, na sua carta de 14 de Outubro de 1999, não alegou que a recorrente tinha praticado a pesca directa de linguado. Além disso, deve ser chamada a atenção para o facto de que cada vez que a Comissão detecta a captura de linguado, o facto está relacionado com a infracção que consiste em reduzir a dimensão legal das malhas das redes. Por último, a Comissão, quando refere a sua intenção de dar início a um processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95, limita-se a referir a utilização ou existência a bordo de artes de pesca proibidas ou de dispositivos que alteram a selectividade destas artes. Assim, só tem em conta a captura de linguado para calcular o benefício económico e as consequências sobre os recursos haliêuticos resultantes da utilização de material proibido.

64.
    Além disso, importa recordar que a realidade da infracção ao artigo 4.° do Regulamento n.° 849/97 não é contestada.

65.
    Assim, a questão que se coloca no âmbito do presente fundamento é a de saber se o facto de a recorrente ter utilizado forras que obstruem ou reduzem a malhagem de dimensão legal podia ser legitimamente punida com a apreensão da licença e da autorização especial de pesca bem como com a proibição de as obter novamente durante seis meses.

66.
    A este respeito, importa referir que o Regulamento n.° 50/1999 impõe diversas obrigações aos navios que pesquem nas águas comunitárias, designadamente o cumprimento das medidas de conservação e de controlo e de todas as disposições que regulem as actividades de pesca nas águas comunitárias (artigo 2.°, n.° 1).

67.
    O incumprimento de uma destas obrigações implica a retirada ou a não emissão de uma licença «durante um período máximo de doze meses» (artigo 3.°, n.os 7 e 8).

68.
    Importa salientar que a obrigação de respeitar as medidas de conservação e de controlo e de todas as disposições que regulem as actividades de pesca nas águas comunitárias (artigo 2.°, n.° 1) tem uma importância essencial no âmbito do Regulamento n.° 50/1999. É, portanto, neste contexto que há que apreciar se o processo relativo às sanções previsto pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 ou o princípio da proporcionalidade foram violados.

69.
    Nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95, a Comissão pode decidir, de acordo com a gravidade da infracção, a suspensão da autorização de pesca especial, a apreensão da autorização de pesca especial e a exclusão do navio em causa da lista dos navios que podem obter uma autorização de pesca especial relativamente ao ano civil seguinte.

70.
    De acordo com o princípio da proporcionalidade, a sanção do incumprimento de uma obrigação comunitária não deve exceder «os limites do adequado e necessário para alcançar o objectivo visado» (v. acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Buitoni, 122/78, Colect., p. 345, n.° 16).

71.
    No caso em apreço, nenhum elemento deixa supor que a Comissão não respeitou o processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 ou que adoptou uma sanção contrária ao princípio da proporcionalidade.

72.
    Com efeito, em primeiro lugar, as regras relativas à malhagem das redes constituem um dos objectivos da política comunitária em matéria da conservação dos recursos haliêuticos (v. o Regulamento n.° 894/97, designadamente o segundo considerando). Uma utilização dos dispositivos que alteram a selectividade das redes constitui, consequentemente, segundo o Regulamento n.° 1447/1999 (anexo, ponto D), um comportamento que infringe gravemente as regras da política comum da pesca. A recorrente não tem, portanto, razão quando alega que esta regulamentação tem apenas uma importância limitada para a preservação dos recursos de pesca e, assim, os argumentos da recorrente neste sentido são, em qualquer caso, inoperantes, na medida em que não permitem ignorar a infracção não contestada relativa à obstrução ou à redução do tamanho legal das malhas.

73.
    Em segundo lugar, não é contestado que, no momento da adopção da decisão impugnada, não tinha sido tomada nenhuma sanção nacional. Assim, a Comissão não tinha que avaliar o alcance da sua decisão em relação às sanções nacionais.

74.
    Em terceiro lugar, como a Comissão referiu, uma vez que a pesca com forras que reduzem o tamanho legal da malha optimiza a captura, o armador pôde retirar um benefício económico da infracção que cometeu.

75.
    À luz do seu impacte sobre os recursos haliêuticos e, em particular, sobre a solha e o linguado na zona CIEM IV, está assim demonstrada a gravidade da infracção. Nestas circunstâncias, é justificada a sanção em causa aplicada pela Comissão.

76.
    Consequentemente, tendo sido respeitados o processo previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 2943/95 e o princípio da proporcionalidade, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, baseado em desvio de poder

Argumentos das partes

77.
    A recorrente afirma que a verificação da infracção de 7 de Outubro de 1999 e a sanção daí decorrente constituem um processo dilatório utilizado com vista a apreender e a suspender as suas autorizações de pesca.

78.
    Segundo ela, resulta incontestavelmente das cartas de 7 de Maio de 1993 e de 8 de Julho de 1997 do Ministerie van Landbouw, Natuurbeheer en Visserij neerlandês enviadas à Comissão que o objectivo da «ofensiva» organizada pelas autoridades neerlandesas não é punir uma simples infracção, mas manter os navios de pesca noruegueses fora das águas comunitárias a fim de poder reservar a quota de linguado para outros navios.

79.
    A recorrente acrescenta que uma sanção individual não oferece qualquer solução, devendo a mesma ser encontrada ao nível comunitário, em concertação com as diversas partes envolvidas.

80.
    Por conseguinte, a recorrente considera que a Comissão, ao aceder às exigências das autoridades neerlandesas, cometeu um desvio de poder.

81.
    A Comissão riposta que, segundo jurisprudência constante, só há desvio de poder quando uma instituição procura alcançar objectivos diferentes daqueles para que lhe foi atribuída a competência. Ora, no caso em apreço, a Comissão utilizou o seu poder, de acordo com os artigos 3.°, n.os 7 e 8, do Regulamento n.° 50/1999, para punir uma infracção grave às disposições relativas ao exercício das actividades de pesca. Não pretendeu, assim, alcançar objectivos não visados pelo regulamento.

Apreciação do Tribunal

82.
    Resulta de uma jurisprudência constante que para que um acto esteja ferido de desvio de poder, o recorrente deverá provar, pela apresentação de indícios objectivos, pertinente e concordantes, que o acto impugnado foi adoptado para atingir fins diversos dos invocados (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1990, Sermes, C-323/88, Colect., p. I-3027, e de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C-84/94, Colect., p. I-5755, n.° 69; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T-143/89, Colect., p. II-917, n.° 68).

83.
    Ora, a recorrente não provou ser esse o caso. Como já foi referido, a Comissão utilizou o seu poder, de acordo com o artigo 3.°, n.os 7 e 8, do Regulamento n.° 50/1999, para punir uma infracção às disposições relativas ao exercício das actividades de pesca. Nada demonstra que a decisão impugnada tenha sido tomada para atingir outros fins.

84.
    Assim, há que rejeitar este fundamento.

85.
    Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

86.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Dezembro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke


1: Língua do processo: neerlandês.