Language of document : ECLI:EU:T:2002:7

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

17 de Janeiro de 2002 (1)

«Regime de associação dos países e territórios ultramarinos - Importações de açúcar e de misturas de açúcar e de cacau - Regulamento (CE) n.° 2423/1999 - Medidas de protecção - Recurso de anulação - Inadmissibilidade»

No processo T-47/00,

Rica Foods (Free Zone) NV, com sede em Oranjestad (Aruba), representada por G. van der Wal, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por

Reino dos Países Baixos, representado por H. Sevenster, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. van Rijn e C. Van der Hauwaert, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 2423/1999 da Comissão, de 15 de Novembro de 1999, que instaura medidas de protecção no que se refere ao açúcar do código NC 1701 e às misturas de açúcar e cacau dos códigos NC 1806 10 30 e 1806 10 90 originários dos países e territórios ultramarinos (JO L 294, p. 11),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, K. Lenaerts e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Julho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Em 25 de Julho de 1991, o Conselho adoptou a Decisão 91/482/CEE relativa à associação dos países e territórios ultramarinos à Comunidade Económica Europeia (JO L 263, p. 1, a seguir «decisão PTU»).

2.
    O artigo 101.°, n.° 1, da decisão PTU dispõe:

«Os produtos originários dos PTU podem ser importados para a Comunidade com isenção de direitos de importação.»

3.
    O artigo 102.° desta mesma decisão prevê:

«A Comunidade não aplicará restrições quantitativas nem medidas de efeito equivalente à importação de produtos originários dos PTU.»

4.
    O artigo 108.°, n.° 1, primeiro travessão, da decisão PTU remete para o seu anexo II (a seguir «anexo II») para a definição da noção de produtos originários e dos métodos de cooperação administrativa que a eles se referem. Nos termos do artigo 1.° desse anexo, um produto é considerado originário dos PTU, da Comunidade ou dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (a seguir «Estados ACP») quando tenha sido aí inteiramente obtido ou suficientemente transformado.

5.
    O artigo 6.°, n.° 2, do anexo II define as regras chamadas de «cumulação de origem CE/PTU» e de «cumulação de origem ACP/PTU»:

«Quando produtos inteiramente obtidos na Comunidade ou nos Estados ACP sejam objecto de complementos de fabrico ou de transformações nos PTU, são considerados como tendo sido inteiramente obtidos nos PTU.»

6.
    A Decisão 97/803/CE do Conselho, de 24 de Novembro de 1997, respeitante à revisão intercalar da decisão PTU (JO L 329, p. 50), inseriu na decisão PTU um novo artigo 108.°-B. Por força do n.° 1 desta disposição:

«[...] é admitida a cumulação de origem ACP/PTU referida no artigo 6.° do anexo II para uma quantidade anual de 3 000 toneladas de açúcar.»

7.
    A Decisão 97/803, contudo, não limitou a aplicação da regra da cumulação de origem CE/PTU.

8.
    O artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU autoriza a Comissão a tomar «as medidas de protecção necessárias» se «da aplicação da [decisão PTU] resultarem perturbações graves num sector da actividade económica da Comunidade ou de um ou mais Estados-Membros ou o comprometimento da sua estabilidade financeira externa ou ainda se surgirem dificuldades que ameacem deteriorar um sector de actividade da Comunidade ou de uma das suas regiões [...]». Por força do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU, a Comissão deve escolher «as medidas que provoquem o mínimo de perturbações no funcionamento da associação e da Comunidade». Além disso, «[e]ssas medidas não devem exceder o estritamente indispensável para sanar as dificuldades que se tenham manifestado».

Regulamento impugnado

9.
    Com o Regulamento (CE) n.° 2423/1999, de 15 de Novembro de 1999, a Comissão instaurou, com fundamento no artigo 109.° da decisão PTU, medidas de protecção no que se refere ao açúcar do código NC 1701 e às misturas de açúcar e cacau dos códigos NC 1806 10 30 e 1806 10 90 originárias dos países e territórios ultramarinos (JO L 294, p. 11, a seguir «regulamento impugnado»).

10.
    A Comissão considerava, com efeito, que a «grande progressão» das importações, «a partir de 1997, [...] de açúcar no seu estado [...], acumulando a origem CE-PTU [...], e sob a forma de misturas de açúcar e de cacau [...] originárias dos [PTU]», poderia causar «uma deterioração importante do funcionamento da organização comum de mercado do sector do açúcar na Comunidade e efeitos bastante prejudiciais para os operadores comunitários do sector do açúcar» (considerandos 1 e 2 do regulamento impugnado).

11.
    Para o açúcar que beneficia da cumulação de origem CE/PTU, a medida de protecção aplicada assume a forma de preço mínimo. Assim, o artigo 1.° do regulamento impugnado dispõe:

«A colocação em livre prática na Comunidade, com isenção de direitos de importação, dos produtos da posição NC 1701, que acumulem a origem CE-PTU, fica subordinada à condição de o preço de importação da mercadoria a granel, no estádio CIF, para a qualidade-tipo conforme definida pelo Regulamento (CEE) n.° 793/72 do Conselho [JO L 94, p. 1; EE 03 F5 p. 176], que fixa a qualidade-tipo do açúcar branco, não ser inferior ao preço de intervenção aplicável aos produtos em causa.»

12.
    No que respeita às misturas de açúcar e de cacau (produtos dos códigos NC 1806 10 30 e 1806 10 90) originários dos PTU, o artigo 2.° do regulamento impugnado dispõe que a colocação em livre prática na Comunidade «fica submetida ao procedimento de vigilância comunitária segundo as regras previstas no artigo 308.°-D do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão», de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o código aduaneiro comunitário (JO L 253, p. 1).

Antecedentes do litígio, tramitação processual e pedidos das partes

13.
    A recorrente, com sede em Aruba, território pertencente aos PTU, importa açúcar da Comunidade, transforma-o e depois exporta-o para a Comunidade. Produz igualmente misturas compostas de açúcar e de cacau, a partir do açúcar importado da Comunidade, que exporta para esta última.

14.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2000, a recorrente interpôs, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, um recurso com vista à anulação do regulamento impugnado.

15.
    Por requerimentos entrados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 22 de Junho e 7 de Julho de 2000, os Governos do Reino de Espanha e do Reino dos Países Baixos, nos termos do artigo 115.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, pediram para intervir em apoio da posição, respectivamente, da Comissão e da recorrente. Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Setembro de 2000, estes pedidos foram admitidos.

16.
    O Reino de Espanha apresentou alegações em 23 de Outubro de 2000, tendo as partes principais sido notificadas para apresentar as suas observações.

17.
    O Reino dos Países Baixos não apresentou alegações.

18.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular o regulamento impugnado;

-    condenar a Comissão nas despesas.

19.
    A Comissão e o Reino de Espanha concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

20.
    A Comissão contesta a admissibilidade do recurso. Alega que o regulamento impugnado não diz directa e individualmente respeito à recorrente. A Comissão sustenta, a este respeito, que o regulamento impugnado não afecta a recorrente em razão de qualidades que lhe sejam específicas ou de uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra empresa actual ou futura que produza açúcar ou misturas de açúcar ou cacau nos PTU (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, pp. 279, 284; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T-480/93 e T-483/93, Colect., p. II-2305, n.° 66).

21.
    A Comissão sublinha que a recorrente, diferentemente das recorrentes nos processos que deram lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão (C-152/88, Colect., p. I-2477), e ao acórdão Antillean Rice Mills e o./Comissão (já referido no número anterior), não tinha, na data de adopção do regulamento impugnado, mercadorias já em trânsito para Comunidade. Além disso, diferentemente de determinadas recorrentes no processo que deu lugarao acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão (11/82, Recueil, p. 207), a recorrente não celebrou contratos cuja execução tenha sido impedida, no todo ou em parte, pelo regulamento impugnado.

22.
    Por último, o facto de a recorrente ter enviado cartas à Comissão durante o processo que precedeu a adopção do regulamento impugnado não basta para se considerar que o regulamento impugnado lhe diz individualmente respeito.

23.
    A recorrente contra-argumenta que o regulamento impugnado produz efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os seus interesses (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, CSF e CSME/Comissão, T-154/94, Colect., p. II-1377; de 25 de Junho de 1998, Lilly Industries/Comissão, T-120/96, Colect., p. II-2571; e de 1 de Dezembro de 1999, Boehringer/Conselho e Comissão, T-125/96 e T-152/96, Colect., p. II-3427).

24.
    Em sua opinião, o regulamento impugnado constitui, na realidade, uma decisão dissimulada de que ela era destinatária. O regulamento impugnado tem, com efeito, por finalidade eliminar as importações da recorrente na Comunidade. Em apoio da sua argumentação, a recorrente refere que foi com base numa lista de preços, que lhe foi erradamente atribuída, que a Comissão verificou que o açúcar que beneficiava da cumulação de origem CE/PTU era importado na Comunidade a preço inferior ao preço de intervenção, causando assim uma concorrência desleal.

25.
    A recorrente sustenta, em seguida, que o regulamento impugnado lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

26.
    O regulamento impugnado diz-lhe directamente respeito, uma vez que não deixa qualquer margem de apreciação às autoridades nacionais dos Estados-Membros responsáveis pela sua aplicação (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Glencore Grain/Comissão, C-404/96 P, Colect., p. I-2435).

27.
    Para demonstrar que o regulamento impugnado lhe diz individualmente respeito, a recorrente invoca, em especial, os acórdãos do Tribunal de Justiça, Piraiki-Patraiki e o./Comissão e Sofrimport/Comissão (já referidos no n.° 21, supra), de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C-309/89, Colect., p. I-1853), e de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão (C-390/95 P, Colect., p. I-769, n.os 25 a 28), e ainda o acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão (já referido no n.° 20, supra, n.os 59 a 80).

28.
    A recorrente refere que é, juntamente com a Emesa Sugar, a única produtora de açúcar e de misturas de açúcar e de cacau em Aruba e um dos produtores mais importantes destes produtos nos PTU que exportava já açúcar para a Comunidade antes da adopção do regulamento impugnado. O regulamento impugnado diz-lhe individualmente respeito na medida em que faz parte de um círculo fechado de empresas mistas, em parte aberto e em parte fechado (acórdãos Codorniu/Conselho e de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills eo./Comissão, já referidos no n.° 27, supra). As empresas individualmente afectadas são, com efeito, aquelas que, antes da adopção do regulamento impugnado, exportavam os produtos que são objecto das medidas de protecção.

29.
    Além disso, a recorrente esteve envolvida no processo administrativo que levou à adopção do regulamento impugnado. Remete, para este efeito, para várias cartas anexas à petição.

30.
    Uma vez que a Comissão é obrigada a ter em conta as repercussões negativas que uma medida de protecção pode ter na economia dos PTU, bem como nas empresas interessadas (acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 27, supra), dever-se-ia considerar que o regulamento impugnado diz individualmente respeito à recorrente, enquanto empresa exportadora dos produtos aos quais se aplica o regulamento, tanto mais que a Comissão estava ao corrente das consequências da medida de protecção em causa para a recorrente.

31.
    A recorrente observa ainda que o Tribunal de Justiça reconheceu, no seu acórdão Codorniu/Conselho (já referido no n.° 27, supra) e no seu acórdão de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho (C-358/89, Colect., p. I-2501), que uma empresa que sofre efeitos económicos extremamente graves causados por um acto normativo é individualmente afectada por este. Na audiência, a recorrente sublinhou que a sua situação era comparável à da recorrente no processo que deu lugar ao acórdão Extramet Industrie/Conselho, já referido.

Apreciação do Tribunal

32.
    O artigo 230.°, quarto parágrafo, CE atribui aos particulares o direito de impugnarem, designadamente, qualquer decisão que, embora tomada sob a forma de regulamento, lhes diga directa e individualmente respeito. O objectivo desta disposição é, designadamente, evitar que, pela simples escolha da forma de regulamento, as instituições comunitárias possam excluir o recurso de um particular contra uma decisão que lhe diga directa e individualmente respeito e esclarecer, assim, que a escolha da forma não pode mudar a natureza de um acto (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1980, Calpak e Società Emiliana Lavorazione Frutta/Comissão, 789/79 e 790/79, Recueil, p. 1949, n.° 7; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Area Cova e o./Conselho e Comissão, T-12/96, Colect., p. II-2301, n.° 24; e de 12 de Julho de 2000, Conseil national des professions de l'automobile e o./Comissão, T-45/00, Colect., p. II-2927, n.° 15).

33.
    O critério de distinção entre o regulamento e a decisão deve ser procurado no alcance geral ou não do acto em questão (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982, Alusuisse/Conselho e Comissão, 307/81, Recueil, p. 3463, n.° 8,e despacho Conseil national des professions de l'automobile e o./Comissão, já referido no número anterior, n.° 15).

34.
    Ora, há que reconhecer que o regulamento impugnado tem alcance geral. Com efeito, as medidas de protecção constantes do regulamento impugnado aplicam-se à generalidade das importações, na Comunidade, de açúcar que beneficia da cumulação de origem CE/PTU e das misturas de açúcar e de cacau originárias dos PTU.

35.
    Mesmo que a Comissão tivesse declarado a existência de concorrência desleal com base numa lista de preços atribuída erradamente à recorrente - o que não foi de forma alguma provado (v. n.° 53, infra) -, este facto não põe em causa que o regulamento impugnado se dirige à generalidade das empresas afectadas, actual ou potencialmente, pelas importações dos produtos abrangidos pelo regulamento impugnado.

36.
    Contudo, o alcance geral do regulamento impugnado não exclui, só por isso, que possa afectar directa e individualmente determinadas pessoas singulares ou colectivas (v. acórdão Codorniu/Conselho, já referido no n.° 27, supra, n.° 19; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 66, e de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 50).

37.
    A este respeito, deve referir-se que a recorrente é directamente afectada pelo regulamento impugnado, uma vez que este não deixa qualquer margem de apreciação às autoridades nacionais dos Estados-Membros responsáveis pela sua aplicação (v. acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 63).

38.
    Quanto à questão de saber se a recorrente é individualmente afectada pelo regulamento impugnado, importa lembrar que, para que uma pessoa singular ou colectiva possa ser considerada individualmente afectada por um acto de alcance geral, é necessário que seja atingida pelo acto em causa devido a determinadas qualidades que lhe são específicas ou a uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa (acórdão Plaumann/Comissão, já referido no n.° 20, supra, Colect. 1962-1964, p. 284; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1997, Federolio/Comissão, T-122/96, Colect., p. II-1559, n.° 59, e Conseil national des professions de l'automobile e o./Comissão, já referido no n.° 32, supra, n.° 20).

39.
    O facto de a recorrente ser um dos produtores mais importantes de açúcar e de misturas de açúcar e de cacau nos PTU e de haver apenas duas empresas activas no sector em Aruba não é susceptível de individualizar a recorrente no sentido do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. A recorrente encontra-se, com efeito, numa situação objectivamente determinada, comparável à de qualquer outro operadorestabelecido actual ou futuramente num PTU e activo no mercado do açúcar (despacho Federolio/Comissão, já referido no número anterior, n.° 67).

40.
    Contudo, a recorrente sustenta que a Comissão estava legalmente obrigada a apreciar a sua posição particular, antes de adoptar o regulamento impugnado.

41.
    Recorde-se, a este respeito, que o facto de a Comissão estar obrigada, nos termos de disposições específicas, a atender às consequências do acto que pretende adoptar sobre a situação de determinados particulares é susceptível de os individualizar (acórdãos Piraiki-Patraiki e o./Comissão e Sofrimport/Comissão, já referidos no n.° 21, supra; acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 27, supra, n.os 25 a 30; acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 67).

42.
    A este respeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância decidiram que resulta do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU que, quando a Comissão se propõe adoptar medidas de protecção com base no artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, está obrigada, na medida em que as circunstâncias do caso em apreço a isso não se oponham, a informar-se sobre as repercussões negativas que a sua decisão pode ter na economia do PTU em causa bem como nas empresas interessadas (acórdãos de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 27, supra, n.° 25, e acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 70). A protecção específica conferida pelo artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU às empresas interessadas é susceptível de as individualizar na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

43.
    É, assim, necessário apreciar se a recorrente tem a qualidade de empresa interessada para efeitos do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU.

44.
    Resulta da jurisprudência que as empresas que tenham produtos em trânsito para a Comunidade no momento da adopção das medidas de protecção têm a qualidade supra-referida (acórdão Sofrimport/Comissão, já referido no n.° 21, supra, n.os 11 e 12, e acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 76). Em termos mais gerais, foi decidido que as empresas que celebraram contratos cuja execução é impedida, total ou parcialmente, pela medida de protecção devem ser consideradas empresas interessadas para efeitos do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU (acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido no n.° 21, supra, n.° 28, e acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 74).

45.
    Contudo, a recorrente não afirma que, no momento da adopção do regulamento impugnado, tivesse produtos em trânsito para a Comunidade. Além disso, há que reconhecer que o regulamento impugnado, no caso em apreço, não impede deforma alguma a execução de contratos que a recorrente tivesse celebrado. Com efeito, não impõe qualquer contingente, mas introduz unicamente um preço mínimo inferior ao preço praticado pela recorrente (v. n.° 49, infra) para o açúcar que acumule a origem CE/PTU (artigo 1.°) e um procedimento de vigilância comunitária para as misturas de açúcar e de cacau originárias dos PTU (artigo 2.°).

46.
    Cabe ainda apreciar se, com base noutros elementos, a recorrente pode ser considerada uma empresa interessada para efeitos do artigo 109.°, n.° 2, da decisão PTU (acórdão de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 74), ou se, na ausência de tal qualidade, a recorrente apresenta outras circunstâncias susceptíveis de a caracterizar em relação a qualquer outro operador económico.

47.
    A este respeito, a recorrente refere-se na sua réplica às «repercussões do regulamento [impugnado] na [s]ua situação» e mesmo às «consequências económicas extremamente graves» causadas por este. Nesta perspectiva, invoca o acórdão Extramet Industrie/Conselho, já referido no n.° 31, supra.

48.
    Contudo, importa recordar que o regulamento impugnado não impede de forma alguma a execução dos contratos que a recorrente tenha concluído (v. n.° 45, supra).

49.
    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a recorrente indicou que, no período que precedeu a adopção do regulamento impugnado, o preço de importação do açúcar que importou para a Comunidade no regime da cumulação de origem CE/PTU ultrapassava em cerca de 10% o preço de intervenção deste produto. Nestas condições, a recorrente não demonstrou que o artigo 1.° do regulamento impugnado, que prevê que «[a] colocação em livre prática na Comunidade, com isenção de direitos de importação, dos produtos da posição NC 1701, que acumulem a origem CE-PTU», não se faça a preço «inferior ao preço de intervenção aplicável aos produtos em causa», tenha tido um efeito negativo nas suas actividades económicas. Quanto ao artigo 2.° do regulamento impugnado, que sujeita as misturas de açúcar e de cacau originárias dos PTU ao procedimento de vigilância comunitária e impõe, para esse efeito, obrigações de ordem estatística às autoridades dos Estados-Membros, não pode ter afectado as importações destas misturas na Comunidade pela recorrente.

50.
    De resto, na audiência, na sequência de uma questão do Tribunal, a recorrente não foi capaz de dar a mais pequena indicação quanto à existência de qualquer prejuízo que o regulamento impugnado lhe possa ter causado.

51.
    Nestas condições, a recorrente não apresentou a prova de que o regulamento impugnado tenha tido «repercussões negativas» na sua situação, que a Comissão devesse ter tido em consideração (acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 27, supra, n.° 25, e de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 20, supra, n.° 70), e,ainda menos, que o regulamento impugnado lhe tenha causado um prejuízo excepcional, susceptível de a individualizar em relação a qualquer outro operador económico na acepção do acórdão Extramet Industrie/Conselho, já referido no n.° 31, supra (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Junho de 2000, Euromin/Conselho, T-597/97, Colect., p. II-2419, n.° 49.)

52.
    A recorrente invoca ainda que o regulamento impugnado se baseia em elementos, designadamente uma lista de preços, que lhe foram erradamente atribuídos. Esta circunstância é susceptível de a individualizar na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

53.
    Em primeiro lugar, há que declarar que a afirmação da recorrente é formalmente negada pela Comissão. De qualquer forma, no regulamento impugnado, não há qualquer indício de que a apreciação das dificuldades, que, segundo a Comissão, impuseram a adopção das medidas de protecção, se tenha baseado em informações relativas à actividade da recorrente. O argumento da recorrente, que não é apoiado por qualquer elemento dos autos, deve ser, portanto, julgado improcedente por falta de prova (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Euromin/Conselho, já referido no n.° 51, supra, n.os 46 a 49).

54.
    Por último, a recorrente refere-se a uma troca de correspondência entre ela própria e a Comissão, que ocorreu entre finais de Junho e finais de Outubro de 1999.

55.
    Contudo, o facto de uma pessoa participar, de uma forma ou de outra, no processo que conduz à adopção de um acto comunitário só é susceptível de individualizar essa pessoa relativamente ao acto em questão quando a regulamentação comunitária aplicável lhe concede certas garantias processuais (despachos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Agosto de 1995, Greenpeace e o./Comissão, T-585/93, Colect., p. II-2205, n.os 56 e 63, e Area Cova e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 32, supra, n.° 59).

56.
    Ora, nenhuma disposição de direito comunitário impõe à Comissão, antes de adoptar uma medida de protecção nos termos do artigo 109.°, n.° 1, da decisão PTU, que siga um procedimento no âmbito do qual as empresas estabelecidas nos PTU teriam o direito de reivindicar eventuais direitos ou até mesmo de ser ouvidas (v., neste sentido, o despacho Area Cova e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 32, supra, n.° 60, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2001, Sociedade Agrícola dos Arinhos e o./Comissão, T-38/99 a T-50/99, Colect., p. II-585, n.° 48).

57.
    Resulta de tudo o que precede que não se pode considerar que o regulamento impugnado diz individualmente respeito à recorrente. Não satisfazendo a recorrente uma das condições de admissibilidade estabelecidas pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

Quanto às despesas

58.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

59.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o Reino de Espanha e o Reino dos Países Baixos, que intervieram em apoio da posição, respectivamente, da Comissão e da recorrente, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    O recurso é julgado inadmissível.

2)    A recorrente suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efectuadas pela Comissão.

3)    Os intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

Azizi
Lenaerts
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Janeiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger


1: Língua do processo: neerlandês.