Language of document : ECLI:EU:T:2022:63

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

9 de fevereiro de 2022 (*)

«Contratos públicos — Regulamento Financeiro — Exclusão da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo FED por um período de três anos — Dever de fundamentação — Princípio da boa administração — Direito a ser ouvido — Erro manifesto de apreciação — Proporcionalidade»

No processo T‑652/19,

Elevolution Engenharia, S.A., com sede na Amadora (Portugal), representada por M. Marques Mendes, R. Campos, A. Dias Henriques, M. Troncoso Ferrer e C. García Fernández, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Melo Sampaio, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.° TFUE e por meio do qual é requerida a anulação da Decisão da Comissão de 12 de julho de 2019 que aplicou à recorrente uma sanção de exclusão, por um período de três anos, da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), e que determinou a publicação das informações relativas a esta exclusão,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh (relator) e T. Pynnä, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 22 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, a Elevolution — Engenharia, S.A., é uma sociedade anónima de direito português com sede na Amadora (Portugal) que opera no setor da construção de obras de engenharia civil.

 Contrato de empreitada de obras públicas e respetiva resolução

2        Em 2013, o Ordenador Nacional para a Cooperação Moçambique‑União Europeia (a seguir «entidade adjudicante») lançou um concurso público para a execução das obras para o desenvolvimento integrado do corredor Milange/Mocuba em Moçambique — Fase II, Lotes 1 e 2 (procedimento aberto EuropeAid/134356/D/WKS/MZ, JO 2013, S 79‑131728).

3        A Monte Adriano — Engenharia e Construção, S.A. (a seguir «Monte Adriano»), e a Edifer — Construções Pires Coelho & Fernandes, S.A., associadas em consórcio, apresentaram uma proposta. A proposta apresentada foi selecionada para o lote 1 do concurso público acima referido no n.° 2.

4        O lote 1 consistia na construção e modernização para standard betuminoso do troço da N11 Fronteira com o Malawi‑Milange‑Geral, incluindo uma ponte, e ainda na reabilitação e modernização parcial das estradas rurais R650 Milange‑Coromana, R650 Milange‑Zalimba e R649 Zalimba‑Majaua.

5        Em 9 de maio de 2014, a Monte Adriano, na sua qualidade de representante do consórcio, celebrou com a entidade adjudicante o contrato de empreitada ANE 25/DIPRO/2013 — Lote 1/EU FED/2014/338‑207 (a seguir «contrato»).

6        Nos termos do que fora previsto no contrato, foram constituídas seis garantias bancárias à primeira solicitação a favor da entidade adjudicante junto da Companhia de Seguros Índico, S.A.

7        O montante inicial do contrato era de 33 987 529,87 euros, subsequentemente aumentado em 3 399 716,92 euros para trabalhos adicionais.

8        Este projeto foi financiado pelo 10.° Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), nas condições definidas na Convenção de Financiamento FED/2013/023‑473.

9        Para monitorizar as obras que eram objeto do contrato, a entidade adjudicante designou, na qualidade de supervisora da obra, a entidade de direito público moçambicana Administração Nacional de Estradas (ANE) (a seguir «supervisora da obra») e, na qualidade de representante da supervisora da obra, a sociedade irlandesa Y.

10      Em 23 de dezembro de 2014, a Edifer — Construções Pires Coelho & Fernandes, S.A., fundiu‑se, por incorporação, na Monte Adriano, que, tendo procedido à alteração da sua denominação social, passou a ser a recorrente.

11      A implementação do contrato começou em 2 de junho de 2014 e devia estar concluída até 1 de junho de 2016. O prazo de implementação foi subsequentemente prorrogado por duas vezes, a pedido da recorrente, num total de 48 dias adicionais, até 19 de julho de 2016.

12      Durante a implementação do contrato, a recorrente apresentou várias reclamações ao abrigo dos artigos 35.° e 55.° das condições gerais do contrato. Seis delas foram parcialmente aceites pela entidade adjudicante, dando origem a uma prorrogação do prazo de implementação e a um aumento do preço. Várias outras reclamações apresentadas pela recorrente foram rejeitadas pela entidade adjudicante.

13      Durante a implementação do contrato, foram iniciados diversos procedimentos de resolução amigável e de conciliação. No entanto, por carta de 6 de setembro de 2017, a entidade adjudicante decidiu pôr termo a todos os procedimentos em curso.

14      Tendo em conta o atraso na execução dos trabalhos, a entidade adjudicante, por carta de 18 de julho de 2016, notificou a recorrente da desconformidade das prestações fornecidas e do incumprimento grave das suas obrigações contratuais, exigindo que esta última, nos termos do artigo 64.° das condições gerais do contrato, corrigisse esta situação e cumprisse as suas obrigações contratuais.

15      Por carta de 29 de julho de 2016, a recorrente afirmou que os atrasos e a realização parcial dos trabalhos se deviam a motivos que não lhe eram imputáveis.

16      Por cartas de 13 de outubro de 2016 e de 27 de janeiro de 2017, a entidade adjudicante verificou que a recorrente não tinha corrigido os problemas de execução contratual detetados.

17      Por carta de 24 de janeiro de 2017, em conformidade com o artigo 38.°, n.° 2, das condições gerais do contrato, a recorrente informou a entidade adjudicante da sua intenção de suspender ou de reduzir o ritmo de realização das obras devido ao não pagamento de quantias que lhe eram contratualmente devidas.

18      Por carta de 9 de março de 2017, a entidade adjudicante notificou a recorrente da resolução do contrato, em aplicação do artigo 36.°, n.° 2, das condições gerais do contrato.

19      Por carta de 20 de março de 2017, a recorrente contestou os fundamentos invocados pela entidade adjudicante para resolver o contrato e afirmou que não existia qualquer fundamento legal ou contratual para resolver o contrato, uma vez que os alegados incumprimentos identificados não lhe eram imputáveis e que não tinha violado as condições do contrato suscetíveis de justificar a respetiva resolução.

20      Por carta de 29 de maio de 2017, a entidade adjudicante comunicou à recorrente que iria proceder ao acionamento de duas garantias bancárias pelo respetivo montante total, concretamente, 3 398 752,99 euros e 339 971,69 euros.

21      Em 15 de junho de 2017, a recorrente informou a entidade adjudicante de que esta não tinha qualquer fundamento legal ou contratual para acionar as garantias.

22      Por carta de 4 de dezembro de 2017, a recorrente enviou uma notificação de arbitragem à entidade adjudicante, em conformidade com o artigo 68.4 das condições especiais do contrato.

23      Por carta de 30 de abril de 2018, a entidade adjudicante respondeu a esta notificação, aceitando a proposta e solicitando à recorrente que nomeasse o seu árbitro. No entanto, uma vez que os árbitros nunca foram nomeados, o tribunal arbitral nunca se chegou a constituir.

24      Foram intentadas nos tribunais moçambicanos seis ações judiciais relativas à execução das várias garantias bancárias, três delas instauradas pela própria recorrente. Neste contexto, já foram proferidas quatro decisões, em 2017 e em 2018, a favor da entidade adjudicante.

25      Por outro lado, o lote 2 do projeto fora adjudicado a outra entidade, a sociedade X, que concluiu a obra nos prazos fixados. A prossecução da implementação do lote 1, deixada inacabada pela recorrente, foi então confiada à sociedade X, que realizou também essas novas obras dentro do prazo de implementação fixado, mais concretamente em 23 de novembro de 2018. Todavia, os trabalhos em falta do lote 1 só puderam ser confiados à sociedade X até ao limite das disponibilidades financeiras da Convenção de Financiamento. Por este motivo, e até à presente data, o lote 1 continua por concluir, aguardando disponibilidade financeira no quadro do 11.° FED.

  Quanto ao processo que deu origem à adoção da decisão impugnada

26      À luz dos elementos acima expostos e, em particular, dos incumprimentos imputados à recorrente, conforme foram acima mencionados nos n.os 14 e 15, a Comissão Europeia decidiu dar início a um procedimento destinado a permitir a exclusão da recorrente dos procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo FED.

27      Assim, depois de ter sido convocada pela Comissão, a instância referida no artigo 143.° do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.° 1296/2013, (UE) n.° 1301/2013, (UE) n.° 1303/2013, UE n.° 1304/2013, (UE) n.° 1309/2013, (UE) n.° 1316/2013, (UE) n.° 223/2014 e (UE) n.° 283/2014, e a Decisão n.° 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1) (a seguir «instância»), por carta de 20 de fevereiro de 2019, notificou a recorrente dos factos que lhe eram imputados e da sua qualificação jurídica preliminar, convidando‑a a apresentar observações.

28      A recorrente apresentou as suas observações em 12 de março de 2019.

29      Em 24 de maio de 2019, a instância notificou à Comissão a sua recomendação (a seguir «recomendação»), no sentido de aplicar à recorrente uma sanção de exclusão da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo FED, por um período de três anos, tendo ainda recomendado publicar essa sanção no sítio Internet da Comissão.

30      A recomendação foi integralmente seguida pela Comissão, o que se traduziu na adoção da Decisão da Comissão, de 12 de julho de 2019, que aplicou à recorrente uma sanção de exclusão, por um período de três anos, da participação em procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo FED, e que determinou a publicação das informações relativas a esta exclusão (a seguir «decisão impugnada»). A recomendação não foi transmitida à recorrente.

31      O artigo 1.° da decisão impugnada dispõe que a recorrente «shall be excluded for a period of three years from participating in all procurement and grant award procedures financed by the EDF on the basis of Council Regulation (EU) 2015/323 for having shown significant deficiencies with main obligations in performance of a contract financed by the EDF budget» [é excluída por um período de três anos da participação em todos os procedimentos de adjudicação de contratos e de concessão de subvenções financiados pelo orçamento do FED, por ter revelado deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato financiado pelo orçamento do FED].

32      O artigo 2.° da decisão impugnada prevê a publicação das informações relativas a esta exclusão no sítio Internet da Comissão.

 Tramitação processual e pedidos das partes

33      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de setembro de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

34      Em 13 de abril de 2020, a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias que foi indeferido por Despacho de 11 junho de 2020, Elevolution‑Engenharia/Comissão (T‑652/19 R, não publicado, EU:T:2020:263).

35      Em 16 de março de 2021, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral decidiu apensar o presente processo ao processo T‑672/19 para efeitos da fase oral do processo.

36      A recorrente não compareceu na audiência de 22 de junho de 2021, pelo que só a Comissão foi ouvida nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

37      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na sua totalidade;

–        condenar a Comissão nas despesas do presente processo.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

39      A recorrente invoca quatro fundamentos de recurso. Importa tratar, em primeiro lugar e de forma sequencial, o segundo e terceiro fundamentos, uma vez que dizem respeito à fundamentação da decisão impugnada e ao procedimento que conduziu à adoção desta última, para em seguida abordar o primeiro fundamento e, por fim, o quarto fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento

40      Com o segundo fundamento, a recorrente invoca uma violação do dever de fundamentação, bem como uma violação do princípio da boa administração e do direito a ser ouvido.

 Quanto à insuficiência da fundamentação da decisão impugnada

41      Na primeira parte do segundo fundamento, a recorrente afirma que a decisão impugnada não contém nenhuma referência ao conteúdo da recomendação emitida pela instância acima referida no n.° 29.

42      A recorrente indica que o artigo 143.°, n.° 6, do Regulamento 2018/1046 dispõe que a recomendação deve incluir uma série de elementos, circunstância que a recorrente não está em condições de verificar, na medida em que a decisão impugnada apenas refere sucintamente esta recomendação e não faz a mínima menção ao seu conteúdo.

43      Em especial, segundo a recorrente, na decisão impugnada não é mencionado se a análise constante da recomendação foi seguida pela Comissão e se, em especial, a Comissão adotou uma decisão mais severa do que a recomendada pela instância.

44      A recorrente acrescenta que não é suficiente que a Comissão se limite nos considerandos da decisão impugnada a remeter para a recomendação, sem fazer referência a outras medidas.

45      A Comissão contesta essa argumentação.

46      A este respeito, a fundamentação exigida pelo artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre os requisitos previstos no artigo 296.° TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.° 88 e jurisprudência referida).

47      No caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão expôs, nos considerandos 1 a 28, o quadro factual, nos considerandos 29 a 66, a tramitação do processo contraditório perante a instância, nos considerandos 67 a 75, a qualificação jurídica do comportamento da recorrente, nos considerandos 76 a 85, a sanção aplicada à recorrente e, nos considerandos 86 a 88, a necessidade da publicação dessa sanção no sítio Internet da Comissão.

48      A fundamentação da decisão impugnada aborda assim, de forma circunstanciada, o histórico da execução do contrato, o incumprimento das obrigações contratuais por parte da recorrente, a forma como esta se opôs à execução das garantias, bem como as diferentes reclamações, procedimentos de resolução amigável e tentativas de conciliação e os respetivos resultados. A Comissão menciona igualmente as observações formuladas pela recorrente perante a instância, tendo‑lhes dado resposta detalhada. A recorrente não contesta, aliás, que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada a este respeito.

49      Por outro lado, é certo que a decisão impugnada só se refere à recomendação nos considerandos e que não faz nenhuma menção ao seu conteúdo. Além disso, a recomendação não foi transmitida à recorrente, que só obteve uma cópia da mesma no âmbito do processo que correu no Tribunal Geral, como anexo à contestação.

50      A este respeito, o artigo 143.°, n.° 6, do Regulamento 2018/1046 prevê, no que respeita às recomendações da instância relativas à exclusão ou à aplicação de uma sanção financeira, que, caso o gestor orçamental competente tencione adotar uma decisão mais severa do que a recomendada pela instância, assegura que essa decisão seja adotada no respeito do direito a ser ouvido e das normas em matéria de proteção dos dados pessoais. Esta disposição prevê igualmente que, caso o gestor orçamental competente decida afastar‑se da recomendação da instância, justifica essa decisão perante a mesma.

51      Ora, no caso em apreço, resulta dos autos que a Comissão seguiu na íntegra a recomendação adotada pela instância, uma vez que a decisão impugnada é, no essencial, idêntica à recomendação. Por conseguinte, a Comissão não tinha de assegurar que a recorrente fosse novamente ouvida antes de essa decisão ser tomada, nem tinha de justificar a referida decisão perante a instância.

52      Além disso, nestas condições, a Comissão podia limitar‑se a mencionar a recomendação nos considerandos da decisão impugnada e não tinha de precisar, expressamente, nesta decisão, que tinha seguido a recomendação na íntegra. Por conseguinte, a referida decisão está suficientemente fundamentada a este respeito.

53      Quanto ao restante, improcede igualmente a acusação relativa ao facto de que a recorrente tinha direito de ter acesso ao conteúdo da recomendação, nomeadamente para verificar se a instância tinha efetivamente tomado em consideração observações escritas que a recorrente tinha previamente apresentado.

54      Com efeito, em primeiro lugar, tal direito não está previsto no artigo 143.° do Regulamento 2018/1046. Em segundo lugar, quando uma decisão adotada pelo gestor orçamental competente constitua o ato que impõe uma sanção à entidade em causa, é à luz desse ato que há que, se for caso disso, verificar se a instância e o gestor orçamental competente tomaram efetivamente em consideração as observações escritas apresentadas por esta entidade. Em terceiro lugar, tal não exclui a possibilidade de um recorrente invocar um fundamento relativo a uma possível violação do direito a ser ouvido e de, nesse contexto, requerer que lhe seja dada uma cópia da recomendação adotada pela instância. No caso em apreço, a recorrente apresentou, aliás, uma acusação relativa ao direito a ser ouvida e obteve uma cópia da recomendação em causa, como anexo à contestação.

 Quanto à violação do princípio da boa administração e do direito a ser ouvido

55      A recorrente afirma que, ao ter adotado e apresentado a decisão impugnada nos termos em que o fez, a Comissão pôs igualmente em causa o seu direito a uma boa administração, nos termos e para os efeitos do artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

56      Com efeito, segundo a recorrente, não é possível determinar se foi dada toda a atenção necessária às observações por si submetidas à instância, a qual, nos termos do Regulamento 2018/1046, tinha a obrigação de as avaliar, no respeito pelo princípio do contraditório, nem se essa instância examinou, com o cuidado e a imparcialidade necessários, todos os elementos do seu caso concreto.

57      Além disso, como não foi destinatária da recomendação, a recorrente alega que desconhece se esse exame foi efetuado com cuidado e imparcialidade.

58      A Comissão contesta essa argumentação.

59      Nos termos do artigo 41.° da Carta, todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. A este respeito, a jurisprudência precisou que, por força deste princípio, compete à Administração examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes de um processo e reunir todos os elementos de facto e de direito necessários ao exercício do seu poder de apreciação, bem como assegurar o bom andamento do processo e a eficácia dos procedimentos que aplica (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Brookfield New Zealand e Elaris/ICVV e Schniga, C‑534/10 P, EU:C:2012:813, n.° 51).

60      Além disso, o direito a ser ouvido, enunciado no artigo 41.° da Carta, garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v. Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.° 39 e jurisprudência referida).

61      A este respeito, há que recordar que o Regulamento 2018/1046 estabelece, de forma análoga ao Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) 2015/1929 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de outubro de 2015 (JO 2015, L 286, p. 1), um sistema único de deteção precoce e de exclusão, criado e operado pela Comissão para proteger os interesses financeiros da União. Este sistema prevê que as decisões sobre a exclusão de uma pessoa ou entidade da participação em procedimentos de concessão ou a imposição de sanções financeiras a uma pessoa ou entidade ou sobre a publicação das informações conexas deverão ser tomadas pelo gestor orçamental competente, tendo em conta a sua autonomia em questões administrativas. A fim de garantir que as entidades em causa têm a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, deve ser‑lhes permitido apresentar as suas observações antes da adoção de qualquer medida que prejudique os seus direitos (v. considerandos 63, 64 e 67 do Regulamento 2018/1046).

62      Resulta igualmente do Regulamento 2018/1046, em especial do seu considerando 68 e do seu artigo 143.°, que o papel da instância deverá ser o de assegurar o funcionamento coerente do sistema de exclusão. Na prática, a instância é convidada a formular uma proposta concreta indicando, nomeadamente, a necessidade de excluir o operador económico em causa, bem como a duração da exclusão que lhe pareça adequada, a necessidade de aplicar uma sanção e o seu montante ou ainda a necessidade de publicar as informações relativas ao operador económico que é objeto de exclusão. Esta instância permite, assim, assistir o gestor orçamental competente na sua tomada de decisão (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2020, Agmin Italy/Comissão, T‑290/18, não publicado, EU:T:2020:196, n.os 65 a 67). Resulta ainda dos dois últimos parágrafos do artigo 143.°, n.° 6, do referido regulamento que, como foi acima exposto no n.° 50, o gestor orçamental competente tem a opção de seguir ou de não seguir a recomendação da instância, sendo, no entanto, certo que deve respeitar determinadas exigências caso tencione tomar uma decisão mais severa ou afastar‑se da recomendação.

63      No caso em apreço, a adoção da decisão impugnada respeitou o processo de exclusão previsto no Regulamento 2018/1046. Com efeito, como foi acima evocado nos n.os 26 a 29, desde logo, depois de a instância ter sido convocada, a recorrente pôde apresentar, em 12 de março de 2019, as suas observações sobre os factos que lhe eram imputados e sobre a respetiva qualificação jurídica preliminar; em seguida, a instância notificou a recomendação à Comissão em 24 de maio de 2019 e, por último, a Comissão adotou a decisão impugnada em 12 de julho de 2019, tendo seguido na íntegra a recomendação e tendo nela incluído fundamentos relacionados com as observações da recorrente. Quanto ao demais, a recorrente não concretiza quais os elementos, de entre aqueles que figuram nas observações que apresentou à instância, que não foram examinados com cuidado e imparcialidade.

64      Por outro lado, como foi acima explicado no n.° 62, o gestor orçamental competente tanto pode tomar uma decisão que corresponda à recomendação da instância como uma decisão diferente desta. Assim, o facto de as conclusões que constam da decisão impugnada e os argumentos em que as mesmas assentam serem idênticos à recomendação formulada pela instância não é, enquanto tal, suscetível de pôr em causa a autonomia da entidade adjudicante para adotar a referida decisão (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2020, Agmin Italy/Comissão, T‑290/18, não publicado, EU:T:2020:196, n.° 70). Por último, uma vez que a Comissão não adotou uma decisão mais severa do que a recomendação, a recorrente não tinha de voltar a ser ouvida.

65      Por conseguinte, há que julgar improcedentes as acusações relativas à violação do princípio da boa administração e do direito a ser ouvido e, consequentemente, julgar o segundo fundamento improcedente na íntegra.

 Quanto ao terceiro fundamento

66      Com o seu terceiro fundamento, a recorrente invoca uma violação do artigo 109.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 966/2012, e do artigo 106.°, n.° 1, alínea e), do mesmo regulamento, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, bem como do artigo 47.° da Carta. Assim, a recorrente contesta no essencial o facto de na decisão impugnada lhe ter sido aplicada uma sanção embora os incumprimentos que lhe eram imputados e que fundamentavam essa sanção não tivessem ainda sido estabelecidos numa decisão definitiva adotada pela autoridade competente, a saber, no caso em apreço, o tribunal arbitral previsto no artigo 68.°, n.° 4 das condições especiais do contrato. A este respeito, a recorrente alega igualmente que esta decisão é contrária ao princípio da igualdade de armas, o que constitui uma violação do artigo 47.° da Carta.

67      A Comissão contesta esta afirmação.

68      No caso em apreço, há que observar, a título preliminar, à semelhança daquilo que a Comissão fez no considerando 67 da decisão impugnada, que os factos ocorridos até 31 de dezembro de 2015, inclusive, e que permitem excluir empresas dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos são regulados pelo artigo 109.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 966/2012, na versão anterior àquela que entrou em vigor na sequência da alteração introduzida pelo Regulamento 2015/1929, ao passo que os factos ocorridos a partir de 1 de janeiro de 2016 são regulados pelo artigo 106.°, n.° 1, alínea e), do mesmo Regulamento n.° 966/2012, mas conforme foi alterado pelo Regulamento 2015/1929. Além disso, há também que observar que o Regulamento n.° 966/2012 foi revogado pelo Regulamento 2018/1046, o qual, ao abrigo do seu artigo 282.°, n.° 2, passou a ser aplicável a partir de 2 de agosto de 2018.

69      Assim, para poder ser objeto de uma sanção como a que está em causa no presente processo, a entidade em causa tem, antes de 1 de janeiro de 2016, de ter «sido declarad[a] em situação de falta grave na execução das suas obrigações no âmbito de contratos financiados pelo orçamento» [v. artigo 109.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.º 966/2012], ao passo que, desde 1 de janeiro de 2016, esta entidade deve ter «revelado deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato financiado pelo orçamento» [v., respetivamente, artigo 106.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.º 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, e artigo 136.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento 2018/1046].

70      Decorre destas disposições que, por um lado, relativamente a factos anteriores a 1 de janeiro de 2016, a regulamentação aplicável não faz depender a declaração de uma falta grave na execução das obrigações, por incumprimento de uma obrigação contratual, de uma decisão judicial anterior (ou de uma arbitragem) respeitante ao contrato, uma vez que está em causa um procedimento administrativo que não produz efeitos sobre os contratos anteriores e que tem por finalidade excluir um recorrente da participação em futuros contratos públicos ou em futuros convites para a apresentação de propostas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2009, CESD‑Communautaire/Comissão, T‑286/05, não publicado, EU:T:2009:109, n.° 98), e que, por outro lado, relativamente a factos posteriores a 1 de janeiro de 2016, os regulamentos financeiros aplicáveis preveem expressamente a possibilidade de excluir uma entidade em causa «com base numa qualificação jurídica preliminar de um dos comportamentos [referidos]» e obrigam o gestor orçamental competente a reavaliar a sua decisão após a notificação da decisão judicial transitada em julgado ou da decisão administrativa definitiva.

71      A este respeito, como a Comissão alega, não decorre da regulamentação em matéria de exclusão de empresas dos procedimentos de concursos públicos que a declaração de falta grave na execução por inobservância das obrigações contratuais depende de uma declaração prévia, por parte de um órgão jurisdicional, do incumprimento pelo contratante das suas obrigações contratuais (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 22 de abril de 2009, CESD‑Communautaire/Comissão, T‑286/05, não publicado, EU:T:2009:109, n.° 102). Com efeito, o sistema de exclusão instituído pelo legislador visa precisamente permitir que o gestor orçamental competente imponha sanções sem ter de aguardar por uma decisão judicial transitada em julgado (ou por uma sentença arbitral definitiva).

72      É certo que, como a Comissão alega, o teor do artigo 109.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 966/2012 contrasta com o de outras disposições do mesmo regulamento. Com efeito, ao passo que este artigo se refere unicamente aos «contratantes que tenham sido declarados em situação de falta grave na execução das suas obrigações no âmbito de contratos financiados pelo orçamento», o artigo 106.°, n.° 1, alíneas b) e e), exige expressamente, por seu turno, que exista uma sentença judicial transitada em julgado. Ora, há que conferir um sentido útil ao facto de o legislador não ter inserido esta exigência no artigo 109.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 966/2012. Por outras palavras, quando é necessária uma sentença judicial transitada em julgado, o Regulamento Financeiro exige‑o expressamente.

73      Da mesma forma, este raciocínio é igualmente transponível para as alterações que o Regulamento 2015/1929 introduziu ao Regulamento n.° 966/2012.

74      Com efeito, como a Comissão indica, o artigo 106.°, n.° 2, do Regulamento n.° 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, passou a conter um regime específico para os casos em que as deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato financiado pelo orçamento (ou pelo FED, como no presente caso), que tenham levado à sua rescisão antecipada ou à imposição de indemnizações fixas ou de outras sanções contratuais, não tenham sido declaradas por sentença transitada em julgado. Neste caso, a exclusão tem por base uma qualificação jurídica preliminar, tendo em conta os factos apurados ou outros resultados constantes da recomendação da instância.

75      O Tribunal Geral salienta que o artigo 106.°, n.° 2, do Regulamento n.° 966/2012, conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, também prevê o que deve ser feito quando, depois de ter sido adotada a decisão de exclusão, vier a ser proferida uma decisão judicial transitada em julgado que não estabeleça a duração da exclusão (segundo parágrafo) ou que declare que o operador económico não é culpado do comportamento objeto da qualificação jurídica preliminar que motivou a sua exclusão (terceiro parágrafo).

76      Destas disposições resulta, assim, que a inexistência de uma decisão judicial transitada em julgado que declare o incumprimento de um operador económico às suas obrigações contratuais não impede que a Comissão adote medidas preventivas para proteger os interesses financeiros da União.

77      Um entendimento diverso tornaria difícil uma proteção preventiva dos interesses financeiros da União, porquanto permitiria que os operadores económicos incumpridores participassem em novos concursos públicos financiados pela União, e eventualmente os ganhassem, quando o seu comportamento anterior podia levar a temer que voltariam a incumprir as suas obrigações. Como a Comissão pertinentemente refere, esta última ficaria, assim, «de mãos atadas» até existir uma sentença transitada em julgado, vendo acumular‑se prejuízos graves para os interesses financeiros pelos quais deve zelar. O efeito prático do regime de exclusão depende, com efeito, da sua aplicação tão expedita quanto possível, no respeito dos direitos fundamentais dos visados.

78      Além disso, quando aplica uma sanção de exclusão a um operador económico, a Comissão não está a atuar no âmbito contratual, enquanto parte, ao abrigo de uma cláusula contratual, mas antes no âmbito de poderes públicos que lhe são conferidos pelo Regulamento Financeiro, exercendo assim um poder de autoridade pública. Ora, neste contexto, a Comissão tem fundamento para adotar as medidas administrativas que se mostrem adequadas, como a decisão impugnada, sem ter de aguardar pela declaração prévia do incumprimento pelo juiz do contrato (no caso em apreço, o tribunal arbitral).

79      Por último, se viesse a ser proferida uma decisão arbitral que declarasse a inexistência de um incumprimento por parte da recorrente, o artigo 136.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento 2018/1046 passaria então a ser aplicável, o que daria lugar a uma revisão da decisão de exclusão. Uma vez que tal decisão arbitral não foi proferida, a decisão de exclusão não é abrangida por semelhante revisão.

80      Ainda no que respeita à acusação relativa a uma violação do artigo 47.° da Carta, basta observar que as decisões de exclusão tomadas pelos gestores orçamentais competentes, como a decisão impugnada no caso em apreço, são suscetíveis de ser objeto de recurso a interpor nos órgãos jurisdicionais da União. A este respeito, o artigo 143.°, n.° 9, do Regulamento 2018/1046 atribui ao Tribunal de Justiça da União Europeia competência de plena jurisdição para rever uma decisão em que o gestor orçamental exclui uma entidade ou impõe uma sanção financeira. Quanto ao demais, na parte em que a acusação da recorrente diz respeito ao litígio contratual relacionado com o contrato e ao litígio relacionado com as garantias bancárias, basta observar que a recorrente não contesta que para conhecer destes dois litígios são competentes, respetivamente, o tribunal arbitral designado neste contrato e os tribunais moçambicanos.

81      Resulta do que precede que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento

82      No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente invoca um erro relativo ao contexto factual, uma vez que os sucessivos atrasos e incumprimentos verificados na execução dos trabalhos não lhe eram imputáveis, sendo antes resultantes de circunstâncias alheias ao seu controlo.

83      A recorrente alega, em especial, que apresentou várias reclamações ao gestor orçamental e/ou à supervisora com vista a descrever certas dificuldades com que se deparou para realizar os trabalhos, a pedir a realização de trabalhos adicionais, bem como a prorrogação de determinados prazos. Segundo a recorrente, o gestor orçamental e/ou a supervisora indicou‑lhe, erradamente, que certas reclamações não estavam suficientemente justificadas. Além disso, o gestor orçamental e/ou a supervisora demorou a responder a algumas delas, tendo‑o por vezes feito depois de terminado o prazo previsto para a conclusão dos trabalhos. Por outro lado, segundo a recorrente, o gestor orçamental e/ou a supervisora não concedeu prazos adicionais suficientemente longos para determinados trabalhos.

84      Além disso, a recorrente sublinha que, se o gestor orçamental e/ou a supervisora tivesse aceitado um procedimento de conciliação com as partes, o comité de conciliação poderia ter reconhecido que os atrasos na execução dos trabalhos eram nomeadamente imputáveis ao gestor orçamental e/ou à supervisora.

85      Por último, a recorrente alega que convidou o gestor orçamental a nomear o seu árbitro a fim de constituir o tribunal arbitral mas que, no entanto, o referido gestor orçamental não o fez.

86      A Comissão contesta essa argumentação.

87      No caso em apreço, com o seu primeiro fundamento, a recorrente alega um «erro da decisão quanto aos pressupostos de facto». Há que considerar que, ao fazê‑lo, a recorrente procura na realidade contestar a imputabilidade dos incumprimentos que foram qualificados de «falta grave na execução das suas obrigações» ou de «deficiências significativas no cumprimento das principais obrigações» e que permitiram justificar a sanção que lhe foi imposta.

88      A este respeito, segundo a jurisprudência, há que considerar que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação no que respeita à apreciação do incumprimento que pode conduzir a uma declaração de incumprimento grave de uma obrigação principal na execução de um contrato. Assim sendo, a fiscalização do Tribunal Geral deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2020, Agmin Italy/Comissão, T‑290/18, não publicado, EU:T:2020:196, n.° 113 e jurisprudência referida).

89      O Tribunal Geral observa que, no considerando 75 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que havia que qualificar o comportamento da recorrente, no plano jurídico, de «serious breach» [falta grave] na execução das suas obrigações no âmbito do contrato a título dos factos ocorridos antes de 1 de janeiro de 2016, e de «significant deficiencies» [deficiências significativas] no cumprimento das principais obrigações relativas à execução de um contrato, a título dos factos ocorridos após 1 de janeiro de 2016. Como foi acima salientado no n.° 47, estas qualificações resultam de uma apreciação dos factos conforme estes foram apresentados nos considerandos 1 a 28 da decisão impugnada e debatidos durante o procedimento perante a instância, o qual foi descrito nos considerandos 29 a 66 da referida decisão.

90      No essencial, a Comissão imputa à recorrente um comportamento revelador de falta grave na execução das suas obrigações contratuais, porquanto só realizou cerca de metade dos trabalhos a que estava contratualmente obrigada e impediu a execução das garantias bancárias que prestou, embora se tratasse de garantias «à primeira solicitação».

91      No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente limita‑se a afirmar que os atrasos na execução dos trabalhos não lhe são imputáveis, fazendo‑o à luz das diferentes reclamações que apresentou ao gestor orçamental e/ou à supervisora, bem como a criticar, por um lado, a forma como o gestor orçamental e/ou a supervisora respondeu a essas reclamações e, por outro, o facto de não ter havido um processo de conciliação e um processo arbitral entre as partes.

92      Em especial, a recorrente invoca alguns argumentos destinados a contestar, perante o Tribunal Geral, as apreciações feitas pela entidade adjudicante no âmbito das reclamações por si apresentadas. Ora, ao fazê‑lo, a recorrente tenta, na realidade, contornar a via de recurso prevista no contrato em causa, a saber, em substância, no artigo 68.4, alínea b), i), das condições especiais e no artigo 68.° das condições gerais, e fazer com que o Tribunal Geral se pronuncie sobre o mérito das decisões respeitantes a essas reclamações e sobre a pertinência das respostas que, eventualmente, tenham sido apresentadas pela entidade adjudicante. No entanto, o Tribunal Geral está impossibilitado de se pronunciar sobre estes argumentos, uma vez que, no caso em apreço, não é competente para conhecer do contencioso relativo às referidas reclamações, visto este ser da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais moçambicanos.

93      Em todo o caso, há que observar que a recorrente não explica nem prova, no primeiro fundamento nem, aliás, noutra parte do seu recurso, em que medida o conteúdo destas reclamações pode ser suficiente para pôr em causa a qualificação jurídica do seu comportamento, conforme esta foi resumida no n.° 75 da decisão impugnada, e que serviu de fundamento à aplicação da sanção. A este respeito, a recorrente critica nomeadamente um certo número de elementos factuais constantes do considerando 41 da decisão impugnada e que dizem respeito à transcrição, pela Comissão, do tratamento que foi conferido às diferentes reclamações apresentadas à entidade adjudicante, como decorre das trocas de correspondência que tiveram lugar perante a instância durante o processo contraditório. Ora, ainda que se admita que a decisão impugnada padece de certas imprecisões factuais relativas ao conteúdo exato ou ao desenrolar preciso desses procedimentos de reclamação, tal não é suscetível de exercer qualquer influência na conclusão segundo a qual as referidas reclamações foram todas efetivamente indeferidas pela entidade adjudicante.

94      Assim, a recorrente não explica nem demonstra que, se a entidade adjudicante tivesse tratado corretamente as reclamações enumeradas no âmbito do primeiro fundamento ou se tivesse aceitado dar início a um processo de conciliação, ou mesmo a um processo arbitral, as suas reclamações teriam sido deferidas, pelo que a apreciação da Comissão a respeito da qualificação jurídica do seu comportamento teria sido diferente.

95      Por último, no que respeita ao processo de arbitragem, há que constatar, como a Comissão alega, que, por carta de 4 de dezembro de 2017, a recorrente enviou uma notificação de arbitragem à entidade adjudicante. Todavia, a Comissão indica, sem ser contestada pela recorrente, que esta última nunca nomeou o seu árbitro, pelo que o tribunal arbitral nunca se constituiu. Por conseguinte, a recorrente não pode imputar este facto à entidade adjudicante.

96      Assim, decorre de tudo o que precede que a recorrente não apresenta elementos suficientes que permitam retirar plausibilidade à qualificação jurídica dos factos feita pela Comissão na decisão impugnada e que está na origem da sanção.

97      Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento

98      Com o quarto fundamento, a recorrente alega uma violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 109.°, n.° 2, do Regulamento n.° 966/2012 na sua versão original, no artigo 106.°, n.° 3, do mesmo regulamento conforme alterado pelo Regulamento 2015/1929, bem como no artigo 49.° da Carta, pelo facto de lhe ter sido aplicado o período máximo de exclusão, a saber, três anos.

99      A Comissão contesta esta argumentação.

100    A este respeito, a argumentação apresentada pela recorrente no âmbito do presente fundamento consiste essencialmente em reiterar a sua acusação segundo a qual os incumprimentos que lhe são imputados e nos quais a Comissão se baseia para justificar a sanção de exclusão imposta na decisão impugnada não foram apurados pelo tribunal arbitral competente ao abrigo das condições especiais do contrato.

101    Ora, como já foi exposto no âmbito do terceiro fundamento, resulta dos regulamentos financeiros sucessivamente aplicáveis aos factos do caso em apreço que a Comissão não é obrigada a aguardar por uma decisão judicial transitada em julgado (ou por uma decisão arbitral definitiva) para adotar uma decisão de exclusão e que pode atuar desta forma com base numa qualificação jurídica preliminar do comportamento imputado ao operador económico em causa. Por conseguinte, a argumentação da recorrente não procede.

102    Por outro lado, decorre do que precede que, na petição inicial e na réplica, a recorrente não apresenta elementos que a instância e a Comissão deviam ter tomado em consideração para poderem concluir por uma duração da exclusão menos longa. A este respeito, pode também recordar‑se que, no âmbito do primeiro fundamento, o Tribunal Geral concluiu que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

103    De qualquer modo, há que observar que para a escolha da sanção aplicada foram consideradas decisivas as seguintes circunstâncias: primeiro, o elevado impacto nos interesses financeiros do FED, devido em especial aos custos adicionais com a finalização da obra por outra entidade, segundo, os expedientes dilatórios adotados pela recorrente, que obstruiu a execução das garantias bancárias e, desta forma, agravou o prejuízo do FED, e, terceiro, o impacto na imagem do programa de desenvolvimento da União em Moçambique, causado pelo facto de uma parte dos trabalhos objeto do contrato controvertido não ter sido concluída na data prevista, sendo que as repercussões negativas nas infraestruturas do país devido ao atraso na construção são também prejudiciais para a imagem da União.

104    Quanto à primeira circunstância, há que observar, como a Comissão alega, que estavam em causa montantes avultados, que só a não execução das garantias bancárias teve um impacto financeiro de cerca de 10 milhões de euros e que a recorrente é neste momento devedora de um montante total superior a 12,2 milhões de euros, repartidos da seguinte forma:

–        4 701 975,72 euros referentes aos montantes de pré‑financiamento não reembolsados;

–        3 781 666,44 euros relativos às sanções pecuniárias contratualmente previstas pelos atrasos verificados na execução da obra;

–        3 738 724,68 euros referentes à indemnização de 10 % do valor do contrato, prevista no artigo 64.8 das condições gerais.

105    No que respeita à segunda circunstância, há que observar que, como a Comissão indica, a recorrente fez uso de uma série de expedientes dilatórios. Com efeito, apresentou uma série de reclamações extemporâneas, já depois de a resolução contratual ter produzido os seus efeitos e, apesar de ter enviado uma notificação para arbitragem, nunca nomeou o seu árbitro, pelo que o tribunal arbitral nunca se constituiu.

106    Quanto à terceira circunstância, a Comissão recorda, com pertinência, que as obras apenas se encontravam concluídas em cerca de metade no final do prazo em que a recorrente se tinha obrigado contratualmente a terminá‑las. Além disso, por tanto a recorrente como a Companhia de Seguros Índico terem obstado à execução das garantias, não se encontravam disponíveis os fundos necessários para concluir a obra na sua totalidade, pelo que uma parte da mesma continua inacabada, aguardando disponibilidade financeira.

107    Resulta do que precede que a sanção aplicada pela Comissão à recorrente não foi além do estritamente apropriado e necessário para atingir o objetivo pretendido, a saber, a proteção dos interesses financeiros da União. Assim, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade quando aplicou à recorrente uma exclusão de três anos da participação nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos e de concessão de subvenções financiados pelo FED.

108    Resulta do que precede que o quarto fundamento é desprovido de fundamento e que deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

109    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que negar provimento ao recurso na totalidade, não sendo necessário examinar os pedidos de medidas de organização do processo formulados pela recorrente na sua réplica.

 Quanto às despesas

110    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo nas do processo de medidas provisórias, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Elevolution — Engenharia, S.A., é condenada nas despesas, incluindo nas despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Pynnä

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de fevereiro de 2022.

O Secretário

 

O Presidente

E. Coulon

 

M. van der Woude


*      Língua do processo: português.