Language of document : ECLI:EU:C:2021:258

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

26 de março de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento (UE) n.o 604/2013 (Dublim III) — Artigo 27.o — Vias de recurso contra a decisão de transferência — Caráter suspensivo do recurso — Artigo 29.o — Modalidades e prazos das transferências — Normas para acolher requerentes de proteção internacional — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 18.o — Medida nacional que atribui a um requerente que foi objeto de uma decisão de transferência um lugar numa estrutura de acolhimento específica na qual as pessoas alojadas beneficiam de um acompanhamento para preparar a sua transferência»

No processo C‑92/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège, Bélgica), por Decisão de 8 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de fevereiro de 2021, no processo

VW

contra

Agence fédérale pour l’accueil des demandeurs d’asile (Fedasil),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász (relator), C. Lycourgos e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, e o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 27.o do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe VW à Agence fédérale pour l’accueil des demandeurs d’asile (Fedasil) (Agência Federal de Acolhimento dos requerentes de asilo, Bélgica) a respeito da legalidade de uma medida que atribui a VW um lugar numa estrutura de acolhimento específica na qual as pessoas alojadas beneficiam de um acompanhamento para preparar a sua transferência para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento Dublim III

3        O artigo 1.o do Regulamento Dublim III, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

«O presente regulamento estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (a seguir designado “Estado‑Membro responsável”).»

4        O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      “Pedido de proteção internacional”: um pedido de proteção internacional, tal como definido no artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)];

c)      “Requerente”: um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional pendente de decisão definitiva;

[…]»

5        O artigo 26.o do referido regulamento, intitulado «Notificação de uma decisão de transferência», prevê, no seu n.o 1:

«Caso o Estado‑Membro requerido aceite a tomada ou retomada a cargo de um requerente ou de outra pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), o Estado‑Membro requerente deve notificar a pessoa em causa da decisão da sua transferência para o Estado‑Membro responsável e, se for caso disso, da decisão de não analisar o seu pedido de proteção internacional. Se a pessoa em causa for representada por um advogado ou por outro conselheiro jurídico, os Estados‑Membros podem optar por notificar a sua decisão ao representante, em vez de o fazerem à pessoa em causa, e, se for caso disso, comunicar a sua decisão à pessoa em causa.»

6        Nos termos do artigo 27.o do mesmo regulamento:

«1.      O requerente […] tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.

[…]

3.      Para efeitos de recursos ou de pedidos de revisão de decisões de transferência, os Estados‑Membros devem prever na sua legislação nacional que:

a)      O recurso ou o pedido de revisão confira à pessoa em causa o direito de permanecer no Estado‑Membro em causa enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão; ou

b)      A transferência seja automaticamente suspensa e que essa suspensão termine após um período razoável, durante o qual um órgão jurisdicional, após exame minucioso e rigoroso, deve tomar uma decisão sobre o efeito suspensivo de um recurso ou de um pedido de revisão; ou

c)      A pessoa em causa tenha a possibilidade de dentro de um prazo razoável requerer junto do órgão jurisdicional a suspensão da execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso ou do pedido de revisão. Os Estados‑Membros devem garantir a possibilidade de uma via de recurso, suspendendo o processo de transferência até que seja adotada a decisão sobre o primeiro pedido de suspensão. A decisão sobre a suspensão ou não da execução da decisão de transferência deve ser tomada num prazo razoável, mas que não ponha em causa o exame minucioso e rigoroso do pedido de suspensão. As decisões de não suspensão da execução da decisão de transferência devem ser fundamentadas.

4.      Os Estados‑Membros podem prever que as autoridades competentes possam decidir, a título oficioso, suspender a execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão.

5.      Os Estados‑Membros garantem o acesso da pessoa em causa a assistência jurídica e, se necessário, a assistência linguística.

6.      Os Estados‑Membros garantem que a assistência jurídica seja concedida a pedido e gratuitamente, se a pessoa em causa não puder suportar os respetivos custos. […]

[…]»

7        O artigo 29.o do Regulamento Dublim III, relativo às modalidades e prazos das transferências para o Estado‑Membro responsável, prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A transferência do requerente ou de outra pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas c) ou d), do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável efetua‑se em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.o, n.o 3.

[…]

2.      Se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente. Este prazo pode ser alargado para um ano, no máximo, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para 18 meses, em caso de fuga.»

 Diretiva 2013/33/UE

8        O artigo 7.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96), sob a epígrafe «Residência e liberdade de circulação», dispõe:

«1.      Os requerentes podem circular livremente no território do Estado‑Membro de acolhimento ou no interior de uma área que lhes for fixada por esse Estado‑Membro. A área fixada não deve afetar a esfera inalienável da vida privada e deve deixar uma margem de manobra suficiente para garantir o acesso a todos os benefícios previstos na presente diretiva.

2.      Os Estados‑Membros podem decidir da residência do requerente por razões de interesse público, de ordem pública ou, sempre que necessário, para o rápido tratamento e acompanhamento eficaz do seu pedido de proteção internacional.

3.      Os Estados‑Membros podem sujeitar a atribuição das condições materiais de acolhimento à residência efetiva dos requerentes de asilo num local determinado, a fixar pelos Estados‑Membros. Essa decisão, que pode ter caráter genérico, deve ser tomada de forma individual e ser estabelecida no direito nacional.

[…]»

9        Nos termos do artigo 18.o desta diretiva, sob a epígrafe «Regras em matéria de condições materiais de acolhimento»:

«1.      Se for fornecido alojamento em espécie, deve sê‑lo sob uma das seguintes formas ou por uma combinação das mesmas:

[…]

b)      Em centros de acolhimento que proporcionem um nível de vida adequado;

[…]

3.      Os Estados‑Membros devem ter em conta os fatores específicos relativos ao sexo e à idade e a situação das pessoas vulneráveis relativamente aos requerentes que se encontrem nas instalações e nos centros de acolhimento referidos no n.o 1, alíneas a) e b).

[…]

6.      Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes só são transferidos de uma instalação de acolhimento para outra quando for necessário. […]

[…]»

 Direito belga

 Lei de 15 de dezembro de 1980

10      O título I bis da loi sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers, du 15 décembre 1980 (Lei Relativa à Entrada no Território, à Residência, ao Estabelecimento e à Expulsão de Estrangeiros, de 15 de dezembro de 1980) (Moniteur belge de 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na sua redação aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei de 15 de dezembro de 1980»), sob a epígrafe «O Conselho do Contencioso dos Estrangeiros», está dividido em cinco capítulos.

11      O capítulo 1, intitulado «Instituição e jurisdição do Conselho do Contencioso dos Estrangeiros», inclui, nomeadamente, o artigo 39/2 da Lei de 15 de dezembro de 1980, que prevê que o requerente de proteção internacional pode interpor no Conseil du contentieux des étrangers, (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica) um recurso de anulação da decisão de recusa de residência tomada a seu respeito, acompanhada de uma ordem para abandonar o território, que não tem efeito suspensivo.

12      O capítulo 5, sob a epígrafe «Procedimento», desse mesmo título I bis da Lei de 15 de dezembro de 1980 subdivide‑se em três secções. A secção III, relativa ao «recurso de anulação», compreende, nomeadamente, uma subsecção 3, intitulada «Procedimento administrativo de medidas provisórias», na qual figura o artigo 39.o/82 desta lei, que tem a seguinte redação:

«§ 1.      Quando um ato de uma autoridade administrativa é anulável nos termos do artigo 39/2, o [Conselho do Contencioso dos Estrangeiros] tem competência exclusiva para ordenar a suspensão da sua execução.

[…]

Quando o requerente pede a suspensão da execução, deve optar por uma suspensão com extrema urgência ou por uma suspensão ordinária. Sob pena de inadmissibilidade, não pode nem simultânea nem consecutivamente invocar novamente o terceiro parágrafo ou pedir novamente a suspensão na petição referida no § 3.

[…]

§ 4.      O presidente de secção ou o juiz do contencioso dos estrangeiros por ele designado decide do pedido de suspensão, no prazo de 30 dias. Se a suspensão for ordenada, o pedido de anulação será decidido no prazo de quatro meses a contar da prolação da decisão judicial.

Se o estrangeiro for objeto de uma medida de afastamento ou de repulsão cuja execução seja iminente, em especial se for mantido num local específico referido nos artigos 74/8 e 74/9 ou colocado à disposição do Governo, e ainda não tiver apresentado um pedido de suspensão pelas vias ordinárias, pode requerer a suspensão da execução dessa medida com extrema urgência, no prazo referido no artigo 39/57, § 1, terceiro parágrafo.

[…]»

 Lei Relativa ao Acolhimento dos Requerentes de Asilo e de Determinadas Outras Categorias de Estrangeiros

13      O artigo 11.o, § 1, da loi sur l’accueil des demandeurs d’asile et de certaines autres catégories d’étrangers, du 12 janvier 2007 (Lei Relativa ao Acolhimento dos Requerentes de Asilo e de Determinadas Outras Categorias de Estrangeiros, de 12 de janeiro de 2007) (Moniteur belge de 7 de maio de 2007, p. 24027), prevê, em certas condições, a atribuição vinculativa de um lugar numa estrutura de acolhimento para os requerentes de asilo. Segundo o artigo 12.o, § 2, desta lei, a Fedasil pode alterar oficiosamente o local de acolhimento de um requerente de asilo.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Em 14 de outubro de 2020, o recorrente no processo principal, jovem maior de nacionalidade guineense, apresentou um pedido de proteção internacional na Bélgica.

15      Enquanto aguardava uma decisão sobre o seu pedido, foi alojado num centro de acolhimento da Cruz Vermelha, situado em Bierset (Bélgica).

16      As autoridades belgas dirigiram um pedido de tomada a cargo às autoridades espanholas. O pedido foi deferido em 28 de outubro de 2020.

17      O Office des étrangers (Serviço de Estrangeiros, Bélgica) adotou uma decisão de recusa de residência com ordem para abandonar o território, que foi notificada ao recorrente no processo principal em 2 de dezembro de 2020. Nos termos desta decisão, foi‑lhe indicado que o Reino de Espanha era responsável pelo exame do seu dossiê e foi‑lhe ordenado que deixasse o território belga e se deslocasse para Espanha.

18      Em 9 de dezembro de 2020, o recorrente no processo principal interpôs recurso de anulação dessa decisão de transferência para o Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica).

19      Por Decisão de 4 de dezembro de 2020, a Fedasil, tendo em conta a decisão de transferência, alterou o local de acolhimento do recorrente no processo principal, afetando‑o de forma vinculativa a uma estrutura de acolhimento específica situada em Mouscron (Bélgica), para beneficiar do acompanhamento previsto para a organização da sua transferência para o Estado‑Membro responsável.

20      Em 9 de dezembro de 2020, o recorrente no processo principal interpôs recurso de medidas provisórias contra essa decisão no tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège, Bélgica).

21      Por Despacho de medidas provisórias de 10 de dezembro de 2020, confirmado em 5 de janeiro de 2021, o tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège) ordenou, a título provisório, a manutenção do alojamento do recorrente no processo principal no centro de acolhimento da Cruz Vermelha de Bierset, na condição de este interpor, no prazo de um mês, recurso de mérito da decisão da Fedasil de 4 de dezembro de 2020.

22      Em 10 de dezembro de 2020, o recorrente no processo principal interpôs recurso de mérito da decisão da Fedasil. Em apoio desse recurso, alegou que esta violava o seu direito a um recurso suspensivo da decisão de recusa de residência.

23      O órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 27.o do Regulamento Dublim III garante ao requerente um recurso efetivo contra a decisão de recusa de residência com ordem para abandonar o território nacional.

24      Sublinha, todavia, que a interposição de um recurso não tem, em direito nacional, um efeito suspensivo automático da execução da ordem para abandonar o território. Só no âmbito do procedimento administrativo de medidas provisórias é que o requerente pode requerer a suspensão dessa execução, num contexto de urgência absoluta, ou seja, em caso de execução iminente de tal ordem para abandonar o território.

25      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a resolução do litígio no processo principal pressupõe que se determine previamente se e em que condição o recurso de uma decisão de transferência tem efeito suspensivo. A este respeito, explica que, se se reconhecesse esse efeito, a interposição de um recurso teria como consequência obstar temporariamente à transferência do requerente em causa para outro Estado‑Membro, de modo que a deslocação deste para um centro específico para efeitos da preparação da transferência seria prematura.

26      Por conseguinte, interroga‑se sobre a questão de saber se uma decisão de alteração do lugar de acolhimento obrigatório, como a que está em causa no processo principal, que deve, do seu ponto de vista, ser considerada um início de execução da decisão de transferência, é conforme com o artigo 27.o do Regulamento Dublim III.

27      Perante estas considerações, o tribunal du travail de Liège (Tribunal do Trabalho de Liège) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um meio de recurso, previsto no direito interno em benefício de um requerente de asilo convidado a fazer analisar o seu pedido de proteção internacional noutro Estado‑Membro, que não apresenta caráter suspensivo e que só pode adquirir esse caráter em caso de privação da liberdade com vista à transferência iminente constitui uma via de recurso efetiva na aceção do artigo 27.o do [Regulamento Dublim III]?

2)      Deve o direito a uma via de recurso efetiva previsto no artigo 27.o do [Regulamento Dublim III] ser entendido no sentido de que se opõe unicamente à aplicação de uma medida de transferência coerciva durante o exame do recurso interposto contra a referida decisão de transferência ou no sentido de que proíbe qualquer medida preparatória de um afastamento, como a deslocação para um centro que assegura a implementação de um trajeto de regresso em relação aos requerentes de asilo convidados a fazer analisar o seu pedido de asilo noutro país europeu?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

28      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente, prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça ou à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o deste Regulamento de Processo.

29      Por Decisão de 1 de março de 2021, a Quinta Secção decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, que não devia ser acolhido o pedido que visava submeter o presente processo a tramitação prejudicial urgente, dado que não estavam reunidas as condições de urgência previstas no artigo 107.o do Regulamento de Processo. Por decisão do mesmo dia, foi igualmente indeferido o pedido de submeter este processo à tramitação acelerada. Contudo, no mesmo 1 de março de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu julgar prioritariamente o referido processo, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 3, deste Regulamento de Processo.

 Quanto às questões prejudiciais

30      Nos termos do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, nomeadamente quando a resposta à questão submetida a título prejudicial não suscite nenhuma dúvida razoável. Além disso, em virtude do artigo 53.o, n.o 2, deste Regulamento de Processo, se um pedido for manifestamente inadmissível, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, pode, a qualquer momento, decidir pronunciar‑se por despacho fundamentado, pondo assim termo à instância.

31      Importa aplicar estas disposições no presente processo.

 Quanto à segunda questão

32      Com a sua segunda questão, que deve ser examinada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro adote, relativamente a um requerente que interpôs recurso de uma decisão de transferência para outro Estado‑Membro na aceção do artigo 26.o, n.o 1, deste regulamento, medidas preparatórias dessa transferência, como a atribuição de um lugar numa estrutura de acolhimento específica na qual as pessoas alojadas beneficiam de um acompanhamento para preparar a sua transferência.

33      Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, o requerente tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional. Além disso, resulta do artigo 27.o, n.os 3 a 6, deste regulamento que, para assegurar a efetividade dessa via de recurso, o requerente de asilo deve, nomeadamente, beneficiar da possibilidade de pedir num prazo razoável a um órgão jurisdicional que suspenda a execução da decisão de transferência enquanto aguarda o resultado do seu recurso e deve igualmente dispor de assistência jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 50).

34      Embora, em aplicação deste artigo 27.o, o direito a um recurso efetivo deva, pelo menos, ser acompanhado da possibilidade dada ao requerente de solicitar a suspensão da execução da decisão de transferência, esta disposição não obriga, todavia, os Estados‑Membros a prever no seu direito que a interposição desse recurso acarreta automaticamente a suspensão da execução.

35      Com efeito, resulta do artigo 27.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento Dublim III que o legislador da União, ao precisar que os Estados‑Membros preveem que a pessoa em causa tem a possibilidade de requerer num prazo razoável a um órgão jurisdicional que suspenda a execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do seu recurso, reconhece que os Estados‑Membros podem decidir que a interposição de um recurso de uma decisão de transferência não basta, por si só, para suspender a transferência, que pode, por conseguinte, ser efetuada sem aguardar a apreciação desse recurso, desde que a suspensão não tenha sido solicitada ou o pedido de suspensão tenha sido rejeitado (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 59).

36      No entanto, importa salientar, em primeiro lugar, que, embora preveja um direito a um recurso efetivo e a possibilidade de requerer a suspensão da execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso, nem esta disposição nem nenhuma outra disposição do Regulamento Dublim III proíbem a adoção de medidas como as que estão em causa no processo principal, as quais não constituem, em si mesmas, o início do processo de execução da decisão de transferência no sentido deste regulamento.

37      Com efeito, tais medidas devem ser consideradas não como medidas de execução da transferência, mas como medidas preparatórias do processo de execução, dado que a sua aplicação não leva a que a pessoa em causa deixe o território do Estado‑Membro requerente. De resto, também não violam a liberdade de o requerente ir e vir, nem o exercício dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo Regulamento Dublim III.

38      Por outro lado, medidas como as que estão em causa no processo principal não são suscetíveis de influenciar, por si mesmas, o sentido da decisão a adotar relativamente ao recurso contra a decisão de transferência, o que nem o órgão jurisdicional de reenvio sustenta.

39      Importa igualmente salientar que o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III prevê que a transferência do requerente do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável se efetua «logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso [...] nos casos em que exista efeito suspensivo». Tal disposição implica que a transferência do requerente deve ocorrer o mais cedo possível, desde que estejam reunidas as condições jurídicas para o fazer.

40      Assim, a adoção de medidas preparatórias da transferência parece estar em conformidade com as disposições do artigo 29.o do Regulamento Dublim III, dado que tais medidas têm por objeto preparar a transferência do requerente o mais rapidamente possível, no caso de ser negado provimento ao seu recurso contra a decisão de transferência.

41      Em segundo lugar, a adoção de medidas preparatórias como a que está em causa no processo principal também não viola as disposições da Diretiva 2013/33, que tem por objeto regular as condições de acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo aqueles a quem foi notificada uma decisão de transferência em aplicação do Regulamento Dublim III (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2012, Cimade e GISTI, C‑179/11, EU:C:2012:594, n.o 50).

42      A este respeito, a obrigação de os Estados‑Membros só transferirem os requerentes de uma instalação de acolhimento para outra «quando for necessário», prevista no artigo 18.o, n.o 6, da Diretiva 2013/33, não se opõe a que um requerente seja afetado, após a adoção de uma decisão de transferência, a uma nova instalação de acolhimento que presta serviços com vista a acompanhar essa transferência, não obstante a circunstância de o requerente ter interposto recurso dessa decisão de transferência.

43      Com efeito, não se pode censurar o Estado‑Membro requerente por considerar que a mudança de instalação de acolhimento do recorrente é necessária devido à alteração da sua situação administrativa, relacionada com a decisão de transferência, bem como os condicionalismos daí decorrentes para esse Estado‑Membro.

44      Assim sendo, importa precisar que as informações prestadas aos requerentes e as entrevistas realizadas com estes no centro de acolhimento aberto para o qual são dirigidos não podem ser de tal natureza que exerçam uma pressão indevida sobre os requerentes de proteção internacional para renunciarem ao exercício dos seus direitos processuais de que beneficiam ao abrigo do Regulamento Dublim III.

45      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 27.o do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro adote, relativamente a um requerente que interpôs recurso de uma decisão de transferência para outro Estado‑Membro na aceção do artigo 26.o, n.o 1, deste regulamento, medidas preparatórias dessa transferência, como a atribuição de um lugar numa estrutura de acolhimento específica na qual as pessoas alojadas beneficiam de um acompanhamento para preparar a sua transferência.

 Quanto à primeira questão

46      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a possibilidade de o requerente solicitar a suspensão da execução da decisão de transferência unicamente quando essa decisão é executada e o requerente está exposto a um risco iminente de transferência.

47      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 26 de março de 2020, A. P. (Medidas de vigilância), C‑2/19, EU:C:2020:237, n.o 25 e jurisprudência referida].

48      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 26 de março de 2020, A. P. (Medidas de vigilância), C‑2/19, EU:C:2020:237, n.o 26 e jurisprudência referida].

49      No caso em apreço, por um lado, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio tem unicamente de «verificar se o auxílio material concedido a VW no Centro de Mouscron lhe fornecerá as mesmas condições materiais e jurídicas que o seu acolhimento noutro centro, de modo a permitir‑lhe exercer, nas mesmas condições, o seu direito a um recurso efetivo» contra a decisão de transferência que lhe foi notificada.

50      Por outro lado, como foi indicado no n.o 37 do presente despacho, medidas como as que estão em causa no processo principal não constituem medidas de execução de uma decisão de transferência no sentido do Regulamento Dublim III.

51      Daqui resulta que a questão relativa ao caráter suspensivo do recurso contra uma decisão de transferência não é pertinente para o litígio no processo principal, pelo que se deve constatar que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal.

52      Esta conclusão não é posta em causa pelo Acórdão de 30 de setembro de 2020, CPAS de Liège (C‑233/19, EU:C:2020:757), uma vez que, no caso em apreço, a relação entre o litígio no processo principal, que tem por objeto a afetação de um requerente a um centro de alojamento que presta serviços com vista à transferência, e a aplicação do artigo 27.o do Regulamento Dublim III é inexistente. Por conseguinte, não é necessário para a resolução do litígio no processo principal que o órgão jurisdicional de reenvio decida a questão relativa ao caráter efetivo do recurso de anulação interposto noutro órgão jurisdicional.

53      Atendendo aos elementos que precedem, importa constatar, em aplicação do artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, que a primeira questão é manifestamente inadmissível.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

O artigo 27.o do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos EstadosMembros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro adote, relativamente a um requerente que interpôs recurso de uma decisão de transferência para outro EstadoMembro na aceção do artigo 26.o, n.o 1, deste regulamento, medidas preparatórias dessa transferência, como a atribuição de um lugar numa estrutura de acolhimento específica na qual as pessoas alojadas beneficiam de um acompanhamento para preparar a sua transferência.

Assinaturas


*      Lingua do processo: françês.