Language of document : ECLI:EU:T:2006:187

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

4 de Julho de 2006 (*)

«Concorrência – Concentrações – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum – Recurso interposto por um terceiro – Admissibilidade – Mercados do transporte aéreo – Compromissos»

No processo T‑177/04,

easyJet Airline Co. Ltd, com sede em Luton (Reino Unido), representada inicialmente por J. Cook, J. Parker e S. Dolan, solicitors, e em seguida por M. Werner e M. Waha, advogados, L. Mills, solicitor, M. de Lasala Lobera e R. Malhotra, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Oliver, A. Bouquet e A. Whelan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão de 11 de Fevereiro de 2004 que declara a concentração entre a sociedade Air France e a Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV compatível com o mercado comum, sob reserva da observância dos compromissos propostos (processo COMP/M.3280 – Air France/KLM),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Novembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO L 395, p. 1, rectificado (JO 1990, L 257, p. 13), e alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1), como rectificado, JO 1998, L 40, p. 17], é aplicável a todas as operações de concentração de dimensão comunitária, tal como definidas nos n.os 2 e 3 do referido artigo.

2        Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, as operações de concentração de dimensão comunitária devem ser previamente notificadas à Comissão.

3        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo referido regulamento, não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá não se opor a essa operação e declará‑la‑á compatível com o mercado comum (a seguir «fase I»).

4        Pelo contrário, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada é abrangida pelo referido regulamento e suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo (a seguir «fase II»).

5        Segundo o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89:

«Se a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma operação de concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na acepção da alínea c) do n.° 1, pode decidir declarar a concentração compatível com o mercado comum nos termos da alínea b) do n.° 1.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão tomada nos termos da alínea b) do n.° 1 de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumpram os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.»

6        Nos termos do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão pode revogar a decisão por si tomada se as empresas em causa violarem uma obrigação que acompanhe a referida decisão.

7        Na comunicação sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho e do Regulamento n.° 447/98 da Comissão (JO 2001, C 68, p. 3, a seguir «comunicação sobre as soluções»), a Comissão expõe as linhas orientadoras que considera dever seguir em matéria de compromissos e enuncia, designadamente, o seguinte:

–        incumbe às partes demonstrar claramente que a solução restabelece as condições de concorrência efectiva no mercado comum numa base duradoura (n.° 6) e eliminar desde o início eventuais incertezas ligadas ao tipo, dimensão e alcance da solução proposta, bem como às probabilidades da sua bem‑sucedida, plena e atempada execução pelas partes (n.° 7);

–        o principal objectivo dos compromissos consiste em assegurar estruturas de mercado concorrenciais; os compromissos de carácter estrutural, tal como o compromisso de alienar uma filial, são, regra geral, preferíveis atendendo ao objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 4064/89, na medida em que impedem a criação ou o reforço de uma posição dominante previamente identificada pela Comissão e não requerem, além disso, medidas de acompanhamento a médio ou a longo prazos; não obstante, não pode ser automaticamente excluída a possibilidade de outros tipos de compromissos serem igualmente susceptíveis de impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante e é então que a possibilidade de aceitação ou não de tais compromissos deve ser determinada numa base casuística (n.° 9);

–        os compromissos apresentados à Comissão na fase I devem ser suficientes para eliminar claramente todas «as dúvidas sérias», nos termos do n.° 1, alínea c), do artigo 6.° do Regulamento n.° 4064/89 (n.° 11);

–        quando a concentração projectada ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que impediria uma concorrência efectiva, a forma mais eficaz de restabelecer a concorrência efectiva, para além da proibição da operação, consiste na criação das condições para o aparecimento de um novo concorrente ou para o reforço dos concorrentes existentes através de uma alienação (n.° 13);

–        as actividades alienadas devem constituir uma actividade viável que, no caso de ser explorada por um adquirente adequado, possa concorrer eficazmente numa base duradoura com a entidade resultante da concentração; normalmente, uma actividade viável é uma actividade existente susceptível de ser explorada numa base autónoma, isto é, de forma independente das partes na concentração, no que diz respeito ao fornecimento de materiais de produção e a outras formas de cooperação, findo um período transitório (n.° 14);

–        em determinados casos, a viabilidade do pacote de alienação depende em grande medida, atendendo aos activos que constituem parte integrante da actividade, da identidade do adquirente; nessas circunstâncias, a Comissão só autorizará a concentração se as partes se comprometerem a não realizar a operação formalmente comunicada antes de terem celebrado um contrato com um adquirente relativamente à actividade a alienar, aprovado pela Comissão (n.° 20);

–        muito embora represente a solução preferida, a alienação não é a única solução passível de ser aceite pela Comissão; pode efectivamente haver situações em que a alienação de uma actividade é impossível; nestas circunstâncias, a Comissão deve determinar se é ou não possível que outros tipos de soluções tenham um efeito suficiente no mercado com vista a restabelecer a concorrência efectiva (n.° 26).

8        A comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, a seguir «comunicação relativa à definição de mercado») enuncia que a concorrência sujeita as empresas a condicionalismos concorrenciais de três ordens: a substituibilidade do lado da procura, a substituibilidade do lado da oferta e a concorrência potencial. Do ponto de vista económico, para a definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz sobre os fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de fixação de preços (n.° 13).

 Factos na origem do litígio

 Empresas em causa

9        Em 11 de Fevereiro de 2004, no termo da fase I, a Comissão adoptou uma decisão que declara a concentração compatível com o mercado comum, sob reserva da observância dos compromissos propostos, em aplicação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 (processo COMP/M.3280 – Air France/KLM) (JO C 60, p. 5, a seguir «decisão impugnada»). A recorrente é uma companhia aérea de baixos custos, com sede no Reino Unido, que oferece os seus serviços a preços atractivos para diversos destinos na Europa.

10      A Air France é uma transportadora aérea, estabelecida em França, que exerce a sua actividade principalmente em três sectores: o transporte aéreo de passageiros, o transporte de mercadorias e os serviços de manutenção. A Air France explora uma rede em estrela, situando‑se as suas principais plataformas de correspondência no aeroporto de Roissy‑Charles‑de‑Gaulle (a seguir «CDG») para os voos internacionais e no aeroporto de Paris‑Orly (a seguir «Orly») para os voos domésticos. A Air France é igualmente um dos membros fundadores da aliança SkyTeam, sendo os outros membros desta aliança as sociedades Aeromexico, Alitalia, Continental Airlines, CSA Czech Airlines, Delta, Northwest Airlines e Korean Air.

11      A KLM é uma transportadora aérea, estabelecida nos Países Baixos, que exerce a sua actividade essencialmente em quatro sectores: o transporte aéreo de passageiros, o transporte de mercadorias, os serviços de manutenção e a exploração de voos charters e de voos regulares a baixos custos através da sua filial Transavia. A KLM explora uma rede em estrela cuja principal plataforma de correspondência se encontra no aeroporto de Amesterdão‑Schiphol. A KLM celebrou com a Northwest Airlines um acordo de aliança que tem por objecto principal as ligações no Atlântico Norte.

 Tramitação do procedimento administrativo na Comissão

12      Em 18 de Dezembro de 2003, a Air France e a KLM notificaram à Comissão, nos termos do Regulamento n.° 4064/89, um acordo‑quadro assinado em 16 de Outubro de 2003. Esse acordo previa a aquisição pela Air France da totalidade dos interesses económicos da KLM bem como a aquisição progressiva do controlo jurídico desta última. Além disso, a Air France devia adquirir, num primeiro momento, 49% dos direitos de voto na KLM, que lhe conferiam um direito de veto sobre as operações estratégicas, ou seja, a adopção do plano estratégico, do orçamento e a nomeação dos directores da KLM, e em seguida, num segundo momento, os restantes direitos de voto (a seguir «Concentração»).

13      Em 23 de Dezembro de 2003, baseando‑se no artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão enviou um pedido de informações relativo à Concentração a mais de 90 concorrentes, entre os quais a recorrente. A recorrente apresentou as suas observações em 14 de Janeiro de 2004.

14      Em 21 de Janeiro de 2004, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, a Air France e a KLM propuseram compromissos à Comissão. Em 23 de Janeiro de 2004, esta última transmitiu os referidos compromissos aos terceiros interessados com o objectivo de recolher as respectivas observações. Em 30 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2004, a recorrente apresentou as suas observações relativas aos compromissos propostos pelas partes na Concentração.

15      Em 11 de Fevereiro de 2004, no termo da fase I, a Comissão adoptou a decisão impugnada, que considerou que a Concentração é compatível com o mercado comum, sob reserva da observância dos compromissos propostos.

 Compromissos aceites pela Comissão

16      A fim de dissipar as sérias dúvidas suscitadas pela Concentração quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, a Air France e a KLM propuseram compromissos para resolver os problemas de concorrência em catorze ligações, das quais nove se situam na Europa (Paris‑Amesterdão, Lião‑Amesterdão, Marselha‑Amesterdão, Toulouse‑Amesterdão, Bordéus‑Amesterdão, Milão‑Amesterdão, Roma‑Amesterdão, Veneza‑Amesterdão e Bolonha‑Amesterdão). Os compromissos, submetidos ao controlo de um mandatário, podem ser resumidos do seguinte modo:

–        compromissos assumidos sobre as ligações de médio curso (ou ligações europeias): a entidade resultante da fusão compromete‑se a disponibilizar, sem compensação financeira e nos termos do procedimento especificado nos compromissos, um número de faixas horárias em Amesterdão e/ou Paris e/ou Lião e/ou Milão e/ou Roma, e a permitir a um ou mais novos operadores explorar, nas ligações europeias identificadas, serviços diários (novos ou suplementares) de transporte aéreo de passageiros regular e sem escala; na ligação Paris‑Amesterdão devem ser cedidos até seis voos por dia, na ligação Milão‑Amesterdão até quatro voos por dia, nas ligações Lião‑Amesterdão e Roma‑Amesterdão até três voos por dia e nas ligações Marselha‑Amesterdão, Toulouse‑Amesterdão, Bordéus‑Amesterdão, Veneza‑Amesterdão e Bolonha‑Amesterdão até dois voos por dia;

–        compromissos assumidos nas ligações de longo curso (ou ligações intercontinentais): serão libertadas faixas horárias nos aeroportos de Amesterdão e de Paris para as ligações de longo curso identificadas na decisão impugnada como suscitando problemas de concorrência;

–        compromissos sobre as modalidades de disponibilização das faixas horárias: as faixas horárias libertadas pela entidade resultante da fusão situar‑se‑ão num horário que não difere em mais de 90 minutos relativamente à hora pedida pelo novo operador para as ligações de longo curso e num horário que não difere em mais de 30 minutos relativamente à hora pedida pelo novo operador para as ligações europeias; baseando‑se na substituibilidade de CDG e de Orly para os serviços europeus de transporte aéreo de passageiros, os novos operadores potenciais podem pedir faixas horárias num ou noutro desses aeroportos;

–        a duração dos compromissos relativos às faixas horárias é ilimitada; a entidade resultante da fusão terá, no entanto, a possibilidade de invocar a cláusula de reexame se circunstâncias excepcionais ou alterações radicais a nível das condições do mercado, como seja a exploração de um serviço de transporte aéreo concorrencial numa ligação de longo curso ou europeu identificado, o justificarem; a Comissão pode então decidir levantar, alterar ou substituir um ou vários dos compromissos assumidos; se, na sequência deste reexame, a Comissão concluir que a obrigação que incumbe à entidade resultante da fusão de libertar faixas horárias numa determinada ligação se extinguiu, o novo operador poderá continuar a utilizar as faixas horárias anteriormente recebidas; se deixar de utilizar as faixas horárias numa determinada ligação, estas devem retroceder ao coordenador das faixas horárias;

–        congelamento dos voos: a entidade resultante da fusão compromete‑se a não acrescentar voos nas ligações Paris‑Amesterdão ou Lião‑Amesterdão, consoante o caso, durante um período que se inicia com o arranque das operações do novo fornecedor de serviços de transporte aéreo na ligação em causa; esse congelamento de voos abrangerá seis épocas consecutivas, como fixadas pela International Air Transport Association (IATA); além disso, a entidade resultante da fusão compromete‑se, por um lado, a não introduzir voos para além de um total de catorze por semana na ligação Amesterdão‑Nova Iorque (aeroporto J. F. Kennedy) e, por outro, a não acrescentar voos na ligação Amesterdão‑Nova Iorque (aeroporto de Newark) durante seis épocas consecutivas, como fixadas pela IATA, que se iniciam com o arranque da exploração de um serviço sem escalas pelo novo fornecedor de serviços de transporte aéreo nesta ligação;

–        acordos de interlining: se um novo operador fizer um pedido nesse sentido, a entidade resultante da fusão compromete‑se a celebrar com ele um acordo de interlining para todas as ligações identificadas na decisão impugnada;

–        acordos especiais pro rata: se um novo operador potencial fizer um pedido nesse sentido, a entidade resultante da fusão compromete‑se a celebrar com ele um acordo especial pro rata para o tráfego que tenha uma origem e um destino reais em França e/ou nos Países Baixos, desde que uma parte da viagem ocorra na ligação Paris‑Amesterdão;

–        programas de passageiro frequente: se um novo operador fizer um pedido nesse sentido, a entidade resultante da fusão permitir‑lhe‑á participar no seu programa de passageiro frequente para as ligações identificadas na decisão impugnada, nas mesmas condições que os outros parceiros membros da aliança em que a entidade resultante da fusão participa;

–        serviço intermodal: se uma sociedade de transporte ferroviário ou outra sociedade de transporte em superfície que explore ligações entre França e os Países Baixos e/ou entre a Itália e os Países Baixos fizer um pedido nesse sentido, a entidade resultante da fusão compromete‑se a celebrar com ela um acordo intermodal; nos termos desse acordo, a entidade resultante da fusão assegurará o transporte aéreo de passageiros numa parte do trajecto, sendo o transporte no resto do trajecto assegurado pelo parceiro intermodal;

–        acordos de reserva de capacidade: a pedido de um novo operador potencial, a entidade resultante da fusão compromete‑se a celebrar com ele um acordo de reserva de capacidade para o tráfego que tenha origem e destino reais, por um lado, nos Países Baixos e, por outro, em Marselha, Toulouse ou Bordéus desde que uma parte da viagem decorra na ligação Paris‑Amesterdão; o acordo de reserva de capacidade baseia‑se num número fixo de lugares e ficará em vigor durante pelo menos uma época inteira, como fixada pela IATA; este acordo abrange no máximo, por um lado, 15% dos lugares propostos num determinado voo e, por outro, 30 lugares numa aeronave;

–        obrigações relativas às tarifas: cada vez que a entidade resultante da fusão diminuir uma tarifa publicada na ligação Paris‑Amesterdão, compromete‑se a aplicar uma redução equivalente na tarifa correspondente da ligação Lião‑Amesterdão, desde que esta não seja explorada por um serviço de transporte aéreo concorrencial.

 Tramitação processual e pedidos das partes

17      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 14 de Maio de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

18      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 24 de Setembro de 2004, a República Francesa pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Em 9 de Novembro de 2004, a recorrente pediu que se reservasse um tratamento confidencial a determinadas informações que, em sua opinião, estão abrangidas pelo segredo comercial. Por despacho de 17 de Dezembro de 2004, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da República Francesa. A interveniente apresentou as suas alegações e as outras partes as suas observações sobre estas alegações, nos prazos fixados.

19      Não tendo a interveniente suscitado objecções relativamente ao pedido de tratamento confidencial, foi‑lhe enviada uma versão não confidencial dos articulados, como inicialmente se previra no despacho de 17 de Dezembro de 2004 acima referido.

20      Por carta de 26 de Outubro de 2005, a interveniente informou a Secretaria do Tribunal de que não pretendia participar na audiência.

21      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 23 de Novembro de 2005.

22      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao pedido de adopção de diligências de instrução

24      Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 3 de Outubro de 2005, a recorrente pediu que se procedesse a diligências de instrução com vista a que a Comissão apresentasse, por um lado, todas as respostas que recebeu ao seu pedido de esclarecimentos de 23 de Dezembro de 2003, bem como todos os documentos que lhe foram enviados pelas companhias aéreas Meridiana, Virgin Express e Volare, e, por outro, todos os seus documentos de trabalho relacionados com os compromissos propostos, bem como toda a correspondência relativa a esses compromissos que trocou com as partes na Concentração.

25      O Tribunal considera que este pedido constitui um oferecimento de prova. Ora, nos termos do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal, as partes podem ainda, em apoio da sua argumentação, oferecer provas na réplica e na tréplica, devendo justificar o atraso no oferecimento das provas.

26      No presente caso, há que referir que a recorrente requereu que se procedesse a diligências de instrução cerca de onze meses depois de ter apresentado a sua réplica, sem, no entanto, explicitar os motivos de tal atraso. Consequentemente, a recorrente foi convidada, na audiência, a explicar os motivos que, em sua opinião, justificam o atraso do seu pedido. Neste âmbito, expôs que esse atraso se explicava pelo facto de ter considerado, num primeiro momento, interpor recurso da decisão da Comissão pela qual esta lhe recusou o acesso aos documentos que pretendia obter. Ainda que esta hesitação, relativa à via de recurso a adoptar, possa explicar que a recorrente não tenha apresentado imediatamente o seu pedido após a referida recusa, não pode, no entanto, justificar o facto de a recorrente ter esperado diversos meses antes de actuar em conformidade.

27      Além disso, e independentemente do carácter tardio deste pedido, o Tribunal considera ter ficado suficientemente esclarecido pelos documentos e pelas alegações das partes para se poder pronunciar sobre o presente litígio. Consequentemente, é indeferido o pedido de diligências de instrução.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

28      A recorrente sustenta que a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito. Na medida em que a recorrente tem uma posição activa nos mercados em que a entidade resultante da fusão irá operar, considera que a decisão lhe diz directamente respeito. A decisão também diz individualmente respeito à recorrente porque é uma das principais concorrentes da Air France e da KLM em diversas ligações e também deve ser considerada uma concorrente potencial da Air France noutras linhas em França, designadamente nas com destino a e provenientes de CDG e de Orly. Sublinha, por outro lado, que desempenhou um papel activo no procedimento administrativo que conduziu à decisão impugnada, participação que, à luz da jurisprudência, a individualiza de forma análoga à dos destinatários da referida decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, T‑2/93, Colect., p. II‑323, n.° 44).

29      A Comissão questiona‑se sobre a admissibilidade do presente recurso, na medida em que a recorrente não tem interesse nas ligações afectadas pela Concentração.

 Apreciação do Tribunal

 Quanto à legitimidade

30      Segundo o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

31      No presente caso, a recorrente não é uma das partes na Concentração e, portanto, não é destinatária da decisão impugnada. Há, consequentemente, que examinar se a decisão lhe diz directa e individualmente respeito.

32      No presente processo, uma vez que permite a realização imediata da Concentração, a decisão impugnada é susceptível de induzir uma alteração imediata da situação dos mercados em causa. Na medida em que a vontade de as partes na Concentração concretizarem esta última não suscite qualquer dúvidas, os operadores económicos que intervêm no mercado ou nos mercados em causa podiam, à data do acto impugnado, dar por adquirida uma alteração imediata ou rápida do estado do mercado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colect., p. II‑121, n.° 80). Daqui se conclui que a decisão impugnada diz directamente respeito à recorrente.

33      Há, consequentemente, que determinar se a decisão impugnada também diz individualmente respeito à recorrente.

34      Segundo jurisprudência assente, um acto de que não são destinatárias não pode dizer individualmente respeito às pessoas singulares ou colectivas, a menos que sejam afectadas em razão de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que as caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279 e 284, e de 23 de Maio de 2000, Comité d’entreprise de la Société française de production e o./Comissão, C‑106/98 P, Colect., p. I‑3659, n.° 39; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T‑435/93, Colect., p. II‑1281, n.° 62).

35      Perante uma decisão que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum e relativamente a uma empresa terceira, é em função, por um lado, da sua participação no procedimento administrativo e, por outro, da afectação da sua posição no mercado que há que determinar se a decisão lhe diz individualmente respeito. Embora uma simples participação nesse procedimento não seja, por si só, suficiente para demonstrar que a decisão diz individualmente respeito à recorrente, especialmente no domínio das concentrações cuja apreciação minuciosa exige um contacto regular com inúmeras empresas, não deixa de ser verdade que a participação activa no procedimento administrativo constitui um elemento que a jurisprudência regularmente toma em consideração, em matéria de concorrência, inclusivamente no domínio mais específico do controlo das operações de concentração para, juntamente com outras circunstâncias específicas, decidir da admissibilidade do seu recurso (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 24 e 25, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, dito «Kali & Salz», C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 54 a 56; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, n.° 28, supra, n.os 44 a 46, e de 3 de Abril de 2003, BaByliss/Comissão, T‑114/02, Colect., p. II‑1279, n.° 95).

36      Em primeiro lugar, relativamente à participação no procedimento administrativo, há que notar que a recorrente participou activamente neste último, designadamente ao responder, em 14 de Janeiro de 2004, ao pedido de esclarecimentos da Comissão de 23 de Dezembro de 2003 e ao comunicar, em 30 de Janeiro de 2004, as suas observações quanto ao teor dos compromissos propostos pela Air France. Além disso, a recorrente participou, em 30 de Janeiro de 2004, numa conferência telefónica com a Comissão relativa aos compromissos propostos e apresentou, em 4 de Fevereiro de 2004, respostas às questões, relativas aos compromissos propostos pelas partes na Concentração, que lhe tinham sido endereçadas pela Comissão.

37      Em segundo lugar, no que se refere à afectação da posição no mercado, resulta dos articulados da recorrente, não contestados pela Comissão, que aquela é uma das principais concorrentes da Air France, em França e em várias linhas directas, como Paris‑Marselha, Paris‑Nice, Paris‑Londres, e da KLM, em diferentes linhas directas, designadamente Amesterdão‑Edimburgo, Amesterdão‑Londres e Amesterdão‑Nice. Além disso, a recorrente opera num dos mercados em que as partes na Concentração são activas, ou seja, a ligação Amesterdão‑Nice.

38      Consequentemente, a decisão diz individualmente respeito à recorrente.

39      À luz do que precede, a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente e esta tem, assim, legitimidade para actuar contra a decisão.

 Quanto ao interesse em agir

40      Relativamente ao interesse em agir da recorrente, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível se o recorrente tiver interesse em que o acto impugnado seja anulado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T‑480/93 e T‑483/93, Colect., p. II‑2305, n.° 59; de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 40; e de 30 de Janeiro de 2002, Nuove Industrie Molisane/Comissão, T‑212/00, Colect., p. II‑347, n.° 33). Este interesse deve ser real e actual (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão, T‑138/89, Colect., p. II‑2181, n.° 33) e ser apreciado por referência ao momento da interposição do recurso (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1963, Forges de Clabecq/Alta Autoridade, 14/63, Recueil, pp. 719 e 748, Colect. 1962‑1964, p. 365, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 2001, Torre e o./Comissão, T‑159/98, ColectFP, pp. I‑A‑83 e II‑395, n.° 28). Só existe se o recurso puder, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, Colect., p. II‑3253, n.° 44 e jurisprudência indicada).

41      No presente caso, a recorrente tinha, no dia em que interpôs o seu recurso, um interesse efectivo e actual na anulação da decisão impugnada, uma vez que esta autoriza, em determinadas condições, uma operação de concentração, realizada entre dois dos seus concorrentes, susceptível de afectar a sua situação comercial. Consequentemente, o interesse em agir da recorrente relativamente à decisão impugnada não pode ser contestado. Esta conclusão não pode ser posta em causa pela falta de interesse em agir alegada pela Comissão quanto aos terceiro e quinto fundamentos. Com efeito, ainda que se admita que o conceito de inadmissibilidade por falta de interesse em agir se possa aplicar de forma autónoma a um único fundamento, os terceiro e quinto fundamentos constituem, no presente caso, críticas dirigidas contra diversos elementos do raciocínio da Comissão que a levaram a adoptar a decisão impugnada, decisão esta que causa danos à recorrente.

42      Resulta do que precede que o presente recurso é admissível.

 Quanto ao mérito

43      A recorrente apresenta cinco fundamentos em apoio do seu recurso de anulação. Através do primeiro fundamento, a recorrente acusa a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação ao não analisar o reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão em ligações nas quais não existiam sobreposições, directas ou indirectas, entre as actividades das partes na Concentração. Através do segundo fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não analisar um eventual reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão no mercado de aquisição de serviços aeroportuários. Através do seu terceiro fundamento, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir pela substituibilidade entre CDG e Orly. No seu quarto fundamento, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não considerar a situação concorrencial futura no caso de a Concentração não se realizar. Em último lugar, através do seu quinto fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada está ferida por um erro manifesto de apreciação na medida em que os compromissos são insuficientes para afastar as sérias dúvidas manifestadas pela Comissão quanto à compatibilidade da Concentração com o mercado comum.

44      Segundo jurisprudência constante, a fiscalização exercida pelo juiz comunitário sobre as apreciações económicas complexas efectuadas pela Comissão no exercício do poder de apreciação que lhe é conferido pelo Regulamento n.° 4064/89 deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão da matéria de facto, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, Petrolessence e SG2R/Comissão, T‑342/00, Colect., p. II‑1161, n.° 101, e de 21 de Setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, Colect., p. II‑0000, n.° 151).

45      Nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. Inversamente, a Comissão é obrigada a declarar compatível com o mercado comum qualquer operação de concentração notificada a que se aplique o referido regulamento, quando as duas condições previstas na referida disposição não estejam preenchidas. Não existindo criação ou reforço de uma posição dominante, a operação deve, portanto, ser autorizada sem necessidade de se examinar os efeitos da operação a nível da concorrência efectiva (acórdão de 19 de Maio de 1994, n.° 28, supra, n.° 79).

46      É à luz destas considerações que há que analisar os cinco fundamentos apresentados pela recorrente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à inexistência de análise do reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão nas ligações em que não havia sobreposição entre as actividades da Air France e da KLM

 Argumentos das partes

47      Relativamente ao transporte de passageiros em voos regulares, a recorrente observa que a Comissão definiu o mercado dos produtos em causa com base em parelhas formadas pelo local de origem e o de destino (a seguir «abordagem O & D»), constituindo qualquer combinação um mercado distinto do ponto de vista da procura. A recorrente considera, pelo contrário, que a Comissão devia ter analisado a oferta de «viagens aéreas de lazer» partindo de uma base mais ampla do que a da segmentação por parelhas de cidades, no âmbito do «mercado geral lazer/férias».

48      Além disso, considera que a Comissão devia ter examinado se a Concentração podia criar ou reforçar uma posição dominante em todo o mercado na União Europeia. Assim, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não examinar os efeitos da Concentração nas ligações em que não existia sobreposição entre as actividades da Air France e da KLM. A recorrente acusa a Comissão, designadamente, de não ter verificado se as vantagens suplementares decorrentes da Concentração bem como o aumento da rede e do peso da Air France a nível internacional tinham como efeito reforçar a sua posição nas referidas ligações. Assim, a recorrente considera que a Comissão se afastou da sua prática relativa à apreciação do reforço de uma posição dominante, como ilustrada por diversas decisões adoptadas nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, nas quais atendeu ao maior impacto das concentrações notificadas nos mercados conexos, para lá da zona de sobreposição directa [v., designadamente, neste sentido, Decisão 2004/134/CE da Comissão, de 3 de Julho 2001, que declara uma concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.2220 – General Electric/Honeywell) (JO 2004, L 48, p. 1)].

49      O erro manifesto de apreciação que resulta desta omissão na análise do reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão é agravado pelo facto de a Comissão ter reconhecido, nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE, as vantagens oferecidas aos consumidores pelas empresas comuns ou pelos outros acordos de cooperação que unem companhias aéreas. No presente caso, a recorrente considera que a faculdade concedida a uma companhia aérea ou a uma aliança de propor vantagens concorrenciais, como correspondências melhores, tarifas mais baixas, mas também novas ligações, é susceptível de influenciar os consumidores quanto à escolha da companhia aérea ou da aliança. No entanto, a Comissão considerou, sem razão, que estas vantagens são favoráveis à concorrência e não que constituem um reforço de posição dominante.

50      A título exemplificativo, relativamente ao aumento das ligações, a recorrente alega que passageiros que pretendam viajar de Biarritz para Amesterdão não beneficiam de um voo directo e têm de transitar, à escolha, pelo aeroporto de Clermont‑Ferrand, Lião, Paris ou Nice. Assim, segundo alega, a Concentração reforçará a posição da Air France no mercado Biarritz‑Amesterdão. Com efeito, os passageiros que pretendam ir de Biarritz para Amesterdão estarão inclinados a viajar com a Air France porque a Concentração permite aumentar as ligações entre estes quatro aeroportos e Amesterdão. Pode aplicar‑se um raciocínio semelhante à ligação Brest‑Amesterdão, uma vez que o aumento das ligações resultantes da Concentração reforçou a posição da Air France.

51      A Comissão considera que, no presente caso, há que definir o mercado dos serviços de transporte aéreo de passageiros através da abordagem O & D. Refere, a este propósito, que a recorrente não especificou o que entende por «viagens aéreas de lazer» nem por «mercado geral lazer/férias», não indicando assim claramente em que consiste uma abordagem destinada a definir o mercado numa base mais ampla.

52      Relativamente aos efeitos das ligações em que não existem sobreposições, a Comissão considera que a recorrente não se pode limitar a afirmar que as devia ter examinado, sem precisar que ligações estão concretamente em causa. Para mais, nem as partes na Concentração nem os terceiros consultados no âmbito do procedimento administrativo deram a entender que a Concentração podia ter efeitos anticoncorrenciais nas ligações em que não existe sobreposição, com excepção daquelas em que a Air France ou a KLM eram concorrentes potenciais. Quanto à alegação da recorrente relativa à ligação Biarritz‑Amesterdão, a Comissão considera que esta constitui um mercado distinto e que a sua análise se deve basear, por um lado, na potencial concorrência sob a forma de voos directos entre Biarritz e Amesterdão e, por outro, na concorrência actual ou potencial nas ligações indirectas entre estes destinos. Ora, resulta desta análise que a Concentração não restringe a concorrência, sendo análoga a conclusão no que respeita à ligação Brest‑Amesterdão. Desde modo, o presente fundamento é absolutamente improcedente.

53      A interveniente considera que a Comissão definiu correctamente o mercado relevante e que o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não examinou os efeitos da Concentração nos mercados isentos em que não existe sobreposição é improcedente.

 Apreciação do Tribunal

54      O presente fundamento articula‑se em duas partes. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não analisou a incidência concorrencial da operação no mercado «das viagens aéreas de lazer». Em segundo lugar, a recorrente observa que a Comissão não analisou os efeitos da Concentração nos mercados em que não existem sobreposições.

55      Para determinar se a Concentração em causa não cria ou não reforça uma posição dominante, a Comissão tem, em primeiro lugar, de definir o mercado relevante (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 32, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, Colect., p. II‑1439, n.os 46 e 64).

56      No presente caso, para definir o mercado de produtos em causa, a Comissão efectuou uma análise da substituição pelo lado da procura. Resulta da decisão impugnada que, para os serviços de transporte aéreo de passageiros, um mercado de produtos deve, segundo a Comissão, ser definido segundo a abordagem O & D. Nos termos desta abordagem, cada ligação entre um ponto de partida e um ponto de chegada deve ser considerada um mercado distinto. Para determinar se a conjugação de um local de partida e de um local de chegada constitui um mercado de produtos relevante, a Comissão examinou, correctamente, no considerando 9 da decisão impugnada, as diferentes possibilidades de transporte oferecidas à clientela entre esses dois pontos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed Flugreisen e o., 66/86, Colect., p. 803, n.os 39 a 41, e acórdão de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, n.° 28, supra, n.° 84).

57      Na audiência, o Tribunal convidou a recorrente a clarificar a sua posição quanto à definição do mercado a fim de indicar se pretende ou não contestar a definição do mercado efectuada pela Comissão. A recorrente respondeu negativamente, explicando que não pretendia contestar a justeza da abordagem O & D adoptada, mas sim evidenciar o facto de que, em sua opinião, a análise da Comissão devia ter abrangido outros mercados relevantes, que deviam ter sido definidos de outra forma.

–       Quanto à falta de análise do impacto da Concentração no mercado das viagens aéreas de lazer

58      Há que recordar que, por força do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos. Este conteúdo deve ser suficientemente claro e preciso para permitir à parte recorrida preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, eventualmente, sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que este se baseia resultem, pelo menos sumariamente e de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois e Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.° 29).

59      No presente caso, exceptuada a menção a uma falta de análise da Concentração relativamente às «viagens aéreas de lazer», mercado que não está claramente definido nos articulados da recorrente, esta não apresenta qualquer argumento em apoio da sua alegação. Com efeito, a recorrente limitou‑se a afirmar que, para determinados passageiros que pretendam efectuar uma viagem de lazer, existiam diversos locais de destino que eram intermutáveis. Contudo, não descreveu as características do pretenso mercado. Ora, na falta de uma definição mais precisa do mercado cuja existência a recorrente alega, é impossível ao Tribunal determinar se a Comissão tinha de o examinar.

60      Consequentemente, há que concluir que os requisitos fixados pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo não estão preenchidos no presente caso.

61      De qualquer modo, o Tribunal considera que a recorrente não demonstrou de que forma uma definição do mercado baseada na abordagem O & D, que em larga medida engloba as ligações relativas às «viagens aéreas de lazer», obsta a que se analise o conjunto dos problemas concorrenciais susceptíveis de decorrerem da Concentração.

62      Consequentemente, a primeira parte do primeiro fundamento é inadmissível.

–       Quanto à falta de análise do impacto da Concentração nos mercados isentos de sobreposições

63      Há que recordar que a Comissão deve examinar, por força designadamente do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, os efeitos concorrenciais nos mercados relativamente aos quais existe um risco de criação ou de reforço de uma posição dominante susceptível de entravar de forma significativa a concorrência. Ora, não se pode excluir que uma Concentração possa produzir tais efeitos em mercados em que não exista sobreposição entre as actividades das partes numa concentração.

64      Ainda que a análise concorrencial levada a cabo pela Comissão se guie, em parte, pelas preocupações suscitadas pelos terceiros consultados no âmbito do procedimento administrativo, esta tem de deslindar, mesmo no caso de os referidos terceiros não a terem incitado expressamente a fazê‑lo, embora à luz de indícios sérios, os problemas concorrenciais decorrentes da Concentração em todos os mercados que por ela poderiam ser afectados.

65      No entanto, quando se acusa a Comissão de não ter tido em conta um eventual problema concorrencial nos mercados em que não existe qualquer sobreposição entre as actividades das partes numa Concentração, cabe ao recorrente apresentar indícios sérios que demonstrem de forma tangível a existência de um problema concorrencial que, em razão do seu impacto, deveria ter sido examinado pela Comissão.

66      A fim de responder a esta exigência, cabe ao recorrente identificar os mercados em causa, descrever a situação concorrencial que existiria sem a Concentração e indicar quais seriam os efeitos prováveis de uma concentração tendo em conta a situação concorrencial nesses mercados.

67      No presente caso, a recorrente limita‑se a afirmar que a Comissão restringiu, sem razão, a sua análise concorrencial aos mercados em que existiam sobreposições directas e indirectas entre as actividades das partes na Concentração, sem fundamentar a sua argumentação. Com efeito, a recorrente limita‑se a sublinhar que a Air France goza de um monopólio em 27 das 42 linhas domésticas provenientes de Paris, que dispõe de 61,8% da capacidade total nas linhas provenientes de França e que detém 53% do número total de faixas horárias disponíveis em Orly bem como 74% das disponíveis em CDG.

68      Ora, estas indicações quantitativas são insuficientes para se concluir pela procedência da alegação da recorrente relativa aos mercados em que não existem sobreposições porque não os identifica claramente.

69      No que se refere aos exemplos apresentados pela recorrente quanto aos passageiros que desejem viajar a partir de Brest ou Biarritz com destino a Amesterdão e que estejam inclinados a escolher a Air France devido ao aumento das ligações resultantes da Concentração, a demonstração da recorrente limita‑se à invocação dessa simples constatação, que de modo algum se funda em elementos de facto probatórios. Além disso, e como demonstra a Comissão, a análise do mercado deve tomar em consideração, por um lado, a potencial concorrência nos voos directos entre Biarritz ou Brest e Amesterdão e, por outro, a concorrência actual ou potencial nos voos indirectos entre estas mesmas cidades. Ora, segundo a Comissão, nenhum elemento tangível demonstra que a Air France e a KLM eram concorrentes potenciais na ligação Biarritz‑Amesterdão nos voos directos nem que a KLM podia ser qualificada como concorrente potencial da Air France nos voos indirectos entre estas cidades.

70      Além disso, relativamente à ligação Brest‑Amesterdão, a Comissão sublinhou, não tendo a este respeito sido contestada pela recorrente, que não existia nenhum voo directo, devendo os passageiros transitar por Lião, Marselha, Nice ou Paris. A este propósito, há que recordar que a decisão impugnada reconheceu que os mercados Lião‑Amesterdão, Marselha‑Amesterdão e Paris‑Amesterdão suscitavam problemas concorrenciais, tendo sido propostos compromissos para se lhes pôr termo. Relativamente ao mercado Nice‑Amesterdão, que apenas diz respeito a um número reduzido de passageiros, resulta da decisão impugnada que a KLM e a sua filial Basiq Air fazem concorrência à recorrente, que detém nessa ligação uma quota de mercado importante. Inversamente, a Air France só explora um serviço com correspondência e tem nessa ligação uma quota de mercado inferior a 1% (considerando 79 da decisão impugnada). A Comissão considerou, consequentemente, que esta ligação não suscitava problemas concorrenciais.

71      O Tribunal considera que a recorrente não apresenta qualquer elemento susceptível de demonstrar que essas conclusões estão feridas por erro manifesto de apreciação.

72      Por último, o facto de a Comissão ter reconhecido as vantagens oferecidas aos consumidores pelas empresas comuns ou pelos acordos de cooperação entre companhias aéreas, ao abrigo do artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE, não demonstra a existência de um erro manifesto de apreciação. Com efeito, uma operação de concentração, como um acordo entre concorrentes isento por força do artigo 81.°, n.° 3, CE, pode conduzir a consequentes vantagens concorrenciais de que os consumidores podem beneficiar. A este propósito, há que recordar que a fiscalização das concentrações não se baseia numa proibição dessas vantagens, mas numa preocupação em evitar a criação ou reforço de uma posição dominante que conduza a um entrave significativo da concorrência efectiva no mercado comum. A possibilidade de oferecer aos passageiros, na sequência da Concentração, prestações a um melhor preço só em casos limitados pode ser um eventual indicador da criação ou reforço de uma posição dominante, por exemplo na hipótese de a entidade resultante da fusão ter a intenção de praticar preços predadores, ou a capacidade para o fazer.

73      No presente caso, uma vez que a recorrente não demonstra de forma tangível que a entidade resultante da fusão podia propor aos passageiros vantagens concorrenciais atractivas noutros mercados, que, aliás, não define, a criação ou o reforço de uma posição dominante e o correspondente prejuízo para a concorrência que daí resultaria nos referidos mercados não foram provados.

74      Consequentemente, o Tribunal considera que a recorrente não faz prova bastante de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não analisar os mercados em que não existiam sobreposições.

75      Daqui resulta que há que negar provimento à segunda parte do fundamento e, consequentemente, à integralidade do primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à inexistência de análise do reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão no mercado da aquisição de serviços aeroportuários

 Argumentos das partes

76      A recorrente sustenta que a Comissão não tomou em consideração a qualidade de adquirentes de serviços aeroportuários da Air France e da KLM, quando a sua prática decisória vai no sentido de examinar os efeitos de uma concentração nos mercados da aquisição [Decisão 97/277/CE da Comissão, de 20 de Novembro de 1996, que declara a incompatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum (Processo IV/M.784 – Kesko/Tuko) (JO 1997, L 110, p. 53); Decisão 97/816/CE da Comissão, de 30 de Julho de 1997, que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo IV/M.877 – Boeing/McDonnell Douglas) (JO L 336, p. 16); e Decisão 1999/674/CE da Comissão, de 3 de Fevereiro de 1999, em processo nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (Processo IV/M.1221 ‑ REWE/Meinl) (JO L 274, p. 1)]. No presente caso, o mercado a montante é o mercado dos serviços ligados às infra‑estruturas aeroportuárias, serviços esses, constituídos pela exploração e manutenção de pistas, pela utilização das vias de circulação e áreas de tráfego e encaminhamento para aproximação à pista de aviões civis, pelos quais é devida uma taxa [Decisão 2000/521/CE da Comissão, de 26 de Julho de 2000, nos termos do n.° 3 do artigo 86.° do Tratado CE (JO L 208, p. 36)].

77      A recorrente refere que a Comissão reconheceu, na decisão impugnada, ter considerado as preocupações suscitadas por concorrentes, em especial no que se refere à existência de uma posição dominante nas plataformas (considerando 161 da decisão impugnada). Assim, a Comissão exigiu que fossem assumidos determinados compromissos a fim de se pôr termo à posição dominante de que a Air France beneficia na sua plataforma em Paris. Ao proceder deste modo, a Comissão considerou, implicitamente, que a Concentração podia reforçar a posição da Air France em CDG e em Orly no mercado da aquisição de serviços aeroportuários.

78      A recorrente alega que CDG e Orly são dominados pela Air France, sublinhando, além disso, que a Aéroports de Paris (a seguir «AdP»), que gere esses aeroportos e atribui as faixas horárias, e a Air France são empresas públicas. A este propósito, a recorrente recorda que se pode considerar que os órgãos encarregues da atribuição das faixas horárias exercem uma actividade de natureza económica (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Aéroports de Paris/Comissão, T‑128/98, Colect., p. II‑3929, n.° 121). Ora, a Comissão não tomou em consideração o facto de a Concentração poder implicar a criação ou o reforço de uma posição dominante no mercado da aquisição de serviços aeroportuários, como o de Paris dominado pela AdP.

79      A Comissão refere que é no âmbito do presente recurso que a recorrente invoca pela primeira vez a existência de um mercado de aquisição de serviços aeroportuários, não tendo esta questão jamais sido suscitada durante o procedimento administrativo. Além disso, sublinha que a recorrente não especifica o que entende por «serviços aeroportuários», limitando‑se a invocar argumentos relativos à atribuição das faixas horárias. Não é feita qualquer referência aos serviços aeroportuários, nos termos em que são geralmente entendidos, designadamente, por exemplo, os serviços de restauração e de assistência em escala. A Comissão considera, consequentemente, que não há que os examinar, sublinhando que nada prova que o mercado de aquisição desses serviços devia ser objecto do seu inquérito.

80      Em primeiro lugar, a Comissão observa que é comummente aceite que as faixas horárias são indispensáveis ao fornecimento de serviços de transporte aéreo. Consequentemente, sustenta que não havia qualquer razão para considerar que esses serviços são uma actividade distinta. Acresce que, segundo a Comissão, a atribuição de faixas horárias é uma actividade administrativa e não económica, actuando assim a AdP na qualidade de autoridade pública e não enquanto empresa. De resto, o organismo responsável pela atribuição das faixas horárias em França, no caso dos aeroportos coordenados, é a Association pour la coordination des horaires (Associação para a coordenação dos horários) (COHOR), e não a AdP como alega a recorrente. Além disso, nem a entidade resultante da fusão nem qualquer outra empresa podem exercer sobre os organismos encarregues da atribuição das faixas horárias um controlo que possa considerar‑se constituir uma posição dominante na acepção do Regulamento n.° 4064/89 ou do artigo 82.° CE.

81      Em segundo lugar, relativamente aos serviços definidos como os relativos ao acesso às infra‑estruturas aeroportuárias pelos quais é devida uma taxa, a Comissão considera que não basta a recorrente demonstrar que tal mercado existe, sendo ainda necessário que prove que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não incluir esse mercado no seu inquérito.

 Apreciação do Tribunal

82      O presente fundamento divide‑se em duas partes. Num primeiro momento, a recorrente alega que a Comissão não analisou o reforço da posição da entidade resultante da fusão no mercado da aquisição de serviços aeroportuários, que define como o dos serviços relativos às infra‑estruturas, como a exploração e manutenção das pistas, a utilização das vias de circulação e áreas de tráfego bem como o encaminhamento para aproximação à pista dos aviões civis, pelos quais é devida uma taxa. Num segundo momento, a recorrente observa que a Comissão não examinou a influência comercial que a entidade resultante da fusão podia exercer sobre a AdP.

83      As partes foram convidadas, na audiência, a indicar se esses serviços constituem um ou vários mercados relevantes, que devem ser dissociados dos definidos segundo a abordagem O & D. A Comissão, não contestada a este respeito pela recorrente, considerou que estes serviços constituem vários mercados relevantes, distintos dos definidos segundo a referida abordagem.

–       Quanto à não consideração do reforço da posição dominante no mercado da aquisição de serviços aeroportuários

84      No presente caso, a recorrente limita‑se ao simples postulado segundo o qual existe um mercado distinto para os serviços ligados ao acesso às infra‑estruturas aeroportuárias pelos quais é devida uma taxa, mercado esse sobre o qual a entidade resultante da fusão goza de um poder de compra acrescido, sem apresentar a menor prova da criação ou do reforço de uma posição susceptível de aí entravar a concorrência.

85      A recorrente foi convidada, na audiência, a indicar de que forma, em sua opinião, a Concentração conduz a um reforço da posição dominante no mercado em causa, uma vez que os seus articulados são, a este propósito, lacunares. No entanto, o Tribunal considera que a recorrente não conseguiu apresentar elementos relevantes susceptíveis de demonstrar esse reforço e, consequentemente, provar a existência, a este respeito, de erro manifesto de apreciação imputável à Comissão.

86      A título acessório, o Tribunal refere ainda que o considerando 73 da decisão impugnada reconhece que as partes na Concentração «relativamente aos seus concorrentes, beneficiam de economias de escala nos dois aeroportos […] bem como de um maior poder de negociação dos preços com os fornecedores externos no que se refere à engenharia, aos serviços de assistência em escala, às instalações aeroportuárias, etc.». Daqui resulta, segundo a decisão impugnada, que «a entidade resultante da fusão detinha uma posição muito forte nesta ligação entre plataformas de correspondência» que são Paris e Amesterdão.

87      Assim, a Comissão reconheceu as incidências concorrenciais sobre as plataformas de correspondência susceptíveis de decorrer da Concentração. O facto de a Comissão ter dado como adquiridos os problemas de concorrência relativamente às actividades comerciais exercidas nas plataformas das partes na Concentração, sem ter levado a cabo uma análise precisa dos referidos mercados, não pode constituir um erro manifesto de apreciação susceptível de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, esta conclusão levou a Comissão a aceitar compromissos cujo objectivo anunciado era o de atenuar o peso acrescido, globalmente considerado e, designadamente, à luz do reconhecimento de uma posição dominante, nas plataformas de correspondência da entidade resultante da fusão.

88      Consequentemente, há que negar provimento à primeira parte do fundamento.

–       Quanto à influência reforçada da entidade resultante da fusão relativamente à AdP

89      A recorrente alega que a AdP, que, segundo afirma, está designadamente encarregue da atribuição das faixas horárias, pode ser afectada pela posição dominante da entidade resultante da fusão em Paris.

90      Em primeiro lugar, relativamente à atribuição das faixas horárias, há que recordar que esta se regulava, no momento dos factos, pelo Regulamento (CEE) n.° 95/93 do Conselho, de 18 de Janeiro de 1993, relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade (JO L 14, p. 1). O artigo 4.° do referido regulamento enunciava:

«[...] O Estado‑Membro assegurará a independência do coordenador no desempenho das funções que lhe incumbem nos termos do [...] regulamento [...] O coordenador exercerá […] de forma imparcial, não discriminatória e transparente […,] será responsável pela atribuição de faixas horárias […e] controlará a utilização das faixas horárias [...]»

91      Resulta do que precede que a atribuição das faixas horárias se inscreve num quadro regulamentar que impede, em princípio, que o organismo encarregue da atribuição privilegie a entidade resultante da fusão atribuindo‑lhe mais faixas horárias do que aos seus concorrentes. A este propósito, a recorrente e a Comissão indicaram, na audiência, que não se queriam pronunciar sobre a identidade efectiva da entidade competente (AdP ou COHOR).

92      Além disso, há que observar que a recorrente não apresenta nenhum elemento relevante susceptível de demonstrar que as partes na Concentração podiam, no presente caso, influenciar de uma maneira ou de outra o referido organismo.

93      Em segundo lugar, há que referir que se faz geralmente uma distinção entre as actividades puramente administrativas da AdP, como as missões de polícia, e as actividades de gestão e de exploração dos aeroportos parisienses, que são remuneradas por taxas comerciais que variam consoante o volume de negócios realizado (acórdão Aéroports de Paris/Comissão, n.° 78, supra, n.° 112). Assim, não se pode contestar que a AdP tem a seu cargo dois tipos de actividades intrinsecamente diferentes, por um lado, actividades ditas «de serviço público» e, por outro, actividades comerciais que estão necessariamente submetidas às regras de concorrência. Consequentemente, o facto de a Air France e da AdP serem duas empresas públicas não pode constituir uma presunção da existência de um acordo, decisão ou prática concertada, como parece dar a entender a recorrente.

94      À luz do que precede, deve julgar‑se improcedente a segunda parte do fundamento e, consequentemente, o segundo fundamento na sua integralidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da substituibilidade entre CDG e Orly

 Argumentos das partes

95      A recorrente contesta a fundamentação apresentada pela Comissão relativamente à substituibilidade entre CDG e Orly. Atendendo à localização destes aeroportos, a recorrente refere que, segundo os cálculos que efectuou, CDG situa‑se a uma distância do centro de Paris quase duas vezes superior a Orly (30 quilómetros contra 18 quilómetros), sabendo‑se que Orly está localizado a sul do centro de Paris e CDG a nordeste. Além disso, considera que, sendo Orly um aeroporto de menor dimensão, o tempo necessário para sair de um avião e chegar a pontos de conexão com outros meios de transporte é aí inferior ao que é necessário em CDG. Consequentemente, é mais rápido viajar para o centro de Paris a partir de Orly.

96      A recorrente alega que, na prática, a maioria dos transportadores de longo curso que opera em rede concentrou as suas actividades em CDG, destinando‑se Orly, preferencialmente, ao tráfego de médio curso europeu e nacional. Com efeito, em sua opinião, CDG gera volumes importantes de transferências entre os voos, ao passo que Orly é um aeroporto mais antigo e, portanto, menos bem equipado para fazer face a tais volumes. Assim, a Air France concentra os seus voos de longo curso intercontinentais em CDG e utiliza Orly para os seus voos domésticos. Por conseguinte, é necessário partir de CDG para poder aceder a voos intercontinentais, uma vez que os transportadores que operam em rede estão aí estabelecidos. Por outro lado, sendo as taxas de aeroporto significativamente mais elevadas do que as impostas em Orly, os transportadores de baixo custo estão assim mais inclinados a operar a partir de Orly. A recorrente acrescenta que a própria Comissão reconheceu que uma grande parte dos consumidores não considera os dois aeroportos substituíveis (considerando 28 da decisão impugnada). Em sua opinião, embora a Comissão declare que a substituibilidade dos aeroportos deve se encarada, tanto do ponto de vista da procura como da oferta, não analisa, contudo, a situação ao considerar os aeroportos como fornecedores directos de serviços às companhias aéreas. Deste modo, a Comissão não chegou à conclusão a que deveria ter chegado, ou seja, que as companhias aéreas, enquanto consumidores de serviços aeroportuários, têm necessidades diferentes consoante se trate de companhias aéreas em rede, como a Air France, ou de transportadoras de baixo custo.

97      A Comissão recorda que o reconhecimento da substituibilidade entre CDG e Orly permite aos novos operadores potenciais solicitar faixas horárias num ou noutro destes aeroportos (ponto 1.3.9 do pacote dos compromissos). Nestas condições, a conclusão contestada de forma alguma lesa a recorrente, uma vez que esta não tem interesse legítimo em invocar esse fundamento, que é, consequentemente, inadmissível (acórdão NBV e NVB/Comissão, n.° 40, supra, n.os 31 e seguintes).

98      Relativamente ao mérito do fundamento, o elemento decisivo para o reconhecimento da substituibilidade geográfica não é a distância que separa os dois aeroportos do centro de Paris, mas o tempo necessário para se aí chegar. Contrariamente ao que a recorrente deixa entender, CDG é adequadamente servido pelos transportes colectivos, tendo, por outro lado, ambos os aeroportos boas ligações para o centro de Paris. Além disso, a Comissão não contesta os argumentos da recorrente segundo os quais CDG é sobretudo utilizado para voos de longo curso, enquanto Orly se concentra essencialmente nos voos de médio curso. No entanto, estes argumentos referem‑se à oferta, critério menos importante do que a procura para aferir da existência de uma substituibilidade.

 Apreciação do Tribunal

99      Como referido pela Comissão na comunicação relativa à definição de mercado, a concorrência sujeita as empresas a três tipos de condicionalismos concorrenciais: a substituibilidade do lado da procura, a substituibilidade ao nível da oferta e a concorrência potencial. Do ponto de vista económico, para uma definição do mercado pertinente, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz relativamente aos fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de fixação dos preços (n.° 13). Assim, a substituibilidade deve ser considerada não apenas do ponto de vista da oferta mas também do ponto de vista da procura, que continua a ser, em princípio, o critério de avaliação mais eficaz.

–       Quanto à localização dos dois aeroportos

100    Como sublinha a Comissão, o elemento determinante para apreciar a substituibilidade geográfica entre CDG e Orly do lado da procura não é a distância que existe entre um ponto de partida inicial e os dois aeroportos, mas o tempo necessário para aceder a estes últimos a partir desse ponto. A recorrente não apresentou qualquer elemento susceptível de demonstrar que este critério não constitui um indicador importante da existência de uma substituibilidade geográfica.

101    No presente caso, a recorrente não pode contestar o facto de os tempos de acesso a estes dois aeroportos serem equivalentes, visto ter afirmado que são necessários 33 minutos (em RER B) para chegar a CDG a partir do boulevard Saint‑Michel e 30 minutos para chegar a Orly (em RER B ou através da linha Orlyval). A este propósito, o argumento da recorrente – segundo o qual este tempo de acesso para chegar ao centro de Paris varia em função dos dois aeroportos devido ao tempo necessário, a partir da saída do avião, para chegar a outros meios de transporte – não se funda em nenhum elemento de prova factual.

102    Consequentemente, a recorrente não demonstrou o erro manifesto que a Comissão cometeu ao reconhecer a substituibilidade entre os dois aeroportos por considerar que para o consumidor é indiferente deslocar‑se a CDG ou a Orly para viajar e para chegar ao centro de Paris a partir de um ou outro dos dois aeroportos.

–       Quanto ao tipo de voos assegurados a partir dos dois aeroportos

103    Em primeiro lugar, quanto à substituibilidade do lado da procura, a Comissão considerou que, para os passageiros que viajam de um determinado ponto para outro, que inclui simultaneamente os passageiros que valorizam o factor tempo e os que não o valorizam, CDG e Orly são substituíveis entre si porque se situam na mesma zona de serviços de ligações e dispõem de facilidades de acesso comparáveis (considerando 29 da decisão impugnada).

104    Com efeito, há que recordar que, para se examinar a substituibilidade dos dois aeroportos, a Comissão deve tomar em consideração toda a procura, tendo os clientes que não valorizam o factor tempo exigências diferentes porque são mais flexíveis. Assim, foi possível à Comissão reconhecer que, para numerosos clientes que viajam por motivos de negócios, CDG e Orly não são substituíveis, uma vez que Orly oferece menos correspondências (considerando 28 da decisão impugnada). As expectativas específicas dos clientes que viajam por motivos de negócios conduziram, assim, a Comissão a considerar que existiam «sub‑mercados», consoante os passageiros valorizem ou não o factor tempo. Contudo, estas considerações, específicas a determinados clientes que viajam por motivos de negócios, que representam apenas uma parte da procura, não são de molde a pôr em causa a conclusão relativa à substituibilidade. Por um lado, a Comissão reconheceu expressamente as exigências específicas desta categoria de passageiros. Por outro, a recorrente não apresenta qualquer elemento de molde a demonstrar que as expectativas específicas dos passageiros que valorizam o factor tempo, que correspondem às da maioria dos clientes que viajam por motivos de negócios, deviam ter prevalecido sobre as dos outros clientes que não valorizam o factor tempo e que consideram os dois aeroportos substituíveis.

105    No que se refere à alegação da recorrente segundo a qual a Comissão não considerou que as companhias aéreas, na qualidade de clientes e, portanto, de consumidores de serviços aeroportuários, têm necessidades diferentes consoante se trate de companhias aéreas em rede ou de transportadores de baixos custos, sendo que os dois aeroportos não podiam ser considerados substituíveis, o Tribunal observa que a recorrente não oferece elementos de prova que explicitem esta posição.

106    Resulta do que precede que a recorrente não apresenta qualquer elemento relevante susceptível de demonstrar que a Comissão concluiu erradamente pela substituibilidade, do lado da procura, dos dois aeroportos parisienses.

107    Em segundo lugar, quanto à oferta feita aos consumidores pelas companhias aéreas a partir de um dos aeroportos, há que considerar que os argumentos da recorrente relativos, por um lado, aos tipos de voos que os aeroportos oferecem em função da especificidade das suas infra‑estruturas e, por outro, às características próprias dos dois aeroportos, têm, como já foi anteriormente referido, um impacto mais limitado.

108    O Tribunal sublinha que a Comissão reconheceu as especificidades funcionais dos dois aeroportos alegadas pela recorrente, uma vez que declarou que, do lado da oferta, a maioria dos transportadores em rede considera que os dois aeroportos são substituíveis, embora tenham concentrado as suas actividades em CDG, ao passo que as companhias aéreas que operam em Orly concentram as suas actividades sobretudo no tráfego interno. Com efeito, para determinadas companhias aéreas, os dois aeroportos podem não ser substituíveis consoante os mercados servidos (tráfego de trânsito ou tráfego de ponto a ponto, ligações internas ou internacionais) e os custos gerados (v., neste sentido, considerando 28 da decisão impugnada). Deste modo, a decisão impugnada enuncia que a substituibilidade pode ser apreciada de modo diferente, em especial pelas companhias aéreas de baixo custo para as quais é importante poder escolher o aeroporto a fim de minimizar os respectivos custos, pois as taxas de aeroporto praticadas podem diferir de um aeroporto para outro (considerando 28 da decisão impugnada). Conclui‑se que a Comissão efectuou uma análise global a fim de reconhecer a substituibilidade dos dois aeroportos, tomando em consideração, entre outros critérios, as especificidades comerciais específicas das companhias de baixos custos.

109    À luz do que precede, a recorrente não apresenta elementos de prova susceptíveis de demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação no que toca à substituibilidade entre CDG e Orly.

110    Consequentemente, o terceiro fundamento é improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à falta de exame dos efeitos da Concentração na concorrência potencial

 Argumentos das partes

111    A recorrente considera, em primeiro lugar, que a Comissão devia ter considerado a estratégia comercial da KLM no caso de a Concentração não se realizar, e isto à luz do impacto das alterações que decorrerão da liberalização do sector aéreo e do mandado atribuído à Comissão para negociar acordos relativos aos serviços aéreos entre a Comunidade e os países terceiros. Alega que as companhias aéreas da Comunidade, entre as quais a KLM, deviam ter liberdade para propor serviços ilimitados com, designadamente, amplos direitos de tráfego sem restrições relativamente a preços ou horários.

112    A recorrente considera, em segundo lugar, que, não havendo concentração com a Air France, a KLM devia ser o novo operador mais provável em Paris porque o mercado doméstico da KLM é um pouco limitado, o que a encorajaria a estender‑se a nível internacional e dentro da Europa. Além disso, a KLM leva a cabo as suas actividades nas proximidades de Paris, o que lhe permite ter um conhecimento sólido do mercado franco‑belga, e a concorrência nos serviços de transportes aéreos internacionais provenientes de Paris é também limitada. Deste modo, a recorrente considera que a Concentração permite à Air France eliminar o seu mais provável concorrente potencial em Paris e preservar a sua posição dominante nos mercados domésticos.

113    A Comissão sustenta que, devido à extensão da liberalização do sector aéreo e ao grande número de acordos abrangidos, prever a duração desse processo só pode ser especulação. Além disso, sublinha que, não sendo a KLM uma empresa susceptível de ter possibilidades reais e concretas de entrar no mercado em causa, não pode ser considerada uma concorrente potencial da Air France em Paris.

 Apreciação do Tribunal

114    O presente fundamento articula‑se em duas partes que se referem, em primeiro lugar, às incidências concorrenciais decorrentes da liberalização do sector aéreo e, em segundo lugar, à qualidade de concorrente potencial da KLM em Paris.

115    Relativamente à liberalização do sector aéreo, a recorrente não consegue demonstrar, perante a falta de elementos concretos em apoio da sua alegação, que a referida liberalização, cujo impacto é dificilmente mensurável, permitiria à KLM desenvolver a sua base concorrencial e, assim, aumentar o seu peso concorrencial e fazer concorrência à Air France em Paris, oferecendo designadamente serviços a partir de Paris com destino a países não europeus. Consequentemente, há que negar provimento à primeira parte do fundamento.

116    No que se refere ao carácter de concorrente potencial da KLM em Paris, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que rege o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e fazer concorrência às empresas já estabelecidas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 137).

117    A este propósito, cabe examinar, em primeiro lugar, o argumento relativo ao carácter limitado do mercado doméstico da KLM como apresentado pela recorrente e, em segundo lugar, o que apresenta, designadamente, quanto à proximidade de Amesterdão, centro de actividades da KLM, relativamente a Paris.

–       Quanto ao carácter limitado do mercado doméstico da KLM

118    Resulta da decisão impugnada que uma companhia aérea em rede só pode ser considerada concorrente potencial numa ligação se esta ligação for susceptível de ser directamente ligada à sua plataforma. Com efeito, no considerando 17, a decisão impugnada enuncia que «[o] sistema em estrela é determinante na decisão dos transportadores que exploram uma rede de explorar (ou não) um serviço de transporte aéreo de passageiros num par O & D determinado». Acrescenta que «[a]s companhias aéreas que exploram redes concentram o tráfego numa plataforma de correspondência e dispersam os passageiros através de uma conexão de múltiplos raios da rede em estrela» e que, «[r]egra geral, as companhias aéreas abstêm‑se de entrar em pares de cidades não ligadas às suas plataformas de correspondência». A este propósito, há que referir que a recorrente não contesta o facto de as companhias aéreas em rede concentrarem efectivamente as suas actividades nas suas plataformas respectivas.

119    No que se refere às ligações de médio curso, e como explicado pela Comissão, os custos para as companhias aéreas em rede são tais que normalmente só se comprometem a efectuá‑las se estiverem ligadas às suas plataformas ou se forem a única companhia a explorar essas ligações. Consequentemente, os novos operadores nessas ligações serão logicamente a companhia nacional do ponto de origem ou de destino das referidas ligações ou uma companhia de baixos custos, o que explica que a KLM não possa operar nesses mercados caso as ligações não estejam ligadas a Amesterdão.

120    Quanto às ligações de longo curso, resulta dos articulados da Comissão que uma determinada proporção de passageiros deve ser constituída por passageiros em correspondência, para que uma companhia aérea possa vender um número importante de lugares e preservar a viabilidade a longo prazo do seu serviço. Isto supõe, consequentemente, que a companhia possa alimentar o seu serviço de longa duração com o tráfego de outras ligações através da sua plataforma de correspondência.

121    No presente caso, as partes não contestam que, em Amesterdão, a maioria dos passageiros está em correspondência, permitindo assim à KLM preservar a viabilidade da sua actividade na sua plataforma. Ora, a recorrente não demonstra que a KLM dispõe de uma rede que lhe permite encaminhar passageiros para outros destinos em França, com partida de Paris. Assim, admitindo que a KLM tenha intenção de desenvolver as suas actividades, que a recorrente qualifica de limitadas, a organização da KLM não parece permitir‑lhe exercer uma pressão concorrencial sobre a Air France em Paris.

122    Há que observar que, no presente caso, a recorrente não fez prova bastante de que a abordagem relativa à centralização das actividades da KLM em Amesterdão, adoptada pela Comissão, sofre de erro manifesto de apreciação.

–       Quanto à proximidade de Amesterdão, centro de actividades da KLM, relativamente a Paris e quanto ao carácter limitado da concorrência existente nos serviços de transportes aéreos internacionais provenientes de Paris

123    Resulta das alegações da Comissão que o estabelecimento de uma junção entre dois aeroportos tão próximos como Paris e Amesterdão não parece ser estrategicamente viável. Deste modo, outras companhias aéreas têm razões comerciais mais evidentes do que a KLM para entrar nesse mercado, sabendo que é pouco interessante para um passageiro fazer escala em Paris e em Amesterdão. Uma vez que os principais destinos da KLM são, à partida de Amesterdão, para os Estados Unidos e o Extremo Oriente, a recorrente não prova que a KLM tem um interesse económico em desenvolver actividades a partir de Paris, sabendo que tira proveito em Amesterdão simultaneamente dos passageiros em correspondência, provenientes dos Estados Unidos, e dos passageiros locais, de partida para o Extremo Oriente. Além disso, esta estratégia comercial pode fazer concorrência directa à actividade desenvolvida e centralizada em Amesterdão e que parece fazer parte integrante da especificidade organizacional da KLM. Finalmente, seriam necessários grandes investimentos sem que, no entanto, os lucros correspondentes sejam claramente identificáveis, o que limita consideravelmente a relevância da alegação da recorrente segundo a qual a KLM devia ser qualificada de concorrente potencial da Air France em Paris.

124    Por último, no que se refere à alegação da recorrente segundo a qual a concorrência existente nos serviços de transportes aéreos internacionais provenientes de Paris é limitada, há que observar que, exceptuada esta simples menção, a recorrente não apresenta nenhuma argumentação em apoio desta posição. O Tribunal não pode, portanto, pronunciar‑se sobre o impacto desta alegação.

125    Consequentemente, a recorrente não fez prova bastante de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a KLM não era um concorrente potencial da Air France em Paris.

126    Daqui resulta que há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento e, consequentemente, o quarto fundamento na sua integralidade.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo ao erro manifesto de apreciação dos compromissos assumidos pelas partes na Concentração

127    O presente fundamento divide‑se em sete partes. Na primeira parte, a recorrente alega que os compromissos deviam ter sido alargados aos mercados em que não existem sobreposições. Nas segunda e terceira partes, sublinha, por um lado, o carácter não atractivo dos compromissos para as companhias de baixos custos e, por outro, a não transferência de uma actividade viável. Nas quarta e quinta partes, alega a insuficiência da alienação de faixas horárias e das outras soluções adoptadas. Na sexta parte, salienta a não identificação de um novo operador e a inexistência de uma entrada rápida e duradoura de um concorrente. Finalmente, na sétima parte, sublinha o facto de não ter sido tomado em consideração o comboio de alta velocidade Thalys enquanto concorrente.

128    Segundo jurisprudência constante, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para avaliar a necessidade de obter compromissos para dissipar as dúvidas sérias colocadas por uma operação de concentração. Conclui‑se que não compete ao Tribunal substituir pela sua a apreciação da Comissão, devendo a sua fiscalização limitar‑se a verificar se a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação. Em especial, a alegada não tomada em consideração dos compromissos sugeridos pela recorrente não prova só por si que a decisão impugnada esteja viciada de erro manifesto de apreciação e a circunstância de que outros compromissos podiam igualmente ter sido aceites, mesmo que fossem mais favoráveis para a concorrência, não pode conduzir à anulação da referida decisão na medida em que a Comissão podia razoavelmente concluir que os compromissos retomados na decisão permitiam dissipar as dúvidas sérias (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, ARD/Comissão, T‑158/00, Colect., p. II‑3825, n.os 328 e 329).

129    No âmbito do exercício da sua fiscalização jurisdicional, o Tribunal deve tomar em consideração a finalidade específica dos compromissos assumidos durante a fase I, que, ao contrário dos compromissos assumidos durante a fase II, não visam impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante, mas sim dissipar quaisquer dúvidas sérias a este respeito. Por conseguinte, quando o Tribunal examina se os compromissos assumidos durante a fase I, tendo em conta o seu alcance e o seu conteúdo, são susceptíveis de permitir à Comissão adoptar uma decisão de aprovação sem dar início à fase II, compete‑lhe verificar se a Comissão podia considerar, sem cometer um erro manifesto de apreciação, que os referidos compromissos constituíam uma resposta directa e suficiente susceptível de dissipar claramente quaisquer dúvidas sérias (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T‑119/02, Colect., p. II‑1433, n.os 79 e 80).

 Quanto à primeira parte, relativa ao não alargamento dos compromissos aos mercados isentos de sobreposições

–       Argumentos das partes

130    A recorrente considera que os compromissos deviam ter sido alargados a fim de incluírem ligações nas quais a Comissão não tinha identificado problemas de concorrência devido ao carácter não atractivo dos mercados afectados. A recorrente recorda que, no procedimento administrativo, tinha proposto à Comissão um número consequente de faixas horárias a alienar de forma a os compromissos poderem ser plenamente eficazes. Deste modo, questiona‑se quanto à efectiva tomada em consideração da sua posição. Por outro lado, alega que a Comissão se limitou a aceitar compromissos relativos às ligações sem tomar em consideração os mercados em causa em cada uma das ligações em causa.

131    A Comissão considera que pedir às partes na Concentração, não existindo real necessidade, que renunciem a faixas horárias em ligações em que não existem problemas de concorrência seria injustificado.

–       Apreciação do Tribunal

132    A Comissão reconhece no ponto 17 da comunicação sobre as soluções que, «[n]o intuito de assegurar uma actividade viável, poderá vir a ser mesmo necessário incluir numa alienação igualmente actividades relacionadas com mercados relativamente aos quais a Comissão não manifestou preocupações do ponto de vista da concorrência, se tal for a única forma possível de criar um concorrente eficaz nos mercados afectados». Precisa nos seus articulados que as referidas soluções devem ser decididas à luz do princípio da proporcionalidade.

133    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos prosseguidos entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 60; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2002, Tideland Signal/Comissão, T‑211/02, Colect., p. II‑3781, n.° 39, e de 13 de Abril de 2005, Verein für Konsumenteninformation/Comissão, T‑2/03, Colect., p. II‑1121, n.° 99).

134    Resulta do que precede que os compromissos devem ser decididos à luz dos problemas concorrenciais suscitados nos mercados afectados, uma vez que, se a concorrência puder ser preservada nos referidos mercados, não é necessário que a Comissão alargue o âmbito dos compromissos aos mercados não afectados, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

135    No presente caso, a recorrente alega que a Comissão devia ter alargado os compromissos aos mercados em que não existe sobreposição a fim de eliminar todos os obstáculos à entrada. No entanto, actua por afirmações e não identifica os mercados a que a Comissão devia ter alargado os referidos compromissos.

136    Além disso, o Tribunal refere que, durante o procedimento administrativo, a recorrente pareceu inclinada a utilizar determinadas faixas horárias, que seriam alienadas pelas partes na Concentração, para mercados estranhos a esta. Assim, a recorrente demonstrou a sua intenção de beneficiar dos compromissos assumidos pela entidade resultante da fusão para aumentar a sua presença comercial em mercados isentos de problemas de concorrência, sem, no entanto, demonstrar que essa utilização seria o garante de uma concorrência efectiva nos mercados afectados.

137    Ora, há que recordar que os compromissos não podem ser entendidos como um meio de favorecer, sem motivo concorrencial, um eventual concorrente que pretenda entrar num mercado específico. Consequentemente, o facto de a Comissão não ter alargado os compromissos a mercados em que não existem sobreposições, ainda que essa solução pudesse ter favorecido os interesses comerciais próprios da recorrente nos mercados não afectados pela Concentração, de forma alguma prova que este alargamento constitui a única forma possível de dar origem a um concorrente efectivo nos mercados afectados.

138    Finalmente, no que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão se limitou a aceitar compromissos que abrangem as ligações, mas não os mercados em causa em cada uma das ligações consideradas, há que declarar que a recorrente, convidada a clarificar esta alegação na audiência, não identificou os referidos mercados e não apresentou qualquer elemento relevante susceptível de provar um erro manifesto de apreciação.

139    Resulta do que precede que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. Consequentemente, é improcedente a primeira parte do fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa ao carácter não atractivo dos compromissos para as companhias a baixos custos

–       Argumentos das partes

140    Segundo a recorrente, as soluções em causa são efectivamente pouco interessantes para os transportadores a baixos custos ou para os que não dispõem de redes, uma vez que implicam ligações e dependências comerciais que aumentam os custos. Com efeito, segundo a recorrente, o concorrente mais inclinado a entrar na ligação Paris‑Amesterdão é uma companhia de baixos custos. Ora, nos nove mercados afectados na Europa, a recorrente alega que só três ligações abrangem um número suficiente de passageiros para que uma companhia de baixos custos os possa considerar rentáveis. Além disso, seriam precisos importantes investimentos publicitários nesses mercados a fim de aumentar a visibilidade dos novos operadores e de contrariar a presença das partes na Concentração e da Alitalia. Finalmente, as plataformas de correspondência não oferecem condições atractivas para as companhias de baixos custos devido a congestionamentos que originavam atrasos e, consequentemente, custos.

141    A Comissão contesta a posição da recorrente segundo a qual as soluções são pouco interessantes para as companhias aéreas de baixos custos.

–       Apreciação do Tribunal

142    O Tribunal observa que resulta da decisão impugnada que a Comissão não se limitou a aceitar uma alienação de faixas horárias, pois outros compromissos vieram reforçar esta solução a fim de encorajar o conjunto das companhias aéreas, entre as quais as companhias de baixos custos, a entrar nos mercados afectados.

143    Com efeito, segundo a solução relativa aos programas de passageiro frequente, os passageiros de voos explorados por companhias aéreas concorrentes nos mercados afectados podem obter «milhas» junto da entidade resultante da fusão, conferindo assim uma vantagem não negligenciável a esse passageiros e, portanto, indirectamente, às companhias aéreas concorrentes (ponto 6 do pacote dos compromissos). Caso a recorrente não desejasse participar, por exemplo, no programa de passageiro frequente devido às suas próprias necessidades e à sua organização, essa atitude resulta de uma decisão comercial própria. Assim, essa opção estratégica não podia provar a não adequação das soluções adoptadas e, consequentemente, a existência de um erro manifesto de apreciação imputável à Comissão.

144    Há que observar que as companhias de baixos custos podem igualmente tirar proveito dos acordos de interlining, que permitem propor uma viagem de ida e volta e que um dos trajectos é assegurado pela entidade resultante da fusão (ponto 5 do pacote dos compromissos). Além disso, os compromissos estipulam que, em Paris, as companhias aéreas podem adquirir faixas horárias em CGD ou em Orly a fim de responder às preferências de organização e comerciais divergentes consoante as companhias aéreas.

145    O facto de, nas nove ligações que a Comissão identifica como suscitando problemas de concorrência, apenas três serem rentáveis para uma companhia aérea de baixos custos não demonstra que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação. Com efeito, os compromissos adoptados no final da fase I visam dissipar as dúvidas sérias da Comissão quanto à compatibilidade da Concentração com o mercado comum e não dispensam os novos operadores de assumirem os custos concomitantes a uma entrada num mercado, fazendo estes investimentos parte integrante da lógica de qualquer actividade comercial.

146    Além disso, o diminuto número de passageiros em determinados mercados afectados, ou seja, um número inferior a 70 000 passageiros por ano, não demonstra que os compromissos não são atraentes para companhias de baixos custos. Com efeito, resulta dos articulados da Comissão que a recorrente manifestou o seu interesse em entrar nesse tipo de mercados, como testemunha a sua entrada no mercado Amesterdão‑Bristol em 2003, ligação que apenas abrange 59 314 passageiros por ano.

147    Por outro lado, a presença de importantes actores num mercado pode tornar a entrada de um novo concorrente menos fácil, mas não pode ser considerada um travão absoluto a essa entrada. Disso é testemunha, designadamente, o número crescente de companhias de baixos custos que entram em mercados onde já operam poderosas companhias aéreas.

148    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual as plataformas de correspondência não oferecem condições atraentes para as companhias aéreas de baixos custos, devido a congestionamentos e a picos de tráfego que dão origem a atrasos e a custos concomitantes, o Tribunal observa que a recorrente se preocupou, no procedimento administrativo, em demonstrar que a alienação de faixas horárias era insuficiente para encorajar novos operadores. Todavia, esta alegação está em contradição com o conteúdo da resposta que enviou à Comissão em 14 de Janeiro de 2004, na qual explica que «[c]om uma presença limitada a Paris, é no entanto o mais próximo concorrente […] da Air France, em termos de viagens aéreas domésticas no território francês», que «procura activamente estabelecer uma base de operações em [Orly]», que «actualmente, possui quatro aviões aí baseados […], três aviões suplementares [que operam] em [CDG]» e, finalmente, que «prefere utilizar [Orly] em vez de [CDG], atenta a sua proximidade relativamente ao centro de Paris».

149    Finalmente, há que sublinhar que a Comissão conduziu uma investigação de mercado junto de 90 concorrentes, não se tendo, assim, limitado às preocupações das companhias de baixos custos, o que explica que os compromissos possam eventualmente não responder em todos os pontos às necessidades da recorrente. Com efeito, os compromissos devem preservar o conjunto da concorrência nos mercados afectados, que não está limitada à exercida apenas pelas companhias aéreas, sendo também os transportadores ferroviários, segundo os mercados, concorrentes activos, como sublinha a Comissão (v., neste sentido, ponto 7 do pacote dos compromissos).

150    Resulta do que precede que a recorrente não apresentou qualquer elemento pertinente susceptível de demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação imputável à Comissão.

151    Consequentemente, a segunda parte do presente fundamento é improcedente.

 Quanto à terceira parte, relativa à não transferência de uma actividade viável

–       Argumentos das partes

152    A recorrente sublinha que a Comissão se limitou a reduzir os obstáculos à entrada, em vez de garantir a um concorrente a transferência de uma actividade viável ou de quotas de mercado, o que não corresponde à sua prática habitual.

153    A Comissão considera que a recorrente não a pode acusar de não ter exigido a alienação de uma actividade viável, sabendo que nenhuma das partes na Concentração possuía actividades susceptíveis de serem facilmente alienadas. Recorda, além disso, que a comunicação sobre as soluções enuncia que podem ser aceites outros tipos de soluções.

–       Apreciação do Tribunal

154    Há que notar que, nos termos da comunicação relativa às soluções, os elementos alienados devem constituir uma actividade viável que, a ser explorada por um adquirente adequado, deverá poder concorrer de forma efectiva e duradoura com a nova entidade. Ainda que a alienação seja a solução que a Comissão privilegiava, esta pode, no entanto, aceitar outras soluções. Podem, com efeito, verificar‑se situações em que a alienação de uma actividade se revele impossível. Nesses casos, a Comissão deve determinar se outro tipo de soluções podem, ou não, ter um efeito suficiente no mercado para restabelecer uma concorrência efectiva (pontos 14 e 26 da comunicação).

155    Resulta dos articulados da Comissão que as partes na Concentração não dispunham de uma actividade viável susceptível de ser alienada, considerando esta que o principal obstáculo à entrada no mercado decorria da insuficiência de faixas horárias disponíveis nos grandes aeroportos.

156    A este propósito, a Comissão faz prova bastante de que a cessão de aeronaves pode não remediar eficazmente os problemas de concorrência suscitados pela Concentração, pois é difícil, ou mesmo impossível, verificar se os compradores das referidas aeronaves as utilizam efectivamente nos mercados afectados. Além disso, um operador potencial pode alugar ou comprar uma aeronave usada, não constituindo o uso ou a posse de uma aeronave o obstáculo mais imediato à entrada.

157    No presente caso, há que observar que a recorrente não apresenta nenhum elemento tangível que prove que o acesso às faixas horárias não era o principal obstáculo à entrada.

158    A este propósito, o Tribunal refere que a recorrente, apesar dos argumentos que apresenta no presente recurso, admitiu que o acesso às faixas horárias constituía o principal obstáculo à entrada, pois, nas suas respostas de 14 e 30 de Janeiro de 2004, teceu as seguintes considerações:

«A falta de acesso às [faixas horárias] é o obstáculo físico à entrada mais evidente. Sem acesso às [faixas horárias] […], as companhias aéreas não podem introduzir novos serviços, nem estabelecer novas bases de operação para alargarem as suas actividades [...] Está prejudicada a nível concorrencial pela falta de acesso a [faixas horárias] e a outras infra‑estruturas de que necessita para alargar a sua rede […] A falta de acesso às [faixas horárias] e a outras infra‑estruturas impede [a recorrente] de estabelecer bases operacionais em cidades […] como Paris [...]»

159    Por conseguinte, a recorrente não fez prova bastante de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao autorizar a Concentração no seguimento de compromissos centrados numa limitação dos obstáculos à entrada e não na transferência de uma actividade viável para um concorrente.

160    Consequentemente, a terceira parte do fundamento é improcedente.

 Quanto à quarta parte, relativa à insuficiência das faixas horárias alienadas

–       Argumentos das partes

161    A recorrente alega que as alienações de faixas horárias não encorajam novas entradas ou não conduzem a um restabelecimento da concorrência, sendo disso testemunhas os processos Lufthansa/SAS/United Airlines (processos COMP/D‑2/36.201, 36.076 e 36.078) e Swissair/Sabena (processo IV/M.616). Além disso, uma vez que uma concentração leva a uma alteração estrutural duradoura do mercado, os compromissos devem ter natureza permanente. Assim, o facto de a alienação de faixas horárias ter sido imposta por tempo indeterminado não é relevante.

162    Segundo a recorrente, a Comissão limitou‑se, sem razão, aos obstáculos à entrada constituídos pelas faixas horárias, sem analisar a questão do domínio sobre as plataformas ou as vantagens tiradas de reputação das partes na Concentração e das frequências que estas oferecem. Além disso, a Comissão não explicou de que forma o número de faixas horárias a alienar garantiria uma transferência suficiente de quotas de mercado que permitia a eliminação do quase‑monopólio das partes na Concentração nos mercados afectados, tanto mais que as faixas horárias não foram alienadas «em bloco». A alienação de faixas horárias é também insuficiente porque apenas permite uma frequência máxima de seis voos por dia, e isto apenas para a ligação Paris‑Amesterdão.

163    A recorrente alega, também, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao autorizar as partes na Concentração a conservarem mais de 50% da totalidade das faixas horárias disponíveis em cada uma das ligações abrangidas pelos compromissos, sem garantir a entrada de um único concorrente nessas ligações. Sublinha que, na ligação Paris‑Amesterdão, as partes na Concentração ficarão com pelo menos 59% da totalidade das frequências, percentagem que considera excessiva, sabendo que o interesse por esta ligação seria limitado devido à presença do Thalys, que representa 45% das quotas de mercado nesta ligação.

164    A Comissão contesta o argumento segundo o qual a alienação de faixas horárias é uma solução inadaptada e remete para as suas decisões recentes [processos British Midland/Lufthansa/SAS (processo COMP/37.812) e British Airways/SN Brussels Airlines (processo COMP/A/38.477/D2)].

165    A interveniente põe em evidência o facto de que, pela primeira vez, a alienação de faixas horárias é imposta para um período ilimitado, sublinhando que aos compromissos acrescem todas as garantias processuais necessárias para garantir um impacto concorrencial real.

–       Apreciação do Tribunal

166    Como a Comissão correctamente demonstrou (v. n.os 155 e segs., supra), o principal obstáculo à entrada no sector aéreo consiste na insuficiência de faixas horárias disponíveis nos grandes aeroportos. Consequentemente, há que determinar se a Comissão considerou erradamente que, no presente processo, a alienação de faixas horárias, como prevista no pacote dos compromissos, podia constituir uma solução eficaz susceptível de preservar uma concorrência efectiva. Neste quadro, a recorrente tem de fazer prova de que a alienação de faixas horárias, como prevista nas soluções, era insuficiente para solucionar os problemas concorrenciais suscitados.

167    No presente caso, a recorrente limita‑se a invocar o facto de ter proposto, no âmbito do procedimento administrativo, um maior número de faixas horárias a alienar, o que teria permitido, em sua opinião, aos novos operadores concorrerem de forma duradoura com as partes na Concentração.

168    A este propósito, há que recordar que, para determinar o número adequado de faixas a alienar, a Comissão considerou o conjunto dos elementos que lhe foram comunicados pelos actores do mercado consultados. Resulta efectivamente dos seus articulados que se baseou na circunstância segundo a qual, para a maioria dos seus clientes que viajam por motivos de negócios, o factor determinante não é o número de voos diários, mas o número de voos oferecidos nas horas de ponta, de forma a que os referidos clientes possam efectuar uma viagem de ida e volta no mesmo dia.

169    Por outro lado, a Comissão sublinha que numerosos concorrentes consideraram os compromissos satisfatórios para resolver os problemas de concorrência suscitados pela Concentração. Com efeito, entre os catorze clientes que viajam por motivos de negócios consultados no âmbito do inquérito de mercado lançado pela Comissão, dez consideraram que a alienação de faixas horárias era suficiente, constituindo as seis frequências diárias, em sua opinião, uma alternativa à entidade resultante da fusão na ligação Amesterdão‑Paris. A recorrente foi a única das companhias de baixos custos que os considerou insuficientes. Assim, a Comissão pôde considerar, à luz das reacções obtidas, que a proposta da recorrente segundo a qual cerca de 22 600 faixas horárias deviam ser cedidas em Orly, representativas de quase 31 voos por dia, era desproporcionada.

170    Além disso, há que referir que um novo operador terá, na prática, possibilidade de ultrapassar o número de seis frequências por dia nessa ligação graças aos acordos de reserva de capacidade, estando a entidade resultante da fusão obrigada a colocar à disposição dos passageiros do novo operador um determinado número de lugares nos seus voos (ponto 9 do pacote dos compromissos).

171    Quanto às frequências impostas para os outros mercados afectados e que oscilam entre duas e quatro frequências por dia, o Tribunal observa que a recorrente não apresenta qualquer elemento susceptível de demonstrar que eram insuficientes para resolver os problemas de concorrência, uma vez que concentra a sua argumentação no mercado Paris‑Amesterdão.

172    No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual as faixas horárias deviam ter sido alienadas em bloco, em vez de a diversos concorrentes, há que referir que os compromissos especificam que deve ser concedida preferência ao novo operador susceptível de operar o maior número de frequências quotidianas na ligação Paris‑Amesterdão (ponto 3.4 do pacote dos compromissos). Consequentemente, uma alienação em bloco é desejável quando um novo operador puder assegurar um grande número de frequências diárias nessa ligação. A flexibilidade assim oferecida pelos compromissos permite uma alienação das faixas horárias susceptível de se adaptar às necessidades dos novos operadores potenciais, pois o novo operador terá a faculdade, relativamente a Paris, de optar entre Orly ou CDG.

173    Resulta do que precede que a recorrente não apresentou elementos relevantes em apoio da sua alegação segundo a qual a Comissão não demonstrou de que forma a alienação das referidas faixas horárias permitia uma transferência de quotas de mercado susceptível de afastar o domínio das partes na Concentração sobre os catorze mercados afectados.

174    Por outro lado, há que recordar que as quotas de mercado detidas pelas partes na Concentração conduziram a Comissão a considerar que deviam ser propostos compromissos nos mercados afectados e nos quais as referidas partes gozavam de uma quota de mercado de perto de 50%, respeitando, assim, a presunção de domínio, tal como resulta da jurisprudência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 60).

175    Assim, o facto de as partes na Concentração poderem eventualmente conservar uma parte de mercado importante nos mercados afectados, como alega a recorrente relativamente ao mercado Paris‑Amesterdão, não prova a existência de erro manifesto de apreciação imputável à Comissão. Com efeito, esta última aceitou compromissos importantes nesse mercado sabendo, por um lado, que a entrada de novos concorrentes nessa ligação será encorajada pelas medidas de correcção e, por outro, que as melhorias das infra‑estruturas do Thalys, que serão realizadas em 2007, o tornarão mais competitivo para os passageiros que valorizam o factor tempo. Estes elementos constituem factores susceptíveis de reduzir o peso concorrencial da entidade resultante da fusão.

176    Resulta do que precede que a recorrente não demonstrou a existência de um erro manifesto de apreciação imputável à Comissão.

177    Consequentemente, a quarta parte do fundamento é improcedente.

 Quanto à quinta parte, relativa à insuficiência das outras soluções

–       Argumentos das partes

178    A recorrente considera que as soluções não apresentam o grau de certeza e de confiança que permite garantir o restabelecimento de uma estrutura concorrencial. Com efeito, sublinha que as partes na Concentração reforçaram as suas soluções relativas às faixas horárias, através de compromissos que qualifica de comportamentais e que são abrangidos pelo artigo 81.° CE. Deste facto, a recorrente conclui que as soluções sofrem de ineficácia e não permitem que se impeça a emergência ou o reforço de uma posição dominante, tanto mais que não são economicamente e estrategicamente coerentes. Por outro lado, a Comissão não tinha previsto na decisão impugnada a possibilidade de revogação em caso de não aplicação dos compromissos.

179    Por último, a recorrente considera que a abordagem adoptada pela Comissão constitui uma violação da confiança legítima, e acrescenta que a formulação dos compromissos não demonstra de que forma estes últimos são plenamente eficazes.

180    A Comissão alega que a argumentação da recorrente não está minimamente fundamentada. A este propósito, relembra que as companhias aéreas em rede consideraram que a série de compromissos proposta era suficiente para resolver os problemas de concorrência. Por outro lado, e tratando‑se da natureza comportamental dos compromissos em causa, a Comissão insiste no facto de que a disponibilização das faixas horárias, de duração ilimitada, de modo algum se baseia em simples compromissos de natureza comportamental, constituindo as obrigações impostas à entidade resultante da fusão condições e não simples obrigações.

–       Apreciação do Tribunal

181    No presente caso, resulta da decisão impugnada que os compromissos assumidos relativos às faixas horárias foram reforçados por medidas adicionais não negligenciáveis favoráveis à concorrência, como o congelamento das frequências durante seis épocas consecutivas, como definidas pela IATA, os acordos de interlining, os acordos de reserva de capacidade, os acordos especiais pro rata, os acessos aos programas de passageiros frequentes, os serviços intermodais e as obrigações relativas às tarifas. É por estes motivos que a Comissão não pode ser acusada de apenas se ter preocupado com a questão do acesso às faixas horárias.

182    Quanto à alegação da recorrente relativa à debilidade dos compromissos devido à sua natureza comportamental, há que recordar que os compromissos de comportamento não são, pela sua natureza, insuficientes para impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante e devem ser apreciados caso a caso do mesmo modo que os compromissos estruturais (acórdão EDP/Comissão, n.° 44, supra, n.° 100; v., igualmente neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Gencor/Comissão, n.° 40, supra, n.° 319; de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑5/02, Colect., p. II‑4381, n.° 161, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.° 85).

183    À luz das disposições da decisão impugnada relativas à alienação das faixas horárias, solução mais importante no presente processo, os compromissos em causa podem ser qualificados de estruturais (pontos 2 e 14 do pacote dos compromissos). Com efeito, as partes na Concentração comprometem‑se durante um período ilimitado, salvo em circunstâncias excepcionais que justifiquem um levantamento ou alteração do compromisso, a privarem‑se da utilização das faixas horárias alienadas. Assim, as partes na Concentração não poderão recuperar as faixas horárias depois de terem sido cedidas, uma vez que as que deixam de ser utilizadas têm imperativamente de ser entregues ao coordenador, o que elimina qualquer aspecto comportamental susceptível de afectar a eficácia dos compromissos (ponto 2.2 do pacote dos compromissos).

184    Há também que sublinhar que os compromissos foram reforçados de forma não negligenciável, tendo‑se as partes na Concentração comprometido a reduzir os intervalos horários de 45 para 30 minutos para as ligações de médio curso e de 120 para 90 minutos para as ligações de longo curso, condições que foram consideradas fundamentais pelos novos operadores a fim de facilitar a entrada nos mercados (v., neste sentido, considerandos 159 a 167 da decisão impugnada).

185    Resulta do que precede que, no presente caso, a recorrente não consegue demonstrar que as soluções são ineficazes, sendo a sua argumentação a este propósito das mais lacunares.

186    Por outro lado, relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não sujeitou a decisão impugnada a uma revogação expressa em caso de não aplicação dos compromissos, o Tribunal refere que a decisão impugnada prevê um processo rápido de resolução dos litígios caso um novo operador, um novo fornecedor de serviços de transportes aéreos ou um parceiro intermodal tenha razões para crer que a entidade resultante da fusão não respeita as condições dos compromissos que foram assumidos relativamente a si (ponto 12 do pacote dos compromissos).

187    Além disso, há que recordar que os compromissos estão submetidos à vigilância de um mandatário. Este último está encarregue de velar pela boa execução, pela entidade resultante da fusão, das obrigações assumidas nos compromissos, que integram o âmbito do mandato que lhe foi confiado, e pode propor à entidade resultante da fusão as medidas que considere necessárias para garantir o respeito dos compromissos (ponto 11.2.1 do pacote dos compromissos).

188    Resulta do que precede que as partes na Concentração não estão sujeitas a simples declarações de intenções, mas sim, no presente caso, a obrigações cuja violação conduz à revogação da decisão impugnada que autoriza a Concentração, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89. Daqui decorre que a recorrente não fez prova bastante de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação no que respeita às outras medidas impostas às partes na Concentração, nem de que violou o princípio da confiança legítima ao não aplicar, como devia, as disposições da comunicação sobre as soluções.

189    Finalmente, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a formulação dos compromissos não garante a sua eficácia para efeitos da preservação da concorrência, há que referir que, nas circunstâncias do presente caso, os compromissos não eram de uma extensão e de uma complexidade tais que a Comissão estava impossibilitada de determinar, com o grau de certeza pretendido, que seria restabelecida no mercado uma concorrência efectiva (v., neste sentido, acórdão BaByliss/Comissão, n.° 35, supra, n.° 178). Há também que observar que os compromissos aceites pela Comissão eram suficientemente precisos para lhe permitir apreciar os seus efeitos nos mercados afectados, pois o pacote dos compromissos expõe com precisão a forma pela qual as soluções serão executadas. Assim, há que considerar que este argumento não procede.

190    Consequentemente, a quinta parte do presente fundamento é improcedente.

 Quanto à sexta parte, relativa à não identificação de um novo operador e à não fixação de um prazo para essa entrada

–       Argumentos das partes

191    A recorrente relembra que a Comissão, na sua prática decisória anterior no sector aéreo, já exigiu às partes numa concentração que identificassem antecipadamente um novo operador potencial nas ligações identificadas pela Comissão como suscitando problemas de concorrência [processo Austrian Airlines/Lufthansa (processo COMP/37.730)]. Ora, no presente caso, a Comissão limitou‑se ao «interesse concreto» manifestado pelas companhias aéreas Volare, Meridiana e Virgin Express, sem, no entanto, se assegurar de que essas declarações de intenção se traduziriam numa entrada efectiva susceptível de contrariar os efeitos anticoncorrenciais. Além disso, a recorrente considera que, se a Comissão tivesse efectuado simples pesquisas, as dificuldades financeiras da Volare ter‑se‑iam facilmente manifestado, não podendo esta companhia aérea ser considerada um adquirente adequado. Assim, a recorrente considera que a Comissão confia na entrada de um novo operador, atitude que está em contradição com a sua obrigação de se assegurar que as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da Concentração serão eliminadas.

192    Além disso, a Comissão limitou‑se à simples constatação de que os compromissos permitem «reduzir consideravelmente o risco de inexistência de uma nova entrada». No entanto, admite que subsiste um risco real de inexistência de uma nova entrada, ao indicar na sua contestação que, «mesmo perante o não aparecimento de um novo concorrente numa determinada ligação, os compromissos podem preencher o seu objectivo» e acrescenta que «[t]al seria o caso se, sob efeito da concorrência potencial, esses compromissos recaíssem sobre o comportamento da nova entidade».

193    Por outro lado, a recorrente sublinha que a comunicação sobre as soluções enuncia que os compromissos devem ser susceptíveis de uma execução eficaz e a curto prazo. Deste modo, atendendo à importância da identidade de um novo operador e das incertezas quanto à existência de novos operadores potenciais, a entrada devia ter acontecido antes da concretização da transacção. A recorrente insiste no facto de nenhum novo operador ter começado a explorar qualquer uma das faixas horárias alienadas. Assim, ao não prever um mecanismo que garanta uma entrada efectiva num prazo preciso, a Comissão violou os requisitos impostos no Regulamento n.° 4064/89.

194    A Comissão alega que não era necessário que as partes na Concentração designassem antecipadamente um novo operador, uma vez que a consulta aos actores do mercado que efectuou antes de proferir a decisão impugnada permitiu recensear novos operadores potenciais, como a Volare, a Virgin Express e a Meridiana.

195    No que se refere ao argumento apresentado pela recorrente segundo o qual a Comissão se limitou a impor soluções «que reduzem consideravelmente o risco de inexistência de uma nova entrada», a Comissão sublinha que esta menção foi erradamente interpretada pela recorrente, porquanto esta passagem da contestação se destinava a demonstrar que o efeito das soluções tinha um grande alcance e iria assim permitir «aumentar o valor das [faixas] horárias cedidas, e consequentemente, reduzir consideravelmente o risco de não haver uma nova entrada». A Comissão efectuou, assim, nesta passagem, uma comparação entre, por um lado, a Concentração, tal como se apresentava atendendo às soluções impostas, e, por outro, as decisões anteriores relativas a alianças e concentrações no sector dos transportes aéreos.

196    No que se refere, finalmente, ao argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada não previu uma execução efectiva e rápida dos compromissos, a Comissão sublinha que não foi apresentado na petição inicial e é, consequentemente, inadmissível. De qualquer modo, a Comissão considera que o facto de não ter ainda havido um novo operador não é relevante, uma vez que a validade da decisão impugnada tem de ser apreciada em função da situação, tal como esta se apresentava na data da sua adopção.

–       Apreciação do Tribunal

197    Há que referir que, segundo o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão pode autorizar uma operação de concentração se os compromissos propostos pelas partes permitirem afastar as dúvidas sérias detectadas relativamente à compatibilidade da referida operação com o mercado comum. O Regulamento n.° 4064/89 estabelece assim o objectivo que a Comissão deve atingir, mas deixa‑lhe uma margem de apreciação importante quanto à forma que podem revestir os compromissos em causa. O referido regulamento não exige que as partes que procedem à notificação identifiquem um novo operador, embora essa identificação possa ser por vezes necessária, designadamente quando nenhum concorrente manifeste um interesse em entrar num mercado afectado.

198    O Tribunal considera que, no presente processo, a recorrente não logra demonstrar ser exigida uma identificação nominativa, uma vez que diversos concorrentes, como a Meridiana, a Virgin Express e a Volare, se mostraram interessados, durante o procedimento administrativo, em entrar nos mercados afectados na sequência dos compromissos propostos pelas partes na Concentração.

199    Resulta dos articulados da Comissão que a Volare tinha solicitado faixas horárias para as ligações Paris‑Amesterdão, Amesterdão‑Milão, Amesterdão‑Veneza e Amesterdão‑Bolonha. A Comissão também indicou, na audiência, que a Volare obteve faixas horárias na sequência da Decisão 2004/841/CE da Comissão, de 7 de Abril de 2004, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (processo COMP/A.38284/D2 – Air France/Alitalia) (JO L 362, p. 17), e isto muito pouco tempo antes de ser adoptada a decisão impugnada, circunstância que confirmou a credibilidade do interesse manifestado pela Volare no presente processo.

200    Devido a uma alteração no controlo das acções na Volare, como afirma a Comissão, esta companhia acabou por não entrar nos referidos mercados. Caso essa não entrada esteja ligada a dificuldades financeiras da Volare, como alega a recorrente, e ainda que se admita que a Comissão podia ter efectuado um inquérito aprofundado sobre a situação financeira desta companhia aérea a fim de se assegurar de que o seu pedido de faixas horárias podia proceder, o facto de não ter procedido a essa verificação não pode constituir um erro de apreciação que possa ser qualificado de manifesto e susceptível de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, como resulta dos articulados da Comissão, existiam outros concorrentes que podiam entrar nos mercados em causa, pois sabe‑se que existem, na Europa, numerosas companhias de baixos custos que pretendem entrar nos referidos mercados, como a Ryanair, a Virgin Express, a Smartwings, a Sterling, a Air Service e a SkyEurope.

201    Além disso, há que considerar que a penetração num novo mercado pode necessitar de um determinado tempo a fim de permitir aos novos operadores avaliarem o carácter rentável de uma entrada no referido mercado devido, designadamente, aos investimentos correspondentes. A este propósito, há que recordar que a decisão impugnada enuncia que a alienação das faixas horárias tem uma duração ilimitada, o que permite a novos operadores entrarem, a qualquer momento e sem limitações de tempo, nos mercados afectados (ponto 2 do pacote dos compromissos).

202    Por outro lado, no caso de nenhum novo operador entrar nos mercados afectados, sempre existia uma certa pressão concorrencial sobre as partes na Concentração, pois, se a entidade resultante da fusão decidisse aumentar os seus preços, novos concorrentes podiam ser encorajados a entrar nesses mercados que se tornariam mais atractivos. Com efeito, resulta dos autos que, nas ligações entre a Áustria e a Alemanha, nenhuma companhia aérea fazia, há cinco anos, concorrência à Lufthansa e à Austrian Airlines. No entanto, a existência de margens de lucro não desprezíveis devidas aos elevados preços praticados por estas duas sociedades atraíram novos operadores, obrigando assim a Lufthansa e a Austrian Airlines a reagir através da adaptação das suas políticas de preços a fim de continuarem concorrenciais. Daqui resulta que a Comissão podia concluir pela entrada muito provável de um novo concorrente nos mercados afectados.

203    Quanto ao argumento segundo o qual nenhum novo operador entrou nos mercados afectados, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade do acto individual impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da sua adopção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7, e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 87; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão, T‑177/94 e T‑377/94, Colect., p. II‑2041, n.° 119).

204    Consequentemente, a decisão impugnada deve ser examinada de acordo com os elementos de facto existentes à data da sua adopção e não à luz de elementos de facto posteriores a esta. Assim, a circunstância de nenhum operador ter entrado, até ao dia da audiência, nos mercados afectados é inoperante.

205    Relativamente à alegação da recorrente segundo a qual a Comissão não se assegurou de que ocorreria uma nova entrada pouco depois da autorização da Concentração, o Tribunal considera que esta crítica, que não foi apresentada na petição inicial, está relacionada com o presente fundamento, uma vez que pretende demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação quanto ao conteúdo dos compromissos adoptados. Daqui resulta que este argumento não constitui um novo fundamento de direito, como alega a Comissão, e é, consequentemente, admissível.

206    Há que recordar que a Comissão se podia abster de identificar de forma específica um novo operador, tendo diversos concorrentes manifestado interesse em penetrar nos mercados afectados. Não subsiste, portanto, o argumento da recorrente segundo a qual a Comissão não se assegurou de que provavelmente um novo operador entraria rapidamente nesses mercados.

207    A este propósito, segundo os termos da comunicação sobre as soluções, os compromissos devem ser susceptíveis de uma execução eficaz e a curto prazo para que a Comissão autorize uma operação de concentração (pontos 10 e 19). No presente caso, a decisão impugnada exige que as faixas horárias sejam oferecidas um mês depois da realização da Concentração (ponto 13 do pacote dos compromissos). Assim, as partes na Concentração estavam obrigadas a alienar as faixas num lapso de tempo curto e vinculativo, que permitia e favorecia assim a rápida entrada de um novo concorrente.

208    Consequentemente, a acusação feita à Comissão de não se ter assegurado de que uma nova entrada devia ocorrer rapidamente é infundada.

209    À luz do que precede, a recorrente não demonstra de forma bastante que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não identificar um novo operador e ao não prever uma data limite para uma entrada nos mercados afectados.

210    Consequentemente, a sexta parte do fundamento é improcedente.

 Quanto à sétima parte, relativa ao facto de não ter sido tomado em consideração o comboio de alta velocidade Thalys enquanto concorrente

–       Argumentos das partes

211    Segundo a recorrente, a existência do Thalys constituía um travão à entrada de novos operadores na ligação Paris‑Amesterdão. Observa que o Thalys dispõe actualmente nesta ligação de uma quota de mercado de cerca de 45%, que aumentará devido às melhorias nas infra‑estruturas que limitarão a duração do trajecto. Além disso, a Comissão considerou erradamente que uma frequência de seis voos por dia era suficiente para os passageiros que valorizam o factor tempo, ao mesmo tempo que reconheceu que essa frequência, aplicada ao Thalys, era insuficiente (considerando 71 da decisão impugnada).

212    A Comissão contesta esta alegação e relembra que o Thalys não é concorrencial para os clientes que valorizam o factor tempo, essencialmente devido à duração da viagem de comboio. Só uma diminuição do tempo de trajecto pode alterar esta situação, sendo para o efeito necessária uma melhoria das infra‑estruturas.

–       Apreciação do Tribunal

213    No presente caso, a acusação da recorrente deve ser entendida no sentido de pretender demonstrar que a Comissão, ao não ter apreendido de forma adequada o impacto concorrencial do Thalys no mercado Paris‑Amesterdão, cometeu um erro manifesto de apreciação.

214    Resulta da decisão impugnada que, na ligação Paris‑Amesterdão, o Thalys assegura seis frequências diárias com uma duração de 4 h 09 (trajecto de ida), sendo a duração de voo de cerca de três horas entre o centro de uma cidade e o centro da outra (considerandos 70 a 72 da decisão impugnada). Assim, tratando‑se de passageiros que não valorizam o factor tempo, o Thalys pode ser actualmente considerado um concorrente. Em contrapartida, a Comissão pôde concluir que o Thalys não era concorrencial para os clientes que valorizam o factor tempo devido, designadamente, à duração da viagem, necessitando a ida e volta de quase mais duas horas. Assim sendo, só uma diminuição do tempo de trajecto permitirá alterar esta situação, que necessitaria, como refere a Comissão, de uma melhoria importante das infra‑estruturas.

215    No presente caso, a recorrente não apresenta qualquer elemento susceptível de demonstrar que, relativamente ao Thalys, a distinção efectuada pela Comissão entre os passageiros que valorizam o factor tempo e os que não o valorizam está errada. Consequentemente, a crítica da recorrente de que a Comissão teria erradamente considerado que uma frequência de seis voos por dia era suficiente para os passageiros que valorizam o factor tempo, embora tivesse reconhecido, no considerando 71 da decisão impugnada, que essa frequência aplicada ao Thalys era insuficiente para resolver os problemas de concorrência relativamente aos viajantes que valorizam o factor tempo, não pode ser acolhida.

216    Relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual o Thalys constitui um travão à entrada de novos operadores, há que referir que o crescimento comercial do Thalys é anterior à Concentração, pelo que as companhias aéreas que ponderam entrar no referido mercado tiveram que considerar este factor concorrencial. A presença do Thalys no mercado Paris‑Amesterdão conduziu, consequentemente, a Comissão a assegurar‑se de que não só a concorrência exercida pelas companhias aéreas mas também que exercem os fornecedores de outros meios de transporte, como o transporte ferroviário, seriam preservadas.

217    Com efeito, as soluções relativas aos serviços intermodais permitem, por exemplo, à sociedade que explora o Thalys vender um bilhete de ida e volta Paris‑Amesterdão com o qual o viajante pode apanhar o comboio à ida e o avião no regresso. A fim de tornar esta possibilidade atraente, previu‑se que a sociedade que explora o Thalys possa, no que respeita ao voo de regresso, beneficiar de todas as tarifas promocionais propostas pela entidade resultante da fusão, tendo assim a possibilidade de propor serviços intermodais a preços competitivos (ponto 7 do pacote dos compromissos). A este propósito, resulta dos articulados da Comissão que a companhia ferroviária Georg Verkehrsorganisation GmbH está em negociações com a Air France a fim de concluir um acordo intermodal para o mercado Paris‑Amesterdão, o que demonstra o interesse suscitado pelos acordos intermodais.

218    Assim, o argumento da recorrente segundo o qual o Thalys constitui um travão à entrada de um novo concorrente na ligação Paris‑Amesterdão não demonstra que a análise concorrencial efectuada pela Comissão esteja ferida por um erro manifesto de apreciação. Consequentemente, a sétima parte do fundamento é improcedente.

219    Resulta das considerações precedentes que a recorrente não fez prova de um erro manifesto de apreciação imputável à Comissão, uma vez que não logrou demonstrar que os referidos compromissos não eram susceptíveis de afastar as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum. Consequentemente, há que julgar improcedente o quinto fundamento na sua integralidade.

220    Nestas condições, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

221    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

222    Em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente suportará as suas próprias despesas bem como as efectuadas pela Comissão.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pirrung

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Julho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung

Índice

Enquadramento jurídico

Factos na origem do litígio

Empresas em causa

Tramitação do procedimento administrativo na Comissão

Compromissos aceites pela Comissão

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto ao pedido de adopção de diligências de instrução

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à legitimidade

Quanto ao interesse em agir

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à inexistência de análise do reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão nas ligações em que não havia sobreposição entre as actividades da Air France e da KLM

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto à falta de análise do impacto da Concentração no mercado das viagens aéreas de lazer

– Quanto à falta de análise do impacto da Concentração nos mercados isentos de sobreposições

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à inexistência de análise do reforço da posição dominante da entidade resultante da fusão no mercado da aquisição de serviços aeroportuários

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto à não consideração do reforço da posição dominante no mercado da aquisição de serviços aeroportuários

– Quanto à influência reforçada da entidade resultante da fusão relativamente à AdP

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação da substituibilidade entre CDG e Orly

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto à localização dos dois aeroportos

– Quanto ao tipo de voos assegurados a partir dos dois aeroportos

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação devido à falta de exame dos efeitos da Concentração na concorrência potencial

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto ao carácter limitado do mercado doméstico da KLM

– Quanto à proximidade de Amesterdão, centro de actividades da KLM, relativamente a Paris e quanto ao carácter limitado da concorrência existente nos serviços de transportes aéreos internacionais provenientes de Paris

Quanto ao quinto fundamento, relativo ao erro manifesto de apreciação dos compromissos assumidos pelas partes na Concentração

Quanto à primeira parte, relativa ao não alargamento dos compromissos aos mercados isentos de sobreposições

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte, relativa ao carácter não atractivo dos compromissos para as companhias a baixos custos

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira parte, relativa à não transferência de uma actividade viável

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quarta parte, relativa à insuficiência das faixas horárias alienadas

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à quinta parte, relativa à insuficiência das outras soluções

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à sexta parte, relativa à não identificação de um novo operador e à não fixação de um prazo para essa entrada

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à sétima parte, relativa ao facto de não ter sido tomado em consideração o comboio de alta velocidade Thalys enquanto concorrente

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.