Language of document : ECLI:EU:T:2022:781

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

7 de dezembro de 2022 (*)

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Poderes do BCE — Poderes de investigação — Inspeções no local — Artigo 12.o do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Decisão do BCE de realizar uma inspeção nas instalações de uma instituição de crédito menos significativa — Recurso de anulação — Ato recorrível — Admissibilidade — Competência do BCE — Dever de fundamentação — Elementos justificativos de uma inspeção — Artigo 106.o do Regulamento de Processo — Pedido de audiência desprovido de fundamentação»

No processo T‑275/19,

PNB Banka AS, com sede em Riga (Letónia), representada por O. Behrends, advogado,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por C. Hernández Saseta, F. Bonnard e V. Hümpfner, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou, A. Nijenhuis e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

interveniente,


O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto, durante as deliberações, por S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, P. Nihoul, R. Frendo e J. Martín y Pérez de Nanclares, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, PNB Banka AS, pede a anulação da Decisão do Banco Central Europeu (a seguir «BCE»), notificada por carta de 14 de fevereiro de 2019, de realizar inspeções no local nas suas instalações.

I.      Quadro jurídico

2        O Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), contém um capítulo III, intitulado « Poderes do BCE ». A secção 1 deste capítulo, intitulada «Poderes de investigação», compreende o artigo 12.o, sob a epígrafe «Inspeções no local», que tem a seguinte redação:

« 1.      A fim de exercer as atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e sob reserva de outras condições estabelecidas na legislação aplicável da União, o BCE pode, nos termos do artigo 13.o e sob reserva de notificação prévia à autoridade nacional competente em causa, proceder a todas as inspeções no local que forem necessárias nas instalações das pessoas coletivas referidas no artigo 10.o, n.o 1, bem como em quaisquer outras empresas abrangidas pela supervisão em base consolidada quando o BCE for a autoridade responsável pela supervisão em base consolidada nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea g). Caso a boa execução e a eficiência das inspeções o exijam, o BCE pode proceder a inspeções no local sem aviso prévio a essas pessoas coletivas.

2.      Os funcionários do BCE e outras pessoas por este mandatadas para realizar inspeções no local podem aceder a todas as instalações e terrenos das pessoas coletivas sujeitas a uma decisão de investigação adotada pelo BCE e devem ter todos os poderes previstos no artigo 11.o, n.o 1.

3.      As pessoas coletivas referidas no artigo 10.o, n.o 1, devem ser objeto de inspeções no local efetuadas com base numa decisão do BCE.

4.      Os funcionários da autoridade nacional competente do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção e outros acompanhantes mandatados ou designados por essa autoridade devem, sob a supervisão e coordenação do BCE, prestar assistência ativa ao pessoal do BCE e a outras pessoas por este mandatadas. Para esse efeito, dispõem dos poderes previstos no n.o 2. Os funcionários da autoridade nacional competente do Estado‑Membro participante em causa têm igualmente o direito de participar nas inspeções no local.

5.      Caso os funcionários do BCE e os outros acompanhantes por este mandatados ou designados entendam que uma pessoa se opõe a uma inspeção ordenada nos termos do presente artigo, a autoridade nacional competente do Estado‑Membro participante em causa deve prestar‑lhes a assistência necessária nos termos do direito nacional. Na medida do que se revele necessário para a inspeção, essa assistência deve incluir a selagem de quaisquer instalações e livros ou registos da empresa em causa. Quando não tenha poderes para tal, a autoridade nacional competente em causa deve exercer os seus poderes, solicitando a assistência necessária de outras autoridades nacionais.»

3        O artigo 13.o deste regulamento, sob a epígrafe «Autorização por parte de uma autoridade judicial», dispõe:

« 1.      Se uma inspeção no local, tal como prevista no artigo 12.o, n.os 1 e 2, ou a assistência prevista no artigo 12.o, n.o 5, exigir a autorização de uma autoridade judicial de acordo com as regras nacionais, deve solicitar‑se essa autorização.

2.      Caso seja solicitada uma autorização tal como previsto no n.o 1 do presente artigo, a autoridade judicial nacional deve verificar a autenticidade da decisão do BCE e o caráter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas previstas relativamente ao objeto da inspeção. Ao avaliar a proporcionalidade das medidas coercivas, a autoridade judicial nacional pode solicitar ao BCE explicações circunstanciadas, nomeadamente sobre os motivos invocados pelo BCE para suspeitar da existência de uma infração aos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, sobre a gravidade da presumível infração e sobre a natureza do envolvimento da pessoa sujeita às medidas coercivas. No entanto, a autoridade judicial nacional não pode apreciar a necessidade da inspeção nem exigir que lhe sejam fornecidas informações constantes do processo constituído pelo BCE. A legalidade da decisão do BCE está apenas sujeita à fiscalização do [Tribunal de Justiça da União Europeia].»

4        O Regulamento (UE) n.o 468/2014 do BCE, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (JO 2014, L 141, p. 1), contém uma parte XI, intitulada «Acesso a informações, reporte, investigações e inspeções no local», cujo título 5, que contém os artigos 143.o a 146.o, é consagrado às inspeções no local. O artigo 143.o, intitulado «Decisão do BCE de proceder a uma inspeção no local nos termos do artigo 12.o do Regulamento [n.o 1024/2013]», dispõe, no seu n.o 2:

«Sem prejuízo do artigo 142.o e nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 1024/2013], as inspeções no local são realizadas com base numa decisão do BCE, que deve especificar, pelo menos:

a)      o objeto e a finalidade da inspeção no local; e;

b)      o facto de qualquer obstrução à investigação por parte da pessoa coletiva sob averiguação constituir uma infração a uma decisão do BCE na aceção do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento [n.o 1024/2013], sem prejuízo da legislação nacional conforme estabelecido no artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1024/2013].»

5        O artigo 145.o do Regulamento n.o 468/2014, sob a epígrafe «Procedimento e notificação de uma inspeção no local», dispõe:

« 1.      O BCE notificará a pessoa coletiva sujeita a uma inspeção no local da decisão do BCE referida no artigo 143.o, n.o 2, e da identidade dos membros da equipa de inspeção no local com a antecedência mínima de cinco dias úteis em relação à data de início dessa inspeção. Notificará igualmente a [autoridade nacional competente] do Estado‑Membro onde terá lugar a inspeção no local com a antecedência mínima de uma semana em relação à data de notificação da pessoa coletiva sujeita à inspeção no local.

2.      Se a boa execução e eficiência das inspeções assim o exigir, o BCE poderá proceder a uma inspeção no local sem notificar previamente a entidade supervisionada em causa. A [autoridade nacional competente] deve ser notificada logo que possível antes do início dessa inspeção no local.»

II.    Antecedentes do litígio

6        Na data da decisão recorrida, a recorrente era uma instituição de crédito menos significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013 (a seguir «instituição de crédito menos significativa»), com sede na Letónia. Por conseguinte, encontrava‑se sob a supervisão prudencial direta da Finanšu un kapitāla tirgus komisija (Comissão dos Mercados Financeiros e de Capitais, Letónia, a seguir «CMFC»).

7        O modelo de negócios da recorrente era o de um banco universal que exerce uma parte significativa da sua atividade com não residentes. As suas principais exposições aos riscos diziam respeito às contrapartes situadas na Rússia, na Ucrânia ou noutros países da Comunidade de Estados Independentes.

8        Na data da interposição do recurso, CR era o principal acionista da recorrente.

9        Em fevereiro de 2016, a CMFC impôs à recorrente provisões suplementares por perdas de empréstimos bem como restrições de atividades. Pediu‑lhe igualmente, por um lado, que solucionasse as infrações aos limites aos grandes riscos e, por outro, que reforçasse os seus fundos próprios e transmitisse regularmente um relatório de liquidez.

10      Segundo a recorrente, em 25 de agosto de 2017, a recorrente, bem como CR e outros membros da família deste último, acionistas da recorrente, «notificaram» à República da Letónia um litígio relativo à proteção dos seus investimentos, tendo invocado o caráter injustificado e não razoável dos requisitos prudenciais impostos pela CMFC à recorrente.

11      Segundo a recorrente, em agosto de 2017, CR apresentou uma queixa às autoridades do Reino Unido relativa a atos de corrupção alegadamente cometidos por A, governador do Latvijas Banka (Banco Central da Letónia). Os atos de corrupção denunciados consistiam em tentativas deste último de obter, graças à sua influência sobre a CMFC, subornos de CR.

12      Em 31 de agosto de 2017, a CMFC notificou à recorrente uma decisão que lhe impunha prestações suplementares por perdas sobre empréstimos, depois de ter constatado, na sequência de uma inspeção ao local, um incumprimento persistente dos limites aplicáveis aos grandes riscos.

13      Em setembro de 2017, a recorrente foi classificada como «instituição menos significativa em crise», na aceção do quadro de cooperação de gestão de crise para as entidades menos significativas, o que teve por consequência uma supervisão específica da recorrente por um grupo de gestão de crise composto pela CMFC e pelo BCE. 

14      Em 12 de dezembro de 2017, a recorrente, bem como CR e outros membros da família deste último, acionistas da recorrente, instauraram um processo de arbitragem contra a República da Letónia no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (a seguir «CIRDI»), com fundamento no Tratado de 24 de janeiro de 1994 para a promoção e a proteção dos investimentos entre o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a República da Letónia (a seguir «processo de arbitragem»). Alegaram que, desde finais de 2015, a recorrente era objeto de uma supervisão prudencial excessiva e arbitrária por parte da CMFC, que se traduzia em aumentos dos fundos próprios regulamentares e em restrições às atividades. Referiram que esta supervisão prudencial excessiva e arbitrária se devia à influência que A exercia sobre a CMFC com o objetivo de obter subornos da parte da recorrente e de CR.

15      Segundo a recorrente, em dezembro de 2017, CR denunciou às autoridades letãs os atos de corrupção acima referidos no n.o 11.

16      Em 17 de fevereiro de 2018, A foi detido na sequência da abertura, em 15 de fevereiro de 2018, de um inquérito penal preliminar instaurado contra ele pelo Korupcijas novēršanas un apkarošanas birojs (Serviço de Prevenção e Combate à Corrupção, Letónia, a seguir «KNAB»). Este inquérito tinha por objeto acusações de corrupção relacionadas com o procedimento de supervisão prudencial de um banco letão diferente da recorrente. Por Decisão de 19 de fevereiro de 2018, aquando da libertação de A, o KNAB aplicou a este último diversas medidas de segurança, incluindo a proibição de exercício das suas funções de governador do Banco Central da Letónia.

17      Em 28 de junho de 2018, A foi acusado pela procuradora responsável pelo inquérito referido no n.o 16, supra. O despacho de acusação, proferido em 24 de maio de 2019, continha três fundamentos. O primeiro fundamento de acusação dizia respeito à aceitação, em 2010, de uma proposta de suborno apresentada pelo presidente do Conselho de Supervisão de um banco letão diferente da recorrente, e do próprio suborno, em contrapartida do qual A forneceu alegadamente conselhos com vista a ajudar o banco a subtrair‑se à supervisão da CMFC e se absteve de participar nas reuniões da CMFC nas quais as questões relativas à supervisão do referido banco foram abordadas. O segundo fundamento de acusação dizia respeito, por um lado, à aceitação, após 23 de agosto de 2012, de uma proposta de suborno apresentada pelo vice‑presidente do conselho de administração do mesmo banco, em troca de conselhos de A com o objetivo de obter o levantamento das restrições das atividades ordenadas pela CMFC e de prevenir outras restrições e, por outro, à aceitação por parte de A do pagamento de metade do referido suborno. O terceiro fundamento de acusação dizia respeito ao branqueamento de capitais destinado a camuflar a proveniência, as transferências e a titularidade dos fundos pagos a A correspondentes ao suborno referido no segundo fundamento de acusação.

18      Por cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, a recorrente e CR informaram a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE de que o inquérito sobre os atos de corrupção referidos no n.o 11, supra, estava em curso. Indicaram que, após a sua detenção em fevereiro de 2018, A tinha prestado declarações públicas hostis e erróneas a seu respeito, afirmando que a aquisição da recorrente por CR tinha caráter fraudulento. Consideraram que os requisitos prudenciais da CMFC a respeito da recorrente eram excessivos e discriminatórios. Pediram ao BCE que interviesse conduzindo uma investigação e adotando medidas adequadas, tais como mudanças apropriadas do pessoal responsável pela supervisão prudencial da recorrente. Nessa ocasião escreveram o seguinte: «Uma das ideias subjacentes ao [Mecanismo Único de Supervisão (MUS)] era a de que podia ser garantida pelo BCE uma supervisão mais objetiva e imparcial do que pelos supervisores locais. A [recorrente] e [CR] estão ansiosos por cooperar com o BCE para este objetivo» (carta de 5 de julho de 2018, página 13).

19      Em 30 de setembro de 2018, o CIRDI emitiu medidas provisórias recomendando à República da Letónia que se abstivesse de adotar medidas tendo em vista a revogação da autorização da recorrente, fazendo referência a um alegado incumprimento de um dos requisitos regulamentares objeto do prazo final fixado numa decisão da CMFC de 27 de fevereiro de 2018 (a seguir «recomendação do CIRDI»).

20      Em 8 de outubro de 2018, a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE informou a recorrente e CR, em resposta às suas cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, de que, no âmbito da sua atribuição de controlo do funcionamento do MUS, o BCE partilhava da opinião da CMFC de que a situação da recorrente em termos de capitais próprios exigia uma supervisão específica. Referiu que a recorrente tinha beneficiado de repetidas extensões de prazos para adotar medidas em matéria de capitais próprios e que, apesar da persistência dos problemas desta natureza, a recorrente não tinha sido objeto de medidas de supervisão rigorosas por parte da CMFC, além dos pedidos de reforço dos capitais próprios, de medidas de recuperação e de provisões suplementares. A presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE considerou que a recorrente infringia há vários anos os limites aplicáveis aos grandes riscos em relação a terceiros e tinha beneficiado de repetidas extensões do prazo para sanar essas infrações. Considerou ainda que não tinha nenhuma indicação de que as medidas de supervisão impostas à recorrente fossem excessivas ou desproporcionadas. Concluiu anunciando que tinha a intenção de exercer a sua função de controlo prestando particular atenção às medidas adotadas pela recorrente para sanar as violações dos requisitos prudenciais.

21      Em 21 de dezembro de 2018, a CMFC pediu ao BCE que assumisse a supervisão prudencial direta da recorrente.

22      Em 10 de janeiro de 2019, o Conselho de Supervisão Prudencial aprovou o projeto de decisão de proceder a uma inspeção ao local nas instalações da recorrente. Este projeto foi submetido ao Conselho do BCE para ser adotado no quadro de um procedimento de não objeção. Não tendo o Conselho do BCE formulado objeções, o projeto de decisão foi considerado adotado em 21 de janeiro de 2019 (a seguir «projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE» ou «decisão recorrida»).

23      O projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE refere, no que diz respeito aos motivos para a inspeção, por um lado, que, nos anos anteriores, foram identificadas várias deficiências e infrações às disposições aplicáveis, as quais não foram objeto de medidas adequadas. Em primeiro lugar, desde 2016, a recorrente infringiu os limites aos grandes riscos estabelecidos no artigo 395.o, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1). Em segundo lugar, desde fevereiro de 2018, a recorrente infringiu os limites às transações com partes relacionadas previstos na legislação letã, devido às exposições ao seu principal acionista. Em terceiro lugar, desde 2012, a CMFC viu‑se obrigada a adotar medidas recorrentes relativamente à recorrente, no que diz respeito à prevenção do branqueamento de capitais. Não obstante uma coima aplicada pela CMFC em julho de 2017, a recorrente continuou a violar os requisitos relativos à prevenção do branqueamento de capitais e ao combate ao financiamento do terrorismo. Em quarto e último lugar, a evolução dos rácios de fundos próprios nos últimos três anos demonstrava que, em diversas ocasiões, a recorrente esteve próxima de violar os requisitos mínimos de fundos próprios do pilar n.o 1 a nível do grupo. Desde 2018, a recorrente violou com caráter periódico os requisitos de fundos próprios do pilar n.o 2. O auditor não emitiu um parecer em 2015 que mencionasse questões de valorização de ativos, ao passo que o novo auditor emitiu pareceres com reserva em 2016 e 2017, mencionando igualmente questões relativas à valorização dos ativos.

24      Por outro lado, o projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE refere que a recomendação do CIRDI impede a CMFC de pôr em prática a totalidade das medidas de supervisão em relação à recorrente, mencionando que, a pedido da CMFC, o BCE está a preparar a assunção da supervisão prudencial direta da recorrente. O mesmo sublinha que uma inspeção no local permitirá ao BCE conduzir a sua própria análise da situação da recorrente e afirma que é possível realizar a referida inspeção no local independentemente da assunção da supervisão prudencial direta pelo BCE. Refere que, paralelamente à assunção da supervisão direta, o BCE estará, então, em condições de adotar as medidas de supervisão necessárias para garantir que a recorrente respeita os requisitos prudenciais.

25      No que diz respeito ao âmbito e ao calendário da inspeção, o projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE refere que está previsto que o BCE conduza uma inspeção no local com o objetivo de realizar uma investigação aprofundada dos riscos, do controlo dos riscos e da governação da recorrente, de modo que aprecie, designadamente, os seus procedimentos e sistemas, bem como a qualidade da sua gestão. O mesmo refere que esta inspeção no local se centrará principalmente no risco de crédito.

26      O projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE menciona igualmente que, com base nos resultados da inspeção no local, bem como dos exames prudenciais mais recentes da CMFC, será preparado um plano de ação com um prazo de vencimento suficientemente próximo. Mais se precisa que, se as irregularidades identificadas durante a inspeção no local forem de tal gravidade e persistência que nenhuma medida de supervisão prudencial possa garantir o respeito pelas regras durante um prazo razoável, o BCE dará início ao procedimento de revogação da autorização.

27      O projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE inclui ainda um anexo intitulado «Resumo do historial de supervisão recente da [recorrente] tal como notificado ao BCE».

28      Por carta de 14 de fevereiro de 2019, o diretor‑geral da Direção‑Geral da Supervisão Microprudencial III (a seguir «diretor‑geral») informou a recorrente de que, em aplicação do artigo 6.o, n.o 5, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013, em conjugação com o seu artigo 12.o, e os artigos 143.o a 146.o do Regulamento n.o 468/2014, e ainda de acordo com uma Decisão do Conselho de Supervisão Prudencial de 10 de janeiro de 2019, seria conduzida uma inspeção no local no âmbito do grupo com o objetivo de analisar o risco de crédito. O mesmo especificou que o âmbito deste controlo poderia ser estendido durante a investigação, se necessário, e que, nesse caso, a recorrente seria informada pelo chefe de missão, em nome do BCE.

29      Na referida carta de 14 de fevereiro de 2019, o diretor‑geral referiu que a inspeção no local estava prevista para março de 2019 e indicou o nome do chefe de missão da inspeção. Referiu que este último comunicaria a identidade dos membros da equipa de inspeção à recorrente, em nome do BCE, e a contactaria nos dias seguintes para combinar um primeiro encontro.

30      Na mencionada carta de 14 de fevereiro de 2019, o diretor‑geral solicitou à recorrente que se assegurasse de que as entidades em causa estavam informadas do conteúdo desta carta e de qualquer eventual alteração subsequente. Pediu‑lhe que cooperasse plenamente com a inspeção e recordou que, nos termos do artigo 143.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 468/2014, qualquer obstrução à investigação por parte da pessoa coletiva sob averiguação constitui uma infração a uma decisão do BCE na aceção do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1024/2013, sem prejuízo da legislação nacional conforme estabelecido no artigo 11.o, n.o 2, do referido regulamento.

31      Pelo Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139), o Tribunal de Justiça revogou a Decisão do KNAB de 19 de fevereiro de 2018, na parte em que proibia A de exercer as suas funções de governador do Banco Central da Letónia. O Tribunal de Justiça considerou que a República da Letónia não tinha demonstrado que a demissão de A das suas funções de governador do Banco Central da Letónia assentava na existência de indícios suficientes de que este tinha cometido uma falta grave, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, do Protocolo n.o 4 relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE.

32      Por carta de 1 de março de 2019, o BCE notificou a recorrente de que tinha decidido classificá‑la como entidade significativa sujeita à sua supervisão prudencial direta, em aplicação do disposto no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 e do artigo 39.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014. Esta decisão entrou em vigor em 4 de abril de 2019.

33      Em 5 de março de 2019, o chefe de missão da inspeção reuniu com a direção da recorrente numa primeira reunião, dita «reunião de lançamento», tendo apresentado, com a ajuda de um documento entregue à recorrente, o âmbito da missão, intitulado «risco [de] crédito e governação», nomeadamente, a classificação e as provisões, o registo do inventário (ativos penhorados vendidos), a valorização das garantias e dos fundos (ativos detidos com vista à venda), a qualidade dos dados e a governação, bem como o modelo de negócios. Apresentou, para cada parte da missão, os membros da equipa de inspeção. Precisou a documentação pedida à recorrente, nomeadamente os ficheiros de crédito e a documentação geral, e apresentou o método de troca de informações através de uma plataforma segura. Indicou as reuniões a agendar sobre os temas da inspeção no local. Explicou a organização da inspeção no local, nomeadamente os poderes da equipa de inspeção (acesso às instalações, pedido de informações ou de documentos no âmbito da inspeção, acesso só para leitura a todos os sistemas informáticos pertinentes, entrevistas com qualquer pessoa, troca de informações com os auditores) e o calendário da inspeção. Este calendário mencionava a carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral, um primeiro pedido de informações de 26 de fevereiro de 2019, a reunião de lançamento, o trabalho no local entre 11 de março e 10 de maio de 2019, a transmissão de um projeto de relatório em 12 de julho de 2019, uma «reunião de saída» em 19 de julho de 2019, um relatório final, uma «reunião de encerramento» e, por último, a monitorização do plano de ação da recorrente.

34      A inspeção teve início em 11 de março de 2019.

35      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de abril de 2019, a recorrente, CR e CT interpuseram o presente recurso.

III. Factos posteriores à interposição do recurso

36      Em 14 de maio de 2019, a CMFC aplicou à recorrente uma coima de 4 260 euros por infrações às disposições da Kredītiestāžu likums (Lei das Instituições de Crédito, Latvijas Vēstnesis, 1995, n.o 163) que exigem o depósito e a publicação das contas anuais e das contas anuais consolidadas acompanhadas do relatório de um revisor oficial de contas.

37      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de maio de 2019 (processo T‑301/19), a recorrente, CR e CT requereram a anulação da Decisão do BCE, notificada por carta de 1 de março de 2019, de classificar a recorrente como entidade significativa sujeita à supervisão prudencial direta (v. n.o 32, supra).

38      Em 12 de agosto de 2019, foi concluída a inspeção no local nas instalações da recorrente.

39      Em 15 de agosto de 2019, o BCE concluiu que a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1). Na mesma data, o Conselho Único de Resolução (CUR) decidiu não adotar um programa de resolução na aceção do artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento, em relação à recorrente.

40      Em 22 de agosto de 2019, a CMFC requereu ao Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga, Letónia) que declarasse a recorrente insolvente.

41      Em 12 de setembro de 2019, o Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga, Letónia) declarou a recorrente insolvente, tendo nomeado um administrador judicial responsável pelo processo de insolvência (a seguir «administrador judicial») e tendo transferido para o mesmo o conjunto dos poderes da recorrente e do seu conselho de administração. O órgão jurisdicional indeferiu o pedido do conselho de administração da recorrente de manter os seus direitos de representação desta última no âmbito do recurso contra a avaliação do BCE, de 15 de agosto de 2019, que declarou que a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, contra a decisão do CUR, da mesma data, de não adotar um programa de resolução a respeito da mesma e contra a decisão da CMFC de instaurar um processo de insolvência. Este tribunal acrescentou que isso não excluía a possibilidade de o conselho de administração da recorrente apresentar um pedido em separado ao administrador judicial no que diz respeito aos direitos de representação em missões específicas.

42      Igualmente em 12 de setembro de 2019, a CMFC requereu ao BCE que revogasse a autorização da recorrente.

43      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de outubro de 2019 (processo T‑732/19), a recorrente, bem como outros acionistas ou potenciais acionistas da recorrente, pediram a anulação da Decisão do CUR de 15 de agosto de 2019 de não adotar um programa de resolução em relação à recorrente.

44      Em 21 de dezembro de 2019, A cessou as suas funções de governador do Banco Central da Letónia.

45      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de janeiro de 2020 (processo T‑50/20), a recorrente pediu a anulação da Decisão do BCE de 19 de novembro de 2019 que recusou ordenar ao administrador judicial da recorrente que concedesse ao advogado mandatado pelo seu conselho de administração o acesso às suas instalações, às informações em seu poder, bem como ao seu pessoal e aos seus recursos.

46      Em 17 de fevereiro de 2020, o BCE revogou a autorização da recorrente. Esta revogação produziu efeitos no dia seguinte.

47      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de abril de 2020 (processo T‑230/20), a recorrente interpôs recurso desta decisão.

IV.    Tramitação processual e pedidos das partes

48      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de julho de 2019, a Comissão Europeia pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do BCE. Por Decisão de 28 de agosto de 2019, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Comissão.

49      Em 16 de julho de 2019, o BCE apresentou a sua contestação na Secretaria do Tribunal Geral.

50      Em 10 de setembro de 2019, a Comissão apresentou um articulado de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral.

51      Em 19 de dezembro de 2019, o Tribunal Geral (Quarta Secção) pediu, no âmbito de uma medida de organização do processo, ao BCE que apresentasse o projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE.

52      Em 10 de janeiro de 2020, o BCE apresentou uma versão integral confidencial do documento solicitado, destinada ao Tribunal Geral (anexo D.1), bem como uma versão não confidencial deste documento. Em 29 de janeiro de 2020, o presidente da Quarta Secção decidiu não juntar ao processo a versão confidencial do referido documento.

53      Em 28 de abril de 2020, o presidente da Quarta Secção decidiu, nos termos do artigo 69.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, suspender o processo até que o Tribunal Geral proferisse uma decisão no processo T‑50/20. Por Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141), o Tribunal Geral proferiu a sua decisão naquele processo e o presente processo foi retomado nessa mesma data.

54      Em 28 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021, a recorrente, CR e CT requereram a suspensão do processo até que o Tribunal de Justiça proferisse uma decisão no processo C‑321/21 P, relativo ao recurso interposto do Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141). Em 20 de maio de 2021, e, subsequentemente, em 6 de agosto de 2021, o presidente da Quarta Secção decidiu, depois de ouvir o BCE, não suspender o processo.

55      Por carta de 8 de julho de 2021, o representante da recorrente informou o Tribunal Geral de que já não representava CR e CT. Por Despacho de 21 de dezembro de 2021, o Tribunal Geral (Quarta Secção), com fundamento no artigo 131.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, declarou que já não era necessário proferir uma decisão no presente recurso na parte em que tinha sido interposto por CR e CT.

56      O prazo para apresentação da réplica foi fixado pela última vez em 30 de setembro de 2021. A recorrente não apresentou réplica dentro do prazo previsto.

57      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a Decisão do BCE, «de 14 de fevereiro de 2019», de realizar uma inspeção no local nas suas instalações e das sociedades do grupo;

—        condenar o BCE nas despesas.

58      O BCE, apoiado pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

V.      Questão de direito

A.      Quanto à existência de um mandato do representante que interpôs o recurso em nome da recorrente

59      Nos termos do artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, os advogados devem, quando a parte que representam seja uma pessoa coletiva de direito privado, apresentar na Secretaria do Tribunal Geral um mandato outorgado pela referida parte.

60      Encontra‑se nos autos um mandato outorgado pelo presidente do conselho de administração da recorrente em 5 de março de 2019 (anexo A.2).

61      A recorrente alega que o administrador judicial recusou que o advogado por ela nomeado para a representar tivesse acesso aos seus documentos, às suas instalações, ao seu pessoal e aos seus recursos. Apresentou, no âmbito da sua resposta de 13 de março de 2020 a uma pergunta do Tribunal Geral, uma carta do administrador judicial de 16 de setembro de 2019 que referia que o seu advogado devia, em primeiro lugar, «submeter ao administrador [judicial] um relatório escrito sobre o estado do acordo [relativo à prestação de serviços jurídicos], indicando detalhadamente as instruções recebidas [da recorrente], as tarefas efetuadas pelo [advogado] e se existem efetivamente trabalhos em curso», em segundo lugar, «informar o administrador [judicial] sobre os pagamentos […]», em terceiro lugar, «abster‑se de qualquer atividade em nome [da recorrente] sem consultar previamente o administrador [judicial], em particular, deixar de prestar serviços faturáveis [à recorrente]».

62      Apesar da referida carta do administrador judicial de 16 de setembro de 2019, não resulta dos documentos dos autos e não é alegado pela recorrente nem pelo BCE que o administrador judicial tenha revogado o mandato outorgado pelo presidente do conselho de administração da recorrente em 5 de março de 2019. A referida carta não refere essa revogação, embora mencione que o advogado nomeado pelo presidente do conselho de administração deve abster‑se de qualquer atividade em nome da recorrente sem consultar previamente o administrador judicial.

63      Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que a recorrente apresentou um mandato que habilita o seu advogado a interpor um recurso, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

B.      Quanto aos pedidos de suspensão do processo apresentados em 28 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021

64      Em 28 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021, a recorrente requereu a suspensão do processo. Em apoio dos seus pedidos de suspensão, alegou que necessitava de aceder às suas instalações, aos seus processos e aos seus recursos financeiros e que o administrador judicial não cooperava no sentido de garantir a sua representação efetiva, em detrimento do Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923).

65      O Tribunal Geral, embora não esteja obrigado a expor os motivos pelos quais decide suspender ou não um processo, em aplicação do artigo 69.o, alíneas c) ou d), do Regulamento de Processo, considera útil, a título excecional, referir o seguinte.

66      A decisão de suspender ou não um processo com base no artigo 69.o, alíneas c) ou d), do Regulamento de Processo é da competência discricionária do Tribunal Geral (v., neste sentido, Despachos de 20 de outubro de 2011, DTL/IHMI, C‑67/11 P, não publicado, EU:C:2011:683, n.os 32 e 33; de 15 de outubro de 2012, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑554/11 P, não publicado, EU:C:2012:629, n.o 37, e de 17 de janeiro de 2018, Josel/EUIPO, C‑536/17 P, não publicado, EU:C:2018:14, n.o 5).

67      No caso em apreço, o processo foi suspenso em 28 de abril de 2020 até ser proferida decisão do Tribunal Geral no processo T‑50/20, no qual a recorrente tinha pedido a anulação da Decisão do BCE de 19 de novembro de 2019 que recusou ordenar ao administrador judicial da recorrente que concedesse ao advogado mandatado pelo seu conselho de administração o acesso às respetivas instalações, às informações em seu poder, bem como ao seu pessoal e aos seus recursos.

68      Por Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso da recorrente, tendo considerado, em particular, que o BCE era manifestamente incompetente para deferir o pedido do conselho de administração da recorrente com vista a ordenar que o administrador judicial da recorrente concedesse ao advogado mandatado pela mesma o acesso às respetivas instalações, às informações, ao pessoal e aos recursos da recorrente (n.o 73). O Tribunal Geral declarou igualmente que as decisões tomadas pelas autoridades nacionais no contexto do processo de insolvência, como o que está a correr termos contra a recorrente, em resposta a um eventual pedido de acesso aos documentos, às instalações, ao pessoal ou aos recursos da instituição de crédito em causa, estão, em princípio, sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, os quais podem, se for o caso, submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais ao abrigo do artigo 267.o TFUE no caso de se depararem com dificuldades na interpretação ou na aplicação do direito da União (n.o 72).

69      Importa igualmente referir que, apesar nomeadamente da suspensão do processo entre 28 de abril de 2020 e 12 de março de 2021, a recorrente não demonstrou nem alegou, incluindo no seu pedido de suspensão do processo de 28 de junho de 2021, ter instaurado um processo judicial contra o administrador judicial, o qual, porém, acusa, perante o Tribunal Geral, de impedir o advogado mandatado pelo seu conselho de administração de aceder às suas instalações, às suas informações, ao seu pessoal e aos seus recursos, desde finais de 2019.

70      Após ter feito prova de uma troca de correspondência e de mensagens de correio eletrónico com o administrador judicial que teve lugar em 12 e 16 de setembro de 2019, bem como durante o mês de novembro de 2019, a recorrente limitou‑se a alegar, no seu pedido de suspensão do processo apresentado na secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2021, que «reforçava os seus esforços» perante o administrador judicial e os órgãos jurisdicionais letões, sem fornecer quaisquer precisões sobre a natureza de tais esforços.

71      Além disso, não resulta da Decisão de 12 de setembro de 2019 do Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga), referida no n.o 41, supra, que a recorrente estivesse impedida de submeter aos órgãos jurisdicionais letões um eventual litígio contra o administrador judicial. Não só esta decisão menciona que a possibilidade de o conselho de administração da recorrente apresentar um pedido em separado ao administrador da insolvência no que respeita aos direitos de representação em missões específicas não está excluída, como o Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923), invocado pela recorrente para sustentar que o administrador judicial não coopera de forma satisfatória com vista a assegurar a sua representação efetiva, é posterior à referida decisão, de modo que a recorrente podia a priori invocar o referido acórdão como elemento novo ao órgão jurisdicional nacional.

72      Por conseguinte, o Tribunal Geral não considera necessário suspender novamente o processo.

C.      Quanto à fase oral do processo

73      Nos termos do artigo 106.o do Regulamento de Processo:

«O processo no Tribunal comporta, na sua fase oral, uma audiência de alegações organizada oficiosamente ou a pedido de uma parte principal.

2. O pedido de audiência de alegações de uma parte principal deve indicar os motivos pelos quais esta pretende ser ouvida. […]

3. Na falta do pedido referido no n.o 2, o Tribunal pode, caso se considere suficientemente esclarecido pelas peças dos autos do processo, decidir julgar o recurso sem fase oral. […]»

74      Resulta, assim, da redação do artigo 106.o do Regulamento de Processo que, na falta de um pedido de audiência de alegações que indique os motivos pelos quais uma parte principal pretende ser ouvida, o Tribunal Geral pode, se se considerar suficientemente esclarecido, decidir julgar o recurso sem fase oral.

75      A exposição de motivos do projeto de regulamento de processo de 14 de março de 2014, acessível ao público na página Internet do Tribunal de Justiça da União Europeia, confirma aliás que, tendo em conta, em particular, as exigências da boa administração da justiça e da economia do processo, «o Tribunal Geral considera poder dispensar a organização de uma audiência se não a considerar necessária, a menos que uma das partes principais apresente um pedido indicando os motivos pelos quais pretende ser ouvida».

76      As Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo (a seguir «DPE») dispõem, no n.o 142, que a parte principal que pretenda ser ouvida numa audiência de alegações deve apresentar um pedido fundamentado nesse sentido, no prazo de três semanas a contar da notificação às partes do encerramento da fase escrita do processo, especificando que essa fundamentação deve resultar de uma apreciação concreta da utilidade de uma audiência de alegações para a parte em causa e indicar os elementos dos autos do processo «ou» da argumentação que essa parte considere necessário desenvolver «ou» refutar mais amplamente numa audiência de alegações. Indica ainda que para uma melhor orientação dos debates na audiência, é «desejável» que a fundamentação não tenha caráter geral, limitando‑se, por exemplo, a fazer referência à importância do processo. O n.o 143 das DPE prevê que se uma parte principal não apresentar um pedido fundamentado no prazo fixado, o Tribunal Geral pode decidir conhecer do recurso sem fase oral.

77      Resulta, assim, do artigo 106.o do Regulamento de Processo, bem como dos n.os 142 e 143 das DPE que na falta de um pedido de audiência de alegações ou perante um pedido de audiência de alegações sem fundamentação, o Tribunal Geral pode decidir conhecer do recurso sem fase oral do processo, se se considerar suficientemente esclarecido pelas peças processuais.

78      No presente caso, a recorrente, por carta de 29 de novembro de 2021, tomou posição sobre a realização de uma audiência, nos seguintes termos:

«1. Confirmo que, pelas razões já explicadas em detalhe, não existe atualmente uma representação efetiva [da recorrente]. Com o único objetivo de cumprir o prazo aplicável, venho por este meio solicitar uma audiência. No entanto, seria necessário que a representação efetiva [da recorrente] fosse previamente restabelecida.

2. Não é possível preparar nem assistir a uma audiência nas presentes circunstâncias.»

79      Resulta da referida carta de 29 de novembro de 2021 que o pedido de audiência apresentado pela recorrente não contém qualquer fundamentação. Este pedido não indica, com efeito, nenhum motivo pelo qual a recorrente pretende ser ouvida.

80      Além disso, na sua carta de 25 de outubro de 2021, na qual informa as partes principais do encerramento da fase escrita do processo, o secretário do Tribunal Geral recordou as disposições do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, bem como as do n.o 142 das DPE e chamou a atenção das partes para o facto de, no contexto da crise sanitária, a fundamentação ter de respeitar as exigências do referido número das DPE.

81      É certo que a recorrente alegou, no seu pedido de audiência, que se considerava privada de representação efetiva.

82      Ainda que se entenda que, deste modo, a recorrente tenta justificar implicitamente a falta de fundamentação do seu pedido de audiência, o que, no entanto, não resulta do referido pedido, há que considerar que a sua argumentação relativa à falta de representação efetiva não pode ser considerada uma justificação da falta de fundamentação deste pedido. Em particular, a circunstância de a recorrente estar privada de representação efetiva, no sentido que expõe, em nada a impedia de apresentar elementos circunstanciados em apoio de um pedido de audiência.

83      Por conseguinte, uma vez que a recorrente não apresentou qualquer fundamentação no seu pedido de audiência e tendo, além disso, sido expressamente recordada pelo secretário do Tribunal Geral da sua obrigação de fundamentar tal pedido, há que considerar que o referido pedido de audiência não respeita o artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

84      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelas peças processuais, decide conhecer do recurso sem fase oral do processo, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

D.      Quanto ao mérito

85      Na petição, a recorrente pede a anulação da Decisão do BCE «de 14 de fevereiro de 2019» de realizar uma inspeção no local nas suas instalações e das sociedades do seu grupo. A recorrente refere que a carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral remete para a Decisão do Conselho de Supervisão Prudencial de 10 de janeiro de 2019, mas que esta última decisão não lhe foi transmitida. A recorrente precisa que pede a anulação da decisão de realizar a inspeção no local que lhe foi notificada pelo BCE por carta de 14 de fevereiro de 2019, «independentemente da data da adoção interna desta decisão no âmbito do BCE».

86      Resulta da referida carta de 14 de fevereiro de 2019, do articulado de defesa e da resposta do BCE à medida de organização do processo de 19 de dezembro de 2019 que o projeto de decisão de realizar uma inspeção no local nas instalações da recorrente, aprovado pelo Conselho de Supervisão Prudencial em 10 de janeiro de 2019, foi considerado adotado pelo Conselho do BCE em 21 de janeiro de 2019, no contexto do procedimento de não objeção referido no artigo 26.o, n.o 8, do Regulamento n.o 1024/2013.

87      Há que considerar que o projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE em 21 de janeiro de 2019, cujos principais motivos foram recordados nos n.os 23 a 27, supra, constitui formalmente a decisão de proceder a uma inspeção no local nas instalações da recorrente aprovada pelo Conselho do BCE, sendo de notar que a recorrente só teve acesso a este documento, numa versão em que determinadas informações eram omitidas, na sequência de uma medida de organização do processo adotada pelo Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2019.

88      A decisão de proceder a uma inspeção no local, tendo em conta as exigências de confidencialidade aplicáveis às deliberações do Conselho do BCE, foi notificada à recorrente pela carta do diretor‑geral de 14 de fevereiro de 2019, com o seu conteúdo essencial, resumido nos n.os 28 a 30, supra.

89      Consequentemente, deve considerar‑se que o recurso visa a anulação da decisão de proceder a uma inspeção no local adotada pelo BCE em 21 de janeiro de 2019 e cujo conteúdo essencial foi notificado por carta de 14 de fevereiro de 2019.

E.      Quanto à exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão, relativa ao facto de uma decisão de realizar uma inspeção no local não alterar a situação jurídica da pessoa objeto da investigação

90      A Comissão sustenta que as inspeções realizadas no quadro da supervisão das instituições de crédito constituem um meio pelo qual uma autoridade competente assegura uma supervisão contínua, ou seja, recolhe elementos factuais com base nos quais poderá subsequentemente adotar medidas através de uma decisão, a qual será certamente um ato que produz efeitos jurídicos sobre a pessoa inspecionada. A medida de inspeção não põe termo a nenhum procedimento nem estabelece a posição a adotar pela autoridade responsável pela investigação. Trata‑se de uma fase de um procedimento que eventualmente contém várias fases, a qual poderá ser contestada mediante um recurso contra a decisão final. A própria decisão de inspeção ainda não altera, enquanto tal, a situação jurídica da pessoa sob investigação. Em consequência, o recurso deve ser julgado inadmissível.

91      A recorrente, pelo contrário, defende que a decisão recorrida constitui um ato recorrível na aceção do artigo 263.o TFUE.

92      Quanto à legitimidade da Comissão para arguir a inadmissibilidade, importa salientar que, nos termos do artigo 142.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a intervenção não pode ter outro objeto que não seja o de apoiar, total ou parcialmente, as conclusões de uma das partes principais. Além disso, nos termos do artigo 142.o, n.o 3, deste regulamento, o interveniente aceita o litígio no estado em que o mesmo se encontra no momento da sua intervenção.

93      Resulta destas disposições que uma parte que tenha sido admitida a intervir num litígio em apoio da parte demandada não tem legitimidade para suscitar uma exceção de inadmissibilidade que não tenha sido formulada nas alegações desta última (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 67 e jurisprudência referida).

94      Por conseguinte, a Comissão não tem legitimidade para arguir a inadmissibilidade, pelo que o Tribunal Geral não está obrigado a pronunciar‑se expressamente quanto ao mérito.

95      No entanto, considerando que, em conformidade com o artigo 129.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode, a todo o tempo e oficiosamente, ouvidas as partes principais, apreciar os fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública, no caso em apreço, por razões de boa administração da justiça, há que examinar os referidos fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, EU:C:1993:111, n.o 23, e de 19 de setembro de 2018, HH Ferries e o./Comissão, T‑68/15, EU:T:2018:563, n.o 41 (não publicado)].

96      Quando o recurso de anulação contra um ato adotado por uma instituição for interposto por uma pessoa singular ou coletiva, este só terá início se os efeitos jurídicos vinculativos desse ato forem de molde a afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., nomeadamente, Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9, e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 37).

97      Não resulta de nenhuma disposição ou princípio de que qualquer inspeção no local nas instalações de uma empresa, independentemente da sua natureza, deva ser objeto de uma decisão administrativa suscetível de controlo jurisdicional nem, por maioria de razão, de uma autorização por uma autoridade judicial.

98      Com efeito, se, «em determinadas circunstâncias», os direitos garantidos pelo artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), relativo à vida privada e familiar, podem ser interpretados como incluindo o direito de uma sociedade ao respeito pela sua sede, pela sua sucursal ou pelas suas instalações profissionais (v., neste sentido, TEDH, 16 de abril de 2002, Société Colas Est e o. c. França, CE:ECHR:2002:0416JUD003797197, § 41), os objetivos de interesse geral, tais como a segurança, a saúde, a proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores ou do público presentes nas instalações da referida sociedade, a ordem pública económica ou ainda a boa utilização dos fundos públicos, são suscetíveis de justificar a implementação de inspeções previstas pelo legislador. A este respeito, o legislador tem uma margem de apreciação mais ampla quando a medida visa pessoas coletivas e não os particulares (v., neste sentido, TEDH, 2 de outubro de 2014, Delta Pekárny a.s. c. República Checa, CE:ECHR:2014:1002JUD000009711, § 82).

99      Quando o legislador prevê que a administração deve realizar inspeções nas instalações de uma empresa, é à mesma que cabe definir, tendo em conta, nomeadamente, o objetivo prosseguido bem como a natureza da atividade e das instalações em causa, os poderes conferidos aos agentes responsáveis pela inspeção, bem como as garantias relacionadas com tais poderes, nomeadamente, jurisdicionais, pelo que a eventual ingerência no direito de uma sociedade ao respeito pelas suas instalações, causada pela inspeção, deve ser necessária e proporcionada.

100    Embora algumas inspeções, tal como as inspeções em matéria de concorrência previstas no artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), exijam a adoção de uma decisão sujeita a controlo jurisdicional, o mesmo não sucede com outros tipos de inspeções, em particular, quando a administração não dispõe de poderes para proceder à execução forçada da inspeção, mesmo quando a inspeção é obrigatória e a empresa é suscetível de ser objeto de sanções administrativas ou penais se se opuser à inspeção.

101    A título de exemplo, as inspeções em matéria de concorrência previstas no artigo 20.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, os controlos previstos pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 809/2014 da Comissão, de 17 de julho de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito ao sistema integrado de gestão e de controlo, às medidas de desenvolvimento rural e à condicionalidade (JO 2014, L 227, p. 69) e as verificações no local realizadas nos Estados‑Membros nos termos do artigo 12.o da Convenção n.o 81 da Organização Internacional do Trabalho de 11 de julho de 1947 relativa à inspeção do trabalho, não exigem a adoção de uma decisão administrativa suscetível de controlo jurisdicional.

102    No entanto, no presente caso, ao adotar o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1024/2013, o legislador da União decidiu, tal como lhe era permitido, que as inspeções às pessoas coletivas referidas no artigo 10.o, n.o 1, deste regulamento, em particular às instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes, deviam ser realizadas pelo BCE com base numa decisão.

103    A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 288.o TFUE, a decisão é obrigatória em todos os seus elementos.

104    Assim, ao prever que uma pessoa coletiva está sujeita à inspeção prevista no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 com base numa decisão, o legislador da União atribuiu efeitos jurídicos obrigatórios ao ato que prevê essa inspeção.

105    Além disso, o artigo 143.o, n.o 2, do Regulamento n.o 468/2014 indica as informações mínimas que a decisão de inspeção deve conter, nomeadamente, o objeto e a finalidade da inspeção no local e o facto de qualquer obstrução à investigação por parte da pessoa coletiva sob averiguação constituir uma infração a uma decisão do BCE na aceção da legislação da União Europeia, sem prejuízo da legislação nacional aplicável. O artigo 145.o, n.o 1, deste regulamento especifica que esta decisão é notificada à pessoa sujeita a uma inspeção no local.

106    Nestas circunstâncias, uma decisão de inspeção no local adotada com fundamento no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 produz efeitos jurídicos obrigatórios para a instituição de crédito à qual a mesma é notificada, sujeitando esta última a uma inspeção cujo objeto e finalidade são definidos pela mesma.

107    É certo que importa sublinhar que, diferentemente do disposto no artigo 21.o do Regulamento n.o 1/2003, relativo à «[i]nspeção de outras instalações», prevista para a execução das regras de concorrência, o artigo 12.o, do Regulamento n.o 1024/2013 prevê que as inspeções no local devem ser realizadas «nas instalações das pessoas coletivas» em causa e não «noutras instalações, terrenos ou meios de transporte, incluindo o domicílio dos dirigentes, dos administradores e de outros colaboradores das empresas ou associações de empresas em causa». Desta perspetiva, as inspeções no local a instituições de crédito não são suscetíveis de violar o direito ao respeito pela vida privada do mesmo modo que as inspeções a outras instalações previstas para a execução das regras de concorrência.

108    Também é certo que, embora uma decisão do BCE adotada com fundamento no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 produza efeitos jurídicos obrigatórios em relação à instituição de crédito à qual é notificada, a possibilidade de recorrer a medidas coercivas para executar esta decisão está sujeita, conforme previsto no artigo 13.o deste regulamento, à autorização de uma autoridade judicial nacional.

109    Importa sublinhar que também é certo que, diferentemente do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, o artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 não menciona a existência de um recurso perante o juiz da União contra uma decisão de inspeção no local do BCE. Só as disposições do artigo 13.o deste regulamento, relativas à autorização por uma autoridade judicial nacional, preveem que o controlo da legalidade da decisão de inspeção do BCE é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia.

110    Contudo, resulta necessariamente do disposto no artigo 13.o do Regulamento n.o 1024/2013 que, pelo menos quando o BCE solicite uma autorização de uma autoridade judicial depois de ter adotado uma decisão de inspeção no local, esta última decisão é suscetível de recurso para o Tribunal Geral.

111    Além disso, dado que o legislador da União decidiu, contrariamente ao mecanismo previsto no artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003, conferir o estatuto de decisões a todos os atos que permitam ao BCE realizar inspeções no local às instituições de crédito, não é necessário distinguir o regime de controlo judicial desses atos consoante o BCE apresente ou não um pedido de autorização de uma autoridade judicial. Com efeito, por um lado, a possibilidade de recurso para o Tribunal Geral contra um ato de uma instituição não depende da existência de uma menção expressa nesse sentido na legislação. Por outro lado, uma solução contrária seria suscetível de violar o princípio da segurança jurídica, sendo certo que a possibilidade de interpor um recurso no Tribunal Geral contra uma decisão de inspeção no local do BCE dependeria então da escolha dessa instituição de solicitar ou não, após a adoção dessa decisão, a autorização de uma autoridade judicial nacional prevista no artigo 13.o do Regulamento n.o 1024/2013.

112    Por último, é certo que, conforme recorda a Comissão, as medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final não constituem, em princípio, atos que possam ser objeto de recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 10).

113    Todavia, os atos intermédios em causa são, em primeiro lugar, atos que exprimem uma opinião provisória da instituição (v. Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 50 e jurisprudência referida), o que não é o caso das decisões de inspeção do BCE.

114    Por outro lado, um recurso de anulação da decisão pela qual o BCE decide proceder a uma inspeção no local nas instalações de uma instituição de crédito não acarreta risco de confusão das diferentes fases do procedimento administrativo e do processo judicial. Com efeito, tal recurso não deverá conduzir o Tribunal Geral a pronunciar‑se sobre a existência de uma infração às regras relativas à supervisão prudencial cometida pela empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 20).

115    Consequentemente, tendo em conta que o legislador decidiu, no quadro da sua margem de apreciação, qualificar de decisões os atos adotados com fundamento no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013, independentemente da existência de uma autorização apresentada por uma autoridade judicial nacional e mencionar a existência de um controlo da legalidade pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no artigo 13.o deste regulamento, as decisões de inspeção no local do BCE não podem ser consideradas medidas intermédias não sujeitas a recurso judicial.

116    Resulta do acima exposto que uma decisão de inspeção no local adotada com fundamento no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013, tal como a decisão recorrida, é suscetível de afetar os interesses da pessoa coletiva à qual é notificada, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica, pelo que pode ser objeto de um recurso de anulação interposto pela referida pessoa perante o Tribunal Geral com base no artigo 263.o TFUE, o que, aliás, as partes principais não contestam.

117    Por conseguinte, o recurso é admissível.

F.      Quanto ao mérito

118    A recorrente invoca dez fundamentos no quadro do presente recurso: o primeiro fundamento, relativo à falta de competência do BCE para adotar a decisão recorrida; o segundo fundamento, relativo à violação do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que a decisão recorrida não era necessária na aceção desta disposição; o terceiro fundamento, relativo à violação da mesma disposição, na medida em que o BCE não exerceu devidamente o seu poder discricionário; o quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade; o quinto fundamento, relativo à violação do direito da recorrente a ser ouvida; o sexto fundamento, relativo à violação do dever do BCE de examinar com cuidado e imparcialidade todos os aspetos relevantes do caso concreto; o sétimo fundamento, relativo à falta de fundamentação; o oitavo fundamento, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica; o nono fundamento, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação; o décimo fundamento, relativo à violação do artigo 19.o e do considerando 75, do Regulamento n.o 1024/2013 bem como a um desvio de poder.

119    Importa analisar os fundamentos relativos à legalidade formal da decisão recorrida antes dos fundamentos relativos ao seu mérito.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do BCE

120    A recorrente alega que o BCE não era a autoridade de supervisão competente na data da decisão recorrida. Nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE só podia realizar inspeções no local a instituições de crédito significativas. Por força do artigo 6.o, n.o 5, deste regulamento, uma instituição de crédito menos significativa está sujeita à supervisão direta da autoridade nacional competente, a menos que o BCE decida assumir a sua supervisão direta, considerando que a instituição de crédito é significativa.

121    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

122    Resulta da redação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013 que o BCE tem competência exclusiva para exercer as atribuições enumeradas nesta disposição relativamente à «totalidade» das instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes, sem distinguir entre instituições significativas e instituições menos significativas (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.os 37 e 38).

123    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE exerce as suas atribuições no âmbito do MUS, composto por ele próprio e pelas autoridades nacionais competentes, sendo responsável pelo funcionamento eficaz e coerente do MUS (Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 39).

124    As autoridades nacionais competentes assistem o BCE no cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo Regulamento n.o 1024/2013, através do exercício descentralizado de algumas destas funções relativamente às instituições de crédito menos significativas (Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 41).

125    O artigo 6.o, n.o 5, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013 dispõe que no que respeita às instituições a que se refere o n.o 4 do mesmo artigo, ou seja, às instituições de crédito menos significativas, o BCE pode, a qualquer momento, exercer os poderes previstos nos artigos 10.o a 13.o, a saber, apresentar pedidos de informação, proceder a investigações gerais e a inspeções no local.

126    A circunstância de, em conformidade com o disposto no artigo 6.o, n.o 6, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013, as autoridades nacionais competentes realizarem, de forma descentralizada e sob o controlo do BCE, determinadas atribuições definidas no artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, em relação a instituições de crédito menos significativas, não afeta a competência do BCE para exercer os seus poderes de investigação em relação àquelas instituições, uma vez que estas disposições aplicam‑se, segundo os seus próprios termos, «sem prejuízo» do n.o 5 do artigo 6.o do referido regulamento, cujas disposições pertinentes para o presente caso foram enunciadas no n.o 125, supra. Do mesmo modo, nos termos do artigo 6.o, n.o 6, segundo parágrafo, os poderes de que dispõem as autoridades nacionais competentes para proceder, em conformidade com o seu direito nacional, a inspeções no local nas referidas instituições mantêm‑se, igualmente, «sem prejuízo» dos artigos 10.o a 13.o do regulamento em causa, relativos aos poderes de investigação do BCE.

127    A competência do BCE para proceder a inspeções no local nas instituições de crédito menos significativas é corroborada pelo artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013. Com efeito, este artigo prevê que o BCE pode proceder a inspeções no local nas instalações das pessoas coletivas referidas no artigo 10.o, n.o 1, deste regulamento, cuja alínea a) refere as instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes, sem distinguir entre instituições significativas e instituições menos significativos.

128    A circunstância, invocada pela recorrente, de o artigo 12.o do Regulamento 1024/2013 prever que o BCE pode realizar inspeções no local em quaisquer outras empresas abrangidas pela supervisão em base consolidada nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea g), deste regulamento, não altera esta conclusão, uma vez que o referido artigo 12.o se limita a acrescentar às pessoas coletivas referidas no artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento, outras empresas às quais o BCE pode proceder a uma inspeção no local.

129    O artigo 6.o, n.o 5, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que confere poderes ao BCE para proceder a uma inspeção no local a uma instituição de crédito menos significativa, é igualmente coerente com o considerando 16 deste regulamento, segundo o qual as atribuições de supervisão conferidas ao BCE deverão abranger a «totalidade» das instituições de crédito, bem como com o considerando 47 do mesmo regulamento, segundo o qual para exercer de modo eficaz as suas atribuições, o BCE deverá estar apto a realizar inspeções no local, «sempre que adequado» em cooperação com as autoridades nacionais competentes.

130    Por conseguinte, resulta das disposições do Regulamento n.o 1024/2013 acima recordadas que o BCE tem competência para exercer, em relação a uma instituição de crédito menos significativa, os poderes de investigação previstos nos artigos 10.o a 13.o do referido regulamento, nomeadamente, o poder de proceder a uma inspeção no local.

131    Além disso, a possibilidade de o BCE proceder a inspeções no local em instituições de crédito menos significativas é expressamente recordada no artigo 138.o, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014.

132    Por outro lado, a competência do BCE para proceder a inspeções no local em instituições de crédito menos significativas não é infirmada por determinadas publicações desta instituição, tais como o guia sobre supervisão bancária publicado em novembro de 2014, o guia relativo às inspeções no local e às investigações aos modelos internos publicado em setembro de 2018 ou a consulta pública conduzida pelo BCE previamente à adoção deste último guia. A este respeito, basta notar que estas publicações, que não são vinculativas, tal como aliás é recordado por cada uma delas, não podem de modo algum limitar as competências atribuídas ao BCE pelo legislador da União. Acresce que nenhuma destas publicações exclui a possibilidade de o BCE realizar inspeções no local às instituições de crédito menos significativas. Pelo contrário, o guia sobre supervisão bancária (n.o 75) e o documento intitulado «Supervisão das entidades menos significativas no âmbito do MUS», publicado em novembro de 2017 (pp. 3 e 10) fazem referência a esta possibilidade.

133    Os outros argumentos da recorrente devem ser rejeitados.

134    Em primeiro lugar, a recorrente não pode, para demonstrar que a competência do BCE para realizar inspeções no local em instituições de crédito menos significativas constitui uma «anomalia» no âmbito do MUS, alegar que o BCE não pode impor obrigações às entidades em causa para solucionar as lacunas identificadas durante as inspeções.

135    Com efeito, a competência conferida pelo legislador da União ao BCE para proceder a inspeções no local em instituições de crédito menos significativas é coerente com a criação do MUS, composto por ele próprio e pelas autoridades nacionais competentes, e com o controlo exercido pelo BCE sobre a execução pelas autoridades nacionais competentes, relativamente às instituições de crédito menos significativas, de determinadas atribuições previstas no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013 que decorrem da sua competência exclusiva, mas cuja execução descentralizada é permitida pelo artigo 6.o deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 49).

136    Em conformidade com o disposto no artigo 6.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1024/2013, para além de ter a possibilidade de, a todo o tempo, apresentar pedidos de informações, realizar investigações gerais ou inspeções no local em instituições de crédito menos significativas, o BCE dispõe ainda de diversas prerrogativas relativas à supervisão prudencial destas instituições, tais como, por exemplo a de numa base ad hoc ou de forma contínua, solicitar informações às autoridades nacionais competentes sobre o exercício das atribuições por elas exercidas, ou ainda, quando necessário para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, a de decidir exercer diretamente todos os poderes relevantes em relação a uma ou mais das instituições de crédito menos significativas. O artigo 6.o, n.o 6, deste regulamento prevê ainda que se as autoridades nacionais competentes mantiverem os poderes, de acordo com a legislação nacional, para obter informações e para realizar inspeções no local a tais instituições de crédito menos significativas, deverão informar o BCE das medidas tomadas e coordenar estreitamente essas medidas com o BCE.

137    Em segundo lugar, a afirmação da recorrente de que o BCE se apercebeu que não tinha competência para adotar a decisão recorrida e, em parte por este motivo, decidiu, mediante uma decisão notificada por carta de 1 de março de 2019, classificar a recorrente como entidade significativa, é desprovida de fundamento. Com efeito, não existe nenhuma disposição ou princípio que proíba o BCE de proceder a uma inspeção no local a uma entidade menos significativa e de a classificar, simultânea ou posteriormente, como entidade significativa. Além disso, a alegação da recorrente de que o BCE se apercebeu de que não tinha competência é contrariada pela decisão recorrida, a qual faz referência, em duas ocasiões, ao facto de o BCE ter competência para adotar uma decisão de inspeção em relação a uma instituição de crédito menos significativa (v. páginas 1 e 4 desta decisão).

138    O primeiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao sétimo fundamento, relativo à falta de fundamentação

139    A recorrente alega que o BCE não cumpriu a sua obrigação de fundamentação, uma vez que a carta de 14 de fevereiro de 2019 não expõe de todo as razões pelas quais o BCE decidiu realizar uma inspeção no local.

140    O BCE alega que o fundamento deve ser julgado improcedente.

141    A fundamentação exigida, nomeadamente, pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e mostrar, de maneira clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de modo que permita aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 85 e jurisprudência referida).

142    A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas por este direta e individualmente afetadas possam ter em receber explicações. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 87 e jurisprudência referida).

143    A obrigação de fundamentar os atos das instituições da União, prevista no artigo 296.o TFUE, é uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, uma vez que este tem a ver com a legalidade substancial do ato controvertido (v. Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 181 e jurisprudência referida).

144    No que respeita às decisões de inspeção adotadas nos termos do artigo 12.o, do Regulamento n.o 1024/2013, o artigo 143.o, n.o 2, do Regulamento n.o 468/2014 dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 142.o [do Regulamento n.o 468/2014] e nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 1024/2013], as inspeções no local são realizadas com base numa decisão do BCE, que deve especificar, pelo menos:

a)      o objeto e a finalidade da inspeção no local; e; 

b)      o facto de qualquer obstrução à investigação por parte da pessoa coletiva sob averiguação constituir uma infração a uma decisão do BCE na aceção do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento [n.o 1024/2013], sem prejuízo da legislação nacional conforme estabelecido no artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1024/2013].»

145    No caso em apreço, a carta de 14 de fevereiro de 2019 que notifica a decisão recorrida à recorrente refere que irá ser realizada uma inspeção, nos termos do artigo 12.o, do Regulamento n.o 1024/2013 e dos artigos 143.o a 146.o, do Regulamento n.o 468/2014, em conformidade com uma decisão do Conselho de Supervisão de 10 de janeiro de 2019. A carta refere que esta inspeção tem por objetivo o risco de crédito e precisa que diz respeito à recorrente e às sociedades do grupo. Menciona que esta inspeção estava prevista para março de 2019 e que o chefe de missão da inspeção iria contactar a recorrente para organizar uma primeira reunião.

146    Importa referir que, na medida em que esta carta de 14 de fevereiro de 2019 menciona que a inspeção no local tem por objetivo o risco de crédito, a mesma indica de forma sumária mas suficientemente clara, em conformidade com o artigo 143.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 468/2014, tanto o objeto da inspeção, a saber o risco de crédito, como o seu objetivo, a saber a análise deste risco pelo BCE. A este respeito, o BCE não tinha a obrigação de mencionar nesta carta a existência de uma suspeita de infração a qual, aliás, a recorrente não invoca (v. n.os 188 e 226, infra).

147    O conceito de risco de crédito é um conceito fundamental da atividade bancária, desprovido de ambiguidade e que corresponde, no essencial, ao risco de um devedor não reembolsar o seu crédito. Este conceito é mencionado no artigo 1.o do Regulamento n.o 575/2013, no artigo 79.o da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), e, além disso, é objeto do princípio 17 dos Princípios Fundamentais para um Controlo Eficaz, elaborados pelo Comité de Basileia para o controlo bancário, publicados em setembro de 2012 (a seguir «Princípios fundamentais para um controlo bancário eficaz»), que não têm caráter obrigatório, mas constituem, segundo os seus próprios termos, «normas mínimas de facto em matéria de regulamentação e de controlo prudenciais dos bancos e dos sistemas bancários».

148    Importa igualmente assinalar que, durante a reunião ocorrida em 5 de março de 2019, ou seja, alguns dias antes do início da inspeção, o chefe de missão da inspeção prestou esclarecimentos sobre a inspeção em causa, com a ajuda de um documento entregue à recorrente. Em particular, precisou o âmbito da missão, intitulado «risco [de] crédito e governação», detalhando o conteúdo da inspeção no que diz respeito à classificação e às provisões, ao registo do inventário (ativos penhorados vendidos), à valorização das garantias e dos fundos (ativos detidos com vista à venda), à qualidade dos dados, à governação e ao modelo de negócios (v. p. 2 deste documento).

149    Além disso, a decisão recorrida foi adotada num contexto conhecido da recorrente. Esta última esteve em contacto regular com a CMFC, a qual seguia atentamente os riscos aos quais a recorrente estava exposta em matéria de crédito há vários anos e tinha adotado, a respeito da mesma, tal como indicado nos n.os 9 e 12, supra, decisões de supervisão prudencial relativas, nomeadamente, a estes riscos, em 2016 e em 2017. A recorrente estava em contacto direto com o BCE, sendo certo que lhe escreveu em 5 de julho e em 12 de setembro de 2018 a solicitar‑lhe que interviesse ao nível da supervisão prudencial e que a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE lhe respondeu, por carta de 8 de outubro de 2018, que partilhava da opinião da CMFC segundo a qual a sua situação necessitava de uma supervisão prudencial específica. A recorrente conhecia todos os aspetos do processo arbitral que tinha instaurado. Por último, a recorrente tinha sido informada do processo tendente à assunção pelo BCE da sua supervisão prudencial direta, uma vez que o respetivo projeto de decisão lhe tinha sido comunicado por carta do BCE de 11 de fevereiro de 2019.

150    Consequentemente, mesmo que a recorrente não dispusesse, à data da interposição do seu recurso, do projeto de decisão considerado adotado pelo Conselho do BCE, o qual era confidencial nos termos do artigo 10.o, n.o 4, do Protocolo n.o 4 dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu [v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BCE/Espírito Santo Financial (Portugal), C‑442/18 P, EU:C:2019:1117, n.os 43 a 46], a mesma tinha conhecimento suficiente dos fundamentos da decisão recorrida para efeitos de apreciação do seu mérito.

151    Além disso, importa notar que a recorrente recebeu uma versão não confidencial do projeto de decisão considerada adotada pelo Conselho do BCE na sequência de uma medida de organização do processo adotada pelo Tribunal Geral. Este projeto, cujos principais fundamentos foram expostos nos n.os 23 a 27, supra, recorda o historial recente de supervisão da recorrente e menciona que as deficiências e as infrações às disposições aplicáveis, que expõe em detalhe, foram identificadas nos anos anteriores e não foram objeto de medidas adequadas por parte da recorrente. Mais menciona que a recomendação do CIRDI impede a CMFC de executar a totalidade das medidas de supervisão em relação à recorrente, que o BCE se prepara para assumir a supervisão prudencial da recorrente e que uma inspeção no local permitirá ao BCE conduzir a sua própria análise à situação da recorrente. Acrescenta ainda que, paralelamente à assunção prevista da supervisão direta da recorrente, o BCE estará então em situação de adotar as medidas de supervisão necessárias para garantir que a recorrente cumpre os requisitos prudenciais.

152    Assim, a referida comunicação permitiu à recorrente obter precisões sobre os fundamentos da decisão recorrida, relativamente aos quais lhe foi dada oportunidade de apresentar observações na fase da réplica.

153    Por conseguinte, o sétimo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito da recorrente a ser ouvida

154    A recorrente alega que o BCE infringiu o seu direito a ser ouvida ao não lhe dar a oportunidade de se pronunciar sobre a planeada inspeção no local antes da adoção da decisão recorrida.

155    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

156    A título preliminar, o Tribunal Geral constata que, em apoio do fundamento relativo à violação do direito a ser ouvida, a recorrente apenas afirma sumariamente que não foi colocada em situação de se pronunciar sobre a planeada inspeção no local antes da adoção da decisão recorrida.

157    Nos termos do artigo 41, n.o 2, da Carta, o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

158    No caso em apreço, nenhuma disposição do Regulamento n.o 1024/2013 ou do Regulamento n.o 468/2014 prevê que uma decisão de inspeção a uma instituição de crédito deva ser precedida da possibilidade de essa instituição ser ouvida. No entanto, esta circunstância não é, em si mesma, suscetível de isentar o BCE da sua obrigação de ouvir a entidade destinatária de uma decisão de inspeção previamente à adoção da mesma. Com efeito, o direito a ser ouvido, direito fundamental garantido pela Carta, impõe‑se ao BCE sem que outro texto tenha de o prever expressamente.

159    Contudo, em primeiro lugar, embora o artigo 22.o do Regulamento n.o 1024/2013, com a epígrafe «Respeito das garantias processuais na adoção de decisões de supervisão» preveja, no seu n.o 1, que o BCE dá às pessoas que são objeto de decisões de supervisão em conformidade com o artigo 4.o e com a secção 2 do capítulo III, intitulado «Poderes específicos de supervisão» a possibilidade de ser ouvidas, este artigo 22.o não visa as medidas adotadas em conformidade com as disposições da secção 1 do referido capítulo, com a epígrafe «Poderes de investigação».

160    Além disso, o artigo 145.o do Regulamento n.o 468/2014, intitulado «Procedimento e notificação de uma inspeção no local» prevê, no seu n.o 1, primeiro período, que o BCE notificará a pessoa coletiva sujeita a uma inspeção no local da decisão do BCE e da identidade dos membros da equipa de inspeção no local com a antecedência mínima de cinco dias úteis em relação à data de início dessa inspeção, mas não refere que a pessoa afetada tem o direito a ser ouvida.

161    Sobretudo, o artigo 31.o do Regulamento n.o 468/2014, com a epígrafe «Direito de audiência», prevê expressamente, no último período do seu n.o 1, que a secção 1 do capítulo III do Regulamento n.o 1024/2013 não está sujeita ao disposto no referido artigo.

162    Por conseguinte, a legislação aplicável prevê que as pessoas coletivas que são objeto de uma das medidas de inquérito referidas na secção 1 do capítulo III do Regulamento n.o 1024/2013, entre as quais a inspeção no local, não beneficiam do direito a serem ouvidas previamente à adoção da mesma medida.

163    Ao prever que as pessoas em causa não são ouvidas antes da adoção de uma medida de inquérito, a legislação aplicável é coerente com a natureza dessa medida, que tem como único objetivo recolher informações (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, EU:C:1980:169, n.o 21, e Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Italmobiliare/Comissão, C‑268/14 P, não publicadas, EU:C:2015:697, n.o 119).

164    Além disso, resulta do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013 que as decisões mediante as quais o BCE decide, eventualmente, impor medidas prudenciais à luz das informações recolhidas durante um inquérito devem ser objeto de um processo que inclua o direito das pessoas em causa a serem ouvidas.

165    Importa ainda recordar que o facto de um procedimento de inspeção se prolongar durante vários meses, implicar averiguações no local e a audição da empresa em causa, cujas declarações são consignadas no dossiê do procedimento, permite presumir que a empresa interessada foi ouvida, com perfeito conhecimento de causa, durante a inspeção (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.os 45 e 46).

166    O Tribunal Geral constata que, no caso em apreço, segundo a apresentação realizada pelo chefe de missão da inspeção em 5 de março de 2019, deviam ter sido programados vários encontros entre os membros da equipa de inspeção e os responsáveis da recorrente sobre os temas relevantes (v. p. 5 desta apresentação). Resulta igualmente desta apresentação que estavam previstos o envio de um projeto de relatório de inspeção e uma reunião «de saída» antes do envio do relatório final e da reunião «de encerramento» (v. p. 7 desta apresentação).

167    Resulta do acima exposto que uma decisão do BCE de proceder a uma inspeção no local a uma instituição de crédito nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013, não está sujeita ao direito da entidade interessada de ser ouvida antes da adoção da referida decisão.

168    É posteriormente à decisão de proceder a uma inspeção no local e antes da adoção eventual de uma decisão de aplicação do artigo 4.o e da secção 2 do capítulo III do Regulamento n.o 1024/2013 que o BCE deve dar às pessoas interessadas a possibilidade de serem ouvidas.

169    A título complementar, ainda que se entendesse que o BCE estava obrigado a ouvir a recorrente antes de adotar a decisão recorrida, há que referir que uma violação dos direitos de defesa, em particular do direito a ser ouvido, só implica a anulação de uma decisão adotada no termo de um procedimento se, não tendo existido essa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (v. Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 76 e jurisprudência referida).

170    Ora, no caso em apreço, não resulta dos documentos dos autos que se a recorrente tivesse sido ouvida antes da adoção da decisão recorrida, o procedimento poderia ter levado a um resultado diferente. A este respeito, o Tribunal Geral sublinha que a recorrente não o alega e que a decisão recorrida foi adotada num contexto conhecido da recorrente, conforme exposto no número 149, supra.

171    O quinto fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

4.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que a decisão recorrida não era necessária na aceção desta disposição e quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

172    No quadro do segundo fundamento de recurso, a recorrente alega que, nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013, uma inspeção no local deve ser necessária. Ora, a inspeção no local à qual a mesma foi sujeita consistiu numa medida de retaliação pela qual o BCE demonstrou que não tolerava qualquer crítica. Na carta de 14 de fevereiro de 2019, o BCE não definiu claramente o âmbito e a finalidade da inspeção no local. Não explicou por que motivo uma era necessária uma inspeção no local para analisar o risco de crédito. Este risco era, no entanto, monitorizado de perto há vários anos pela CMFC. Todas as decisões da recorrente em matéria de crédito tinham sido acompanhadas pela CMFC e todas as que diziam respeito a um valor superior a 50 000 euros tinham sido sujeitas à sua aprovação. Desde há muito tempo que a carteira de crédito da recorrente não tinha sido objeto de qualquer alteração sem a aprovação da CMFC.

173    No âmbito do quarto fundamento, a recorrente afirma que a decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade. O BCE deveria ter utilizado um meio menos intrusivo para alcançar o objetivo prosseguido. A recorrente esteve sempre disposta a prestar ao BCE e à CMFC todas as informações necessárias. Não ficou demonstrado que uma inspeção no local, em particular, realizada pelo BCE, não podia ter sido evitada com outras medidas de investigação adequadas. As inspeções no local realizadas pelo BCE são mais restritivas do que as realizadas pelas autoridades nacionais competentes, em particular, porque são realizadas por pessoal que não fala a língua do país em causa. Tal aplica‑se particularmente à Letónia, cuja língua não é muito falada fora das suas fronteiras. Além disso, a calendarização da inspeção foi abusiva, uma vez que, na data da inspeção, a recorrente estava a realizar a sua auditoria anual com uma empresa terceira e o BCE recusou adiar a inspeção por um mês. A recorrente não conseguiu completar a sua auditoria anual atempadamente e, por esse motivo, a CMFC aplicou‑lhe uma coima.

174    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

175    Tendo em conta as ligações entre os segundo e quarto fundamentos, importa analisar estes dois fundamentos em conjunto.

176    Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE pode proceder a todas as inspeções no local que forem necessárias nas instalações das pessoas coletivas das instituições sujeitas à supervisão prudencial, nomeadamente, as instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros participantes.

177    O qualificativo «necessárias», utilizado no artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, é coerente com o princípio da proporcionalidade que exige que os atos das instituições da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face aos objetivos (Acórdãos de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 50, e de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 206).

178    A apreciação da proporcionalidade de uma medida deve ser conciliada com o respeito da margem de apreciação eventualmente reconhecida às instituições da União quando da sua adoção (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 53 e jurisprudência referida). Ora, o BCE dispõe de uma ampla margem de apreciação ao adotar um ato relativo à supervisão prudencial de uma instituição de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 86).

179    Em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 177, supra, a necessidade e o caráter proporcional de uma inspeção no local devem ser apreciados à luz dos objetivos prosseguidos pela legislação.

180    A este respeito, importa recordar que o objetivo da supervisão prudencial das instituições de crédito consiste em garantir a segurança e a solidez destas instituições, a estabilidade do sistema financeiro e a proteção dos depositantes (v. considerandos 30 e 65 do Regulamento n.o 1024/2013).

181    A boa gestão do risco de crédito pelas instituições de crédito constitui um dos principais objetivos da supervisão prudencial, tal como resulta do artigo 1.o do Regulamento n.o 575/2013, do artigo 79.o da Diretiva 2013/36 e, ainda, do princípio 17 dos Princípios fundamentais para um controlo bancário eficaz.

182    Além disso, importa sublinhar que cada instituição de crédito está sujeita a uma supervisão prudencial «contínua» por parte das autoridades competentes (v. considerando 37 do Regulamento n.o 1024/2013, considerando 3 da Diretiva 2013/36 e considerando 25 do Regulamento n.o 575/2013).

183    Nos termos dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento n.o 1024/2013 e do artigo 104.o da Diretiva 2013/36, as autoridades competentes dispõem de poderes que lhes permitem revogar a autorização necessária para uma instituição de crédito exercer a sua atividade, opor‑se à aquisição de uma participação nesta instituição e impor medidas de supervisão, nomeadamente, o reforço da sua governação, a melhoria da sua situação em matéria de fundos próprios ou de liquidez, a limitação da sua atividade económica, o desinvestimento em atividades ou a destituição de funções dos membros dos órgãos de administração.

184    Em conformidade com os artigos 9.o a 13.o do Regulamento n.o 1024/2013 e 65.o, n.o 3, da Diretiva 2013/36, as autoridades competentes dispõem igualmente de poderes de investigação que lhes permitem exigir todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções, incluindo informações a prestar a intervalos regulares e em formatos específicos para fins de supervisão e para os correspondentes fins estatísticos, proceder a investigações e a inspeções no local. O considerando 47 do Regulamento n.o 1024/2013 refere que o BCE deverá estar apto a solicitar o fornecimento de todas as informações de que necessite, bem como a realizar investigações e inspeções no local «para exercer de modo eficaz as suas atribuições».

185    De acordo com os artigos 97.o e 99.o da Diretiva 2013/36, as autoridades competentes procedem a uma revisão e avaliação prudenciais. Determinam de acordo com o princípio da proporcionalidade, a frequência e intensidade da revisão e avaliação, tendo em conta a dimensão, a importância sistémica e a natureza, escala e complexidade das atividades da instituição em causa. A revisão e avaliação são atualizadas pelo menos anualmente para as instituições abrangidas pelo plano de atividades de supervisão. Este programa, que inclui um projeto para as inspeções no local, abrange as instituições relativamente às quais os resultados dos testes de resistência ou os resultados do processo de revisão e de avaliação indiquem riscos significativos para a sua solidez financeira ou infrações às disposições pertinentes, as instituições que representem riscos sistémicos para o sistema financeiro e qualquer outra instituição que as autoridades competentes considerem necessário incluir. As autoridades competentes podem, se tal for adequado à luz do referido artigo 97.o, adotar medidas como um aumento do número ou da frequência de inspeções no local à instituição ou a presença permanente da autoridade competente na instituição.

186    Os princípios 9 e 10 dos Princípios fundamentais para um controlo bancário eficaz preveem, além disso, que a autoridade de controlo deve empregar os seus recursos proporcionalmente em relação ao perfil de risco e à importância sistémica do banco. Referem que esta autoridade deve aplicar um método que combine de forma adequada controlos no local e controlos documentais. Por um lado, a autoridade de controlo deve analisar os relatórios prudenciais e as declarações estatísticas apresentadas pelos bancos. Por outro lado, deve analisar os relatórios fornecidos pelos bancos, a pedido e em intervalos regulares, com toda a independência, efetuando controlos no local ou recorrendo a auditores externos. Está em contacto regular com o conselho de administração, os administradores externos, a direção e os quadros. Deve reunir com regularidade com a direção e o conselho de administração. Pode recorrer a terceiros independentes, mas não pode delegar as suas responsabilidades prudenciais em terceiros.

187    Resulta dos considerandos, das disposições e dos princípios acima recordados nos n.os 182 a 186 que as instituições de crédito estão sujeitas a uma supervisão prudencial «contínua» que se baseia numa combinação de controlos documentais que permitem verificar as informações comunicadas. Em princípio, os controlos documentais não podem ser substituídos pelas inspeções no local, as quais permitem, designadamente, à autoridade competente verificar de maneira independente as informações declaradas por estas instituições.

188    Importa precisar que, contrariamente às inspeções realizadas pela Comissão com base no artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, que têm por objetivo detetar infrações aos artigos 101.o e 102.o TFUE, o objetivo das inspeções no local efetuadas pelo BCE consiste em verificar, no quadro de uma supervisão contínua que combina controlos no local e controlos a documentos, que as instituições de crédito garantem uma gestão e uma cobertura adequadas dos seus riscos e que as informações comunicadas são fiáveis, de modo que a realização destas inspeções não dependa da existência de uma suspeita de infração. Aliás, a recorrente não o contesta.

189    A conclusão exposta no n.o 188, supra, não é contrariada pelo disposto no artigo 13.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013, segundo o qual ao avaliar a proporcionalidade das medidas coercivas, a autoridade judicial nacional pode solicitar ao BCE explicações circunstanciadas, nomeadamente sobre os motivos invocados pelo BCE para suspeitar da existência de uma infração aos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, sobre a gravidade da presumível infração e sobre a natureza do envolvimento da pessoa sujeita às medidas coercivas.

190    Com efeito, o artigo 13.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013 diz respeito não à necessidade da inspeção no local, mas ao controlo da proporcionalidade das medidas coercivas previstas, nomeadamente, quando se constate que uma pessoa se opõe a uma inspeção.

191    Por último, resulta das disposições, dos considerandos e dos princípios recordados nos n.os 182 a 186, supra, que a frequência e a intensidade das inspeções no local são fixadas tendo em conta o princípio da proporcionalidade.

192    No caso em apreço, em primeiro lugar, resulta da decisão recorrida que as deficiências e as infrações às disposições aplicáveis foram identificadas pela CMFC nos anos que antecederam a inspeção e que a recorrente não adotou as medidas adequadas para dar resposta às preocupações prudenciais resultantes destas constatações.

193    A este respeito, importa notar que, em apoio do segundo e quarto fundamentos, a recorrente não apresenta nenhum argumento tendente a contestar a realidade das deficiências e das infrações às disposições aplicáveis referidas na decisão recorrida. Em particular, não alega ter contestado perante os órgãos jurisdicionais nacionais as decisões da CMFC adotadas nos meses de fevereiro de 2016 e agosto de 2017, e não expõe o resultado de eventuais processos judiciais. A recorrente não contesta a conclusão constante da decisão recorrida segundo a qual a não adotou as medidas adequadas para dar resposta às preocupações prudenciais em causa.

194    Em segundo lugar, o argumento da recorrente de que estava preparada para comunicar ao BCE todas as informações necessárias não pode deixar de improceder, uma vez que tal prestação de informações não era equivalente à possibilidade de o BCE verificar no local a integridade e a fiabilidade das informações transmitidas e de realizar reuniões sobre diferentes temas com os representantes da recorrente.

195    Em terceiro lugar, o facto de o risco de crédito ao qual a recorrente estava exposta ter sido acompanhado de perto pela CMFC há vários anos implicando, em particular, que todas as decisões da recorrente relativas a um montante superior a 50 000 euros tivessem sido submetidas à aprovação da CMFC, não põe em causa a necessidade da inspeção no local. Esta monitorização corrobora a atenção dada pela CMFC ao risco de crédito e não contraria o fundamento da decisão recorrida segundo o qual a recorrente não adotou as medidas adequadas para solucionar as deficiências e as infrações às disposições aplicáveis já identificadas.

196    Em quarto lugar, a recorrente não pode alegar que a decisão recorrida constitui uma retaliação contra ela. A este respeito, as declarações de um membro da Comissão Administrativa de Reexame do BCE, proferidas por ocasião de uma conferência em 21 de novembro de 2017, segundo as quais, em caso de procedimento formal iniciado por uma instituição de crédito contra ela, a autoridade competente podia reagir intensificando a sua supervisão, não constituem um elemento suficiente para fazer prova de que a decisão recorrida é uma retaliação, uma vez que estas breves declarações foram feitas «a título pessoal», não implicam necessariamente a existência de retaliações e não estão circunstanciadas.

197    Em quinto lugar, o argumento de que, na carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral, o BCE não expôs claramente o âmbito e a finalidade da inspeção no local e não explicou em que medida uma inspeção era necessária para analisar o risco de crédito, deve ser julgado improcedente. Com efeito, a questão de saber se a referida carta de 14 de fevereiro de 2019 é suficientemente fundamentada já foi analisada nos n.os 145 a 150, supra, e, em todo o caso, diz respeito a uma formalidade de notificação, prevista no artigo 145.o do Regulamento n.o 468/2014, que se deve distinguir da questão do mérito da decisão recorrida, que está relacionada com a legalidade substantiva do ato controvertido, de acordo com a jurisprudência recordada no n.o 143, supra.

198    Em sexto lugar, o argumento da recorrente de que as inspeções realizadas pelo BCE são mais restritivas do que as das autoridades nacionais competentes deve ser deve ser julgado improcedente por não ter suporte nos factos.

199    Com efeito, por um lado, conforme alega o BCE, as inspeções realizadas por este último e as conduzidas pelas autoridades nacionais competentes baseiam‑se nas mesmas normas. Aliás, a recorrente não o contesta. Por outro lado, conforme alega igualmente o BCE, a utilização da língua inglesa pelos agentes de inspeção não pode ser considerada no caso em apreço como um constrangimento significativo, uma vez que os representantes da recorrente não estavam obrigados a comunicar nesta língua com os agentes da equipa de inspeção e que, além disso, a recorrente veio posteriormente a escolher o inglês como única língua de comunicação com o BCE.

200    Por outro lado, a circunstância de as inspeções do BCE serem mais restritivas do que as das autoridades nacionais competentes não permite, em todo o caso, concluir pela sua desproporcionalidade.

201    Em sétimo e último lugar, o caráter abusivo do calendário da inspeção não ficou demonstrado. A este respeito, o Tribunal Geral observa que a inspeção teve início mais de três semanas após a receção da carta de 14 de fevereiro de 2019 e que a mesma foi precedida de uma reunião de lançamento que incluiu detalhes sobre o desenvolvimento da mesma, o que permitiu à recorrente adotar medidas de organização antes do início da inspeção. A circunstância de a recorrente ter procedido à auditoria anual das suas contas durante a inspeção não permite demonstrar o caráter abusivo deste calendário. Por um lado, obrigar o BCE a adiar uma inspeção apenas com base na realização pela instituição de crédito da auditoria anual das suas contas acarretaria o risco de desrespeito pelo objetivo de estabilidade financeira, enquanto o artigo 6.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1024/2013 prevê, pelo contrário, que o BCE pode, «a qualquer momento», exercer o seu poder de proceder a uma inspeção no local. Por outro lado, não ficou assente que a inspeção tenha impedido a recorrente de concluir a auditoria anual das suas contas em tempo útil. A este respeito, importa constatar que, em primeiro lugar, compete às instituições de crédito adotar as medidas necessárias para respeitar os prazos legais para o depósito das suas contas auditadas, em segundo lugar, segundo a decisão da CMFC de 14 de maio de 2019 que aplicou uma sanção à recorrente, esta último já tinha registado atrasos na entrega das suas contas em 2017 e, em terceiro lugar, o atraso da recorrente no depósito das suas contas anuais auditadas pode igualmente explicar‑se, se necessário, pela falta de meios empregados pela equipa de auditoria.

202    Nestas circunstâncias, o BCE tinha todo o direito de considerar, ao exercer a sua ampla margem de apreciação, que a realização de uma inspeção no local nas instalações da recorrente era necessária, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, para realizar uma análise do risco de crédito ao qual a recorrente estava exposta e, em termos mais amplos, para garantir a solidez desta instituição, a estabilidade do sistema financeiro e a proteção dos depositantes. Acresce que não ficou demonstrado que o BCE tivesse podido recorrer a uma medida menos restritiva que a inspeção no local a que procedeu, nem que os inconvenientes causados por esta medida de inspeção fossem desproporcionados em relação ao objetivo prosseguido.

203    Resulta do acima exposto que há que julgar improcedentes o segundo e quarto fundamentos.

5.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que o BCE não exerceu devidamente o seu poder discricionário e quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do dever do BCE de examinar com cuidado e imparcialidade todos os aspetos relevantes do caso concreto

204    No quadro do terceiro fundamento, a recorrente alega que o BCE não teve em conta o caráter discricionário de uma decisão de realização de uma inspeção no local. Afirma que não ficou demonstrado que o BCE tenha exercido o seu poder de discricionário quanto à questão de saber se uma inspeção no local era adequada. A falta de qualquer consideração «pertinente» resulta da natureza muito pouco habitual de uma decisão do BCE de realizar uma inspeção no local a uma instituição de crédito menos significativa.

205    No quadro do sexto fundamento, a recorrente alega que o BCE não cumpriu o dever que lhe incumbe, em conformidade com a jurisprudência, de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os aspetos «relevantes» do caso concreto. Afirma que o BCE não teve em consideração a abundância de informações relevantes de que a CMFC dispunha em relação a qualquer eventual risco de crédito.

206    O BCE, apoiado pela Comissão, defende que o terceiro e sexto fundamentos devem ser julgados improcedentes.

207    A título preliminar, importa observar que se deve considerar que o terceiro fundamento é relativo a um erro de direito, na medida em que o BCE não exerceu o seu poder discricionário para decidir se uma inspeção no local era adequada, conforme exigia o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, o que decorre, em particular, do facto de a carta do diretor‑geral não mencionar qualquer circunstância «relevante».

208    Pelo seu sexto fundamento, a recorrente invoca novamente um fundamento relativo a um erro de direito, na medida em que na decisão recorrida não se examinaram, com cuidado e imparcialidade, aspetos «relevantes» do caso concreto.

209    Há que analisar estes dois fundamentos em simultâneo, dado que os mesmos visam acusar o BCE de ter incorrido em erro de direito ao não examinar ou ao não apreciar os elementos relevantes do caso concreto.

210    A este respeito, importa sublinhar que, quando um recorrente invoca fundamentos relativos a erros de direito desta natureza, cabe‑lhe apresentar elementos que permitam concluir pela existência de tal erro.

211    Ora, para sustentar estes fundamentos, a recorrente alega, sumariamente, que a carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral carece «de qualquer consideração relevante». A recorrente afirma que uma inspeção no local pelo BCE a uma instituição de crédito menos significativa não é habitual e que o BCE não teve em conta a grande quantidade de informações de que dispunha a CMFC no que respeita ao risco de crédito ao qual estava exposta.

212    No entanto, resulta do projeto de decisão considerada adotada pelo Conselho do BCE, nomeadamente do seu anexo, que o BCE teve em conta as informações de que a CMFC dispunha no que respeita ao risco de crédito ao qual a recorrente estava exposta. Resulta igualmente que o BCE teve em conta a circunstância de a recorrente ser uma instituição de crédito menos significativa, considerando em duas ocasiões que tal não constituía um obstáculo à realização da inspeção no local, tal como foi sublinhado no n.o 137, supra. Por último, resulta do referido projeto que o BCE apreciou devidamente se uma inspeção no local era adequada e concluiu afirmativamente, tendo em conta, em particular, as deficiências e as infrações às disposições aplicáveis que foram identificadas nos anos anteriores e o facto de a recorrente não ter adotado as medidas adequadas para as solucionar.

213    Resulta do acima exposto, tal como da resposta ao segundo e quarto fundamentos, que a recorrente não pode alegar fundadamente que o BCE não examinou as circunstâncias relevantes da sua situação ou não apreciou se uma inspeção no local era necessária tendo em conta as referidas circunstâncias.

214    O terceiro e sexto fundamentos devem, pois, ser julgados improcedentes.

6.      Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica

215    A recorrente alega que a decisão recorrida viola os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, uma vez que o seu âmbito e a sua finalidade não são claros. Dado que a carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral refere apenas o risco de crédito, a recorrente não está em condições de conhecer a extensão do seu efeito vinculativo nem de saber em que medida a desobediência a um pedido dos agentes responsáveis pela inspeção pode ser considerada uma obstrução. Esta carta refere inclusivamente que o âmbito da inspeção pode ser alargado sem qualquer limite, no decurso da inspeção. No entanto, o guia sobre supervisão bancária sublinha que uma inspeção no local deve ter um âmbito predefinido. As questões colocadas pelos agentes responsáveis pela inspeção cobriram inúmeros domínios destituídos de pertinência para a análise do risco de crédito. Algumas questões não correspondiam a um objetivo de supervisão prudencial identificável, mas teriam sido relevantes no âmbito de um inquérito aprofundado em matéria de prevenção do branqueamento de capitais, domínio no qual o BCE não é a autoridade competente, mesmo em relação às instituições significativas. Além disso, mesmo no contexto de uma investigação em matéria de prevenção do branqueamento de capitais, o pedido dirigido à recorrente de fornecer informações sobre todos os pagamentos recebidos e feitos em relação a todos os seus clientes nos últimos dois anos não teria sido razoável.

216    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

217    O princípio da segurança jurídica exige, nomeadamente, que as normas de direito sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em particular quando podem ter consequências desfavoráveis sobre os indivíduos e sobre as empresas [v. Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte mediterrânico), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 111 e jurisprudência referida].

218    Corolário do princípio da segurança jurídica, o direito de exigir a proteção da confiança legítima estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a Administração da União fez nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas. Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais expectativas, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio quando a Administração não tenha fornecido garantias precisas [Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte do Mediterrâneo), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 112].

219    A decisão recorrida menciona que a inspeção tem por objetivo um inquérito aprofundado sobre os riscos, o controlo dos riscos e a governação da recorrente, de modo que aprecie, designadamente, os seus procedimentos, os seus sistemas e a qualidade da sua gestão e que essa inspeção se concentrará sobretudo no risco de crédito.

220    O facto de a carta do diretor‑geral de 14 de fevereiro de 2019 referir que o objetivo da inspeção no local é o risco de crédito não viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

221    Com efeito, o risco de crédito é uma noção fundamental da atividade bancária, tal como foi salientado no n.o 147, supra, que é compreendido pelas intervenientes neste setor. Além disso, o âmbito da inspeção foi explicado mais detalhadamente na reunião de 5 de março de 2019, vários dias antes do início da inspeção. Conforme foi salientado no n.o 33, supra, o chefe de missão da inspeção precisou, com a ajuda de um documento entregue à recorrente, o âmbito da missão, intitulada «risco [de] crédito e governação», a saber a classificação e as provisões, o registo do inventário (ativos penhorados vendidos), a valorização das garantias e dos fundos (ativos detidos com vista à venda), a qualidade dos dados e a governação, bem como o modelo de negócios.

222    Nestas condições, a recorrente não pode alegar que a referida carta de 14 de fevereiro de 2019, ao referir o risco de crédito, não era clara e que, por conseguinte, não podia saber em que medida a desobediência a um pedido dos agentes responsáveis pela inspeção poderia ser considerada um obstáculo à inspeção.

223    Além disso, o facto de a carta do diretor‑geral de 14 de fevereiro de 2019 mencionar que o âmbito da inspeção podia ser alargado durante a inspeção e que, nesse caso, a recorrente seria informada da extensão pelo chefe de missão em nome do BCE, não viola os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

224    Com efeito, a referida carta de 14 de fevereiro de 2019 mencionava que a recorrente seria previamente informada de tal extensão do âmbito da inspeção. Por conseguinte, resulta desta carta que, na falta dessa informação, o objeto da inspeção ficaria limitado ao risco de crédito.

225    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual o n.o 69 do guia de supervisão bancária menciona que as inspeções no local devem ter um âmbito predefinido, há que referir que esse era, de facto, o caso da inspeção controvertida, dado que a mesma se centrou num risco específico.

226    Além disso, segundo o n.o 73 do guia de supervisão bancária, as inspeções no local podem ser «gerais», ou seja cobrir um amplo espetro de riscos e atividades com o objetivo de facultar uma visão holística da instituição de crédito, «orientadas», ou seja, centrar‑se numa secção particular da atividade da instituição de crédito, ou numa questão ou risco específicos, ou «temáticas», ou seja, incidir sobre uma questão (por exemplo, domínio de atividade ou tipos de transação) à escala de todo o grupo de instituições de crédito congéneres. Este guia precisa que as equipas conjuntas de supervisão, que integram pessoal do BCE e as autoridades nacionais competentes, podem solicitar uma análise temática transversal do controlo de um risco específico ou do processo de governação das instituições. Refere que as análises temáticas podem igualmente ser desencadeadas na sequência de análises macroprudenciais e setoriais que identifiquem ameaças à estabilidade financeira decorrentes do mau desempenho de alguns setores da economia ou da proliferação de práticas de risco no setor bancário.

227    O fundamento baseado na alegação de que, durante a inspeção, os agentes responsáveis pela inspeção solicitaram a divulgação de informações não relacionadas com o risco de crédito deve ser julgado improcedente por ser inoperante.

228    Com efeito, as condições de execução de uma decisão de inspeção baseada no artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 não têm, enquanto tais, qualquer incidência sobre a legalidade desta decisão, se disserem respeito a factos posteriores à referida decisão (v., neste sentido, Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 82 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a legalidade de uma decisão desta natureza não pode depender da maneira como os agentes responsáveis pela inspeção asseguram a sua execução.

229    Importa notar que no caso de os agentes responsáveis pela inspeção solicitarem a divulgação de informações que excedam o objeto da inspeção, a entidade em causa pode recusar‑se a divulgar tais informações, a menos que o BCE, mediante o recurso a medidas coercivas, proceda à execução forçada da decisão em causa.

230    Se o BCE decidir adotar uma decisão sancionatória em relação a uma pessoa coletiva por obstrução à realização de uma inspeção, em aplicação do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1024/2013, esta decisão pode ser objeto de um recurso para o Tribunal Geral. No âmbito de tal recurso, a pessoa coletiva em causa pode alegar, se entender que lhe assiste razão, que os agentes responsáveis pela inspeção solicitaram a divulgação de informações que excediam o objeto da inspeção.

231    A entidade em causa pode igualmente, sem recusar um pedido de divulgação de informações no contexto de uma inspeção, apresentar objeções a essa divulgação e solicitar ao BCE que não utilize as informações em causa, por as mesmas não se inserirem no âmbito do objeto da inspeção. A recusa do BCE de não deferir os pedidos legítimos da pessoa coletiva em causa é suscetível de dar origem a responsabilidade do BCE e, eventualmente, de viciar de irregularidade os atos subsequentemente adotados pelo BCE.

232    Em todo o caso, para sustentar o seu argumento segundo o qual os agentes responsáveis pela inspeção solicitaram a divulgação de informações não relacionadas com o risco de crédito, a recorrente faz referência, em primeiro lugar, de uma forma geral, ao anexo A.12 que contém os pedidos de informação dirigidos por escrito à recorrente pelos agentes responsáveis pela inspeção nos meses de março e abril de 2019. Ao limitar‑se a alegar que esse anexo, que tem cerca de dez páginas, contém exemplos de questões não relacionadas com o risco de crédito, sem identificar as questões em causa e sem indicar os motivos pelos quais tais questões são irrelevantes para a análise do risco de crédito, a recorrente não coloca o Tribunal Geral em condições de apreciar o mérito do seu argumento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2013 Versalis/Comissão, C‑511/11 P, EU:C:2013:386, n.o 115).

233    Embora a recorrente invoque, num segundo momento, que o BCE lhe solicitou que fornecesse informações sobre os pagamentos de clientes do banco, recebidos e efetuados, nos dois últimos anos, o que resulta efetivamente do anexo A.12, não refere ter apresentado uma objeção a este pedido escrito dos agentes responsáveis pela inspeção. A pressupor, no entanto, que o referido pedido tenha excedido o âmbito da inspeção ou que tenha apresentado um caráter desproporcionado tendo em conta o número de informações solicitadas, o mesmo não permite demonstrar que a própria decisão recorrida, que é desprovida de ambiguidade, viola os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

234    O oitavo fundamento deve, pois, ser julgado improcedente.

7.      Quanto ao nono fundamento, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação

235    A recorrente alega que a decisão recorrida viola o princípio da igualdade de tratamento. As inspeções no local em instituições de crédito menos significativas são muito raras e o BCE não explicou por que motivo adotou tal medida pouco comum. Importa igualmente ter em conta que o BCE não respondeu às questões colocadas pela recorrente nas suas cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, relativas aos problemas de corrupção e aos comentários hostis formulados publicamente por responsáveis letões. O BCE não demonstrou ter realizado uma investigação a esse respeito e não reconheceu que as ameaças públicas de A eram inapropriadas. O Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139), não resolveu o problema, uma vez que o Tribunal de Justiça anulou as medidas aplicadas pela República da Letónia contra A, por esta não ter apresentado provas dos atos de corrupção em tempo útil. Por conseguinte, a decisão recorrida foi adotada apesar da existência de elementos de prova sólidos que sustentavam as acusações de corrupção e de comportamentos ilícitos e de o BCE se recusar a investigar e a retificar esta situação. A recorrente conclui que, na falta de qualquer justificação, o tratamento pouco comum a que foi sujeita deve ser interpretado como um ato discriminatório, tendo em conta que, entretanto, A foi reintegrado nas suas funções de governador do Banco Central da Letónia.

236    O BCE contesta a argumentação da recorrente.

237    O princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. Acórdão de 6 de junho de 2019, P. M. e o., C‑264/18, EU:C:2019:472, n.o 28 e jurisprudência referida).

238    A violação do princípio da igualdade de tratamento através de um tratamento diferenciado pressupõe que as situações em causa sejam comparáveis no que respeita a todos os elementos que as caracterizam (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 25).

239    Em primeiro lugar, a recorrente não indica que instituições estavam numa situação comparável à sua e não foram objeto de um tratamento da mesma natureza.

240    Em segundo lugar, ainda que a recorrente invoque um tratamento discriminatório em relação às instituições de crédito menos significativas que não foram objeto de uma inspeção realizada pelo próprio BCE, importa recordar que não só o BCE tem o poder de proceder a inspeções às instituições de crédito menos significativas, como também as realizou efetivamente a outras instituições diferentes da recorrente, tal como alega o BCE e como, aliás, reconhece a recorrente.

241    Embora resulte dos documentos dos autos que as inspeções realizadas pelo próprio BCE a instituições de crédito menos significativas são efetivamente consideravelmente menos frequentes do que as realizadas pelo BCE a instituições consideradas significativas, há que constatar que os fundamentos da decisão recorrida, em particular, o fundamento de que a recomendação do CIRDI impediu a CMFC de implementar a totalidade das medidas de supervisão em relação à recorrente, podem explicar em que medida a situação da recorrente era particular e, por conseguinte, não era comparável às situações de outras instituições de crédito menos significativas não sujeitas a uma inspeção no local pelo BCE e, portanto, o motivo pelo qual o BCE decidiu, no presente caso, ser ele próprio a realizar a referida inspeção.

242    Se a recorrente estiver a invocar um comportamento discriminatório em comparação com instituições de crédito cujo principal acionista, contrariamente ao da recorrente, não denunciou atos de corrupção, deverá considerar‑se que resulta dos fundamentos da decisão recorrida que esta última não se baseia na existência de tal denúncia.

243    Além disso, em primeiro lugar, importa referir que, por um lado, o inquérito penal que levou à acusação de A não diz respeito à recorrente, mas a um banco letão terceiro e, por outro lado, no que diz respeito aos atos de corrupção denunciados por CR, a recorrente afirma, sem fornecer mais detalhes, que a investigação está em curso.

244    Em segundo lugar, embora a recorrente considere que o BCE tinha a obrigação de realizar uma investigação aos atos de corrupção denunciados por CR, o BCE está no direito de alegar que não tem competência para conduzir ele próprio uma investigação a tais atos e que coopera a esse respeito com as autoridades nacionais competentes.

245    Além disso, ainda que se admita que o BCE tenha cometido um erro ao não realizar uma investigação aos atos de corrupção denunciados por CR ou aos comentários feitos por A em relação à recorrente, não ficou demonstrado que esse erro tenha sido de tal ordem que tenha viciado de ilegalidade a decisão recorrida, a qual não se pronuncia sobre a oportunidade de realizar tal investigação, mas sobre a de proceder a uma inspeção no local.

246    Em terceiro lugar, há que constatar que a decisão recorrida parece responder, em parte, afirmativamente aos pedidos da recorrente, apresentados nas suas cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, referidas no n.o 18, supra, dado que esta decisão teve por efeito uma maior intervenção do BCE na supervisão prudencial da recorrente.

247    Em consequência, uma vez que a decisão recorrida não viola o princípio da igualdade de tratamento, o nono fundamento deve ser julgado improcedente.

8.      Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do artigo 19.o e do considerando 75 do Regulamento n.o 1024/2013, bem como a um desvio de poder

248    A recorrente alega que o artigo 19.o e o considerando 75 do Regulamento n.o 1024/2013 exigem que o BCE exerça as atribuições que lhe são conferidas com plena independência de influências políticas indevidas. As decisões do BCE não deviam sofrer influência de outras considerações de natureza não prudencial.

249    A recorrente alega que a decisão recorrida é uma medida de retaliação adotada pelo facto de ela e os seus acionistas terem denunciado o comportamento ilegal de um membro do Conselho do BCE. Tal resulta da decisão mediante a qual o BCE decidiu assumir a supervisão prudencial direta da recorrente, cuja única motivação consiste na instauração do processo arbitral pela recorrente, ou seja, o exercício legítimo de uma via de recurso. O mesmo resulta igualmente da carta de 14 de fevereiro de 2019 do diretor‑geral que não forneceu nenhum motivo em apoio da decisão pouco habitual de realizar uma inspeção no local a uma instituição de crédito menos significativa.

250    A recorrente alega que deve ser tida em conta a falta de resposta do BCE às suas tentativas de encetar um diálogo sobre os problemas de corrupção, o tratamento regulamentar injusto a que foi sujeita e os comentários hostis e inadequados que foram feitos em público pelos responsáveis letões, nomeadamente, a ameaça de revogação da autorização enunciada por A. Estes problemas de corrupção eram amplamente reconhecidos, inclusivamente pelas autoridades letãs, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e pelos Estados Unidos da América. Em fevereiro de 2018, os referidos problemas de corrupção culminaram na detenção de A, bem como em medidas de segurança que, na prática, impediram este último de exercer as suas funções de governador do Banco Central da Letónia e de membro do Conselho do BCE. A única reação do BCE foi a interposição de um recurso no Tribunal de Justiça (processo C‑238/18), a fim de defender a sua independência da alegada interferência da República da Letónia. O BCE nada fez para investigar e solucionar os problemas em causa a fim de restabelecer a confiança no seu processo regulamentar. Em resposta ao referido recurso do BCE, a República da Letónia confirmou a existência de elementos que provam os atos de corrupção praticados por A, mas não apresentou tais elementos. A recorrente considera que, no caso em apreço, é ao BCE, e não à recorrente, que incumbe provar que a supervisão prudencial foi executada de maneira regular.

251    A recorrente conclui do acima exposto que, no caso em apreço, o BCE não investigou problemas sérios relacionados com a qualidade da supervisão prudencial, mas adotou a decisão pouco comum de realizar uma inspeção no local a uma instituição de crédito pouco significativa, sem fornecer quaisquer motivos. Tal deve entender‑se como a mensagem de que criticar as autoridades reguladoras dá lugar a pesadas retaliações.

252    A recorrente solicita ao Tribunal Geral que ordene ao BCE e à República da Letónia que divulguem toda a correspondência pertinente entre o BCE e a CMFC, a fim de se poderem determinar os verdadeiros motivos da decisão recorrida.

253    O BCE contesta esta argumentação.

254    Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, no exercício das atribuições que lhe são conferidas por este regulamento, o BCE e as autoridades nacionais competentes que compõem o MUS devem agir de forma independente e os membros do Conselho de Supervisão e o comité diretor agem de forma independente e objetiva, no interesse da União no seu conjunto, e não devem procurar obter nem receber instruções das instituições ou órgãos da União, do Governo de qualquer Estado‑Membro ou de qualquer outro organismo público ou privado.

255    O considerando 75 deste regulamento refere que a fim de exercer de modo eficaz as suas atribuições de supervisão, o BCE deverá exercer as atribuições de supervisão que lhe são conferidas com plena independência, em especial, de influências políticas indevidas e de interferências do setor bancário que afetariam a sua independência operacional.

256    Um ato só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante com fins diversos daqueles para os quais o poder em causa foi conferido, ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto no Tratado FUE para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (Acórdãos de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, EU:C:2004:802, n.o 75, e de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 82).

257    Em primeiro lugar, para tentar demonstrar que a decisão recorrida é uma medida de retaliação adotada porque a recorrente e os seus acionistas denunciaram o comportamento ilegal de um membro do Conselho do BCE, a recorrente invoca a fundamentação da decisão do BCE, notificada por carta de 1 de março de 2019, que classifica a recorrente como instituição significativa sujeita à supervisão prudencial direta do BCE.

258    No entanto, ainda que a referida decisão do BCE fosse ilegal, tal facto não teria qualquer incidência na legalidade da decisão recorrida, que não se baseia na decisão invocada pela recorrente.

259    Acresce que, contrariamente ao que defende a recorrente, a decisão do BCE de assumir a supervisão prudencial direta da recorrente não foi adotada pelo facto de a recorrente ter instaurado um processo arbitral. Com efeito, nesta decisão, o BCE baseou‑se não na abertura deste processo, enquanto tal, mas, em substância, no facto de, na sequência da recomendação do CIRDI feita no contexto deste processo, a CMFC se ter ela própria considerado totalmente privada de capacidade para realizar uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente e ter pedido ao BCE que assumisse a supervisão prudencial da recorrente.

260    Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que a decisão do BCE de assumir a supervisão prudencial direta da recorrente se baseia no exercício legítimo de uma via de recurso, a saber a instauração do processo arbitral, nem, em todo o caso, que os motivos do BCE demonstram a sua vontade de adotar medidas de retaliação contra a recorrente por esta ter instaurado esse processo.

261    Em segundo lugar, a decisão recorrida expõe os motivos pelos quais o BCE decidiu realizar uma inspeção no local nas instalações da recorrente.

262    Ora, resulta desses motivos que a decisão recorrida foi adotada com um objetivo conforme com a regulamentação prudencial. Com efeito, na medida em que a decisão recorrida se baseia em deficiências e violações relativas aos requisitos prudenciais identificadas nos anos anteriores, a mesma é coerente com o objetivo de estabilidade financeira. Na medida em que o BCE teve em conta o facto de a recomendação do CIRDI impedir a CMFC de implementar todas as medidas de supervisão relativas à recorrente e decidiu realizar, ele próprio, uma inspeção no local às instalações da recorrente, não prosseguiu um objetivo alheio à sua atribuição de supervisão prudencial, mas limitou‑se a implementar, tendo em conta esta recomendação, uma modalidade de supervisão prudencial expressamente prevista no artigo 6.o, n.o 5, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013.

263    Por outro lado, resulta da resposta ao segundo e quarto fundamentos que o BCE não violou o âmbito da sua margem de apreciação ao considerar que a realização de uma inspeção no local na aceção do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013 era necessária e conforme ao princípio da proporcionalidade, o que constitui um elemento suplementar em apoio da constatação de que o BCE não viciou a sua decisão de um desvio de poder.

264    Em terceiro lugar, pelos mesmos motivos indicados nos n.os 243 a 245, supra, o argumento da recorrente de que o BCE não iniciou uma investigação aos atos de corrupção denunciados por CR ou às declarações feitas por A na sequência da sua detenção, não constitui um elemento probatório que demonstre que o BCE, ao adotar a decisão recorrida, teve por objetivo tomar uma medida de retaliação contra a recorrente por ter denunciado os referidos atos de corrupção.

265    Em quarto lugar, no que diz respeito ao alegado tratamento regulamentar desigual associado aos atos de corrupção que denuncia, a recorrente não expõe de maneira precisa quais os atos administrativos que, em seu entender, estão feridos de ilegalidade nem, em todo o caso, por que motivo a ilegalidade de tais atos, a ser demonstrada, seria suscetível de tornar a própria decisão recorrida ilegal.

266    Em quinto lugar, embora a recorrente alegue que A era membro do Conselho do BCE, a decisão recorrida foi adotada em 21 de janeiro de 2019, sendo certo que, de acordo com a recorrente, nessa data, as medidas de segurança adotadas pelo KNAB em 19 de fevereiro de 2018, impediam, na prática, A de exercer as suas funções de membro do Conselho do BCE e de fazer parte deste órgão.

267    Por último, à luz das considerações expostas nos n.os 257 a 266, supra, não é necessário deferir o pedido da recorrente no sentido de o Tribunal Geral ordenar ao BCE e à República da Letónia que divulguem «toda a correspondência pertinente entre o BCE e a CMFC relativa à recorrente, para permitir determinar os verdadeiros fundamentos da decisão recorrida».

268    Com efeito, o Tribunal Geral dispõe de elementos que lhe permitem resolver o presente litígio e considera, nomeadamente, que os fundamentos da decisão recorrida resultam desta última.

269    Assim, não resulta dos documentos dos autos que a decisão recorrida tenha sido adotada em violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1024/2013. Também não parece, com base num conjunto de indícios objetivos, pertinentes e consistentes, que a decisão recorrida tenha sido adotada com o objetivo de exercer retaliações contra a recorrente relativamente à denúncia do comportamento alegadamente ilegal de A ou que a mesma esteja, por este motivo, viciada de desvio de poder.

270    O décimo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

271    Resulta de todo o exposto que deve ser negado provimento ao recurso.

VI.    Quanto às despesas

272    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as despesas apresentadas pelo BCE, em conformidade com o pedido deste.

273    A Comissão suportará as suas próprias despesas, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A PNB Banka AS suportará as suas próprias despesas bem como as despesas apresentadas pelo Banco Central Europeu (BCE).

3)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

Nihoul

Frendo

 

      Martín y Pérez de Nanclares

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de dezembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.