Language of document : ECLI:EU:T:2007:384



DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

12 de Dezembro de 2007 (*)

«Recurso de anulação – Directiva 2002/21/CE – Carta de observações da Comissão – Artigo 7.° da Directiva 2002/21 – Acto não susceptível de recurso – Não‑afectação directa – Inadmissibilidade»

No processo T‑109/06,

Vodafone España, SA, com sede em Madrid (Espanha),

Vodafone Group plc, com sede em Newbury, Berkshire (Reino Unido),

representadas por J. Flynn, QC, E. McKnight e K. Fountoukakos‑Kyriakakos, solicitors,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Shotter e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada pelo

Reino de Espanha, representado por M. Muñoz Pérez, abogado del Estado,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão alegadamente constante da carta da Comissão de 30 de Janeiro de 2006, dirigida à Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. E. Martins Ribeiro e K. Jürimäe, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1.     Directiva 2002/21/CE

1        Em 7 de Março de 2002, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Directiva 2002/21/CE, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33). Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da referida directiva, esta «estabelece um quadro harmonizado para a regulamentação dos serviços de comunicações electrónicas, das redes de comunicações electrónicas e dos recursos e serviços conexos [, …] define as funções das autoridades reguladoras nacionais e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade».

2        O artigo 4.° da Directiva 2002/21 prevê o direito de interpor recurso contra as decisões adoptadas pelas autoridades reguladoras nacionais (a seguir «ARN») nos seguintes termos:

«1. Os Estados‑Membros deverão assegurar a existência de mecanismos eficazes, a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações electrónicas que tenha sido prejudicado/a por uma decisão de uma [ARN] tenha o direito de interpor recurso contra essa decisão junto de um organismo de recurso, que pode ser um tribunal, independente das partes envolvidas e que disponha dos conhecimentos especializados necessários ao desempenho das suas funções. Os Estados‑Membros assegurarão que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso efectivo. Enquanto não for reconhecido o resultado do recurso, mantém‑se a decisão da [ARN], a não ser que o organismo de recurso decida em contrário.

2. Se o organismo de recurso referido no n.° 1 não for de carácter judicial, deve fundamentar sempre por escrito as suas decisões. Além disso, nesse caso, a sua decisão deverá poder ser revista por um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° do Tratado.»

3        Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2002/21, «[o]s Estados‑Membros deverão assegurar que as [ARN] prestem à Comissão, mediante pedido fundamentado, as informações necessárias para que esta desempenhe as funções que lhe são conferidas pelo Tratado».

4        O artigo 6.° da Directiva 2002/21, intitulado «Mecanismo de consulta e de transparência», prevê:

«Salvo nos casos previstos no n.° 6 do artigo 7.° e nos artigos 20.° ou 21.°, os Estados‑Membros deverão assegurar que as [ARN], quando tencionem tomar medidas em conformidade com a presente directiva […] que tenham um impacto significativo no mercado relevante, proporcionem às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações sobre o projecto de medidas num prazo razoável […]»

5        O artigo 7.° da Directiva 2002/21, sob a epígrafe «Consolidação do mercado interno das comunicações electrónicas», dispõe:

«1. No exercício das suas funções ao abrigo do disposto na presente directiva […], as [ARN] terão na maior conta os objectivos estabelecidos no artigo 8.°, incluindo os relacionados com o funcionamento do mercado interno.

2. As [ARN] contribuirão para o desenvolvimento do mercado interno cooperando entre si e com a Comissão de forma transparente, a fim de assegurar a aplicação coerente, em todos os Estados‑Membros, do disposto na presente directiva […]. Para esse efeito, procurarão, em particular, chegar a acordo sobre os tipos de instrumentos e soluções mais adequados para fazer face a situações particulares no mercado.

3. Para além da consulta referida no artigo 6.°, caso uma [ARN] tencione tomar uma medida que:

a)      se insira no âmbito de aplicação dos artigos 15.° ou 16.° da presente directiva […], e

b)      afecte o comércio entre os Estados‑Membros,

esta tornará a proposta de medida simultaneamente acessível à Comissão e às [ARN] dos outros Estados‑Membros, juntamente com a sua fundamentação […] e informará do facto a Comissão e as restantes [ARN]. As [ARN] e a Comissão só podem apresentar observações à autoridade reguladora em causa no prazo de um mês ou no prazo referido no artigo 6.°, caso este seja mais longo. O prazo de um mês não pode ser prorrogado.

4. Caso uma medida proposta e coberta pelo n.° 3 se destine a:

a)      Identificar um mercado relevante diferente dos mercados identificados na recomendação formulad[a] nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 15.°, ou

b)      Decidir designar ou não uma empresa como tendo, individual ou conjuntamente com outras, poder de mercado significativo, nos termos do disposto nos n.os […] 4 ou 5 do artigo 16.°, e

afecte o comércio entre os Estados‑Membros, e a Comissão tenha informado a [ARN] de que considera que a proposta de medida criará um entrave ao mercado interno ou que tem sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário e, em particular, com os objectivos enunciados no artigo 8.°, a aprovação da medida será adiada por um prazo suplementar de dois meses. Este prazo não pode ser prorrogado. Durante este período, a Comissão pode tomar, em conformidade com o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 22.°, uma decisão em que solicitará à [ARN] em causa que retire a proposta de medida. Esta decisão será acompanhada de uma análise circunstanciada e objectiva das razões pelas quais a Comissão considera que a proposta de medida não deve ser aprovada, juntamente com as propostas específicas de alteração da proposta de medida.

5. A [ARN] em causa tomará na máxima conta as observações das outras [ARN] e da Comissão e, salvo nos casos referidos no n.° 4, poderá aprovar a proposta de medida resultante; sempre que proceda desse modo, a [ARN] comunicará esse facto à Comissão.

6. Em circunstâncias excepcionais, caso uma [ARN] considere que é urgente actuar, em derrogação ao procedimento previsto nos n.os 3 e 4, para salvaguardar a concorrência e defender os interesses dos utilizadores, esta poderá adoptar imediatamente medidas proporcionadas e provisórias. Comunicará sem demora essas medidas, devidamente fundamentadas, à Comissão e às outras [ARN]. Se uma [ARN] decidir tornar tais medidas permanentes ou prolongar o período durante o qual estas são aplicáveis, essa decisão será sujeita ao disposto nos n.os 3 e 4.»

6        Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2002/21, as ARN «devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações electrónicas, de serviços de comunicações electrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente […] assegurando que a concorrência no sector das comunicações electrónicas não seja distorcida nem entravada».

7        O artigo 8.°, n.° 3, alínea d), da Directiva 2002/21 acrescenta que «[a]s [ARN] devem contribuir para o desenvolvimento do mercado interno, nomeadamente […] cooperando entre si e com a Comissão de modo transparente a fim de garantir o desenvolvimento de uma prática reguladora e uma aplicação coerente da presente directiva».

8        O artigo 14.° da Directiva 2002/21 define o conceito de empresa com poder de mercado significativo. Para esse efeito, o artigo 14.°, n.° 2, da Directiva 2002/21 dispõe que «[u]ma empresa tem poder de mercado significativo se, individualmente ou em conjunto com outras, gozar de uma posição equivalente a uma posição dominante, ou seja, de uma posição de força económica que lhe permita agir, em larga medida, independentemente dos concorrentes, dos clientes e mesmo dos consumidores». A referida disposição acrescenta que, «ao avaliarem se duas ou mais empresas gozam de uma posição dominante conjunta num mercado, as [ARN] devem deliberar em conformidade com o direito comunitário e tomar na máxima conta as ‘Linhas de orientação para a análise de mercado e a avaliação do poder de mercado significativo’, publicadas pela Comissão nos termos do artigo 15.°».

9        O artigo 15.° da Directiva 2002/21 diz respeito ao procedimento de definição do mercado. De acordo com o artigo 15.°, n.° 1, da Directiva 2002/21, «[a] Comissão adoptará uma recomendação sobre os mercados relevantes de produtos e serviços (a seguir designada por ‘a recomendação’)». Refere‑se que «[a] recomendação identificará […] os mercados de produtos e serviços no sector das comunicações electrónicas cujas características podem justificar a imposição das obrigações regulamentares» e que «[a] Comissão definirá os mercados de acordo com os princípios do direito da concorrência». O artigo 15.°, n.° 2, da Directiva 2002/21 prevê que, «[a]té à data de entrada em vigor da presente directiva, a Comissão publicará linhas de orientação para a análise de mercado e a avaliação do poder de mercado significativo (a seguir ‘linhas de orientação’), que deverão respeitar os princípios do direito da concorrência». De acordo com o artigo 15.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, as [ARN] «tomarão a recomendação e as linhas de orientação na máxima conta ao definirem os mercados relevantes que correspondem às circunstâncias nacionais, em particular os mercados geográficos relevantes dentro do seu território, em conformidade com os princípios do direito da concorrência» e «seguirão os procedimentos previstos nos artigos 6.° e 7.° antes de definirem os mercados que diferem dos definidos na recomendação».

10      O artigo 16.° da directiva, intitulado «Procedimento de análise de mercado», dispõe:

«1. Logo que possível após a adopção da recomendação ou qualquer actualização da mesma, as [ARN] realizarão uma análise dos mercados relevantes, tendo na máxima conta as linhas de orientação. Os Estados‑Membros assegurarão que essa análise seja realizada, se for caso disso, em colaboração com as [ARN] da concorrência.

[…]

4. Caso uma [ARN] determine que um mercado relevante não é efectivamente concorrencial, deverá identificar as empresas com poder de mercado significativo nesse mercado, nos termos do artigo 15.°, e impor‑lhes as obrigações regulamentares específicas adequadas […] ou manter ou modificar essas obrigações, caso já existam.

5. No caso dos mercados transnacionais identificados na decisão referida no n.° 4 do artigo 15.°, as [ARN] em causa procederão a uma análise conjunta do mercado, tendo na máxima conta as linhas de orientação, e pronunciar‑se‑ão de modo concertado sobre a imposição, a manutenção, a modificação ou a supressão das obrigações regulamentares […]

6. As medidas tomadas em conformidade com os n.os […] 4 e 5 ficarão sujeitas aos procedimentos previstos nos artigos 6.° e 7.°»

2.     Recomendação 2003/561/CE

11      A Recomendação 2003/561/CE da Comissão, de 23 de Julho de 2003, referente às notificações, prazos e consultas previstos no artigo 7.° da Directiva 2002/21 (JO L 190, p. 13), prevê, no ponto 6, alínea f), que a notificação por parte da ARN de uma proposta de medida deve indicar, se for caso disso, «os resultados da consulta pública prévia realizada pela [ARN]».

12      Nos termos do ponto 12 da Recomendação 2003/561:

«Quando a Comissão apresentar observações em conformidade com o n.° 3 do artigo 7.° da Directiva 2002/21 […], notificará a [ARN] em causa por via electrónica e publicará essas observações no seu sítio web.»

13      O ponto 14 da Recomendação 2003/561 dispõe:

«Quando a Comissão, em aplicação do n.° 4 do artigo 7.° da Directiva 2002/21 […] considerar que a proposta de medida criará um entrave ao mercado único ou tiver sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário e, nomeadamente, os objectivos enunciados no artigo 8.° da Directiva 2002/21 […], ou subsequentemente

a)      Retirar as objecções acima mencionadas, ou

b)      Tomar uma decisão em que requer que a [ARN] proceda à retirada da proposta de medida,

notificará a [ARN] relevante por via electrónica e divulgará uma comunicação no seu sítio web.»

14      O ponto 16 da Recomendação 2003/561 refere que uma «[ARN] pode, a qualquer momento, decidir retirar o projecto de medida notificado, sendo nesse caso a medida notificada eliminada do registo [da Comissão]».

15      Nos termos do ponto 17 da Recomendação 2003/561, «[q]uando uma [ARN] que tiver recebido observações da Comissão ou de outra [ARN], em conformidade com o n.° 3 do artigo 7.° da Directiva 2002/21 […], adoptar o projecto de medida, após solicitação, deve informar a Comissão e as outras [ARN] sobre a forma como tomou devidamente em consideração essas observações».

 Factos na origem do litígio

16      As sociedades Vodafone España e Vodafone Group (a seguir, designadas conjuntamente, «Vodafone») exploram uma rede pública de comunicações móveis em Espanha e aí fornecem serviços de comunicações móveis. Existem outros dois operadores de redes móveis que exercem as suas actividades no mercado espanhol, a saber, as sociedades Telefonica e Amena. Foi atribuída uma licença de utilização do espectro à sociedade Xfera e esta está autorizada a aceder ao mercado como quarto operador de redes móveis.

17      Em 10 de Agosto de 2004, a Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (Comissão do Mercado das Telecomunicações espanhola, a seguir «CMT») anunciou a realização de uma consulta preliminar sobre os serviços retalhistas de acesso e de estabelecimento de chamadas com origem em aparelhos móveis, com o objectivo de recolher observações das empresas presentes no mercado.

18      Em 7 de Julho de 2005, a CMT decidiu dar início a um procedimento para definir e analisar o mercado dos serviços de acesso às redes públicas de telecomunicações móveis e de estabelecimento de chamadas a partir destas, identificar os operadores que gozam de poder significativo no mercado e impor obrigações específicas. Decidiu igualmente anunciar a realização da consulta pública e pedir um relatório à autoridade da concorrência espanhola. Esta decisão foi publicada no Boletín Oficial del Estado em 9 de Agosto de 2005. A consulta nacional decorreu entre 9 de Agosto e 9 de Setembro de 2005.

19      Em 16 de Setembro de 2005, a autoridade da concorrência espanhola comunicou à CMT o seu relatório sobre o procedimento de definição e de análise do mercado do fornecimento de serviços de acesso às redes públicas de telecomunicações móveis e de estabelecimento de chamadas a partir destas.

20      Em 23 de Setembro de 2005, a Vodafone apresentou observações à CMT.

21      Em 6 de Outubro de 2005, a CMT anunciou que, atendendo à complexidade do procedimento, o prazo para adopção e notificação da decisão era prorrogado por três meses.

22      Em 28 de Novembro de 2005, a CMT e a Comissão realizaram uma reunião de «pré‑notificação», na qual a CMT apresentou as suas conclusões preliminares. Os serviços da Comissão reagiram colocando uma primeira série de questões.

23      Entre 13 e 23 de Dezembro de 2005, a Vodafone apresentou observações preliminares à Comissão.

24      Em 30 de Dezembro de 2005, a Comissão registou a notificação da proposta de medida da CMT sob a referência ES/2005/0330, através da qual esta última se preparava, em primeiro lugar, para constatar que a Vodafone e duas outras sociedades, a saber, a Telefonica e a Amena, detinham conjuntamente um poder de mercado significativo equivalente a uma posição dominante, na acepção do direito comunitário da concorrência, no mercado grossista de fornecimento de serviços de acesso a redes públicas de telecomunicações móveis e de estabelecimento de chamadas a partir destas em Espanha e, em segundo lugar, para impor uma obrigação à Vodafone, bem como à Telefonica e à Amena, de atenderem aos pedidos razoáveis de acesso às suas redes e de oferecerem condições razoáveis para o fornecimento de serviços de acesso.

25      Em 5 de Janeiro de 2006, a Comissão publicou a proposta de medida da CMT.

26      Em 10 de Janeiro de 2006, a Comissão dirigiu um pedido de informações à CMT, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 2002/21. Recebeu a resposta desta em 13 de Janeiro de 2006 e informações complementares em 18 de Janeiro de 2006.

27      Em 13 de Janeiro de 2006, a Vodafone enviou à Comissão uma cópia das observações que havia apresentado à CMT no âmbito da consulta nacional.

28      Em 16 de Janeiro de 2006, a Vodafone manteve uma reunião com funcionários da Comissão sobre a proposta de medida ES/2005/0330 e forneceu‑lhes informações complementares. Além disso, enviou observações à Comissão num fax datado de 17 de Janeiro de 2006 e numa mensagem de correio electrónico datada de 24 de Janeiro de 2006.

29      Em 26 de Janeiro de 2006, a Vodafone formulou um pedido de acesso aos documentos que estavam na posse da Comissão, relativos à proposta de medida ES/2005/0330, nos termos do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).

30      Por carta de 30 de Janeiro de 2006, a Comissão enviou à CMT, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, uma carta de observações relativas à proposta de medida ES/2005/0330 (a seguir «carta de 30 de Janeiro de 2006» ou «acto impugnado»).

31      As observações da Comissão tinham por objecto a constatação, feita pela CMT, da existência de uma posição dominante colectiva. O primeiro comentário dizia respeito às condições de concorrência no mercado retalhista. Após ter observado que a análise da dinâmica do mercado retalhista, efectuada pela CMT, se baseava na evolução global da média das receitas por minuto, a Comissão convidava a CMT a vigiar, numa futura análise do mercado, a evolução dos preços de retalho por segmento de mercado e/ou por perfil de consumidor. Em seguida, observava que o mercado retalhista parecia apresentar uma série de características estruturais que pareciam incitar, de forma suficiente, os operadores a recusarem colectivamente o acesso a operadores de redes móveis virtuais.

32      Num segundo comentário relativo ao ponto de convergência, a Comissão notava que a CMT tinha constatado a existência de um ponto de convergência claro, que consistia numa recusa em permitir o acesso de terceiros ao mercado grossista. Apesar de a CMT não ter identificado um ponto de convergência no mercado retalhista, o que não era indispensável, a Comissão considerou plausível, tendo em conta o alinhamento de estratégias comerciais dos três operadores, que o mínimo desvio para uma concorrência através dos preços mais agressiva poderia ser facilmente detectado.

33      O terceiro comentário dizia respeito ao mecanismo de retaliação. Relativamente ao mercado grossista, a Comissão observava que este mecanismo podia ser implementado, mas que poderiam ter sido fornecidos mais elementos de prova sobre a questão de saber se este mecanismo podia ser mais imediato e se era um incentivo suficiente para disciplinar a empresa desviante. Quanto ao mercado retalhista, a Comissão considerou que existiam, de forma genérica, mecanismos de retaliação credíveis.

34      Num quarto comentário, a Comissão convidava as autoridades espanholas a encontrarem uma forma de assegurar uma utilização eficaz do espectro disponível, na medida em que um titular de licença (Xfera) não tinha ainda entrado no mercado, embora já tivesse obtido a sua licença em 2000. Se este titular de licença entrasse no mercado em 2006, incumbiria à CMT acompanhar de perto os efeitos sobre o carácter duradouro da posição dominante colectiva. A Comissão acrescentava que qualquer «prova concreta de evoluções no mercado retalhista, não relacionadas com as medidas regulamentares no mercado relevante, que suscitassem dúvidas sobre o carácter duradouro da posição dominante colectiva […] tornaria necessária uma análise do mercado relevante» e que tal análise lhe deveria ser notificada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

35      A Comissão observava ainda, na carta de 30 de Janeiro de 2006, que as informações complementares fornecidas pela CMT na sequência do pedido de informações tinham desempenhado um papel determinante na sua apreciação da notificação da CMT. Por consequência, convidava esta última a basear a sua medida final nas informações disponíveis mais recentes.

36      A Comissão recordava, por último, na carta de 30 de Janeiro de 2006, que, «[n]os termos do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva [2002/21], a CMT [tomara] na máxima conta as observações das outras ARN e da Comissão» e que podia «aprovar a proposta de medida final e, se o fizesse, comunicá‑la à Comissão».

37      Em 31 de Janeiro de 2006, a Comissão e a CMT publicaram, cada uma, um comunicado de imprensa relativo à carta de 30 de Janeiro de 2006.

38      Em 2 de Fevereiro de 2006, a CMT adoptou a decisão que aprovou a definição e a análise do mercado de fornecimento dos serviços de acesso a redes públicas de telecomunicações móveis e de estabelecimento de chamadas a partir destas, a designação dos operadores com poder de mercado significativo e a imposição de obrigações específicas. No quarto parágrafo da sua decisão, a CMT observou que, nos termos do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21, «[tomara] em conta, na medida do possível, as observações da Comissão e das [ARN] e [que] [podia] adoptar a medida final que deve[ria], então, comunicar à Comissão». O parágrafo final da decisão da CMT determina que «pode ser apresentado à [CMT] um pedido de reexame no prazo de um mês a contar do dia seguinte ao da notificação» e que «pode ser apresentado pedido de fiscalização jurisdicional directamente à secção de controlo jurisdicional do Supremo Tribunal, no prazo de dois meses a contar do dia seguinte ao da notificação».

39      Em 7 de Abril de 2006, a Vodafone interpôs recurso no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal espanhol) da decisão da CMT.

40      Em 11 de Maio de 2006, a Comissão enviou à Vodafone uma decisão que confirmava a recusa de acesso aos documentos, nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, indicando, relativamente a alguns dos documentos em causa, que «fazem parte das deliberações internas da Comissão sobre a abordagem a seguir no processo [em causa] e dizem directamente respeito ao procedimento decisório da Comissão».

 Tramitação processual e pedidos das partes

41      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Abril de 2006, a Vodafone interpôs o presente recurso.

42      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância também em 12 de Abril de 2006, a Vodafone formulou um pedido de tramitação acelerada, nos termos do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que foi indeferido por decisão de 16 de Maio de 2006.

43      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Junho de 2006, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

44      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Junho de 2006, o Reino de Espanha pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

45      Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Setembro de 2006, o pedido de intervenção foi admitido.

46      Na sua petição, a Vodafone conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão da Comissão contida na carta de 30 de Janeiro de 2006;

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas da Vodafone no presente processo.

47      Na sua excepção de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar o recurso manifestamente inadmissível;

–        condenar a Vodafone nas despesas.

48      Nas suas alegações, o Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar o recurso inadmissível;

–        condenar a Vodafone nas despesas.

49      Nas suas observações sobre a excepção de inadmissibilidade, a Vodafone conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

–        declarar que o processo seja julgado quanto ao mérito;

–        condenar a Comissão nas despesas resultantes da excepção de inadmissibilidade.

 Questão de direito

50      Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a pedido de uma parte, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, a tramitação ulterior do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. No caso em apreço, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelas peças constantes dos autos, não sendo necessário dar início à fase oral.

51      Em primeiro lugar, importa analisar se o acto impugnado no presente caso, a saber, uma carta adoptada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, constitui um acto susceptível de recurso, na acepção do artigo 230.° CE, e, em segundo lugar, se a Vodafone tem legitimidade processual, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

1.     Quanto à natureza do acto impugnado

 Argumentos das partes

52      A Comissão e o Reino de Espanha entendem que o acto impugnado não constitui um acto susceptível de recurso, na acepção do artigo 230.° CE.

53      A Vodafone recorda que, para determinar se um acto produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectarem os seus interesses alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, há que atender à essência do acto, sendo a forma sob a qual os actos ou as decisões são adoptados, em princípio, indiferente no que respeita à possibilidade de os impugnar por meio de recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 2005, Infront WM/Comissão, T‑33/01, Colect., p. II‑5897, n.° 89).

54      A Vodafone alega, em primeiro lugar, que resulta do conteúdo e do contexto no qual foi adoptado que o acto impugnado constitui uma decisão de autorização, através da qual a Comissão confirmou a medida proposta pela CMT e decidiu não dar início à segunda fase do procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21. Para tanto, explica que, nos termos do artigo 7.°, n.os 3 e 4, da directiva, a Comissão, após ter analisado uma proposta de medida que lhe tenha sido notificada, tem apenas duas alternativas: ou impõe à ARN em causa a obrigação de não adoptar a proposta de medida durante mais dois meses, ou não impõe moratória alguma permitindo, desse modo, que a ARN adopte a proposta de medida. Nos casos em que a Comissão decida não impor uma moratória, pode, no entanto, enviar observações à ARN, podendo essas observações dizer respeito a uma multiplicidade de aspectos diferentes, de importância variável. Contudo, a possibilidade de existir uma multiplicidade de observações diferentes não impede que a Comissão se encontre perante uma escolha essencialmente binária: ordenar à ARN que não adopte a proposta de medida durante mais dois meses ou não o fazer, permitindo‑lhe assim que proceda à adopção imediata da proposta de medida.

55      A Vodafone recorda que o papel da Comissão consiste em velar pela aplicação uniforme da Directiva 2002/21. Ora, este objectivo só pode ser atingido se a Comissão for obrigada a examinar todas as notificações e a tomar decisões em todos os processos. Seja como for, a própria Comissão reconhece que toma posição em cada processo. No prazo de um mês após a notificação, a Comissão aprova a proposta de medida ou decide dar início à segunda fase do processo.

56      No caso em apreço, a Comissão procedeu à avaliação da proposta de medida ES/2005/0330, a fim de decidir se existiam graves dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário e, tendo decidido que não havia, confirmou a proposta de medida. A Comissão descreveu o seu papel nestes termos não apenas no acto impugnado mas igualmente no comunicado de imprensa de 31 de Janeiro de 2006 (IP/06/97) que o acompanhava e no seu pedido de informações complementares à CMT na sequência da notificação. Insiste no facto de que a Comissão, em várias outras declarações que descreveram o procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21, incluindo no seu sítio Internet, qualificou de «decisões» todas as cartas enviadas nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da referida directiva. A Vodafone refere‑se, além disso, à decisão da Comissão de 11 de Maio de 2006, que recusou o acesso aos documentos relativos à proposta de medida ES/2005/0330, que continha várias referências à «decisão» da Comissão e ao «processo decisório». Salienta ainda que resulta da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 6 de Fevereiro de 2006, relativa às análises do mercado nos termos do quadro regulamentar comunitário – Consolidar o mercado interno das comunicações electrónicas [COM (2006) 28 final, pp. 5 e 10], que a Comissão, que toma posição relativamente a cada medida notificada, verifica se a avaliação da ARN está em conformidade com o direito comunitário da concorrência e é suficientemente corroborada por elementos de prova. A natureza vinculativa do procedimento levado a cabo nos termos do artigo 7.° da Directiva 2002/21 e o papel central da Comissão na avaliação e na verificação das conclusões das ARN que efectuam uma notificação resultam igualmente da Recomendação 2003/561 e do Memorando 06/59 da Comissão, de 7 de Fevereiro de 2006, intitulado «Comunicações electrónicas: o procedimento nos termos do artigo 7.° da Directiva 2002/21 e o papel da Comissão: questões frequentes».

57      A Vodafone, referindo‑se ao acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, salienta que a descrição que a própria Comissão faz do seu papel e do procedimento constitui uma prova convincente da produção de efeitos jurídicos vinculativos decorrentes de um acto e do seu carácter impugnável na acepção do artigo 230.° CE (acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.os 106 e 107). Além disso, à semelhança da decisão tomada no processo que deu origem ao acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, há que reconhecer efeitos vinculativos ao acto impugnado no presente processo para salvaguardar a aplicação correcta e uniforme do direito comunitário prosseguida pela Directiva 2002/21. Efectivamente, só se a Comissão for obrigada a avaliar cada proposta de medida que lhe é notificada e a decidir se a medida em causa deve ser «filtrada» como incompatível com a Directiva 2002/21 ou com o direito comunitário é que o procedimento previsto no artigo 7.° pode contribuir eficazmente para a aplicação correcta e uniforme da Directiva 2002/21.

58      No que se refere ao argumento segundo o qual não resulta decisão alguma da carta de 30 de Janeiro de 2006, a Vodafone salienta que é a essência, e não a forma, de um acto que é decisiva para determinar se um acto produz efeitos jurídicos (acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 110). Recorda, a este respeito, que o Tribunal de Primeira Instância já decidiu que actos sem parte decisória formal são actos susceptíveis de recurso (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colect., p. II‑121, n.os 44 e segs.).

59      Seja como for, a Vodafone considera que a parte do acto impugnado na qual a Comissão reproduz o artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21 tem a natureza de uma decisão pela qual, ao afirmar que a CMT pode adoptar a proposta de medida final e ao decidir, desse modo, não dar início à segunda fase do procedimento, a Comissão levantou o único obstáculo que restava à adopção, pela CMT, da proposta de medida ES/2005/0330. Ao reproduzir o texto do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21, na parte decisória do acto impugnado, sem, contudo, mencionar as palavras «salvo nos casos referidos no n.° 4», que dele fazem parte integrante, a Comissão decidiu claramente que a medida proposta pela CMT não era abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, na medida em que não teve sérias dúvidas sobre a compatibilidade da medida com o direito comunitário e que decidiu não dar início à segunda fase do procedimento.

60      Nas suas observações sobre as alegações do Reino de Espanha, a Vodafone recorda que o quadro regulamentar aplicável atribui à Comissão um papel decisivo para garantir uma aplicação uniforme do direito comunitário. O artigo 7.° da Directiva 2002/21 realiza esse objectivo ao prever que a Comissão receba cada medida proposta, a avalie e tome uma decisão relativamente a ela no âmbito de um sistema juridicamente vinculativo. O carácter juridicamente vinculativo de uma carta elaborada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 resulta, além disso, de um comunicado de imprensa de 20 de Outubro de 2006 (IP/06/1439) e de um discurso pronunciado pelo membro da Comissão responsável pela sociedade da informação, em 16 de Novembro de 2006. Os termos utilizados pela Comissão nesses documentos correspondem plenamente à descrição, efectuada pela Vodafone, da obrigação que recai sobre a Comissão de analisar cada notificação, de em seguida decidir levar a cabo, se for o caso, uma investigação aprofundada e, por fim, de «vetar» as medidas incompatíveis com o direito comunitário. O procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21 não constitui um mecanismo de troca de experiências ou de diálogo entre as autoridades competentes, sendo efectivamente um procedimento de autorização juridicamente vinculativo. A Vodafone recorda, para tanto, a redacção do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21, segundo a qual as ARN tomarão na máxima conta as observações da Comissão, bem como o n.° 17 da Recomendação 2003/561, nos termos do qual uma ARN deve informar a Comissão sobre a forma como tomou devidamente em consideração essas observações nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

61      Em segundo lugar, a Vodafone sustenta que o acto impugnado, ao afastar o último obstáculo à adopção da proposta de medida ES/2005/0330 e ao pôr termo ao exame da proposta de medida a nível comunitário, alterou não apenas a situação jurídica da CMT, permitindo‑lhe adoptar legalmente a sua proposta de medida e impondo‑lhe uma obrigação jurídica de tomar na máxima conta os elementos suscitados nas observações da Comissão, mas também a sua, uma vez que a privou dos direitos processuais de que teria podido beneficiar se a Comissão tivesse iniciado a segunda fase do procedimento.

62      A Vodafone considera, a este propósito, que o acto impugnado é análogo quer ao acto que a Comissão adopta nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), quando considera que não é competente para apreciar uma concentração, quer ao acto adoptado nos termos do artigo 9.° daquele regulamento, quando remete o processo às autoridades dos Estados‑Membros. Ao pôr termo à análise nos termos do direito comunitário, qualquer um desses actos, adoptados nos termos do Regulamento n.° 139/2004, afecta a situação jurídica do terceiro requerente, privando‑o, por um lado, da possibilidade de ser a Comissão a analisar a legalidade da concentração na perspectiva daquele regulamento e, por outro lado, dos direitos processuais que lhe são conferidos no decurso do procedimento administrativo perante a Comissão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T‑87/96, Colect., p. II‑203, n.os 37 a 44, e de 3 de Abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T‑119/02, Colect., p. II‑1433, n.° 282). Esta situação é comparável à do presente processo, uma vez que a carta de 30 de Janeiro de 2006 pôs termo à fiscalização comunitária da medida proposta ao concluir o procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21 e ao permitir que o procedimento nacional com vista à adopção da medida proposta prosseguisse.

63      A Vodafone acrescenta que o que é decisivo na determinação do carácter impugnável de um acto, na acepção do artigo 230.° CE, é o efeito material desse acto, apreciado no contexto do regime jurídico em que se insere, e não a competência exclusiva da Comissão. Seja como for, a Comissão tem, no âmbito da Directiva 2002/21, competência exclusiva para decidir se impõe uma moratória à adopção de uma medida notificada por uma ARN, dando início à segunda fase do procedimento. O exercício dessa competência deve poder ser submetido à fiscalização do juiz comunitário. É irrelevante que a Comissão tenha competência exclusiva para todo o processo, que pode levar à adopção de medidas regulamentares ex ante, ou que as ARN também tenham competência para certas fases do processo.

64      A Vodafone invoca igualmente a jurisprudência comunitária em matéria de auxílios de Estado, segundo a qual a decisão adoptada pela Comissão nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, de não dar início à segunda fase do procedimento e de aprovar a atribuição de um novo auxílio notificada por um Estado‑Membro, é susceptível de produzir efeitos directos não apenas em relação ao Estado‑Membro mas também em relação ao beneficiário proposto da ajuda e a terceiros denunciantes. Estes últimos seriam, com efeito, privados dos direitos processuais de que beneficiaram ao participarem numa investigação aprofundada da Comissão sobre as propostas de auxílio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.os 23 a 26, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.os 17 a 20; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2006, Air One/Comissão, T‑395/04, Colect., p. II‑1343, n.os 30 a 31).

65      A Vodafone salienta ainda que os seus direitos processuais decorrem directamente dos princípios gerais do direito comunitário. Não é, na realidade, necessário que um instrumento de direito comunitário derivado preveja expressamente a atribuição de direitos processuais para que esses direitos existam (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão, C‑48/90 e C‑66/90, Colect., p. I‑565, n.os 44 a 51). Assim, em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça precisou a categoria de beneficiários dos direitos processuais previstos no artigo 88.°, n.° 2, CE e o conteúdo desses direitos antes de terem sido expressamente determinados pelo Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1) (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.os 16 e 17). Ora, é jurisprudência constante nesta matéria que, nos procedimentos em duas fases em matéria de auxílios de Estado, as partes, como a Vodafone, têm direito de impugnar uma decisão da Comissão que põe termo à primeira fase do procedimento, de modo a garantir os direitos processuais de que beneficiarão durante a segunda fase do procedimento (acórdãos do Tribunal de Justiça, Cook/Comissão, referido no n.° 64 supra, n.° 23; Matra/Comissão, referido no n.° 64 supra, n.° 17; e de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, Colect., p. I‑10737, n.° 35; acórdão Air One/Comissão, referido no n.° 64 supra, n.° 31; acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 284).

66      A protecção dos direitos processuais da Vodafone a nível nacional não implica, deste modo, que esta não possa fazer valer direitos processuais a nível comunitário. O procedimento perante a CMT e aquele que é iniciado a nível comunitário nos termos do artigo 7.° da Directiva 2002/21 constituem procedimentos separados. Os direitos da Vodafone decorrentes do direito comunitário são aplicáveis às informações adicionais, que não podem ser postas em causa no âmbito do recurso nacional, uma vez que não decorrem do procedimento que correu perante a CMT. A este propósito, a Vodafone explica que nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre as informações adicionais que foram fornecidas pela CMT à Comissão na carta do presidente da CMT de 24 de Janeiro de 2006 e na de 25 de Janeiro de 2006 em resposta ao pedido de informações da Comissão. A própria Comissão admitiu a necessidade de reconhecer, igualmente, direitos processuais a nível comunitário, não obstante a sua existência a nível nacional.

67      O facto de o artigo 4.° da Directiva 2002/21 prever a existência de recursos jurisdicionais no direito nacional seria irrelevante para a apreciação da admissibilidade do presente recurso. O papel decisivo da Comissão na aplicação correcta e uniforme da Directiva 2002/21, que consiste em avaliar cada medida que lhe é notificada e decidir sobre a sua compatibilidade com o direito comunitário, deve ser objecto de fiscalização jurisdicional pelos órgãos jurisdicionais comunitários, independentemente dos recursos nacionais interpostos contra a medida nacional. Para esse efeito, a Vodafone precisa que tem direito de interpor recurso da decisão da Comissão de não dar início à segunda fase do procedimento porque, confrontada com os elementos de prova constantes da notificação da CMT, a única via que a Comissão devia ter seguido era a da abertura da segunda fase do procedimento. Constitui uma questão totalmente diferente saber se a Vodafone também tem motivos para interpor recurso da medida adoptada pela CMT a nível nacional, por, por exemplo, a CMT ter cometido erros de apreciação de facto, não detectáveis com base na notificação feita por si à Comissão e por a Comissão não os ter podido identificar. A Vodafone salienta ainda que, no presente caso, existem questões de fundo que não podem ser abordadas no âmbito de um recurso nacional. Refere, a este propósito, que a incompatibilidade da carta de 30 de Janeiro de 2006 com decisões adoptadas em relação a outros Estados‑Membros constitui a base de dois fundamentos específicos invocados no âmbito do presente recurso. Uma vez que os mecanismos de recurso nacionais e comunitários têm objectivos diferentes, não existe, neste caso, risco de «forum shopping». De qualquer modo, a eventual existência de vias de recurso perante o órgão jurisdicional nacional não pode excluir a possibilidade de impugnar directamente, perante o órgão jurisdicional comunitário, com base no artigo 230.° CE, a legalidade de uma decisão adoptada por uma instituição comunitária (acórdãos Air France/Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 69; Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 290; e Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 109).

68      Por último, o facto de a Comissão não ter poderes de investigação tão alargados como aqueles de que dispõe nos termos do Regulamento n.° 139/2004 não é um factor pertinente para determinar a admissibilidade do presente recurso. A Vodafone recorda, a este propósito, que a Comissão é competente, por força do artigo 5.° da Directiva 2002/21, para exigir que as ARN lhe forneçam «as informações necessárias para que esta desempenhe as funções que lhe são conferidas pelo Tratado» (incluindo informações consideradas confidenciais) e que, no presente caso, a Comissão exerceu essa competência. Os poderes de investigação da Comissão só são limitados na medida em que a Comissão não está obrigada ou não tem poderes para efectuar uma análise completa quanto ao mérito de todos os factos subjacentes à proposta de medida da ARN. O papel da Comissão é diferente do da ARN ou do órgão de recurso nacional criado nos termos do artigo 4.° da Directiva 2002/21. Contudo, nas informações que são colocadas à sua disposição (incluindo informações que solicite nos termos do artigo 5.° da Directiva 2002/21), a Comissão está obrigada a verificar se uma proposta de medida cria um obstáculo ao mercado interno, decidir se tem sérias dúvidas quanto à compatibilidade da proposta de medida com o direito comunitário e, nos casos em que, no termo de uma investigação aprofundada, considerar que uma proposta de medida é incompatível com o direito comunitário, proibir essa proposta de medida. Para levar a cabo essa tarefa, a Comissão tem de exercer uma fiscalização juridicamente adequada, que respeite o poder de apreciação de uma ARN, mas que impeça a adopção de propostas de medidas incompatíveis com o direito comunitário.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

69      Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE, as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica. A forma sob a qual os actos ou decisões são adoptados é, em princípio, indiferente no que respeita à possibilidade de os impugnar por meio de recurso de anulação (acórdão IBM/Comissão, referido no n.° 53 supra, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Fevereiro de 2000, Stork Amsterdam/Comissão, T‑241/97, Colect., p. II‑309, n.° 49). Para determinar se um acto impugnado produz tais efeitos, há, com efeito, que atender à sua essência (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2000, Países Baixos/Comissão, C‑147/96, Colect., p. I‑4723, n.° 27).

70      Para apreciar, à luz dos princípios acima referidos, a natureza jurídica do acto impugnado e apurar se este produz efeitos jurídicos vinculativos há que examinar, desde logo, o seu conteúdo e o contexto em que foi adoptado (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1991, Sunzest/Comissão, C‑50/90, Colect., p. I‑2917, n.° 13).

 Quanto ao contexto em que o acto impugnado foi adoptado

–       Quanto às competências atribuídas, respectivamente, às ARN e à Comissão pela Directiva 2002/21

71      O contexto jurídico em que o acto impugnado foi adoptado é constituído pela Directiva 2002/21. Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2002/21, esta «estabelece um quadro harmonizado para a regulamentação dos serviços de comunicações electrónicas, das redes de comunicações electrónicas e dos recursos e serviços conexos. Define as funções das [ARN] e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade».

72      O legislador comunitário pretendeu atribuir um papel central às ARN para atingir os objectivos prosseguidos pela Directiva 2002/21, entre os quais consta, como indica o artigo 8.°, n.° 2, da referida directiva, a promoção da concorrência no sector das comunicações electrónicas.

73      A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, os elementos formais, como o recurso ao instrumento jurídico da directiva, de que os Estados‑Membros são os únicos destinatários. A estrutura da directiva, que comporta cinco capítulos intitulados, respectivamente, «Âmbito, objectivo e definições» (capítulo I: artigos 1.° e 2.°), «[ARN]» (capítulo II: artigos 3.° a 7.°), «Funções das [ARN]» (capítulo III: artigos 8.° a 13.°), «Disposições gerais» (capítulo IV: artigos 14.° a 25.°) e «Disposições finais» (capítulo V: artigos 26.° a 30.°) é igualmente reveladora do papel central desempenhado pelas ARN.

74      Em seguida, relativamente às competências específicas atribuídas pela Directiva 2002/21 às ARN, estas estão obrigadas, nomeadamente, a definir, em conformidade com os princípios do direito da concorrência, os mercados das comunicações electrónicas que se encontrem no seu território (artigo 15.°, n.° 3, da Directiva 2002/21), a identificar os operadores com poder de mercado significativo (artigo 14.° da Directiva 2002/21) e a determinar as obrigações regulamentares que, se for o caso, devem ser impostas a esses operadores (artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21).

75      No exercício das competências referidas no número anterior, as ARN são assistidas pela Comissão. Assim, o artigo 15.°, n.° 1, da Directiva 2002/21 prevê que «a Comissão adoptará uma recomendação sobre os mercados relevantes de produtos e serviços» e que «[a] recomendação identificará […] os mercados de produtos e serviços no sector das comunicações electrónicas cujas características podem justificar a imposição das obrigações regulamentares». O artigo 15.°, n.° 2, da Directiva 2002/21 acrescenta que «a Comissão publicará linhas de orientação para a análise de mercado e a avaliação do poder de mercado significativo […] que deverão respeitar os princípios do direito da concorrência».

76      De acordo com o artigo 14.°, n.° 2, segundo parágrafo, o artigo 15.°, n.° 3, e o artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2002/21, as ARN tomarão a recomendação e as linhas de orientação da Comissão «na máxima conta».

77      A Directiva 2002/21 prevê uma participação mais directa da Comissão, bem como uma participação das outras ARN, quando uma ARN tenha a intenção de definir «os mercados que diferem dos definidos na recomendação» da Comissão (artigo 15.°, n.° 3). O mesmo se passa quando a ARN – ou as ARN em causa quando se trate de um mercado transnacional – pretendam impor, manter ou alterar obrigações regulamentares específicas adequadas a empresas com poder de mercado significativo num mercado que não é efectivamente concorrencial (artigo 16.°, n.os 4, 5 e 6). A participação da Comissão, bem como a das outras ARN, no procedimento de consolidação do mercado interno das comunicações electrónicas está descrita no artigo 7.° da Directiva 2002/21 e visa, de acordo com o décimo quinto considerando da referida directiva, garantir «que as decisões a nível nacional não tenham efeitos negativos no mercado interno ou noutros objectivos do Tratado». Trata‑se de um procedimento que visa assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar.

–       Quanto ao desenrolar do procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21

78      O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 dispõe que, «caso uma [ARN] tencione tomar uma medida» que se insira, nomeadamente, no âmbito de aplicação dos artigos 15.° e 16.° da Directiva 2002/21 e que «[a]fecte o comércio entre os Estados‑Membros», a ARN em causa deve, «[p]ara além da consulta [das partes interessadas] referida no artigo 6.°», tornar «a proposta de medida simultaneamente acessível à Comissão e às [ARN] dos outros Estados‑Membros, juntamente com a sua fundamentação», e «informa[r] do facto a Comissão e as restantes [ARN]». A esta obrigação de notificação que incumbe à ARN em causa corresponde a obrigação da Comissão de analisar a proposta de medida notificada a fim de garantir «que as decisões a nível nacional não tenham efeitos negativos no mercado interno ou noutros objectivos do Tratado» (décimo quinto considerando da Directiva 2002/21).

79      No presente caso, a proposta de medida ES/2005/0330, que foi notificada à Comissão e às outras ARN, é abrangida pelo artigo 16.°, 4.°, da Directiva 2002/21. A medida proposta visa, com efeito, identificar empresas que possuam um poder de mercado significativo e impor‑lhes obrigações regulamentares específicas.

80      Importa referir que o artigo 7.° da Directiva 2002/21 prevê dois tipos de reacções possíveis por parte da Comissão, na sequência da notificação de uma proposta de medida efectuada nos termos do artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21.

81      Na primeira hipótese, prevista no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, a Comissão considera que a proposta de medida não criará um entrave ao mercado interno ou não tem sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário e, em particular, com os objectivos enunciados no artigo 8.° daquela directiva. Nesta hipótese, a Comissão «só pod[e] apresentar observações à [ARN] em causa no prazo de um mês» se, como sucede no presente caso, o processo de consulta das partes interessadas previsto no artigo 6.° da Directiva 2002/21 estiver já concluído no momento da notificação da proposta de medida. A Comissão afirmou, no decurso do presente procedimento, que, por motivos de transparência, toma posição sobre cada notificação formulando observações ou envia uma carta a declarar que não tem observações a formular [Comunicação COM (2006) 28 final, p. 3].

82      Na segunda hipótese, referida no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, a Comissão considera, pelo contrário, que a proposta de medida «afect[a] o comércio entre os Estados‑Membros» e «criará um entrave ao mercado interno» ou exprime «sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o direito comunitário e, em particular, com os objectivos enunciados no artigo 8.°». Neste caso, endereça, no mesmo prazo de um mês, uma carta à ARN em causa exprimindo sérias dúvidas, na acepção do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, e, de acordo com aquela disposição, «a aprovação da medida será adiada por um prazo suplementar de dois meses». Durante esta segunda fase do procedimento, a Comissão procede a uma análise aprofundada da medida em causa. Apesar de nenhuma disposição o prever expressamente, a Comissão afirmou que, no âmbito da segunda fase, convida as partes interessadas a apresentarem as suas observações.

83      Resulta do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 que, durante esse prazo suplementar de dois meses, «a Comissão pode tomar […] uma decisão em que solicitará à [ARN] em causa que retire a proposta de medida». Tal decisão «será acompanhada de uma análise circunstanciada e objectiva das razões pelas quais a Comissão considera que a proposta de medida não deve ser aprovada, juntamente com as propostas específicas de alteração da proposta de medida». A Comissão pode também chegar à conclusão de que, afinal, esta medida não coloca problemas de compatibilidade com o direito comunitário. Neste caso, retira as objecções, nos termos do ponto 14 da Recomendação 2003/561. A segunda fase do procedimento não se conclui assim necessariamente com uma decisão de veto da Comissão.

84      Cumpre salientar que o papel das outras ARN após a notificação de uma proposta de medida limita‑se, contrariamente ao da Comissão, à formulação de observações nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21. Com efeito, as outras ARN não têm competência para pedir à ARN notificante que retire a sua proposta de medida.

–       Quanto à natureza jurídica de uma carta enviada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21

85      O acto impugnado no presente caso é uma carta de observações da Comissão que se baseia no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

86      A Vodafone considera que o acto impugnado produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectarem os seus interesses, na acepção da jurisprudência referida no n.° 69 supra.

87      Em primeiro lugar, afirma que, ao adoptar o acto impugnado, a Comissão aprovou a proposta de medida ES/2005/0330 e decidiu não impor a moratória suplementar de dois meses prevista no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 e não dar início à segunda fase do procedimento previsto na mesma disposição, privando‑a, assim, de direitos processuais.

88      A este propósito, deve recordar‑se que o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 2002/21 impõe às ARN a obrigação, nomeadamente, de promover a concorrência na oferta de redes de comunicações electrónicas, de serviços de comunicações electrónicas e de recursos e serviços conexos. A proposta de medida ES/2005/0330, abrangida pelo artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, visa realizar este objectivo impondo obrigações regulamentares específicas aos três operadores de redes de comunicações móveis públicas activas em Espanha que, de acordo com a CMT, gozam de um poder de mercado significativo no mercado.

89      No âmbito do procedimento conducente à adopção de uma medida final por parte da ARN, nos termos do artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, a ARN em causa notifica, de acordo com o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, a sua proposta de medida à Comissão e às outras ARN «a fim de lhes dar a oportunidade de apresentar[em] comentários» (décimo quinto considerando da Directiva 2002/21). O procedimento do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 constitui, deste modo, um procedimento de consulta e de cooperação entre a ARN notificante, por um lado, e as outras ARN e a Comissão, por outro.

90      É certo que, como indicado no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 2002/21, a intervenção da Comissão e das outras ARN no âmbito do procedimento do artigo 7.° da Directiva 2002/21 visa «assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade».

91      No entanto, esta circunstância não implica que as observações formuladas pela Comissão nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 produzam efeitos jurídicos vinculativos.

92      Em primeiro lugar, por um lado, embora seja verdade que a Directiva 2002/21 atribui à Comissão um papel importante no âmbito dos procedimentos que visam garantir a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a Comunidade, não é menos certo que, de acordo com o artigo 7.°, n.° 2, e com o artigo 8.°, n.° 3, alínea d), da Directiva 2002/21, as ARN devem assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar, cooperando entre si e com a Comissão, de modo transparente. As ARN têm assim também uma responsabilidade‑chave para assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar na Comunidade com base numa cooperação com a Comissão e com as outras ARN.

93      Por outro lado, há que constatar que os efeitos jurídicos de uma carta enviada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 estão claramente definidos no n.° 5 da referida disposição, nos termos do qual a ARN notificante «tomará na máxima conta as observações das outras [ARN] e da Comissão». Esta formulação realça o carácter não vinculativo de uma carta da Comissão enviada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21. Assim, importa salientar que o artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21 não prevê nenhuma preponderância das observações da Comissão sobre as que são apresentadas pelas outras ARN. A este respeito, o ponto 17 da Recomendação 2003/561 dispõe que, «[q]uando uma [ARN] que tiver recebido observações da Comissão ou de outra [ARN], em conformidade com o n.° 3 do artigo 7.° da Directiva 2002/21 […], adoptar o projecto de medida, após solicitação, deve informar a Comissão e as outras [ARN] sobre a forma como tomou devidamente em consideração essas observações». Deste modo, na hipótese de as observações de uma ARN e da Comissão serem contraditórias, a ARN notificante não viola o artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21 se seguir, após análise atenta das diferentes observações, a abordagem proposta pela outra ARN e não a que foi proposta pela Comissão.

94      Por outro lado, se, como alega a Vodafone, a Comissão tivesse competência para autorizar a medida nacional notificada no âmbito do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, não bastaria à ARN, nesse caso, ter na máxima conta a «decisão» da Comissão na medida em que, de acordo com o artigo 249.° CE, tal decisão seria obrigatória em todos os seus elementos para o seu destinatário.

95      Em segundo lugar, o facto de a Comissão poder, nas circunstâncias previstas no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, dar início à segunda fase do procedimento, que pode terminar com uma decisão de veto, não implica, por esse motivo, que seja a carta de observações da Comissão, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da referida directiva, a conferir à ARN o direito de adoptar a medida nacional pretendida.

96      Importa recordar, a este propósito, que a proposta de medida ES/2005/0330, que, no caso em apreço, a CMT notificou à Comissão e às outras ARN, constitui uma medida abrangida pelo artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21. Ora, esta disposição autoriza directamente a ARN em causa a adoptar a medida em questão, uma vez que prevê que uma ARN que determine que um mercado não é efectivamente concorrencial «deverá identificar as empresas com poder de mercado significativo nesse mercado» e «impor‑lhes as obrigações regulamentares específicas adequadas». Ainda que, nas circunstâncias especificadas no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, a Comissão possa solicitar à ARN em causa que retire a proposta de medida notificada sempre que a mesma crie um entrave ao mercado interno ou seja incompatível com o direito comunitário e, em especial, com os objectivos políticos que as ARN devem respeitar, o exercício, por parte da ARN, das competências que resultam directamente do artigo 16.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 não requer nenhuma «autorização» da Comissão. Por outro lado, nenhuma disposição da Directiva 2002/21 prevê que o facto de a Comissão não dar início à segunda fase do procedimento se assemelhe a uma aprovação da proposta de medida notificada que autorize a ARN a agir.

97      Em terceiro lugar, atendendo ao papel consultivo atribuído à Comissão e às outras ARN no âmbito do procedimento do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, uma carta de observações da Comissão nos termos da referida disposição constitui um acto comunitário preparatório no âmbito de um procedimento que conduz à adopção de uma medida nacional por parte da ARN em causa. Ora, resulta de jurisprudência constante que os actos preparatórios adoptados pelas instituições comunitárias não podem ser objecto de recurso de anulação autónomo (acórdão Países Baixos/Comissão, referido no n.° 69 supra, n.° 35; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 2006, Buendía Sierra/Comissão, T‑311/04, Colect., p. II‑4137, n.° 98).

98      É certo que uma intervenção da Comissão nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 não conduz à adopção de um acto comunitário final que possa ser objecto de um recurso directo para os órgãos jurisdicionais comunitários.

99      Contudo, contrariamente ao que alega a Vodafone, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva não exige que seja interposto um recurso para o Tribunal de Primeira Instância de uma carta de observações enviada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

100    Há que realçar, a este propósito, que o artigo 4.° da Directiva 2002/21 obriga os Estados‑Membros a instituírem um mecanismo de recurso das decisões da ARN nacional para um organismo de recurso independente. Precisa‑se que, se esse organismo de recurso não for de carácter judicial, «a sua decisão deverá poder ser revista por um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234.° do Tratado».

101    A Directiva 2002/21 institui assim um sistema de protecção jurisdicional completo.

102    Por um lado, sempre que, como no presente caso, o papel da Comissão se limite a uma consulta, no âmbito de um procedimento nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, que conduz, em princípio, à adopção de uma decisão pela ARN em causa, reconhece‑se um direito de recurso para o órgão jurisdicional nacional em causa, que, de acordo com o artigo 234.° CE, pode enviar ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais sobre a interpretação do quadro regulamentar comunitário aplicável. Importa sublinhar que a Vodafone interpôs recurso da decisão da CMT para o Tribunal Supremo. Uma vez que o reenvio prejudicial previsto no artigo 234.° CE pode incidir, igualmente, sobre actos comunitários não vinculativos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1989, Grimaldi, C‑322/88, Colect., p. 4407, n.° 8, e de 8 de Abril de 1992, Wagner, C‑94/91, Colect., p. I‑2765, n.os 16 e 17), o órgão jurisdicional nacional em causa, devido a esse reenvio, pode verificar, nomeadamente, se a carta de observações da Comissão, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, se baseia numa interpretação correcta do direito comunitário.

103    Por outro lado, se a Comissão exercer o seu direito de veto nos termos do artigo 7.°, n.° 4, o procedimento não termina com uma decisão nacional, mas com a adopção de um acto comunitário que produz efeitos jurídicos vinculativos, abrindo‑se uma via de recurso para o Tribunal de Justiça.

104    Em segundo lugar, a Vodafone pretende provar a natureza vinculativa de uma carta da Comissão nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, realçando o direito de veto de que a Comissão dispõe nos termos do artigo 7.°, n.° 4, da referida directiva, que demonstra que exerce uma função decisória no âmbito do artigo 7.°

105    A este respeito, cumpre recordar que o artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 permite que a Comissão tome «uma decisão em que solicitará à [ARN] em causa que retire a proposta de medida». Ainda que o exercício efectivo do direito de veto produza efeitos jurídicos vinculativos uma vez que a ARN em causa deixa de poder adoptar a medida prevista, deve considerar‑se que o não‑exercício do direito de veto se assemelha a uma não‑adopção de decisão que não produz nenhum efeito jurídico vinculativo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2004, Comissão/Conselho, C‑27/04, Colect., p. I‑6649, n.os 31 a 34).

106    Daqui decorre que, se a Comissão, como fez no presente caso, se limitar a formular observações nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 e não exercer o seu direito de veto previsto no artigo 7.°, n.° 4, a sua intervenção não terá efeitos jurídicos vinculativos. Se a ARN decidir adoptar a medida nacional, os efeitos jurídicos vinculativos que resultam dessa medida são imputáveis à ARN em causa e não às observações da Comissão ou à não‑abertura do procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21.

107    Quanto a este ponto, os procedimentos previstos no artigo 7.°, n.os 3 e 4, da Directiva 2002/21 distinguem‑se dos procedimentos em matéria de auxílios de Estado e de controlo de concentrações, no âmbito dos quais o quadro jurídico aplicável prevê expressamente que o não‑exercício, por parte da Comissão, das suas competências num determinado prazo equivale a uma autorização tácita. Com efeito, se num prazo de vinte e cinco dias úteis ou de dois meses após a notificação, respectivamente, da concentração ou da medida de auxílio, a Comissão não se tiver pronunciado, a concentração, ou a medida de auxílio, é considerada compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 139/2004 e do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 659/1999. Porém, nenhuma disposição da Directiva 2002/21 prevê que o não‑exercício, por parte da Comissão, da competência que lhe é atribuída pelo artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 equivale a uma autorização tácita da medida nacional. Ora, não havendo nenhuma disposição de direito comunitário que fixe um prazo findo o qual se presume ter havido uma decisão tácita e que defina o conteúdo dessa decisão, a não‑adopção de uma decisão por uma instituição comunitária não pode ser considerada um acto impugnável na acepção do artigo 230.° CE (v., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, referido no n.° 105 supra, n.os 32 e 34).

108    Em terceiro lugar, a Vodafone baseia‑se, diversas vezes, no acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, para sustentar a sua argumentação segundo a qual a carta de 30 de Janeiro de 2006 constitui um acto impugnável, na acepção do artigo 230.° CE.

109    O facto de, no acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, o recurso ter sido declarado admissível pelo Tribunal de Primeira Instância não permite concluir no sentido da admissibilidade do presente recurso.

110    Efectivamente, importa recordar, antes de mais, que, no processo que deu origem ao acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, o acto impugnado era uma carta da Comissão baseada no artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), alterada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 202, p. 60). A Directiva 89/552 visava facilitar a liberdade de circulação das emissões televisivas no interior da Comunidade, tendo ao mesmo tempo em conta as especificidades, nomeadamente culturais e sociológicas, dos programas audiovisuais. Permitia, nomeadamente, que os Estados‑Membros adoptassem medidas tendentes a proteger o direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade. Nesse contexto, previa‑se que os Estados‑Membros mantêm o direito de adoptar medidas, compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício dos direitos exclusivos de retransmissão desses acontecimentos pelos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição. Com vista ao seu reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros, em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 3, da Directiva 89/552, as medidas adoptadas ou propostas por um Estado‑Membro deviam ser notificadas à Comissão. O artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva previa, a esse respeito, que a Comissão verifica, no prazo de três meses a contar da notificação, se essas medidas estatais eram compatíveis com o direito comunitário. As medidas assim aprovadas pela Comissão eram publicadas no Jornal Oficial.

111    O acto impugnado no processo que deu origem ao acórdão Infront WM/Comissão, referido no n.° 53 supra, era uma carta da Comissão na qual esta declarou ao Reino Unido a compatibilidade com o direito comunitário das medidas notificadas nos termos do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, esta «carta produz[ia] efeitos jurídicos no território dos Estados‑Membros na medida em que prev[ia] a publicação das medidas estatais em causa no Jornal Oficial, dado que essa publicação tem por efeito desencadear o mecanismo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 3.°‑A, n.° 3, da [D]irectiva [89/552]» (n.° 95). O Tribunal de Primeira Instância sublinha, a este propósito, que, nos termos do artigo 3.°‑A, n.os 2 e 3, da Directiva 89/552, «o reconhecimento mútuo das medidas nacionais notificadas [estava] subordinado à verificação da compatibilidade destas com o direito comunitário» (n.° 101).

112    Pelo contrário, no âmbito do procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21, não se trata de a ARN notificante produzir, por meio da notificação por si efectuada, um efeito jurídico noutros Estados‑Membros. A notificação é efectuada no âmbito do procedimento de consulta e cooperação entre a ARN e a Comissão, com o objectivo de assegurar a aplicação coerente do quadro regulamentar. As observações formuladas pela Comissão numa carta nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, como seja o acto impugnado no presente processo, não produzem nenhum efeito jurídico vinculativo em relação à ARN notificante nem em relação a outras ARN. Trata‑se unicamente de observações que, à semelhança das observações recebidas das outras ARN, a ARN notificante é convidada a ter na máxima conta.

113    Em quarto lugar, o argumento da Vodafone segundo o qual a carta de 30 de Janeiro de 2006 constitui uma decisão tácita de não dar início à segunda fase do procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 e, por isso, deve poder ser impugnada de modo a salvaguardar os direitos processuais de que teria beneficiado durante aquela segunda fase deve ser igualmente rejeitado.

114    Ainda que, excepcionalmente, o Tribunal de Justiça tenha sido levado a qualificar de acto impugnável uma decisão de dar início a um procedimento (v., relativamente à decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2001, Itália/Comissão, C‑400/99, Colect., p. I‑7303), há que reconhecer que, até hoje, o juiz comunitário nunca qualificou de acto impugnável uma decisão de não dar início a um procedimento.

115    Mesmo admitindo que a salvaguarda dos direitos processuais de uma parte interessada seja susceptível de influenciar o carácter impugnável de uma decisão de não dar início a um determinado procedimento, importa ainda analisar se, por força da Directiva 2002/21, a Vodafone goza de direitos processuais que o Tribunal de Primeira Instância deve salvaguardar.

116    A este respeito, recorde‑se, antes de mais, que o artigo 6.° da Directiva 2002/21 prevê que as ARN, quando tencionem tomar medidas, em conformidade com a referida directiva, que tenham um impacto significativo no mercado relevante, devem proporcionar «às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações sobre o projecto de medidas num prazo razoável».

117    Em seguida, o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2002/21 estabelece um direito de recurso efectivo junto dos órgãos jurisdicionais nacionais das decisões das ARN.

118    Os direitos processuais que o artigo 6.° da Directiva 2002/21 reconhece às partes interessadas no âmbito do procedimento perante a ARN devem, assim, ser salvaguardados perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

119    O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 não atribui direitos processuais adicionais às partes interessadas na medida em que esse procedimento não conduz à adopção de um acto comunitário que produza efeitos jurídicos vinculativos. O procedimento do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 tem, assim, exclusivamente por objecto as relações entre a ARN em causa, por um lado, e as outras ARN e a Comissão, por outro, que lhe podem apresentar observações. Todavia, no contexto deste procedimento, a Comissão, para que possa tomar posição de forma útil, é informada das observações das partes interessadas que tenham sido apresentadas durante o procedimento nacional. Com efeito, nos termos do ponto 6, alínea f), da Recomendação 2003/561, a ARN notificante apresenta à Comissão «[o]s resultados da consulta pública prévia realizada pela [ARN]».

120    A abordagem do legislador comunitário, que visa fazer respeitar os direitos processuais das partes interessadas a nível nacional, explica‑se pelo facto de, no quadro jurídico definido pela Directiva 2002/21, as medidas que afectam os interesses das empresas activas nos mercados das comunicações electrónicas, nomeadamente as abrangidas pelo artigo 16.° da directiva, serem tomadas pelas ARN e não pela Comissão.

121    Quanto ao procedimento aplicável quando a Comissão exprima sérias dúvidas sobre a compatibilidade de uma medida notificada com o direito comunitário, verifica‑se antes de mais que o artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 nada diz quanto a uma eventual participação das partes interessadas nesse procedimento. Ainda que a Comissão afirme que o início da segunda fase do procedimento, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21, é publicado no sítio Internet da Comissão sendo as partes interessadas convidadas a apresentar observações no prazo de cinco dias úteis, a não‑abertura de tal procedimento não afecta os direitos processuais de uma parte interessada. De facto, a não‑abertura do procedimento nos termos do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 implica que a decisão final no processo será tomada a nível nacional. Ora, os direitos processuais de que as partes interessadas beneficiam sempre que a Comissão se limita a formular observações ao abrigo do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 são salvaguardados perante as jurisdições nacionais. Assim, se a Vodafone considera, como fez no âmbito do seu terceiro fundamento, que não pôde apresentar observações sobre informações essenciais, a saber, aquelas que teriam sido apresentadas pela primeira vez no procedimento perante a Comissão, poderia invocar tal fundamento perante o órgão jurisdicional nacional.

122    Não pode, consequentemente, ser invocada nenhuma violação dos direitos processuais a nível comunitário quando a Comissão se limite, como no caso em apreço, a formular observações não vinculativas nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

123    A jurisprudência em matéria de controlo de concentrações e em matéria de auxílios de Estado, à qual se refere a Vodafone, não é pertinente no presente processo.

124    Em primeiro lugar, na jurisprudência invocada pela Vodafone, o recurso não visava a anulação de uma decisão de não‑abertura da segunda fase do procedimento. O recurso visava, com efeito, a anulação de um acto que produziu efeitos jurídicos vinculativos que, de acordo com cada uma das recorrentes em causa, foi adoptado em violação dos seus direitos processuais.

125    Deste modo, relativamente ao controlo dos auxílios de Estado, a questão do respeito dos direitos processuais foi invocada no âmbito de um recurso de uma decisão de não suscitar objecções adoptada nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999 (acórdãos Cook/Comissão e Matra/Comissão, referidos no n.° 64 supra; acórdão Air One/Comissão, referido no n.° 64 supra, n.os 30 e 31). Tal decisão produz efeitos jurídicos vinculativos uma vez que declara expressamente que o auxílio em causa é compatível com o mercado comum.

126    Relativamente ao controlo de concentrações, a questão do respeito dos direitos processuais foi suscitada no âmbito de um recurso de uma decisão da Comissão baseada no artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989 (JO L 395, p. 1) [actual artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 139/2004], que declarou que a operação notificada não constituía uma concentração (acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, referido no n.° 62 supra), ou de uma decisão baseada no artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 [actual artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004], que remete o controlo da concentração para a autoridade nacional (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra). Decisões deste tipo produzem, igualmente, efeitos jurídicos vinculativos na medida em que têm por efeito uma alteração do regime jurídico aplicável à operação em causa, a saber, o artigo 81.° CE e o procedimento autónomo e distinto instituído pelo Regulamento n.° 1/2003 (acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 41) ou a legislação nacional relativa às concentrações (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 282, e de 30 de Setembro de 2003, Cableuropa e o./Comissão, T‑346/02 e T‑347/02, Colect., p. II‑4251, n.os 59 e 60).

127    No caso em apreço, porém, o acto impugnado não declara expressamente que a medida notificada é compatível com o direito comunitário e também não tem como efeito uma alteração do direito aplicável à medida notificada. O quadro jurídico estabelecido pela Directiva 2002/21 era aplicável antes da notificação da medida à Comissão e continua a ser aplicável independentemente da posição adoptada pela Comissão na carta de 30 de Janeiro de 2006. O acto impugnado não produz assim efeitos jurídicos vinculativos e as soluções adoptadas nos acórdãos referidos no número anterior não podem assim ser transpostas para o presente caso.

128    Em segundo lugar, importa salientar que o controlo dos auxílios de Estado e das concentrações que tenham dimensão comunitária é da competência exclusiva da Comissão, nos termos, respectivamente, do artigo 88.°, n.° 3, CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig, 78/76, Colect., p. 203, n.° 9) e do artigo 21.°, n.° 2, do Regulamento n.° 139/2004. Sem prejuízo da fiscalização pelo juiz comunitário, só ela pode, assim, pronunciar‑se sobre a compatibilidade de tal concentração ou de um auxílio de Estado com o mercado comum. Daqui decorre que as partes interessadas só podem fazer valer com utilidade as suas eventuais observações a nível comunitário. No presente caso, no entanto, tendo em conta que as medidas visadas pela Directiva 2002/21 são, em princípio, adoptadas a nível nacional e não pela Comissão, será suficiente que as partes interessadas sejam ouvidas a nível nacional, pelo menos, se a Comissão se limitar a formular observações nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21. Com efeito, nada impede que as partes interessadas invoquem, perante as autoridades e órgãos jurisdicionais nacionais, a questão da compatibilidade da medida proposta com o direito comunitário.

129    Os argumentos da Vodafone relativos à salvaguarda dos seus direitos processuais também não permitem que se qualifique o acto impugnado de acto susceptível de recurso, na acepção do artigo 230.° CE.

130    Em quinto lugar, a Vodafone sublinha que, em diferentes documentos, a Comissão qualificou as cartas enviadas nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 de «decisão». Refere‑se, a este propósito, ao comunicado de imprensa de 31 de Janeiro de 2006 (IP/06/97), relativo ao acto impugnado, ao pedido de informações adicionais à CMT, à decisão de recusar o acesso aos documentos, nos termos do Regulamento n.° 1049/2001, de 11 de Maio de 2006, à Comunicação COM (2006) 28 final (pp. 5 e 10), à Recomendação 2003/561 e ao Memorando 06/59, de 7 de Fevereiro de 2006, ao comunicado de imprensa de 20 de Outubro de 2006 (IP/06/1439) e ao discurso proferido pelo membro da Comissão responsável pela sociedade da informação, em 16 de Novembro de 2006.

131    Impõe‑se no entanto constatar que a utilização, por parte da Comissão, do termo «decisão» nestes documentos, alguns dos quais se destinavam ao grande público, não se reporta ao conceito jurídico de decisão nos termos em que é definido no artigo 249.° CE. Efectivamente, em nenhum dos documentos referidos no número anterior a Comissão afirma que as suas observações efectuadas nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 produziriam efeitos jurídicos vinculativos ou vinculariam as ARN.

132    Pelo contrário, o comunicado de imprensa de 31 de Janeiro de 2006, relativo ao acto impugnado, confirma que as observações da Comissão efectuadas nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 são desprovidas de efeito jurídico vinculativo. Com efeito, no seu comunicado de imprensa, a Comissão salientou que «[o] mecanismo de consulta do artigo 7.° não constitui um regime de aprovação».

133    Seja como for, ainda que dos documentos referidos no n.° 130 supra pudesse resultar uma percepção errada, por parte da Comissão, do seu papel no âmbito do procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21, o que não é o caso, essa circunstância não afectaria o quadro regulamentar aplicável segundo o qual a Comissão apenas formula «observações» nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 que a ARN notificante «tem na máxima conta».

134    Daqui decorre que do contexto em que o acto impugnado foi adoptado resulta que aquele não produz efeitos jurídicos vinculativos.

 Quanto ao conteúdo do acto impugnado

135    Importa ainda analisar o conteúdo do acto impugnado a fim de verificar se este, não obstante o quadro regulamentar aplicável, se destinava, ainda assim, a produzir efeitos jurídicos vinculativos.

136    Resulta do conteúdo da carta de 30 de Janeiro de 2006 que a Comissão não teve, de forma alguma, a intenção de lhe conferir efeitos jurídicos vinculativos.

137    Assim, no primeiro comentário que efectuou no acto impugnado, relativo às condições de concorrência no mercado retalhista, a Comissão salientou que a CMT não tinha constatado a existência de nenhuma posição de domínio colectivo no mercado retalhista e observou, a este respeito, que, «para constatar um [poder colectivo significativo] no mercado grossista dos serviços de acesso e estabelecimento de chamadas móveis, não [era] indispensável encontrar um [poder colectivo significativo] no mercado retalhista». A Comissão debruçou‑se, em seguida, sobre as condições «de concorrência no mercado retalhista» e analisou se eram conclusivas quanto à existência de um poder colectivo significativo no mercado grossista. Comentou ainda «o nível das rendas no mercado retalhista» que a CMT devia demonstrar para poder provar a existência de um incentivo a um acordo tácito no mercado grossista e indicou que a «constatação da existência de uma posição dominante colectiva suscita[va] questões de natureza económica particularmente complexas», antes de observar que, ainda que os dados de dimensão global fornecidos fossem «apreciáveis e instrutivos, os dados sobre a evolução dos preços a um nível mais específico ofereceriam melhores indicações». Por consequência, a Comissão convidou a CMT a supervisionar, «para efeitos de uma análise futura do mercado», a evolução dos preços de retalho por segmento de mercado e/ou por perfil de consumidor. Observou, por último, que o mercado retalhista parecia apresentar uma série de características estruturais que pareciam ser suficientes para incitar os operadores a recusarem, conjuntamente, o acesso a operadores de redes móveis virtuais.

138    O primeiro comentário do acto impugnado afecta a posição jurídica da CMT, quando muito, no que respeita às futuras análises de mercado que for chamada a efectuar. Todavia, não afecta de modo algum a posição jurídica da CMT no que respeita à adopção da medida que tinha notificado à Comissão (e às outras ARN) e ainda menos a posição jurídica da Vodafone.

139    Num segundo comentário, relativo ao ponto de convergência, a Comissão salientou, no acto impugnado, que a CMT tinha constatado a existência de um ponto de convergência, transparente, que consistia numa recusa do acesso ao mercado grossista a terceiros. Não obstante a ausência de identificação, por parte da CMT, de um ponto de convergência sobre o mercado retalhista, que não era indispensável, a Comissão considerou plausível no acto impugnado, atendendo ao alinhamento das estratégias comerciais dos três operadores de redes, que o mais pequeno desvio através dos preços para uma concorrência mais agressiva poderia ser facilmente detectado.

140    O conteúdo deste segundo comentário demonstra que o mesmo também não se destina a produzir efeitos jurídicos vinculativos.

141    No seu terceiro comentário, respeitante ao mecanismo de retaliação, a Comissão observou, relativamente ao mercado grossista, que este mecanismo [podia] ser «implementado», mas que a «CMT podia ter fornecido mais elementos de prova» sobre a questão de saber «se este mecanismo podia ser mais imediato e se [era] suficientemente dissuasivo para disciplinar a empresa desviante». Acrescentou em seguida que «as ARN são convidadas a avaliar, numa análise de mercado, se os outros operadores de redes móveis não desviantes podem facilmente celebrar um contrato com um [operador de redes móveis virtuais], cuja entrada e estratégia comercial específica sejam susceptíveis de disciplinar o operador de redes móveis desviante». A Comissão analisou as possibilidades de retaliação no mercado retalhista, igualmente mencionadas pela CMT. Considerou que, em geral, existiam mecanismos de retaliação credíveis neste mercado.

142    Este comentário constante do acto impugnado também não altera a posição jurídica da CMT no que respeita à adopção da medida que esta tinha notificado à Comissão (e às outras ARN) e muito menos a posição jurídica da Vodafone.

143    Num quarto comentário, relativo à supervisão rigorosa do mercado e à entrada do quarto operador de redes móveis, a Comissão observou no acto impugnado que a Xfera não tinha ainda entrado no mercado e convidou «as autoridades espanholas a reflectirem sobre as medidas adequadas para assegurar uma utilização eficaz do espectro disponível». A Comissão aconselhou a CMT a supervisionar, de forma rigorosa, as consequências de uma possível entrada da Xfera em 2006 quanto ao carácter duradouro da posição dominante colectiva e acrescentou que qualquer «prova concreta de evoluções no mercado retalhista, não relacionadas com as medidas regulamentares no mercado relevante, que suscitassem dúvidas sobre o carácter duradouro da posição dominante colectiva tornaria necessária uma nova análise do mercado relevante». Recordou que tal análise lhe deveria ser notificada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21.

144    Este comentário do acto impugnado também não altera a posição jurídica da CMT relativamente à adopção da medida que tinha notificado à Comissão (e às outras ARN) e muito menos a posição jurídica da Vodafone. Impõe unicamente à CMT uma obrigação de supervisionar a entrada do quarto operador de redes móveis no mercado em causa e efectuar, se for caso disso, uma nova análise do mercado. O facto de tal análise dever ser notificada à Comissão (e às outras ARN) resulta directamente do disposto no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, que impõe uma obrigação de notificação prévia das análises de mercado nos termos do artigo 16.° da referida directiva.

145    Por último, a Comissão concluiu a sua carta sublinhando que as informações adicionais que a CMT lhe tinha fornecido durante o processo de notificação tinham sido determinantes para a sua avaliação da notificação da CMT e pedia a esta última «que fundamentasse a sua medida final nas informações disponíveis mais recentes».

146    Este elemento parece constituir mais uma recomendação ou um conselho do que uma obrigação juridicamente vinculativa. Seja como for, este comentário não afecta a posição jurídica da recorrente.

147    A análise dos diferentes comentários formulados pela Comissão no acto impugnado não permite concluir que este produz efeitos jurídicos vinculativos. Seja como for, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, quaisquer que sejam os fundamentos em que um acto assenta, apenas a sua parte decisória é susceptível de produzir efeitos jurídicos (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão, T‑138/89, Colect., p. II‑2181, n.° 31, e de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 186). Ora, impõe‑se constatar que o acto impugnado não contém qualquer parte decisória.

148    No entanto, segundo a Vodafone, a seguinte afirmação no final do acto impugnado constitui a sua parte decisória: «Nos termos do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva [2002/21], a CMT deve ter na máxima conta observações formuladas pelas outras ARN e pela Comissão e pode aprovar a proposta de medida final e, se for caso disso, comunicá‑la à Comissão». Argumenta com a omissão, nesta citação, da expressão «salvo nos casos referidos no n.° 4», constante do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21.

149    A este respeito, basta constatar que a reprodução do artigo 7.°, n.° 5, da Directiva 2002/21 apenas confirma o carácter não vinculativo do acto impugnado (v. n.° 93 supra). A omissão a que a Vodafone se refere explica‑se pelo facto de o acto impugnado se inscrever integralmente no âmbito do procedimento do artigo 7.°, n.° 3, e de não estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21. Ora, só o início de um procedimento nos termos do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 teria podido levar à adopção, no caso em apreço, de uma medida que produzisse efeitos jurídicos vinculativos.

150    Daqui decorre que nem o conteúdo do acto impugnado nem o contexto jurídico em que este foi adoptado permitem concluir que este constitui um acto que produz efeitos jurídicos vinculativos. Não se trata assim de um acto susceptível de recurso, na acepção do artigo 230.° CE. Consequentemente, há que julgar o presente recurso inadmissível.

151    Seja como for, o Tribunal considera que, caso o acto impugnado constituísse um acto impugnável, a Vodafone não teria legitimidade processual, pelas razões que de seguida se apresentam.

2.     Quanto à legitimidade processual da Vodafone

 Argumentos das partes

152    A Comissão e o Reino de Espanha alegam que o acto impugnado não diz directamente respeito à Vodafone, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

153    A Vodafone considera que o acto impugnado lhe diz directamente respeito. Com efeito, atendendo ao conteúdo do acto impugnado, a adopção, por parte da CMT, da sua decisão teria sido automática. A hipótese de a CMT não ter implementado o acto impugnado é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendeu retirar consequências conformes com as observações da Comissão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, Colect., p. 333; de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 8 a 10; e de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 44; acórdão Cableuropa e o./Comissão, referido no n.° 126 supra, n.° 66). O facto de a CMT ter tido a intenção de implementar a medida proposta a partir do momento em que recebesse a confirmação da Comissão resulta do facto de, em 31 de Janeiro de 2006, no dia seguinte ao da adopção do acto impugnado pela Comissão, e antes de a CMT se ter reunido para adoptar a medida proposta, ter publicado um comunicado de imprensa no qual mencionava que, tendo recebido a aprovação da Comissão relativamente à sua análise, imporia as obrigações regulamentares propostas para garantir o acesso de terceiros às redes dos três operadores de comunicações móveis.

154    A Vodafone efectua, a este propósito, uma analogia entre o caso em apreço e o processo que deu origem ao acórdão Bock/Comissão, referido no n.° 153 supra, no qual o Tribunal de Justiça julgou que a autorização concedida pela Comissão a um Estado‑Membro para recusar uma licença de importação dizia directamente respeito à recorrente nesse processo, uma vez que os serviços alemães competentes lhe tinham transmitido que rejeitariam o seu pedido a partir do momento em que estivessem na posse de uma autorização apropriada da Comissão (n.° 7 do acórdão).

155    O procedimento do presente caso pode, segundo a Vodafone, ser também comparado aos procedimentos em matéria de controlo de concentrações e em matéria de auxílios de Estado, uma vez que nesses procedimentos a decisão da Comissão também não impõe a implementação da concentração ou do auxílio de Estado notificado, afastando, simplesmente, o último obstáculo à adopção da medida notificada, o que não impede a decisão da Comissão de produzir um efeito directo, inclusive em relação a terceiros (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, Colect., p. II‑1931, n.° 32). Refere ainda que o acto impugnado afectou directamente a sua posição jurídica, privando‑a de direitos processuais de que teria beneficiado na segunda fase da análise.

156    Por último, o acto impugnado diz individualmente respeito à Vodafone, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, o que, aliás, não foi contestado pela Comissão. A Vodafone sublinha a este propósito que faz parte de um grupo de apenas três empresas especificamente visadas pelo acto impugnado, que lhe foram impostas obrigações de controlo ex ante nos termos do artigo 16.° da Directiva 2002/21 e que, por outro lado, é parte interessada, na acepção do artigo 6.° da referida directiva. Salienta igualmente que participou no procedimento administrativo perante a Comissão durante a primeira fase da análise da proposta de medida ES/2005/0330, apresentou comentários relativamente à proposta de medida e teria o direito de participar no procedimento aprofundado perante a Comissão caso se tivesse dado início à segunda fase do procedimento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

157    É jurisprudência constante que, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, os particulares só têm legitimidade para impugnar um acto ou uma decisão que produza efeitos jurídicos em relação a eles se esse acto ou essa decisão lhes disser quer directa quer individualmente respeito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279, 282, e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 44; v., igualmente, neste sentido, acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.os 272 e 291).

158    Para que o acto comunitário adoptado diga directamente respeito a uma pessoa singular ou colectiva deve produzir efeitos directos na situação jurídica da pessoa em causa e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (acórdãos Dreyfus/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 43; Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 272; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Janeiro de 2007, Lootus Teine Osaühing/Conselho, T‑127/05, não publicado na Colectânea, n.° 39).

159    É o que se verifica, nomeadamente, quando a possibilidade de os destinatários não implementarem esse acto é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (acórdãos Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, referido no n.° 153 supra, n.os 8 a 10, e Dreyfus/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 44; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Oleifici Italiani e Fratelli Rubino/Comissão, T‑54/96, Colect., p. II‑3377, n.° 56, e Royal Philips Electronics/Comissão, referido no n.° 62 supra, n.° 273).

160    Ora, não é o que sucede no presente caso, tendo em conta o papel central exercido pelas ARN para atingirem os objectivos da Directiva 2002/21 (v. n.os 72 a 74 supra). O procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 constitui, com efeito, um procedimento de consulta e de cooperação entre as ARN e a Comissão no âmbito do qual não apenas a Comissão mas também as outras ARN podem, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, formular observações sobre uma proposta de medida notificada. Ainda que, nos termos do artigo 7.°, n.° 5, a CMT deva ter «na máxima conta as observações das outras [ARN] e da Comissão», dispõe de uma margem de manobra para determinar o conteúdo da medida final, de modo que não se deve considerar que o acto comunitário baseado no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21 produz efeitos directos na situação jurídica das empresas em causa.

161    A Vodafone não pode alegar que a possibilidade de a ARN não adoptar a proposta de medida depois de apresentadas as observações da Comissão é apenas teórica. Com efeito, mesmo que existam fortes probabilidades de a ARN em causa adoptar efectivamente a proposta de medida, só a ela pertence a decisão de adoptar essa medida e de determinar o seu conteúdo.

162    Os efeitos jurídicos do acto impugnado no caso em apreço – na medida em que possa constituir um acto impugnável – diferem assim, fundamentalmente, dos efeitos jurídicos de uma decisão da Comissão que declare um auxílio de Estado ou uma concentração compatível com o mercado comum. Com efeito, o destinatário de tal decisão já não dispõe de nenhuma margem de manobra para determinar o conteúdo da medida final, ao passo que o destinatário de observações, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21, ainda dispõe dessa margem de manobra.

163    A situação da CMT no presente caso difere também fundamentalmente da das autoridades alemãs no processo que deu origem ao acórdão Bock/Comissão, referido no n.° 153 supra. Com efeito, nesse processo, as autoridades alemãs pediram autorização à Comissão para recusar a atribuição de uma licença de importação. As autoridades alemãs informaram a recorrente de que o seu pedido seria rejeitado a partir do momento em que estivessem na posse da autorização da Comissão. A autorização concedida pela Comissão afectava assim directamente a situação jurídica da recorrente. No caso em apreço, contudo, atendendo à margem de manobra de que a CMT dispõe na implementação do acto impugnado, ainda que esta possa ser reduzida, deve considerar‑se que aquele não afectou directamente a situação jurídica da Vodafone.

164    O argumento da Vodafone segundo o qual o acto impugnado lhe diz directamente respeito por ficar privada de direitos processuais devido à decisão de não dar início à segunda fase do procedimento previsto no artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 2002/21 também não procede.

165    Cumpre recordar, a este respeito, que, atendendo a que as medidas previstas no artigo 16.° da Directiva 2002/21 são tomadas pela ARN, o artigo 6.° da referida directiva atribui direitos processuais às partes interessadas no âmbito do procedimento perante a ARN, que os órgãos jurisdicionais são obrigados a respeitar nos termos do artigo 4.° da directiva. No âmbito deste procedimento nacional, as partes interessadas podem invocar as suas observações sobre a eventual incompatibilidade da medida com o mercado comum.

166    O presente processo distingue‑se, deste modo, dos processos relativos aos auxílios de Estado e de controlo de concentrações referidos pela Vodafone. Uma vez que a Comissão tem competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado ou de uma concentração com dimensão comunitária com o mercado comum, a não‑abertura da segunda fase do procedimento pode privar as partes interessadas de apresentarem as suas observações perante a única autoridade competente. No caso em apreço, no entanto, a Vodafone pôde formular observações perante a autoridade competente para adoptar a decisão final, ou seja, a CMT, e pode invocar uma violação dos seus direitos processuais perante os órgãos jurisdicionais nacionais. A não‑abertura da segunda fase do procedimento não a privou consequentemente dos direitos processuais que lhe são reconhecidos pela Directiva 2002/21.

167    Há, assim, que concluir que o acto impugnado não diz directamente respeito à Vodafone, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

168    Daqui resulta que, ainda que se admita que o acto impugnado constitui um acto susceptível de recurso, na acepção do artigo 230.° CE, a Vodafone não tem a legitimidade processual exigida pelo quarto parágrafo desta disposição.

169    Em face do exposto, há que julgar o presente recurso inadmissível.

 Quanto às despesas

170    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Vodafone e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

171    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A Vodafone España, SA, e a Vodafone Group plc suportarão as respectivas despesas e as efectuadas pela Comissão.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Feito no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras

Índice


Quadro jurídico

1.  Directiva 2002/21/CE

2.  Recomendação 2003/561/CE

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto à natureza do acto impugnado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao contexto em que o acto impugnado foi adoptado

–  Quanto às competências atribuídas, respectivamente, às ARN e à Comissão pela Directiva 2002/21

–  Quanto ao desenrolar do procedimento previsto no artigo 7.° da Directiva 2002/21

–  Quanto à natureza jurídica de uma carta enviada nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2002/21

Quanto ao conteúdo do acto impugnado

2.  Quanto à legitimidade processual da Vodafone

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.