Language of document : ECLI:EU:C:2023:736

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 5 de outubro de 2023 (1((i))

Processo C283/21

VA

contra

Deutsche Rentenversicherung Bund,

sendo intervenientes:

RB

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landessozialgericht Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Superior do Contencioso Social da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha)]

«Pedido de decisão prejudicial — Segurança social dos trabalhadores migrantes — Coordenação dos sistemas de segurança social — Regulamento (CE) n.o 987/2009 — Artigo 44.o, n.o 2 — Âmbito de aplicação — Prestações por invalidez — Cálculo — Tomada em consideração dos “períodos de educação de filhos” cumpridos noutros Estados‑Membros — Condições — Artigo 21.o TFUE — Liberdade de circulação dos cidadãos»






I.      Introdução

1.        Os cidadãos da União podem trabalhar e residir em vários Estados‑Membros ao longo das suas vidas. Podem igualmente fazer «interrupções de carreira» e dedicar o seu tempo à educação dos seus filhos. Uma pessoa pode iniciar a sua carreira profissional num Estado‑Membro («Estado‑Membro A»), depois parar de trabalhar para educar os seus filhos noutro Estado‑Membro («Estado‑Membro B»), antes de retomar a sua carreira no Estado‑Membro A. Em tal situação, o direito da União exige que, para efeitos de atribuição de uma pensão à pessoa em causa, o Estado‑Membro A aplique a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B e tome em consideração esses períodos como se tivessem sido cumpridos no seu território?

2.        Esta questão estava no cerne dos processos que deram origem aos Acórdãos Elsen (2), Kauer (3) e Reichel‑Albert (4), no contexto da aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 (5), que foi revogado e substituído pelos Regulamentos (CE) n.o 883/2004 (6) e n.o 987/2009 (7), bem como, mais recentemente, do Acórdão Pensionsversicherungsanstalt («períodos de educação dos filhos cumpridos no estrangeiro») (8), no qual estava em causa, como no caso em apreço, uma situação regida por estes dois regulamentos.

3.        Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que, apesar de o legislador da União ter então adotado uma disposição especial sobre a tomada em consideração pelo Estado‑Membro A dos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B, concretamente o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, essa disposição não era de aplicação exclusiva. Assim, a solução judicial que desenvolvera no contexto da aplicação do Regulamento n.o 1408/71, numa altura em que o legislador da União ainda não adotara nenhuma disposição sobre essa matéria, permanecia pertinente. Com base neste raciocínio, o Tribunal de Justiça decidiu que, numa situação em que não se verificavam as condições previstas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, de modo que a pessoa em causa não podia invocar essa disposição, o EstadoMembro A permanecia obrigado, por força do artigo 21.o TFUE, que protege a livre circulação dos cidadãos da União, a aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no EstadoMembro B e a tomar em consideração esses períodos como se tivessem sido cumpridos no seu território, desde que existisse um «vínculo suficientemente estreito» a «períodos de seguro» cumpridos pela pessoa em causa nesse EstadoMembro. Tal seria o caso se essa pessoa tivesse exercido uma atividade profissional e pago contribuições exclusivamente no EstadoMembro A, quer antes quer depois da transferência da sua residência para o EstadoMembro B (9).

4.        A situação em apreço no processo principal é um tanto ou quanto diferente. VA, recorrente no processo principal, cumpriu o que considero serem períodos que podem ser equiparados a «períodos de seguro» na Alemanha, quer antes quer depois de ter educado os seus filhos nos Países Baixos. Contudo, apenas começou a pagar contribuições para o regime legal de seguro de pensões alemão vários anos após deixar de se ocupar com a educação dos seus filhos.

5.        Neste contexto, o cerne da questão no presente processo está em saber se o critério do «vínculo suficientemente estreito» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência está cumprido numa situação em que a pessoa em causa não tenha pago contribuições para o regime legal de seguro do Estado‑Membro A antes de se dedicar à educação dos seus filhos no Estado‑Membro B. Como explicarei em seguida, sou da opinião de que essa questão deve ser respondida afirmativamente. Com efeito, considero que essa circunstância, por si só, não impede o estabelecimento de um «vínculo suficientemente estreito» entre os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B e os «períodos de seguro» cumpridos no Estado‑Membro A.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União Europeia

1.      Regulamento n.o 883/2004

6.        O título II do Regulamento n.o 883/2004, intitulado «Determinação da legislação aplicável», inclui, inter alia, o artigo 11.o, que dispõe:

«1.      As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

[…]

3.      Sem prejuízo dos artigos 12.o a 16.o:

a)      A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

[…]

e)      Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.

[…]»

2.      Regulamento n.o 987/2009

7.        O Regulamento n.o 987/2009 estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004, nos termos do artigo 89.o deste último regulamento.

8.        Nos termos do considerando 14 do Regulamento n.o 987/2009:

«São necessárias certas regras e procedimentos específicos para determinar a legislação aplicável para ter em conta os períodos em que a pessoa segurada se ocupou da educação dos filhos nos vários Estados‑Membros.»

9.        O artigo 44.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por “período de educação de filhos” qualquer período que seja tomado em consideração ao abrigo da legislação sobre pensões de um Estado‑Membro ou relativamente ao qual um suplemento de pensão seja concedido explicitamente pelo facto de uma pessoa ter educado um filho, independentemente do método utilizado para calcular tal período e de este ser contabilizado durante o tempo da educação do filho ou de ser retroativamente reconhecido.

2.      Sempre que, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro competente nos termos do título II do [Regulamento n.o 883/2004], não sejam tomados em consideração quaisquer períodos de educação de filhos, a instituição do Estado‑Membro cuja legislação nos termos do título II do [Regulamento n.o 883/2004] era aplicável à pessoa em causa devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria à data em que, ao abrigo da referida legislação, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao descendente em causa, continua a ser responsável pela contagem deste período de educação de filhos, nos termos da sua legislação, como se a educação de filhos tivesse ocorrido no seu próprio território.

[…]»

B.      Direito nacional

10.      O § 56 do Sozialgesetzbuch Sechstes Buch (Livro VI do Código da Segurança Social, a seguir «SGB VI»), conforme alterado pela Lei de 28 de novembro de 2018 (BGB1. I., p. 2016), dispõe:

«(1)      “períodos de educação de filhos” são períodos dedicados à educação de um filho durante os três anos seguintes ao seu nascimento. Um período de educação de filhos é validado em relação a um dos progenitores […] quando

1.      o período de educação dos filhos seja reconhecido a esse progenitor,

2.      a educação dos filhos tenha ocorrido na República Federal da Alemanha ou possa ser considerada como tendo aí ocorrido; e

3.      o progenitor em causa não esteja excluído da validação.

[…]

(3)      Considera‑se que o período de educação de filhos ocorreu na República Federal da Alemanha se o progenitor encarregado de educação aí tiver residido habitualmente com o filho. A educação no estrangeiro é equivalente à educação no território da República Federal da Alemanha quando o progenitor encarregado de educação tenha residido habitualmente no estrangeiro com o filho e, durante a educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, tenha cumprido períodos de contribuições obrigatórias por ter aí exercido uma atividade por conta de outrem ou por conta própria […]

(5)      O período de educação de filhos inicia‑se no final do mês do nascimento da criança e termina após 36 meses de calendário […]»

11.      O § 249, n.o 1, do SGB VI, conforme alterado pela Lei de 23 de junho de 2014 (BGB1. I, p. 787), dispõe:

«No caso de uma criança nascida antes de 1 de janeiro de 1992, o período de educação de filhos termina vinte e quatro meses após o termo do mês do nascimento da criança.»

III. Factos, processo principal e questões prejudiciais

12.      VA, recorrente no processo principal, é uma nacional alemã nascida em 1958. De 1962 a 2010, residiu em Vaals (Países Baixos), uma cidade localizada a aproximadamente 5 km de Aachen (Alemanha) (10). Durante esse período, frequentou a escola em Aachen. Em agosto de 1975, iniciou a sua formação como educadora de infância reconhecida pelo Estado.

13.      Em 1 de agosto de 1978, VA iniciou um estágio profissional de um ano num jardim de infância em Aachen. Em circunstâncias normais, esse ano teria sido considerado um período de trabalho por conta de outrem na Alemanha, sujeito a seguro obrigatório. Porém, dado que não estavam disponíveis lugares de formação remunerada suficientes, a recorrente concluiu o seu estágio profissional sem ser remunerada e, por isso, ficou isenta de seguro. Assim, não pagou nenhumas contribuições para o regime legal de pensões da Alemanha.

14.      De agosto de 1979 (quando terminou o seu estágio profissional) a julho de 1980, VA retomou a sua formação como educadora de infância reconhecida pelo Estado em Aachen e concluiu a Fachhochschulreife (bacharelato profissional), enquanto continuava a residir nos Países Baixos. Após concluir a sua formação, em julho de 1980, não voltou a exercer qualquer atividade profissional na Alemanha ou nos Países Baixos.

15.      Posteriormente, VA deu à luz duas crianças. À data do nascimento das crianças, VA ainda não pagara nenhumas contribuições para o regime de seguro de pensões da Alemanha. Criou os seus filhos nos Países Baixos.

16.      Entre setembro de 1993 e agosto de 1995, e, subsequentemente, entre abril de 1999 e outubro de 2012, trabalhou por conta de outrem na Alemanha. Uma vez que a sua atividade por conta de outrem foi considerada «pouco significativa» à luz da legislação alemã, ficou isenta de seguro obrigatório.

17.      Em 2010, VA voltou a residir na Alemanha. A partir de outubro de 2012, passou a obter rendimentos do trabalho e ficou sujeita ao seguro obrigatório. Começou a pagar contribuições para o regime legal de pensões da Alemanha.

18.      Desde março de 2018, VA tem recebido uma pensão concedida pela Alemanha em virtude da sua perda total de capacidade para angariar meios de subsistência. Ao calcular o montante dessa pensão, o Deutsche Rentenversicherung Bund, recorrido no processo principal, considerou que, além dos períodos durante os quais VA contribuiu para o regime legal de seguro de pensões alemão (período desde 2012), os períodos relevantes para efeitos de atribuição a VA de tal pensão incluíam os períodos durante os quais esta fez a sua formação profissional na Alemanha (entre agosto de 1975 e julho de 1978, e entre agosto de 1979 e julho de 1980), bem como o «período de educação de filhos» entre 1 de abril e 1 de junho de 1999, durante o qual criou os seus filhos nos Países Baixos enquanto trabalhava por conta de outrem na Alemanha (sem estar sujeita ao seguro obrigatório).

19.      VA alega que o Deutsche Rentenversicherung Bund não tomou em consideração como períodos relevantes os «períodos de educação de filhos» que cumpriu nos Países Baixos entre 15 de novembro de 1986 e 31 de março de 1999, durante os quais não exerceu nenhuma atividade profissional (a seguir «períodos controvertidos»). VA impugnou judicialmente essa recusa num órgão jurisdicional de primeira instância. A sua ação foi julgada improcedente.

20.      VA recorreu da decisão do órgão jurisdicional de primeira instância para o Landessozialgericht Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Superior do Contencioso Social da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha).

21.      Este órgão jurisdicional observa que o facto de, durante os períodos controvertidos, os dois filhos de VA não terem sido criados na Alemanha impede que esses períodos sejam tomados em consideração ao abrigo do primeiro período do § 56, n.o 3, do SGB VI. Os períodos controvertidos também não podem ser tomados em consideração ao abrigo do segundo período do § 56, n.o 3, do SGB VI, uma vez que, para tal ser possível, VA teria de ter residido habitualmente no estrangeiro com o seu filho e, durante ou imediatamente antes desses períodos, ter cumprido períodos de contribuições obrigatórias na Alemanha devido ao exercício de uma atividade no estrangeiro (ou seja, nos Países Baixos) por conta de outrem ou por conta própria. O mesmo órgão jurisdicional salienta igualmente que as condições previstas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 não se verificam porquanto VA não exercia uma atividade por conta de outrem ou por conta própria na Alemanha quando os seus filhos nasceram, quando o período controvertido começou a correr.

22.      Dito isto, o referido órgão jurisdicional pretende saber se, à luz dos acórdãos do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão Reichel‑Albert, os períodos controvertidos devem ser tomados em consideração pelo Deutsche Rentenversicherung Bund, a fim de conceder uma pensão a VA uma vez que se verificam determinados fatores que sugerem a existência de um «vínculo suficientemente estreito» com base no artigo 21.o TFUE. A este respeito, observa, por um lado, que a situação de VA é diferente da que esteve na origem desse acórdão. Com efeito, antes do nascimento dos seus filhos, VA não estava de todo sujeita ao seguro obrigatório na Alemanha. Por isso, não pagou contribuições para o regime legal de pensões desse Estado‑Membro. Além disso, não se limitou a transferir a sua residência para outro Estado‑Membro (os Países Baixos). De facto, residiu nesse Estado‑Membro de forma permanente.

23.      Por outro lado, salienta que toda a história laboral de VA está ligada à Alemanha, que VA frequentou a escola exclusivamente na Alemanha, que o estágio profissional de um ano que realizou na Alemanha estaria sujeito ao seguro obrigatório se não fosse o facto de, naquela altura, não estarem disponíveis lugares de formação remunerada suficientes e que os outros anos durante os quais VA fez formação profissional foram registados como períodos «a ter em conta para efeitos do direito a pensão». Além disso, os filhos de VA frequentaram a escola na Alemanha e a sua família fixou a sua residência nos Países Baixos, muito próximo da fronteira com a Alemanha.

24.      À luz destes elementos, o mesmo órgão jurisdicional pretende saber se o facto de os períodos controvertidos não serem tomados em consideração nos termos do direito nacional é compatível com o artigo 21.o TFUE.

25.      Neste contexto, o Landessozialgericht Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Superior do Contencioso Social da Renânia do Norte‑Vestefália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um “período de educação de filhos”, na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 987/2009], é tomado em consideração ao abrigo da legislação dos Países Baixos — como Estado‑Membro competente nos termos das disposições do título II do regulamento de base [Regulamento n.o 883/2004] — pelo facto de o período de educação dos filhos nos Países Baixos, como simples período de residência, dar origem a uma pensão?

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

2)      Deve o artigo 44.o, n.o 2, do [Regulamento n.o 987/2009] — tal como desenvolvido pelos Acórdãos do Tribunal de Justiça Elsen e Reichel‑Albert — ser interpretado extensivamente no sentido de que o Estado‑Membro competente também deve considerar o “período de educação de filhos” quando a pessoa que se encarregou da educação dos filhos tenha cumprido, antes e depois do período de educação dos filhos, períodos que dão direito a pensão resultantes de formação profissional ou de atividade por conta de outrem apenas no sistema desse Estado, mas não tenha pago contribuições para esse sistema imediatamente antes ou imediatamente depois do período de educação dos filhos?»

26.      O pedido de decisão prejudicial, datado de 23 de abril de 2021, foi registado no Tribunal de Justiça em 4 de maio de 2021. Os Governos Alemão, Checo e Neerlandês, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. As mesmas partes interessadas, com exceção do Governo Checo, estiveram representadas na audiência que se realizou em 11 de maio de 2023.

IV.    Análise

27.      Para calcular uma pensão (11), as instituições competentes dos Estados‑Membros baseiam‑se normalmente no número de «períodos de seguro» ou de «períodos de residência» cumpridos pela pessoa em causa (12). Tendo em conta o propósito abrangente dos Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009, que é «elaborar unicamente um sistema de coordenação» e, assim, respeitar as características próprias dos sistemas nacionais de segurança social (13), cabe a cada um dos Estados‑Membros decidir o que pode ser considerado um «período de seguro» ou um «período de residência» ou o que pode ser equiparado a tais períodos (14), desde que a sua legislação respeite as disposições do TFUE em matéria de livre circulação de pessoas, incluindo o artigo 21.o TFUE (15).

28.      Alguns Estados‑Membros — mas não todos — previram que os «períodos de educação de filhos» fossem equiparados a «períodos de seguro» ou «períodos de residência» e, assim, fossem tomados em consideração para efeitos de atribuição de uma pensão.

29.      Neste contexto, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 introduz uma norma especial, concebida para determinar, numa situação em que uma pessoa tenha exercido uma atividade profissional e educado os seus filhos em vários Estados‑Membros, as circunstâncias em que o Estado‑Membro A (Estado‑Membro onde a pessoa exerceu uma atividade profissional) tem de aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B e que exige que, quando for o caso, esses períodos sejam tratados como se tivessem sido cumpridos no Estado‑Membro A (16). Tal competência do Estado‑Membro A é subsidiária relativamente à competência do Estado‑Membro B. Com efeito, a obrigação para o Estado‑Membro A de aplicar a sua própria legislação aos “períodos de educação dos filhos” cumpridos no Estado‑Membro B é aplicável só se a legislação do Estado‑Membro B não permitir já tomar em consideração os períodos dedicados à educação dos filhos.

30.      Como explica o Governo checo, o objetivo do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 não é assegurar que seja aplicada a legislação mais favorável à situação de cada beneficiário, nem impor aos Estados‑Membros a obrigação de tomar em consideração os «períodos de educação de filhos» como «períodos de seguro» ou «períodos de residência» relevantes nos termos da sua legislação; pelo contrário, é evitar situações nas quais esses períodos não sejam tomados em consideração ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro pela simples razão de que ocorreram noutro Estado‑Membro. Neste sentido, a disposição em análise reflete, assim, o princípio geral da igualdade de tratamento que o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004 procura codificar (17), e que decorre diretamente do artigo 21.o TFUE.

31.      Como expliquei nas Conclusões que apresentei no processo Pensionsversicherungsanstalt (18), a questão de saber se a legislação do Estado‑Membro A se aplica, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, a «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B depende da verificação cumulativa das seguintes três condições:

–        não serem tomados em consideração nenhuns «períodos de educação de filhos» ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B;

–        a legislação do Estado‑Membro A ter sido anteriormente aplicável à pessoa em causa devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria nesse Estado‑Membro; e

–        essa pessoa ter continuado a estar sujeita à legislação do Estado‑Membro A devido à referida atividade à data em que, ao abrigo da legislação desse mesmo Estado‑Membro, o período de educação de filhos começou a ser tomado em consideração relativamente ao descendente em causa (19).

32.      Retiro da informação constante dos autos e das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, no caso de VA, não se verificam a segunda e terceira condições que referi supra porquanto esta não exerceu uma atividade por conta de outrem ou por conta própria no Estado‑Membro A (Alemanha) e, por isso, não pagou contribuições para o regime legal de pensões na Alemanha em nenhum momento anterior ao nascimento dos seus filhos, embora tenha, de facto, concluído a sua formação profissional e realizado um estágio profissional de um ano num jardim de infância nesse Estado‑Membro.

33.      Observo, contudo, que, no seu Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 44. o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 não «regula a contagem dos períodos de educação dos filhos […] de forma exclusiva» (20). A pessoa em causa nesse processo também não cumpria a terceira condição (embora cumprisse a segunda) referida no n.o 31, supra. Como já afirmei no n.o 3 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça concluiu que, apesar de essa pessoa não poder, nesse caso, invocar o disposto no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, o Estado‑Membro A estava, ainda assim, obrigado a aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no EstadoMembro B e a tomar em consideração esses períodos como se tivessem sido cumpridos no seu próprio território. O Tribunal de Justiça baseou essa conclusão no artigo 21.o TFUE e no facto de existir um «vínculo suficientemente estreito» entre esses períodos e os «períodos de seguro» (in casu, períodos de exercício de atividade por conta de outrem ou por conta própria) cumpridos no EstadoMembro A (21).

34.      À luz desse acórdão, a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio deve ser entendida no sentido de que visa saber, em substância, se o critério do «vínculo suficientemente estreito» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência com base, não no artigo 44. o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, mas sim no artigo 21.o TFUE, está preenchido numa situação como a que está em causa no processo principal. As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio a esse propósito decorrem do facto de que, diferentemente das recorrentes nos processos que deram origem aos Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt, em que o Tribunal de Justiça considerou que se mantinha tal «vínculo suficientemente estreito», VA não pagou nenhuma contribuição para o regime legal alemão de seguros de pensões, nem se podia considerar de acordo com a legislação de tal Estado‑Membro que ela exercesse uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria na Alemanha antes de educar os próprios filhos nos Países Baixos;

35.      Explicarei por que razão, na minha opinião, esse facto, por si só, não exime o Estado‑Membro A (Alemanha) da obrigação de aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B (Países Baixos). Antes de me debruçar sobre o assunto, responderei à primeira questão relativa à interpretação da primeira condição referida no n.o 31, supra, segundo a qual a fim de que o Estado‑Membro A se torne sujeito de tal obrigação de não serem tomados em consideração nenhum «períodos de educação de filhos» deve ser tomado em consideração ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B. A este respeito, observo que a Comissão alega que essa questão não tem relevância no presente processo, uma vez que, em todo o caso, não se verifica a segunda e terceira condições previstas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009. Concordo que, no processo principal, VA não pode invocar esta disposição. Contudo, tal não significa, em minha opinião, que a questão de saber se o Estado‑Membro B (neste caso, os Países Baixos) não toma em consideração os períodos controvertidos seja irrelevante. Com efeito, considero que, numa situação em que os Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 se apliquem ratione temporis (como no caso em apreço), a primeira condição elencada no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 aplica‑se mutatis mutandis se a tomada em consideração dos «períodos de educação de filhos» for regida não pela disposição em exame, mas pelo critério do «vínculo suficientemente estreito» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça com base no artigo 21.o TFUE.

A.      Primeira questão: em que casos é o «período de educação de filhos» «tomado em consideração» pela legislação do Estado‑Membro B?

36.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a primeira condição, referida no n.o 31, supra, se verifica quando, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B (neste caso, os Países Baixos), esse período dê origem a direitos a pensão não por ser equiparado a um «período de seguro», mas por ser considerado um «período de residência».

37.      Antes de mais, gostaria de esclarecer dois aspetos. Em primeiro lugar, pretendo explicar, como já indiquei no n.o 35, supra, porque é que essa condição, prevista no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, se aplica mutatis mutandis quando a pessoa em causa não possa basear o seu pedido nessa disposição e deva antes invocar o artigo 21.o TFUE e o critério do «vínculo suficientemente estreito» desenvolvido pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt.

38.      A este respeito, desde logo recordo que, como expliquei nas Conclusões que apresentei no processo Pensionsversicherungsanstalt (22), um dos princípios fundamentais dos Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 é que as pessoas a quem esse regulamento se aplica «apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro» (23).

39.      Na minha opinião, esse princípio fundamental deve ser respeitado não apenas no contexto da aplicação do artigo 44. o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, mas também quando se aplique o critério do «vínculo suficientemente estreito» com fundamento no artigo 21.o TFUE. Com efeito, caso contrário, uma pessoa que eduque os seus filhos no estrangeiro pode conseguir, ao abrigo desse critério, que os «períodos de educação de filhos» relevantes sejam tomados em consideração tanto pelo Estado‑Membro A como pelo Estado‑Membro B (dupla contagem) ou escolher, entre a legislação do Estado‑Membro A e a do Estado‑Membro B, a legislação que lhe é mais favorável, uma vez que ambas as legislações podem ser aplicáveis à sua situação. Daí resultaria que não se poderia considerar que o critério do «vínculo suficientemente estreito», como o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, introduz uma competência meramente acessória do Estado‑Membro A (24). Pelo contrário, teria de se considerar que introduz uma dupla competência (do Estado‑Membro A e do Estado‑Membro B).

40.      Além disso, observo que o artigo 21. o, n.o 1, TFUE dispõe que «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação» (25). Assim, tendo a discordar de uma interpretação desta disposição que seja contrária à lógica dominante ou a um dos princípios fundamentais que subjazem a esses dois regulamentos (26).

41.      A tal propósito recordo igualmente que, embora o artigo 21. o TFUE vise assegurar, em especial, que os cidadãos que exerçam o seu direito de livre circulação não sejam discriminados e, como o Tribunal de Justiça declarou, não sejam dissuadidos de exercer esse direito devido aos entraves a essa liberdade, o objetivo dessa disposição não é garantir que estes fiquem numa situação mais vantajosa pelo facto de exercerem esse direito. É evidente que, se uma pessoa que tenha exercido o seu direito de livre circulação tivesse direito a que os «períodos de educação de filhos» cumpridos no estrangeiro fossem tomados em consideração tanto pelo Estado‑Membro A como pelo Estado‑Membro B ou a escolher a legislação que deve ser aplicável a esses períodos (em vez de poder invocar a legislação do Estado‑Membro A apenas se a legislação do Estado‑Membro B não permitisse já que os «períodos de educação de filhos»), essa pessoa ficaria numa situação mais vantajosa do que uma pessoa cuja vida se tenha confinado ao território de um único Estado‑Membro. Tal resultado iria além do que o que o artigo 21.o TFUE exige.

42.      Por último, observo que nenhum dos Estados‑Membros que estavam na posição de «Estado‑Membro B» nos Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert, bem como, mais recentemente, no Acórdão Pensionsversicherungsanstalt (nomeadamente, França, Bélgica e Hungria) tomou em consideração os «períodos de educação de filhos» relevantes nos termos da sua própria legislação. Consequentemente, até à data, o Tribunal de Justiça apenas aplicou o critério do «vínculo suficientemente estreito» num contexto em que era claro que o Estado‑Membro B não tomou em consideração os «períodos de educação de filhos» relevantes (27).

43.      Decorre, na minha opinião, das considerações precedentes que não é possível estabelecer um «vínculo suficientemente estreito» entre os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B e os «períodos de seguro» cumpridos no Estado‑Membro A, a menos que seja claro que o Estado‑Membro B não toma em consideração os «períodos de educação de filhos» em questão nos termos da sua legislação. Esta condição, que foi expressamente inserida pelo legislador da União no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, deve ser considerada aplicável mutatis mutandis quando se invoque esse critério, quando se socorre do critério do «vínculo suficientemente estreito» estabelecido pelo Tribunal de Justiça com fundamento no artigo 21.o TFUE, num contexto em que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar quer a dita disposição, quer o referido critério.

44.      Dito isto, gostaria, em segundo lugar, de esclarecer que, numa situação em que o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 seja aplicável, pode considerar‑se que o Estado‑Membro B toma em consideração os «períodos de educação de filhos» nos termos da sua legislação mesmo quando esses períodos sejam equiparados a «períodos de residência», e não a «períodos de seguro». De facto, o artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009 dispõe que se entende por «período de educação de filhos» qualquer período que seja tomado em consideração ao abrigo da legislação sobre pensões de um Estado‑Membro ou relativamente ao qual um suplemento de pensão seja concedido explicitamente pelo facto de uma pessoa ter educado um filho, independentemente do método utilizado para calcular tal período […]».

45.      Decorre dessa definição abrangente que, para determinar se os «períodos de educação de filhos» são tomados em consideração ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B, na aceção do artigo 44.o, n.o 2, desse regulamento apenas é necessário verificar se esses períodos são tomados em consideração (ou dão origem à concessão de um suplemento de pensão) ao abrigo da legislação sobre pensões desse Estado‑Membro. A forma como esses períodos são tomados em consideração, incluindo se são tomados em consideração como «período de seguro» ou como «período de residência», não é relevante.

46.      Na minha opinião, e seguindo a mesma lógica dos n.os 39 e 40, supra, essa definição aplica‑se mutatis mutandis no contexto da aplicação do critério do «vínculo suficientemente estreito» desenvolvido com fundamento no artigo 21.o TFUE. Com efeito, caso contrário, uma pessoa passaria a ter direito a que o mesmo período dedicado à educação dos filhos fosse tomado em consideração duas vezes (ao abrigo da legislação tanto do Estado‑Membro A como do Estado‑Membro B), desde que o Estado‑Membro B apenas tomasse em consideração esse período como «período de residência» e não como «período de seguro» (28). Tal resultado seria contrário à lógica dominante dos Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 e iria além do que o que o artigo 21.o TFUE exige. Ao mesmo tempo, tal resultado poderia igualmente atentar contra o direito dos cidadãos da União de exercer a sua liberdade de circulação, uma vez que — na hipótese inversa — a pessoa não conseguiria que o tempo por ela despendido na educação dos seus filhos no Estado‑Membro B fosse tomado em consideração pelo Estado‑Membro A se, nos termos da legislação desse Estado‑Membro, tal período devesse ser considerado um «período de residência» e não um «período de seguro». A este respeito, recordo que decorre do Acórdão do Tribunal de Justiça Pensionsversicherungsanstalt  que, quando o legislador da União adotou o artigo 44.o do Regulamento n.o 987/2009, concretizou apenas algumas das obrigações relativas à tomada em consideração dos «períodos de educação de filhos» que decorrem do artigo 21.o TFUE. Dado que essas obrigações têm um alcance mais amplo do que as estabelecidas nesse instrumento de direito derivado, afigura‑se que a definição do conceito de «períodos de educação de filhos» não pode ser mais restrita nos termos do artigo 21.o TFUE do que nos termos do artigo 44.o do Regulamento n.o 987/2009.

47.      No caso em apreço no processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os «períodos de educação de filhos» foram tomados em consideração ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B (Países Baixos). Sem prejuízo da verificação a efetuar por esse órgão jurisdicional, recordo que o litígio em causa no processo principal diz respeito ao direito de VA a prestações por invalidez, e não a uma pensão de velhice (29). O Governo Neerlandês explicou, na audiência, que a sua legislação nacional não permite a atribuição de prestações por invalidez a trabalhadores por conta própria como VA e que os «períodos de educação de filhos» são equiparados a «períodos de residência» apenas para efeitos de atribuição de um tipo de pensão diferente, designadamente uma pensão de velhice. Afirmou ainda que, na medida em que o processo principal diz respeito apenas à atribuição de prestações por invalidez, deve considerar‑se que nenhum período de educação de filhos é tomado em consideração ao abrigo da legislação desse Estado‑Membro (30).

48.      Feitos estes esclarecimentos para dar resposta à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio, passo agora à questão de saber se o critério do «vínculo suficientemente estreito» aplicado pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert, bem como, mais recentemente, no Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, é relevante no presente processo.

B.      Segunda questão: o que constitui um «vínculo suficientemente estreito»?

49.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a obrigação, por força do artigo 21. o TFUE, de o Estado‑Membro A (no caso em apreço, a Alemanha) tomar em consideração os «períodos de educação de filhos» também se aplica quando, como é o caso no processo principal, a pessoa em questão apenas tenha pago contribuições devido ao exercício de uma atividade «por conta de outrem» ou «por conta própria» nesse Estado‑Membro depois de ter educado os seus filhos noutro ou noutros Estados‑Membros, e de modo nenhum antes do nascimento dos seus filhos. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio refere expressamente os Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert, nos quais o Tribunal de Justiça definiu e desenvolveu o critério do «vínculo suficientemente estreito».

50.      Explicarei, por um lado, por que razão, na minha opinião, num contexto em que os Regulamentos n. o 883/2004 e n.o 987/2009 se apliquem ratione temporis, se deve resistir à tentação de estender demasiado o «vínculo suficientemente estreito» e, por outro, por que razão considero que pode existir um «vínculo suficientemente estreito» mesmo que a pessoa não tenha pago contribuições devido ao exercício de uma atividade «por conta de outrem» ou «por conta própria» para o regime legal de seguro de pensões do Estado‑Membro A antes de se deslocar para o Estado‑Membro B para educar os seus filhos.

1.      Critério do «vínculo suficientemente estreito» após o Acórdão Pensionsversicherungsanstalt

51.      Como expliquei nas Conclusões que apresentei no processo Pensionsversicherungsanstalt (31), afigura‑se que, quando adotou o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, o legislador da União optou deliberadamente por não referir o critério do «vínculo suficientemente estreito» formulado pelo Tribunal de Justiça nos termos do regime anteriormente aplicável (ou seja, num contexto em que o Regulamento n.o 1408/71 se aplicava ratione temporis). Com efeito, uma vez que essa disposição é posterior aos Acórdãos Elsen e Kauer (embora não ao Acórdão Reichel‑Albert), o legislador da União podia tê‑la adotado expressis verbis, se pretendesse fazê‑lo, de forma que integrasse totalmente esse critério no direito derivado da União. Todavia, talvez pelo facto de o critério do «vínculo suficientemente estreito» ser inerentemente menos claro (e formulado de forma mais aberta) do que as três condições claramente definidas, estabelecidas no artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, e de essa disposição ter como objetivo introduzir uma (limitada e claramente definida) exceção às regras de competência constantes do título II do Regulamento n.o 883/2004, optou por não o fazer (32).

52.      São essas mesmas razões, bem como outras ainda (33), que me levam a considerar que, embora o Tribunal de Justiça tenha agora decidido, contrariamente ao que sugeri (34), que o critério do «vínculo suficientemente estreito» continua a ser relevante numa situação em que os Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 (e não o Regulamento n.o 1408/71) se apliquem ratione temporis, deve resistir à tentação de promover a inclusão de um conjunto crescente de situações no âmbito de aplicação do critério do «vínculo suficientemente estreito» com fundamento, não nesses regulamentos, mas sim no artigo 21.o TFUE.

53.      Vários fatores podem contribuir para esse fenómeno. Em primeiro lugar, o que constitui um «vínculo suficientemente estreito» não é claro, como acabei de explicar. O critério do «vínculo suficientemente estreito» é, por natureza, aberto e dependente do que pode ser considerado circunstâncias relevantes em cada caso. Nos Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt, foram salientados diferentes fatores, incluindo o facto de a recorrente ter trabalhado exclusivamente no Estado‑Membro A ou ter pago contribuições exclusivamente nesse Estado‑Membro, sem que nenhum tenha sido apontado como decisivo (35). Em segundo lugar, até à data, o Tribunal de Justiça concluiu sempre que o «vínculo suficientemente estreito» existia, e nunca que não existia. De facto, os acórdãos anteriores nos quais esse critério foi aplicado mostram a tendência do Tribunal de Justiça para aumentar, e não para limitar, a quantidade de situações nas quais o Estado‑Membro A pode estar obrigado a aplicar a sua legislação a «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B. Por exemplo, enquanto quer no Acórdão Elsen quer no Acórdão Kauer a recorrente permanecera sujeita à legislação do Estado‑Membro A até os «períodos de educação de filhos» cumpridos no estrangeiro começarem a contar (36), o mesmo não aconteceu com a recorrente nos Acórdãos Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt (37), e, no entanto, tal não impediu o Tribunal de Justiça de concluir que existia um «vínculo suficientemente estreito».

54.      À luz destas considerações, não surpreende que, no seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio tenha referido várias circunstâncias (como o facto de toda a vida profissional de VA estar ligada à Alemanha, de VA ter frequentado a escola exclusivamente na Alemanha ou de ter fixado a sua residência nos Países Baixos a poucos quilómetros da fronteira com a Alemanha e de os seus filhos terem frequentado a escola na Alemanha) como sendo potencialmente relevantes para determinar a existência de um «vínculo suficientemente estreito» (38).

55.      Nas secções que se seguem, procurarei clarificar o âmbito de aplicação desse critério. Começarei por especificar as considerações que, na minha opinião, não são relevantes para determinar a existência de tal vínculo (a) e, depois, realçarei as que, pelo contrário, considero decisivas (b).

a)      Considerações irrelevantes

56.      Em primeiro lugar, uma vez que o critério do «vínculo suficientemente estreito» foi desenvolvido em processos nos quais o Tribunal de Justiça considerou duas questões (designadamente, por um lado, a de saber se o Estado‑Membro A estava obrigado a aplicar a sua legislação aos períodos de educação de filhos cumpridos no Estado‑Membro B e, por outro, se fosse esse o caso, a de saber se essa legislação tratava esses períodos como se tivessem sido cumpridos no seu território, sendo, assim, compatível com o artigo 21.o TFUE) (39), pode ser‑se tentado a considerar que a jurisprudência que é relevante para a segunda dessas questões é igualmente relevante para a primeira.

57.      A este respeito, observo que, no seu Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, o Tribunal de Justiça recordou, por exemplo, que se deve considerar que uma legislação nacional que coloque alguns dos seus nacionais em desvantagem pelo simples facto de terem exercido o seu direito de livre circulação e de permanência noutro Estado‑Membro gera uma desigualdade de tratamento contrária aos princípios subjacentes ao estatuto de cidadão da União no exercício da sua liberdade de circulação (40). Concordo que, no presente processo, se VA tivesse educado os seus filhos na Alemanha, os «períodos de educação de filhos» relevantes teriam sido automaticamente tomados em consideração nos termos da legislação alemã aplicável (ou seja, nos termos do primeiro período do § 56, n.o 3, do SGB VI). Assim, de forma muito semelhante à das recorrentes nos processos que deram origem aos Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt, VA foi colocada em desvantagem pela simples razão de que educou os seus filhos nos Países Baixos, e não na Alemanha.

58.      Contudo, considero que o facto de uma pessoa, como VA no processo principal, ficar em desvantagem porque os «períodos de educação de filhos» que cumpriu no estrangeiro não são tomados em consideração pelo Estado‑Membro A não é, por si só, relevante para a questão de saber se existe um «vínculo suficientemente estreito» entre os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B e os «períodos de seguro» que cumpriu no Estado‑Membro A. Diz antes respeito à questão de saber se a legislação do Estado‑Membro A é compatível com o artigo 21.o TFUE.

59.      Na minha opinião, as duas questões são diferentes uma da outra e não podem ser misturadas. Tal foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Pensionsversicherungsanstalt (41). Assim, o mero facto de uma pessoa como VA ficar em desvantagem porque os «períodos de educação de filhos» que cumpriu no Estado‑Membro B não são tomados em consideração pelo Estado‑Membro A não pode justificar que se amplie o conjunto de situações nas quais existe um «vínculo suficientemente estreito» (42).

60.      Em segundo lugar, observo que a maioria dos argumentos apresentados pelo Governo Alemão na audiência se centrava no facto de VA ter laços mais fortes com os Países Baixos do que com a Alemanha. Na opinião desse Governo, a Alemanha não estava, por isso, obrigada a aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» que VA cumpriu nos Países Baixos.

61.      Não partilho dessa análise. Na minha opinião, o mero facto de a pessoa em causa também ter vínculos com o sistema de segurança social do Estado‑Membro B durante os «períodos de educação de filhos» relevantes (por exemplo, por essa pessoa estar sujeita ao seguro obrigatório nesse Estado‑Membro durante esses períodos) não impede que a legislação do Estado‑Membro A seja aplicável a tais períodos. Como expliquei na minha resposta à primeira questão, o objetivo do critério do «vínculo suficientemente estreito» não é determinar, consoante o sistema de segurança social com o qual o requerente tenha vínculos mais estreitos, qual a legislação a aplicar, a do Estado‑Membro A ou a do Estado‑Membro B. Esse critério visa antes introduzir uma competência subsidiária (residual) do Estado‑Membro A, sem prejuízo do facto de, no caso de serem tomados em consideração «períodos de educação de filhos» ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B, apenas se aplicar a legislação desse Estado‑Membro.

62.      A este respeito, recordo que, como a Comissão salientou na audiência, o critério do «vínculo suficientemente estreito» foi primeiramente desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Elsen, relativo a um trabalhador transfronteiriço. Os trabalhadores transfronteiriços têm inevitavelmente vínculos tanto com o Estado‑Membro onde trabalham como com o Estado‑Membro onde residem. Como tal, é claro que o mero facto de uma pessoa ter vínculos com o Estado‑Membro B não impede que essa pessoa tenha igualmente um «vínculo suficientemente estreito» com o sistema de segurança social do Estado‑Membro A.

63.      Em terceiro lugar, pode igualmente alegar‑se que, para estabelecer um «vínculo suficientemente estreito», o recorrente tem de ter trabalhado exclusivamente num Estado‑Membro (Estado‑Membro A) durante a sua vida. Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou esse elemento nos seus Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert e Pensionsversicherungsanstalt.

64.      Contudo, descortino dois problemas nessa abordagem. Em primeiro lugar, seria desvantajosa para os cidadãos da União que tenham trabalhado em vários Estados‑Membros e tenham, por isso, exercido o seu direito de livre circulação em aplicação das disposições do TFUE. Uma pessoa pode, por exemplo, ter trabalhado apenas no Estado‑Membro A tanto antes como imediatamente depois de educar um filho no Estado‑Membro B. Deve retirar‑se a essa pessoa a oportunidade de invocar a legislação do Estado‑Membro A relativamente aos «períodos de educação de filhos» que cumpriu no Estado‑Membro B apenas porque, desde então, trabalha no Estado‑Membro C ou mesmo no Estado‑Membro B e já não no Estado‑Membro A?

65.      Em segundo lugar, essa abordagem pode igualmente gerar obrigações desproporcionadas para o Estado‑Membro A. Suponhamos que a pessoa em causa não tinha nenhum vínculo com o Estado‑Membro A antes de educar os filhos no Estado‑Membro B, mas seguidamente tinha trabalhado apenas no Estado‑Membro A. Tal Estado deve estar obrigado a aplicar a sua legislação aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B, ainda que a pessoa em causa apenas tenha começado a trabalhar nesse Estado‑Membro muitos anos depois, pela simples razão de que se pode afirmar que essa pessoa aí trabalhou exclusivamente?

66.      Por último, não acredito que a existência de um «vínculo suficientemente estreito» se possa basear, como afirma o Tribunal de Justiça, no mero facto de a vida da pessoa em causa estar, após o nascimento dos seus filhos, «predominantemente orientada» para o sistema jurídico, económico e social do Estado‑Membro A (por exemplo, porque os filhos frequentam a escola no Estado‑Membro A, ou porque residia apenas a poucos quilómetros de distância da fronteira de tal Estado‑Membro). O critério em questão é demasiado incerto e imprevisível e não tornaria mais claro o critério do «vínculo suficientemente estreito».

67.      Feitos estes esclarecimentos, resta‑me referir as considerações que entendo decisivas para determinar a existência de um «vínculo suficientemente estreito».

b)      Considerações decisivas

68.      Parece‑me claro que o fator decisivo para o estabelecimento de um «vínculo suficientemente estreito» é a pessoa em causa ter cumprido «períodos de seguro» no Estado‑Membro A antes (mas não necessariamente depois), de educar os seus filhos no Estado‑Membro B (primeira condição). Na minha opinião, o facto de a pessoa em causa ter voltado a trabalhar no Estado‑Membro A depois de terem terminado os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B pode reforçar a conclusão do Tribunal de Justiça de que existe um «vínculo suficientemente estreito». Contudo, não é um pressuposto para a existência de tal vínculo.

69.      Com efeito, se, para poder beneficiar de uma prestação concedida pela legislação do Estado‑Membro A, a pessoa em causa estivesse obrigada a exercer novamente uma atividade profissional ou a completar mais «períodos de seguro» nesse Estado‑Membro depois de educar os seus filhos no Estado‑Membro B, seria, muito simplesmente, afetada no exercício do seu direito de circular e permanecer livremente noutros Estados‑Membros ao abrigo do artigo 21.o TFUE (uma vez que, excetuando o caso dos trabalhadores transfronteiriços, a pessoa em causa seria efetivamente obrigada a regressar para o Estado‑Membro A para cumprir mais «períodos de seguro»).

70.      Além disso, considero que, apesar de os «períodos de seguro» cumpridos no Estado‑Membro A não terem de ser imediatamente anteriores aos períodos dedicados à educação de filhos, o Estado‑Membro A tem de ser o último Estado‑Membro no qual a pessoa em causa cumpriu «períodos de seguro» antes de educar os seus filhos no Estado‑Membro B (segunda condição). Com efeito, na minha opinião, se uma pessoa cumprir «períodos de seguro» no Estado‑Membro A e, em seguida, no Estado‑Membro C antes de educar os seus filhos no Estado‑Membro B, então deve considerar‑se que os «períodos de educação de filhos» cumpridos neste Estado‑Membro têm um vínculo mais estreito com os «períodos de seguro» cumpridos no Estado‑Membro C do que com os cumpridos no Estado‑Membro A. Em tal situação, o Estado‑Membro C, e não o Estado‑Membro A, tem de aplicar a sua legislação a esses períodos (43).

71.      Acrescento que a segunda condição é compatível com a regra constante do Artigo 44.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009, que dispõe que a obrigação de o Estado‑Membro A tomar em consideração os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B de acordo com a sua própria legislação deixa de se aplicar «se a pessoa em causa estiver ou passar a estar sujeita à legislação de outro Estado‑Membro devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria».

72.      Daqui decorre que o critério do «vínculo suficientemente estreito» tem, na minha opinião, de se basear em duas componentes essenciais. Em primeiro lugar, a pessoa em causa tem de ter cumprido «períodos de seguro» no Estado‑Membro A antes (mas não necessariamente depois) de educar os seus filhos no Estado‑Membro B. Em segundo lugar, o Estado‑Membro A tem de ser o último Estado‑Membro no qual a pessoa em causa cumpriu esses «períodos de seguro» antes de educar os seus filhos no Estado‑Membro B.

2.      Aplicação a uma situação como a que está em apreço no processo principal

73.      Na parte decisória do Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, o Tribunal de Justiça salientou expressamente que a pessoa em causa, pagara contribuições exclusivamente no Estado‑Membro A, quer antes quer depois da transferência da sua residência para outro Estado‑Membro, onde educou os seus filhos. Tendo em conta essa formulação, pode perguntar‑se, como faz o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, se o critério do «vínculo suficientemente estreito» está preenchido numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual VA cumpriu o que entendo serem períodos que podem ser equiparados a «períodos de seguro» no Estado‑Membro A (Alemanha) antes de educar os seus filhos no Estado‑Membro B (Países Baixos), mas apenas começou a pagar contribuições para o regime legal de seguro desse primeiro Estado‑Membro vários anos após deixar de se ocupar com a educação dos seus filhos.

74.      Na minha opinião, esta circunstância não pode, por si só, impedir, como já referi no n. o 35, supra, a aplicabilidade da legislação do Estado‑Membro A (Alemanha) aos períodos controvertidos.

75.      A este respeito, devo admitir que faz sentido, em princípio, fazer depender o direito de uma pessoa a uma pensão do facto de a pessoa em causa ter pago contribuições para o regime legal de pensões do Estado‑Membro responsável pela atribuição dessa pensão. Assim, percebo por que razão alguns Estados‑Membros podem querer limitar o que deve ser considerado «período de seguro» a períodos durante os quais a pessoa em causa tenha, de facto, pago contribuições em virtude da sua atividade «por conta de outrem» ou «por conta própria». Contudo, tal não altera o facto de outros Estados‑Membros, incluindo a Alemanha, permitirem que determinados períodos da vida de uma pessoa, durante os quais esta não tenha pago tais contribuições e não tenha exercido atividade «por conta de outrem» ou «por conta própria» (e, por isso, não tenha estado sujeita ao seguro obrigatório), sejam equiparados a «períodos de seguro».

76.      Quanto a este aspeto, recordo que, nos termos do artigo 1.o, alínea t), do Regulamento n.o 883/2004, a expressão «[p]eríodo de seguro» não abrange apenas «os períodos de contribuições, de emprego ou de atividade por conta própria […]». Essa expressão aplica‑se igualmente a «quaisquer períodos […] que essa legislação […] considere equivalentes a períodos de seguro». Daqui decorre que os «períodos de seguro», na aceção dessa disposição, podem ser cumpridos por uma pessoa num Estado‑Membro, ainda que esta não pague contribuições para o regime legal de seguro desse Estado‑Membro (nem exerça aí uma atividade por conta de outrem ou por conta própria).

77.      In casu, o Governo Alemão parece indicar que os períodos de formação profissional que VA cumpriu na Alemanha antes de se dedicar à educação dos seus filhos nos Países Baixos são equiparados a «períodos de seguro» ao abrigo do § 58, n.o 1, do SGB VI. O órgão jurisdicional de reenvio faz uma declaração semelhante no seu pedido de decisão prejudicial. Com efeito, observa que, no histórico de seguro de VA, foram registados «períodos a tomar em conta» correspondentes, ou períodos «a ter em conta para efeitos do direito a pensão», respeitantes aos períodos durante os quais efetuou essa formação profissional.

78.      Acresce que a Alemanha é o último Estado‑Membro no qual VA cumpriu «períodos de seguro» antes de se deslocar para os Países Baixos.

79.      Consequentemente, e sem prejuízo da verificação a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, inclino‑me a considerar, à luz das considerações que salientei nos n.os 68 a 72, supra, que a legislação do Estado‑Membro A (Alemanha) se aplica aos períodos controvertidos e que este Estado‑Membro está obrigado, por força do artigo 21.o TFUE, a tomar em consideração esses períodos como se tivessem sido cumpridos no seu território (44).

V.      Conclusão

80.      À luz das considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas para decisão prejudicial pelo Landessozialgericht Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Superior do Contencioso Social da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha) da seguinte forma:

O artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social,

deve ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro responsável pelo pagamento da pensão está obrigado a aplicar a sua legislação e a tomar em consideração os «períodos de educação de filhos» cumpridos noutro Estado‑Membro como se esses períodos tivessem sido cumpridos no seu território, nos termos do artigo 21.o TFUE, desde que, primeiro, a pessoa em causa tenha cumprido «períodos de seguro» no primeiro Estado‑Membro antes de se deslocar para cumprir esses «períodos de educação de filhos» e, segundo, esse Estado‑Membro seja o último Estado‑Membro no qual a pessoa em causa cumpriu esses «períodos de seguro» antes dessa deslocação. A obrigação de o primeiro Estado‑Membro tomar em consideração os «períodos de educação de filhos» cumpridos no segundo Estado‑Membro não se aplica se este Estado‑Membro já tomar em consideração esses períodos nos termos da sua própria legislação. O «período de seguro» pode incluir um período equiparado a um «período de seguro» ao abrigo da legislação nacional do Estado‑Membro responsável pelo pagamento da pensão, durante o qual não tenham sido pagas contribuições para o regime legal de pensões desse Estado‑Membro.


1      Língua original: inglês.


i      Os n.os 10 e 72 do presente texto foram objeto de uma correção, posteriormente à sua disponibilização em linha.


2      Acórdão de 23 de novembro de 2000 (C‑135/99, EU:C:2000:647; a seguir «Acórdão Elsen»).


3      Acórdão de 7 de fevereiro de 2002 (C‑28/00, EU:C:2002:82; a seguir «Acórdão Kauer»).


4      Acórdão de 19 de julho de 2012 (C‑522/10, EU:C:2012:475; a seguir «Acórdão Reichel‑Albert»).


5      Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE 05 F1, p. 98).


6      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2000, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1).


7      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1).


8      Acórdão de 7 de julho de 2022 (C‑576/20, EU:C:2022:525; «a seguir Acórdão Pensionsversicherungsanstalt»).


9      Ibid., n.o 63.


10      O órgão jurisdicional de reenvio refere que VA residiu nos Países Baixos de forma intermitente entre 1962 e 1975. Começou a residir aí de modo permanente em 1975.


11      Nos termos do artigo 1.o, alínea w), do Regulamento n.o 883/2004, a palavra «pensão» é definida como englobando, «tanto as pensões como as prestações em capital que as possam substituir, os pagamentos efetuados a título de reembolso de contribuições, assim como, sem prejuízo do título III, os acréscimos de revalorização ou subsídios complementares». Inclui a concessão de prestações por invalidez como aquelas a que VA alega ter direito no presente processo (v. capítulo 4, intitulado «Prestações por invalidez»). V., igualmente, artigo 3.o, n.o 1, alínea c), desse regulamento, que esclarece que esse instrumento se aplica não apenas a prestações por velhice mas também a prestações por invalidez.


12      V., in casu, artigo 45.o do Regulamento n.o 883/2004, que esclarece que a legislação de um Estado‑Membro pode fazer depender a aquisição, a conservação ou a recuperação do direito às prestações por invalidez do cumprimento de períodos de seguro ou de residência.


13      V., inter alia, considerando 4 do Regulamento n.o 883/2004.


14      Para a definição de «período de seguro» ou de «período de residência», v., respetivamente, artigo 1.o, alíneas t) e v), do Regulamento n.o 883/2004. Ambos os conceitos são definidos por referência à «legislação ao abrigo da qual foram cumpridos ou são considerados cumpridos».


15      V. Acórdão Pensionsversicherungsanstalt (n.o 49 e jurisprudência aí referida).


16      Concretamente, tal significa que, na medida em que a legislação do Estado‑Membro permita, em geral, que os «períodos de educação de filhos» sejam tomados em consideração para efeitos de atribuição de uma pensão, essa legislação não pode tratar os «períodos de educação de filhos» cumpridos num ou em vários Estados‑Membros de forma diferente dos períodos cumpridos a nível nacional.


17      V., igualmente, neste sentido, considerando 5 desse regulamento.


18      C‑576/20, EU:C:2022:75, n.o 32.


19      Observo, a propósito, que o artigo 44.o, n.o 3, do Regulamento n.o 987/2009 especifica que a obrigação prevista no n.o 2 desse mesmo artigo não se aplica se a pessoa em causa estiver ou passar a estar sujeita à legislação de outro Estado‑Membro devido ao exercício de uma atividade por conta de outrem ou por conta própria.


20      V. Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, n. o 55.


21      Ibid., n.o 66.


22      C‑576/20, EU:C:2022:75, n.os 64 e 65.


23      V. artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004. O sistema de coordenação estabelecido por este regulamento e pelo Regulamento n.o 987/2009 tem um duplo objetivo, que é, por um lado, garantir que as pessoas abrangidas pelo Regulamento n.o 883/2004 não sejam privadas de proteção em matéria de segurança social pelo facto de não haver legislação que lhes seja aplicável e, por outro, evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais e as complicações que daí podem resultar [v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Pensionsversicherungsanstalt (Subsídio de reabilitação) (C‑135/19, EU:C:2020:177, n.o 46)].


24      V. n.o 46 desse acórdão.


25      O sublinhado é meu.


26      Como explicarei em seguida, naturalmente, tal não prejudica o facto de a compatibilidade de uma disposição nacional com uma disposição do direito derivado da União (como, in casu, o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009) não ter necessariamente como efeito subtrair a aplicação dessa medida às disposições do TFUE (V., a este respeito, Acórdão de 11 de abril de 2013, Jeltes e o., C‑443/11, EU:C:2013:224, n.o 41 e jurisprudência aí referida).


27      Uma vez que o Tribunal de Justiça não afirmou abertamente, nos seus Acórdãos Elsen, Kauer, Reichel‑Albert ou Pensionsversicherungsanstalt, que a legislação do Estado‑Membro B não previa que os «períodos de educação de filhos» relevantes fossem tomados em consideração, poderia também interpretar‑se esses acórdãos no sentido de que a legislação do Estado‑Membro A deve aplicar‑se a esses períodos, excluindo a legislação do EstadoMembro B [v., em apoio desta interpretação, Acórdãos Elsen (n.o 28) e Kauer (n.os 30 e 31)]. No entanto, na minha opinião, esta interpretação seria errada, pelo menos numa situação em que os Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 se apliquem ratione temporis (o que não era o caso nos Acórdãos Elsen, Kauer e Reichel‑Albert). Com efeito, significaria que, de acordo com o critério do «vínculo suficientemente estreito», uma pessoa poderia invocar unicamente a legislação do Estado‑Membro A, enquanto, nos termos do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, a mesma pessoa poderia invocar a legislação do Estado‑Membro B e, se nenhum «período de educação de filhos» fosse tomado em consideração nos termos dessa legislação, poderia invocar a legislação do Estado‑Membro A (basicamente, essa pessoa teria uma dupla oportunidade para que esses períodos fossem tomados em consideração). Na minha opinião, o critério do «vínculo suficientemente estreito», que foi elaborado com fundamento no artigo 21.o TFUE, não pode conferir um nível mais fraco de proteção aos cidadãos da União do que aquela disposição.


28      Em tal hipótese, considerar‑se‑ia que o Estado‑Membro B não permite a tomada em consideração dos «períodos de educação de filhos» ao abrigo da sua legislação. O Estado‑Membro A seria, assim, obrigado a aplicar a sua legislação aos períodos dedicados à educação de filhos no Estado‑Membro B, em aplicação do critério do «vínculo suficientemente estreito». Contudo, na prática, esses períodos continuariam a ser tomados em consideração como «períodos de residência» nos termos da legislação do Estado‑Membro B.


29      Observo que o Governo Alemão alega que, para se considerar que os «períodos de educação de filhos» são «tomados em consideração» ao abrigo da legislação do Estado‑Membro B, apenas é relevante que, ao abrigo dessa legislação, sejam tomados em consideração para efeitos de atribuição de qualquer tipo de pensão (seja uma pensão de velhice ou de invalidez). Discordo. Na minha opinião, deve ter‑se em conta se são tomados em consideração para o tipo específico de pensão em causa.


30      A título exaustivo, observo que o Governo dos Países Baixos alega que, no presente processo, o Estado‑Membro competente nos termos do título II do Regulamento n.o 883/2004 (Estado‑Membro B) não são os Países Baixos, mas a Alemanha, uma vez que a invalidez de VA teve início enquanto vivia e trabalhava na Alemanha. Esta interpretação está, na minha opinião, claramente errada. De facto, para determinar que legislação deve ser aplicada a um dado período (como, in casu, um «período de educação de filhos»), deve ter‑se em conta a situação da pessoa em causa durante esse período, e não a data em que essa pessoa passou a ter direito a uma pensão.


31      C‑576/20, EU:C:2022:75, n.os 60 a 63.


32      Ibid., n.os 64 a 65.


33      Relacionadas, em especial, com o facto de a legislação de um Estado‑Membro que reflita perfeitamente o conteúdo do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009 poder, na sequência do Acórdão Pensionsversicherungsanstalt, ser considerada contrária ao artigo 21.o TFUE se não permitir que os «períodos de educação de filhos» sejam tomados em consideração noutras situações (sendo essas situações difíceis de antecipar, dado que o critério do «vínculo suficientemente estreito» é inerentemente pouco claro).


34      V. Conclusões que apresentei no processo Pensionsversicherungsanstalt.


35      Por exemplo, no seu Acórdão Elsen, o Tribunal de Justiça concluiu que, uma vez que existia um «vínculo estreito» entre esses períodos e os períodos de exercício de atividade de U. Elsen na Alemanha, não se podia considerar que U. Elsen cessara toda a «atividade profissional» e estava sujeita, por essa razão, à legislação do Estado da sua residência (França). Em contrapartida, a conclusão do Tribunal de Justiça no seu Acórdão Reichel‑Albert parece ter sido, de algum modo, influenciada por considerações diferentes. Em primeiro lugar, D. Reichel‑Albert trabalhara e pagara contribuições apenas num Estado‑Membro (Alemanha), tanto antes como depois de transferir temporariamente o seu local de residência para outro Estado‑Membro (Bélgica), onde nunca trabalhara. Em segundo lugar, D. Reichel‑Albert deslocara‑se para a Bélgica por razões estritamente familiares e diretamente da Alemanha, onde exercera uma atividade por conta de outrem até ao mês anterior à sua deslocação.


36      V. Acórdãos Elsen (n.o 26) e Kauer  (n.o 32).


37      Com efeito, nesses dois processos, a recorrente deixara de estar sujeita à legislação do Estado‑Membro A muitos meses ou até mais de um ano antes de esses períodos começarem a contar.


38      V. n.o 23, supra.


39      Com efeito, como expliquei nas Conclusões que apresentei no processo Pensionsversicherungsanstalt (C‑576/20, EU:C:2022:75, n.o 38), antes da entrada em vigor dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009, a jurisprudência do Tribunal de Justiça articulava‑se, a meu ver, numa abordagem em duas etapas, com base  na aplicabilidade da legislação do Estado‑Membro A aos «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B desde que existisse um «vínculo estreito» ou um «vínculo suficientemente estreito» entre esses períodos e os períodos de emprego remunerado cumpridos no Estado‑Membro A (primeira etapa) e  na obrigação, decorrente do artigo 21.o TFUE, de tal legislação abordar os «períodos de educação de filhos» cumpridos no Estado‑Membro B como se tivessem sido cumpridos no Estado‑Membro A (ou seja, equiparar esses períodos) (segunda etapa).


40      V. Acórdãos Pensionsversicherungsanstalt (n.o 61) e Reichel‑Albert (n.o 42 e jurisprudência aí referida).


41      V., em especial, n.os 63 e 64 desse acórdão.


42      Acrescento que, se, de cada vez que uma pessoa exercesse o seu direito de livre circulação em aplicação das disposições do TFUE, o único critério fosse a pessoa ficar ou não em desvantagem se não puder continuar a invocar a legislação do Estado‑Membro que lhe era anteriormente aplicável, então as normas que constituem o sistema de coordenação instituído pelos Regulamentos n.o 883/2004 e n.o 987/2009 tornar‑se‑iam redundantes no seu todo. Tal resultado criaria não só muita incerteza para os Estados‑Membros, mas igualmente para os próprios cidadãos da União (pelo que poderia, em última instância, prejudicar, em vez de facilitar, o exercício do seu direito de livre circulação consagrado naquelas disposições).


43      A esse propósito, recordo também que, no que se refere ao artigo 45.o TFUE, que diz respeito à livre circulação de trabalhadores, o Tribunal de Justiça já afirmou que uma situação, que assenta num conjunto de circunstâncias demasiado aleatórias e indiretas, não pode influenciar a escolha do trabalhador de exercer a sua liberdade de circulação e não pode ser considerada suscetível de entravar a livre circulação dos trabalhadores [v. Acórdão de 24 de novembro de 2022, MCM (Apoio financeiro a estudantes para prosseguirem estudos no estrangeiro), C‑638/20, EU:C:2022:916, n.o 35 e jurisprudência aí referida]. Na minha opinião, essas considerações também se aplicam no contexto da aplicação do artigo 21.o TFUE. Assim, os «períodos de educação de filhos» não podem ser muito longínquos ou afastados dos «períodos de seguro» cumpridos no Estado‑Membro A.


44      No que respeita à questão de saber se a legislação nacional em apreço no processo principal observa o artigo 21.o TFUE (segunda etapa à qual me referi na nota 39, supra), observo que, nos Acórdãos Elsen (n.o 34) e Reichel‑Albert (n.o 39), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de afirmar, a respeito de versões anteriores (idênticas) das disposições em causa no processo principal, que tais disposições desfavoreciam os cidadãos da União que tenham exercido o seu direito de circular e permanecer livremente nos Estados‑Membros, garantido no artigo 21.o TFUE, e eram, por isso, contrárias a esta disposição. Na minha opinião, esta conclusão permanece válida.