Language of document : ECLI:EU:C:2014:255

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

10 de abril de 2014 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Medicamentos para uso humano — Suspensão da introdução no mercado e retirada de certos lotes de medicamentos que contenham o princípio ativo Clopidogrel — Alteração das autorizações de introdução no mercado — Proibição de introdução no mercado — Regulamento (CE) n.° 726/2004 e Diretiva 2001/83/CE — Princípio da precaução — Proporcionalidade — Dever de fundamentação»

No processo C‑269/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 15 de maio de 2013,

Acino AG, com sede em Miesbach (Alemanha), representada por R. Buchner e E. Burk, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por M. Šimerdová e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Borg Barthet, presidente de secção, E. Levits e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Acino AG (a seguir «Acino») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 7 de março de 2013, Acino/Comissão (T‑539/10, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso de anulação das decisões provisórias da Comissão, de 29 de março de 2010, relativas à suspensão da introdução no mercado de quatro medicamentos para uso humano que contêm o princípio ativo Clopidogrel fabricado numa instalação situada na Índia e à retirada dos lotes de medicamentos que se encontram já no mercado, bem como das decisões definitivas da Comissão, de 16 de setembro de 2010, relativas à alteração das autorizações de introdução no mercado e à proibição da introdução no mercado dos referidos medicamentos (a seguir «decisões controvertidas»).

 Quadro jurídico

2        Por força do artigo 46.° da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (JO L 136, p. 34, a seguir «Diretiva 2001/83»):

«O titular da autorização de fabrico deve pelo menos:

[...]

f)       Observar os princípios e as diretrizes de boas práticas de fabrico de medicamentos e, neste contexto, só utilizar como matérias‑primas substâncias ativas que tenham sido fabricadas em conformidade com as diretrizes pormenorizadas relativas às boas práticas de fabrico das matérias‑primas.

[...]»

3        O artigo 116.° da Diretiva 2001/83 enuncia:

«As autoridades competentes suspendem, revogam, retiram ou alteram uma autorização de introdução no mercado, quando se considerar que o medicamento é nocivo nas condições normais de utilização, ou que falta o efeito terapêutico, ou que a relação risco‑benefício não é favorável nas condições normais de utilização ou que o medicamento não tem a composição quantitativa e qualitativa declarada. O efeito terapêutico falta quando se apurar que o medicamento não permite obter resultados terapêuticos.

[...]»

4        O artigo 117.°, n.° 1, desta diretiva prevê:

«Sem prejuízo das medidas previstas no artigo 116.°, os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para que a dispensa do medicamento seja proibida e o medicamento seja retirado do mercado quando se considere que:

a)       O medicamento é nocivo em condições normais de utilização; ou

b)       Falta o efeito terapêutico do medicamento; ou

c)       A relação risco‑benefício não é favorável nas condições de utilização autorizadas; ou

d)       Que o medicamento não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada; ou

e)       Os controlos do medicamento e/ou dos componentes e produtos intermédios do fabrico não tiverem sido efetuados ou outra exigência ou obrigação relativa à concessão da autorização de fabrico não tiver sido respeitada.»

5        O artigo 20.° do Regulamento (CE) n.° 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1), tem a seguinte redação:

«1.      Quando as autoridades responsáveis pela fiscalização ou as autoridades competentes de qualquer outro Estado‑Membro considerarem que o fabricante ou o importador estabelecido no território da Comunidade deixou de cumprir as obrigações que lhe incumbem nos termos do Título IV da Diretiva 2001/83/CE, informam imediatamente o Comité dos Medicamentos para Uso Humano e a Comissão, apresentando uma fundamentação pormenorizada e indicando as medidas que propõem.

[...]

2.      A Comissão solicita o parecer da Agência [Europeia de Medicamentos (a seguir ‘Agência’)] num prazo por ela determinado em função da urgência da questão, para analisar as razões invocadas. Sempre que possível, o titular da autorização de introdução no mercado do medicamento para uso humano é convidado a apresentar explicações orais ou escritas.

3.       Com base no parecer da Agência, a Comissão aprova as medidas provisórias necessárias que serão imediatamente aplicadas.

A decisão final é aprovada no prazo de seis meses, nos termos do n.° 3 do artigo 87.°

[...]»

6        Nos termos do artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento n.° 726/2004, «[t]odas as decisões de concessão, recusa, alteração, suspensão, retirada ou revogação de autorizações de introdução no mercado tomadas em conformidade com o presente regulamento devem indicar com precisão os fundamentos em que assentam».

 Antecedentes do litígio

7        Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 1 a 11 do acórdão recorrido e podem ser resumidos da forma que segue.

8        A pedido da Acino Pharma GmbH (a seguir «Acino Pharma»), a Comissão concedeu, em conformidade com o Regulamento n.° 726/2004, uma autorização centralizada de introdução no mercado de oito medicamentos que contêm o princípio ativo Clopidogrel.

9        Os pedidos de autorização indicavam que o Clopidogrel era produzido em várias fábricas, uma das quais situada em Visakhapatnam (Índia).

10      De 23 a 26 de fevereiro de 2010, foi efetuada uma inspeção dessa fábrica pela autoridade nacional de fiscalização dos medicamentos competente, a saber, o governo da Alta Baviera, a pedido do Comité dos Medicamentos para Uso Humano (a seguir «comité») da Agência. Essa inspeção visava a observância dos princípios e das diretrizes relativas às boas práticas de fabrico para os medicamentos (a seguir «boas práticas»), referidas no artigo 46.°, alínea f), da Diretiva 2001/83.

11      Essa inspeção culminou num relatório, datado inicialmente de 9 de março de 2010 e alterado em 16 de março de 2010, que estabelece que a produção da referida fábrica não era conforme com as regras de boas práticas. Esse relatório salientou como infração crítica o facto de 70 protocolos de fabrico de lotes terem sido reescritos e de determinadas indicações iniciais terem sido modificadas. A referida inspeção revelou igualmente outras oito infrações graves, relacionadas com a inexistência de um sistema de garantia de qualidade de base e a inobservância das obrigações fundamentais decorrentes das regras de boas práticas, relativas às instalações e ao equipamento, bem como à manutenção periódica preventiva e à manipulação dos solventes. Acresce que os procedimentos de limpeza das instalações e dos equipamentos foram também considerados inadequados para garantir a impossibilidade de contaminação ou de contaminações cruzadas. Segundo a versão alterada do mesmo relatório, não era necessária a retirada dos lotes fornecidos por não haver prova de que os produtos em causa eram nocivos para os pacientes. Além disso, no que respeita à infração crítica, o relatório em questão indicou que a qualidade dos produtos não era alterada pela reescritura dos dados relativos à qualidade e que não havia prova de que essa infração produzia efeitos na saúde dos pacientes.

12      Numa audição perante o comité, realizada em 17 de março de 2010, a Acino Pharma apresentou as suas explicações.

13      Em 18 de março de 2010, a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 20.° do Regulamento n.° 726/2004 e solicitou à Agência que lhe comunicasse a sua posição, a qual lhe remeteu, nesse mesmo dia, o parecer do comité. No seu parecer, que foi transmitido no dia seguinte à Acino Pharma, o comité recomendou que a fábrica situada em Visakhapatnam fosse retirada da lista das instalações autorizadas a produzir o Clopidogrel e que todos os lotes de medicamentos que continham esse princípio ativo produzido pela referida fábrica fossem retirados da rede de distribuição, até ao nível das farmácias.

14      Por carta 22 de março de 2010, a Acino Pharma pediu à Agência o reexame do parecer do comité. Juntou em anexo à sua carta um relatório pormenorizado sobre a avaliação dos riscos, segundo o qual as infrações às regras de boas práticas constatadas não tinham gerado efeitos na qualidade dos medicamentos em causa. A Acino Pharma também informou a Comissão do referido relatório e do seu pedido de reexame.

15      Por ofício de 25 de março de 2010, a Agência comunicou que as indicações fornecidas pela Acino Pharma tinham sido objeto de exame pelo comité, mas que tinham sido mantidas as conclusões do parecer do comité.

16      Em 29 de março de 2010, a Comissão adotou, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 726/2004, oito decisões que introduzem medidas provisórias relativas à introdução no mercado dos medicamentos que contêm o princípio ativo Clopidogrel fabricado nas instalações de Visakhapatnam (a seguir «decisões provisórias»). Por força do artigo 1.°, n.° 1, dessas decisões, foi suspensa a introdução no mercado dos lotes de medicamentos que contêm o princípio ativo Clopidogrel fabricado nessas instalações. Nos termos do n.° 2 desse artigo, os lotes que já se encontravam no mercado da União Europeia deviam ser retirados da rede de distribuição, até ao nível das farmácias.

17      Por carta de 10 de junho de 2010, a Acino Pharma transmitiu à Comissão a síntese final dos resultados dos testes visados no relatório pormenorizado sobre a avaliação dos riscos e a validação dos métodos de teste utilizados, bem como um relatório, datado de 28 de maio de 2010, sobre a avaliação dos riscos de contaminação do Clopidogrel produzido pela fábrica situada em Visakhapatnam por outros princípios ativos fabricados durante o mesmo período. Segundo esse relatório, não havia nenhum risco para a saúde dos pacientes. Com base nesses documentos, a Acino Pharma requereu um novo exame.

18      Em 29 de junho de 2010, a Comissão transmitiu à Agência a carta da Acino Pharma de 10 de junho de 2010, solicitando‑lhe que lhe comunicasse se essas informações podiam justificar a alteração do parecer do comité. Em 23 de julho de 2010, a Comissão recebeu um ofício da Agência informando‑a que mantinha as conclusões do parecer inicial do comité.

19      Em 16 de setembro de 2010, a Comissão adotou, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 726/2004, oito decisões que enunciam duas medidas definitivas (a seguir «decisões definitivas»). Em primeiro lugar, estas dispõem que, com base nas conclusões científicas do comité, juntas em anexo às decisões definitivas, as autorizações de introdução no mercado dos medicamentos que contêm o princípio ativo Clopidogrel são alteradas no sentido de que as instalações de Visakhapatnam são suprimidas da lista das instalações de produção autorizadas a fornecer esse princípio ativo. Em segundo lugar, preveem que os lotes de medicamentos que contêm Clopidogrel fabricado nessas instalações não devem ser introduzidos no mercado da União.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

20      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de novembro de 2010, a Acino Pharma interpôs um recurso de anulação das oito decisões provisórias e das oito decisões definitivas.

21      No tocante ao pedido da Comissão para que fosse declarado que, parcialmente, não havia que conhecer do mérito, o Tribunal Geral constatou, no acórdão recorrido, que a Acino se tinha tornado, devido à fusão‑absorção da Acino Pharma, a recorrente de pleno direito no processo, em substituição da Acino Pharma. Registou o facto de essa última ter desistido do seu recurso no que respeita a dois medicamentos e julgou ainda procedente o pedido da Comissão para que fosse declarado que não havia que conhecer do mérito no que respeita a dois outros medicamentos.

22      Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que foi interposto contra as decisões provisórias, o Tribunal Geral considerou que, no quadro da boa administração da justiça, importava que se pronunciasse sobre o mérito do recurso, sem se pronunciar previamente quanto à questão da admissibilidade suscitada pela Comissão.

23      Quanto ao mérito, o Tribunal Geral examinou os cinco fundamentos invocados pela Acino.

24      No quadro do primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83, o Tribunal Geral concluiu, por um lado, nos n.os 63 a 66 do acórdão recorrido, que, em conformidade com o princípio da precaução, bem como devido ao amplo poder de apreciação de que dispõe a Comissão na matéria, essa instituição tinha podido de modo juridicamente correto alterar as autorizações de introdução no mercado das medicamentos em causa com base no artigo 116.° da Diretiva 2001/83 e, por outro lado, nos n.os 73 e 74 desse acórdão, que a observância das regras de boas práticas constituía uma das obrigações relativas à visada concessão da autorização de fabrico e que a inobservância dessas regras podia justificar, em conformidade com o artigo 117.°, n.° 1, alínea e), desta diretiva, a proibição da dispensa do medicamento, bem como a sua retirada do mercado.

25      No que respeita ao segundo fundamento, relativo à inobservância dos requisitos de prova, o Tribunal Geral recordou, no n.° 79 do acórdão recorrido, que, no sistema de autorização prévia dos medicamentos, a Comissão podia limitar‑se, em conformidade com o princípio da precaução, a fornecer indícios sérios e concludentes que, sem dissiparem a incerteza científica, permitiam que se duvidasse razoavelmente da declarada composição qualitativa e quantitativa dos medicamentos em causa e do respeito de uma das obrigações relativas à concessão da autorização de fabrico. O Tribunal Geral considerou, nos n.os 80 e 81 do acórdão recorrido, que, no caso concreto, a Comissão tinha fundamentado de modo bastante a alteração das autorizações relativas aos medicamentos em causa com a remissão para as conclusões científicas do comité, as quais constituíam indícios sérios e concludentes.

26      No que respeita ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Geral, por um lado, recordou, no n.° 87 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha ordenado a retirada do mercado dos lotes já fabricados, após ter apresentado indícios sérios e concludentes. Por outro lado, concluiu, no n.° 88 desse acórdão, que a Comissão podia validamente considerar que a mera alteração das futuras autorizações de introdução no mercado não constituía uma medida suficientemente adequada.

27      No quadro da apreciação do quarto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais no processo relativo ao parecer do comité e a erro de apreciação cometido pela Comissão, o Tribunal Geral analisou em primeiro lugar o argumento relativo à ilegalidade do parecer do comité. Após ter examinado o conteúdo do parecer do comité nos n.os 95 e 96 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 97 desse acórdão, que esse parecer continha a indicação de um nexo compreensível entre as constatações e as recomendações. Em segundo lugar, no que respeita ao exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação, o Tribunal Geral constatou que essa última tinha exercido o seu próprio poder de apreciação ao adotar as decisões controvertidas e que o exercício do amplo poder de apreciação de que dispunha não estava ferido de nenhum erro.

28      O Tribunal Geral não acolheu o quinto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação, concluindo, nos n.os 124 a 129 do acórdão recorrido, que as decisões controvertidas continham uma indicação tanto da sua base legal como dos nexos existentes entre as infrações às regras de boas práticas e as medidas ordenadas.

29      Nessas condições, o Tribunal Geral negou integralmente provimento ao recurso interposto pela Acino.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

30      A Acino pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e condene a Comissão nas despesas.

31      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene a recorrente nas despesas da instância.

 Quanto ao presente recurso

 Considerações preliminares

32      Respondendo embora a cada um dos cinco fundamentos invocados pela Acino em apoio do seu recurso, a Comissão suscita a sua inadmissibilidade a título liminar, designadamente na medida em que o segundo, terceiro e quarto fundamentos deste último assentam nos mesmos argumentos que foram aduzidos na petição inicial e não indicam claramente o motivo pelo qual o acórdão recorrido está ferido de erro de direito. Além disso, apesar do primeiro e quinto fundamentos do presente recurso se referirem a alegados erros cometidos pelo Tribunal Geral, a Comissão entende que esses argumentos também são inadmissíveis, pois assentam, em grande medida, em elementos de facto sujeitos à apreciação soberana do Tribunal Geral.

33      Há que recordar que, em conformidade com o disposto nos artigos 256.° TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso é limitado às questões de direito e deve ter por fundamento a incompetência do Tribunal Geral, irregularidades do processo no Tribunal Geral que prejudiquem os interesses do recorrente ou a violação do direito da União pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, acórdão de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, Colet., p. I‑1981, n.° 47).

34      Por conseguinte, só o Tribunal Geral é competente para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos autos que lhe foram submetidos, e para apreciar os elementos de prova apresentados. O apuramento destes factos e a apreciação destes elementos não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 2 de outubro de 2001, BEI/Hautem, C‑449/99 P, Colet., p. I‑6733, n.° 44, e de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet., p. I‑8725, n.os 69 e 70).

35      Além disso, resulta dos artigos 256.° TFUE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e dos artigos 168.°, n.° 1, alínea d), e 169.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de forma precisa os elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que escoram especificamente esse pedido (v., designadamente, acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291, n.° 34; de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, Colet., p. I‑2125, n.° 15; e de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, Colet., p. I‑7795, n.° 49).

36      Assim, não respeita as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso de uma decisão do Tribunal Geral que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral, incluindo os que eram fundados em factos expressamente rejeitados por esse órgão jurisdicional (v., designadamente, acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 16). Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido que visa obter um simples reexame da petição apresentada perante o Tribunal Geral, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão Reynolds Tobacco e o./Comissão, já referido, n.° 50).

37      Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (acórdão de 13 de julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C‑210/98 P, Colet., p. I‑5843, n.° 43). Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo de recurso ficaria privado de uma parte do seu sentido (acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 17).

38      Ora, no caso em apreço, o presente recurso visa, no essencial, colocar em causa a apreciação feita pelo Tribunal Geral das condições de aplicação dos artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83 à luz do princípio da precaução, como enunciado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Além disso, na medida em que o referido recurso indica quais são os números específicos do acórdão recorrido que pretende criticar assim como os argumentos em que se apoia, não pode ser declarado inadmissível na sua íntegra.

39      É à luz dos critérios acima mencionados que deve ser examinada a admissibilidade dos argumentos específicos invocados pela Acino em apoio dos cinco fundamentos invocados no quadro do presente recurso.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

40      O primeiro fundamento do presente recurso é relativo a um erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral na interpretação do artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 726/2004, lido em conjugação com os artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83.

41      Com a primeira parte desse primeiro fundamento, a Acino alega que as condições de aplicação do artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83 que permitem proceder a uma alteração da autorização de introdução no mercado não estavam preenchidas no caso vertente.

42      Em primeiro lugar, critica o Tribunal Geral de não ter atendido ao sentido literal do artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83. O conceito de «composição quantitativa e qualitativa», na aceção desta diretiva, deve ser compreendido de modo a designar exclusivamente a natureza física do medicamento, pelo que uma infração às regras de boas práticas não pode conduzir automaticamente a uma modificação da composição quantitativa e qualitativa do medicamento em causa. Além disso, a utilização do verbo «considerar» implica que a autoridade deve estar convencida de que a composição do medicamento está alterada, o que não pode ser o caso da Comissão quando invoca a falta de confiança devido às infrações constatadas às regras de boas práticas.

43      Em seguida, a Acino censura o Tribunal Geral de ter violado o princípio da precaução no quadro da apreciação das condições impostas no artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83.

44      A este respeito, sustenta, em primeiro lugar, que, contrariamente às provas que tinha fornecido, a argumentação da Comissão não se apoiou em indícios científicos, mas unicamente no facto de as infrações às regras de boas práticas terem provocado uma falta de confiança.

45      Em segundo lugar, a Acino considera que a fundamentação da Comissão, baseada na falta de confiança, é incompatível com os requisitos decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual uma medida não se pode basear unicamente na consideração de que é impossível conhecer ou excluir todos os riscos suscetíveis de se verificarem na inexistência da proibição em causa. Segundo a Acino, a aplicação correta do princípio da precaução pressupõe que persista a probabilidade de um real dano para a saúde pública. Ora, no caso vertente, a Acino fez a prova da inocuidade dos medicamentos em causa, mas as provas fornecidas não foram tidas em conta pelo Tribunal Geral.

46      Em terceiro lugar, a Acino salienta que, mesmo quando são respeitadas as regras de boas práticas, o «risco zero» nunca pode ser atingido no domínio do fabrico de medicamentos. As regras de boas práticas não podem, pois, constituir uma regra absoluta de garantia da qualidade. A título de exemplo, a Acino invoca o caso da contaminação da vacina para crianças Rotarix pelo ADN de um vírus suíno. Acrescenta que foi erradamente que o Tribunal Geral concluiu, no n.° 117 do acórdão recorrido, que esse argumento constituía um fundamento novo, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, e que era, portanto, intempestivo.

47      Em quarto lugar, a Acino considera que a remissão feita, no n.° 63 do acórdão recorrido, para o n.° 184 do acórdão do Tribunal Geral de 26 de novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão (T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 a T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, Colet., p. II‑4945), não é pertinente, na medida em que esse número se limita a circunscrever de um modo geral o alcance do princípio da precaução no domínio da saúde, sem abordar concretamente a situação específica que prevalece após a concessão da autorização de um medicamento. Em contrapartida, deviam ser aplicados no caso vertente os n.os 191 e 192 do acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, que enunciam em que condições se pode deixar de atender ao caráter positivo de uma ponderação dos riscos/benefícios de um medicamento já autorizado no quadro da renovação de uma autorização.

48      Por último, a Acino observa que, tendo aplicado de modo errado o princípio da precaução, o Tribunal Geral não levou em conta o facto de que as decisões controvertidas excedem manifestamente os limites do poder de apreciação da Comissão.

49      Com a segunda parte do seu primeiro fundamento, a Acino alega que foi erradamente que o Tribunal Geral considerou, no n.° 73 do acórdão recorrido, que estavam preenchidas as condições impostas no artigo 117.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2001/83 para a retirada dos produtos do mercado, bem como para a proibição da sua introdução no mercado, devido a não ter sido respeitado um requisito previsto para a autorização de fabrico. Contrariamente ao que concluiu o Tribunal Geral no n.° 75 do acórdão recorrido, a reiterada invocação da perda de confiança causada pelas violações às regras de boas práticas não satisfaz manifestamente o requisito previsto no artigo 117.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, o qual exige um indício sério e bastante no que respeita à existência do perigo para a saúde pública.

50      No tocante à primeira parte do primeiro fundamento invocado pela Acino em apoio do seu recurso, a Comissão responde que o Tribunal Geral não concluiu de modo algum que a inobservância do processo de fabrico devido às violações das regras de boas práticas provocasse automaticamente um dano à composição qualitativa e quantitativa dos medicamentos. Na medida em que a própria Acino admite que uma infração às regras de boas práticas pode constituir um indício da existência de uma falta de qualidade, daí cabe deduzir que quanto mais grave é a infração às regras de boas práticas maior é o risco de impureza, de contaminação ou de contaminação cruzada do medicamento fabricado e mais provável é o risco da não conformidade da sua composição quantitativa e qualitativa. Além disso, a Comissão considera que o Tribunal Geral fez uma interpretação correta do princípio da precaução.

51      No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão recorda que o Tribunal Geral concluiu pela existência de um risco de perigo para a saúde. Acrescenta, baseando‑se no espírito da Diretiva 2001/83, que, em caso de inobservância das obrigações impostas pela autorização de fabrico, as autoridades competentes têm o direito de retirar do mercado os medicamentos em causa. Com efeito, em conformidade com o artigo 117.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, basta a esse respeito que um dos riscos potenciais enunciados pelo legislador resulte do comportamento do titular da autorização.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

52      No tocante à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à alteração das autorizações de introdução no mercado em conformidade com o artigo 116.° da Diretiva 2001/83, há que começar por recordar que o Tribunal Geral enunciou no n.° 57 do acórdão recorrido que o processo de fabrico deve ser declarado no quadro do procedimento de concessão das autorizações de introdução no mercado e que esse processo deve respeitar as boas práticas.

53      O Tribunal Geral constatou também, no n.° 58 desse acórdão, que não se contestava que, devido à infração crítica e às outras oito infrações graves às boas práticas constatadas pelo governo da Alta Baviera no seu relatório de inspeção, o processo de fabrico nas instalações situadas na Índia não tinha respeitado as boas práticas.

54      Quanto à questão de saber se a Comissão podia considerar que os medicamentos em causa não tinham a composição qualitativa e quantitativa declarada devido à violação do processo de fabrico, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 60 e 61 do referido acórdão, que o processo de fabrico constituía, tanto no quadro do procedimento de concessão de uma autorização de introdução no mercado como no do procedimento de alteração de uma autorização de introdução no mercado, um elemento que deve ser levado em conta a fim de examinar se estão asseguradas de modo adequado ou suficiente a qualidade, a segurança ou a eficácia de um medicamento.

55      Nesse contexto, tendo realçado que, embora o exame do processo de fabrico não baste para apreciar a composição qualitativa e quantitativa de um medicamento, é, porém, certo que o processo de fabrico constitui um elemento suscetível de modificar a composição qualitativa de um medicamento, foi corretamente que o Tribunal Geral enunciou que a inobservância desse processo pode provocar a modificação da composição qualitativa e que, portanto, a fim de examinar se os medicamentos em causa tinham a composição qualitativa declarada, a Comissão podia validamente levar em conta o processo de fabrico declarado pela Acino. O Tribunal Geral recordou, no n.° 65 do seu acórdão, que, no caso vertente, tinha sido constatada não uma mera infração às boas práticas, mas uma infração crítica e outras oito infrações graves.

56      Por conseguinte, o argumento aduzido pela Acino com base na interpretação literal do conceito «composição qualitativa e quantitativa», na aceção do artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, deve ser julgado improcedente.

57      Em seguida, no que respeita à alegação relativa à violação do princípio da precaução pelo Tribunal Geral, importa recordar que, em conformidade com esse princípio como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando subsistam incertezas quanto à existência ou alcance de riscos para a saúde das pessoas, podem ser adotadas medidas de proteção sem ser necessário esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (v. acórdão de 9 de setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C‑236/01, Colet., p. I‑8105, n.° 111, e, neste sentido, acórdãos de 26 de maio de 2005, Codacons e Federconsumatori, C‑132/03, Colet., p. I‑4167, n.° 61, e de 12 de janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C‑504/04, Colet., p. I‑679, n.° 39).

58      Sendo embora certo que o Tribunal de Justiça já declarou, designadamente no seu acórdão de 23 de setembro de 2003, Comissão/Dinamarca (C‑192/01, Colet., p. I‑9693, n.° 49), invocado pela Acino, que a avaliação do risco não se pode basear em considerações puramente hipotéticas, porém, também acrescentou que, quando se tornar impossível a determinação com certeza da existência ou do alcance do risco alegado devido à natureza insuficiente, não conclusiva ou imprecisa dos resultados dos estudos levados a cabo, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública na hipótese de o risco se realizar, o princípio da prevenção justifica a adoção de medidas restritivas (acórdãos Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 52, e de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, Colet., p. I‑757, n.° 93).

59      Foi, pois, em conformidade com o princípio da precaução, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, que o Tribunal Geral concluiu, no n.° 63 do acórdão recorrido, que, se é verdade que todas as razões mencionadas no artigo 116.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83 têm por objetivo prevenir determinados riscos para a saúde, não é menos certo que esses riscos devem configurar não um caráter concreto, mas unicamente um caráter potencial.

60      Foi ainda de modo juridicamente correto que o Tribunal Geral declarou, no n.° 66 desse acórdão, que, sem prejuízo dos requisitos de prova e dos limites do poder de apreciação de que goza a Comissão e que foram objeto de análise no quadro dos outros fundamentos invocados pela Acino, essa instituição se podia limitar a fornecer indícios sérios e concludentes que permitissem razoavelmente duvidar da composição qualitativa e quantitativa declarada dos medicamentos em causa.

61      Por conseguinte, o argumento da Acino que consiste em censurar o Tribunal Geral de não ter observado o princípio da precaução no quadro da apreciação das condições previstas no artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83 deve ser julgado improcedente. Neste mesmo contexto, há também que julgar improcedente o argumento da Acino baseado na interpretação literal do verbo «considerar», conforme utilizado no artigo 116.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, uma vez que as considerações expostas pela Comissão, assentes em indícios sérios e concludentes, permitem que se duvide razoavelmente da composição qualitativa e quantitativa declarada dos medicamentos em causa.

62      Por outro lado, na medida em que resulta da formulação do primeiro e segundo argumentos que a Acino, no essencial, censura a Comissão de ter baseado as medidas ordenadas na falta de confiança e de não ter tido em conta as provas científicas por si apresentadas, cabe constatar que os referidos argumentos visam, na realidade, obter um reexame pelo Tribunal de Justiça do recurso da Acino e devem, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 36 do presente acórdão, ser julgados inadmissíveis.

63      No tocante ao caso da contaminação da vacina para crianças Rotarix, importa salientar que a Acino ignora o facto de o Tribunal Geral, no n.° 118 do acórdão recorrido, não obstante a circunstância de ter julgado inadmissível esse argumento por ter sido invocado pela primeira vez no quadro da réplica, também ter examinado o mérito do referido argumento, tendo‑o julgado improcedente. Assim, limitando‑se a censurar o Tribunal Geral de ter qualificado o exemplo baseado na referida contaminação de fundamento novo sem tomar posição a respeito da fundamentação que conduziu a que fosse julgado improcedente quando da apreciação do mérito, a Acino apresentou um argumento que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, deve ser julgado inadmissível.

64      Com o seu argumento invocado em quarto lugar, a Acino alega que não é pertinente a remissão feita pelo Tribunal Geral no n.° 63 do acórdão recorrido para o n.° 184 do acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, e que deveria ter remetido para os n.os 191 e 192 desse acórdão. Ora, basta constatar que o Tribunal Geral, quando apreciou, no n.° 66 do acórdão recorrido, o ónus da prova que incumbe à Comissão em caso de retirada de uma autorização de introdução de um medicamento no mercado, remeteu expressamente para o n.° 192 do acórdão Artegodan e o./Comissão. Na medida em que esse argumento assenta numa errada leitura dos n.os 63 e 66 do acórdão recorrido, deve ser julgado improcedente.

65      Por último, na medida em que a Acino alega que o Tribunal Geral não teve em conta o facto de as decisões controvertidas excederem manifestamente os limites do poder de apreciação da Comissão, basta constatar que esse argumento se confunde com o invocado no quadro do quarto fundamento do presente recurso, com o qual será, por conseguinte, examinado.

66      Em face do exposto, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

67      No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento, relativa às medidas tomadas ao abrigo do artigo 117.° da Diretiva 2001/83, cabe salientar que, no n.° 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que o titular de uma autorização de fabrico está obrigado a observar as boas práticas em conformidade com o artigo 46.°, alínea f), da Diretiva 2001/83. Além disso, como resulta já do n.° 57 desse acórdão, é pacífico que o processo de fabrico, que é objeto de uma declaração no quadro do procedimento de concessão de uma autorização de introdução no mercado, deve respeitar as boas práticas.

68      Assim, foi sem cometer qualquer erro de direito que o Tribunal Geral pôde deduzir dessas considerações que a concessão da autorização de fabrico implica automaticamente a obrigação de o seu titular respeitar as boas práticas de fabrico dos medicamentos.

69      Na medida em que o argumento aduzido pela Acino contra o n.° 73 do acórdão recorrido se limita a simplesmente contestar a conclusão à qual chegou o Tribunal Geral, sem aduzir qualquer argumento jurídico suscetível de pôr em causa o raciocínio seguido por este, deve ser julgado inadmissível, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão.

70      No tocante aos vários casos nos quais pode ser proibida a dispensa de um medicamento e pode ser ordenada a sua retirada do mercado, o Tribunal Geral esclareceu, no n.° 75 do acórdão recorrido, que resulta claramente do artigo 117.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83 que todas as variantes visadas por essa disposição são aplicáveis independentemente uma das outras e que na variante em causa, a saber, a que figura na alínea e) do referido artigo, não é mencionada a existência de um perigo para a saúde dos pacientes.

71      O Tribunal Geral acrescentou que uma interpretação do artigo 117.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2001/83 no sentido de que haveria que fazer prova da existência de tal perigo seria contrária ao princípio da precaução, o qual impõe que as autoridades competentes tomem todas as medidas adequadas com vista à prevenção de determinados riscos potenciais para a saúde pública.

72      Uma vez que o Tribunal Geral constatou, no n.° 66 do acórdão recorrido, que a inobservância das boas práticas pode constituir semelhante risco potencial de dano para a composição qualitativa e, consequentemente, para a saúde pública, foi de modo juridicamente correto que pôde declarar que as condições de aplicação do artigo 117.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2001/83 estavam preenchidas no caso vertente.

73      Contrariamente ao aduzido pela Acino, o artigo 117.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2001/83 não exige, pois, um indício sério e bastante da existência de um perigo para a saúde pública, o qual equivaleria, como recordou o Tribunal Geral no n.° 75 do acórdão recorrido, à exigência de um risco concreto, o qual não é exigido pelo princípio da precaução.

74      Por outro lado, no tocante ao argumento que consiste em sustentar que o Tribunal Geral decidiu na falta de qualquer indício científico que prove a existência de um risco potencial para a saúde, cabe remeter para a análise do segundo fundamento do presente recurso, relativo aos requisitos de prova.

75      Resulta do exposto que também deve ser julgada improcedente a segunda parte do primeiro fundamento, pelo que este fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

76      O segundo fundamento é relativo à errada apreciação pelo Tribunal Geral dos factos constatados, sendo o nível de prova por si aplicado contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao princípio da precaução.

77      Segundo a Acino, o facto de a Comissão ter aduzido unicamente a prova de que é impossível excluir todos os potenciais riscos decorrentes das infrações às regras de boas práticas não serve de justificação à adoção das medidas previstas nos artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83. Com efeito, em conformidade com o princípio da precaução, bem como com os enunciados pelo Tribunal Geral no acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, é certo que não incumbia à Comissão apresentar a prova de um perigo concreto para a saúde, mas, no mínimo, incumbia‑lhe invocar indícios sérios e concludentes que permitissem razoavelmente duvidar da composição qualitativa ou quantitativa declarada dos medicamentos em causa.

78      A Acino alega também que não basta a invocação de violações das regras de boas práticas, como reiterada pelo Tribunal Geral. Recordando os elementos de prova apresentados em primeira instância, a Acino afirma ter refutado qualquer dúvida razoável a respeito da qualidade dos medicamentos produzidos. Consequentemente, o ónus da prova dos factos que permitiam justificar as medidas ordenadas incumbia à Comissão, cujas decisões estão, porém, desprovidas da necessária fundamentação, designadamente, quando se tenha em conta a existência do parecer do inspetor do governo da Alta Baviera, o qual se deslocou às instalações e se pronunciou expressamente contra a retirada dos medicamentos em causa. Embora admita que, como o Tribunal Geral concluiu no n.° 120 do acórdão recorrido, a Comissão não está vinculada pelo parecer desse inspetor, a Acino entende que a apreciação independente desse último faz aumentar o nível das provas que a Comissão está obrigada a fornecer no respeitante aos indícios sérios e concludentes da existência da colocação em perigo da saúde.

79      A Comissão alega que não consta do segundo fundamento nenhuma indicação precisa a respeito do erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral. No essencial, esse fundamento corresponde a pôr em causa a apreciação dos factos e dos meios de prova que foi efetuada pelo Tribunal Geral.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

80      No tocante aos requisitos de prova que incumbem à Comissão para a demonstração de que estão preenchidas as condições visadas nos artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83, cabe desde logo constatar que, na medida em que a Acino se limita a criticar as medidas ordenadas pela Comissão sem explicar as razões pelas quais a análise efetuada a esse respeito pelo Tribunal Geral está ferida de um vício, esses argumentos, em todo o caso e pelos motivos já evocados no n.° 33 do presente acórdão, devem ser julgados inadmissíveis.

81      No que respeita aos argumentos dirigidos contra o acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, no n.° 79 desse acórdão, que, no sistema de autorização prévia dos medicamentos, não é o titular de uma autorização de um medicamento que está obrigado a apresentar a prova da eficácia e/ou da inocuidade desse medicamento, mas é à autoridade competente, no caso vertente à Comissão, que incumbe estabelecer que está preenchida uma das condições enunciadas nos artigos 116.° e 117.° da Diretiva 2001/83. Nesse contexto, o Tribunal Geral especificou que, todavia, a Comissão se pode limitar a fornecer indícios sérios e concludentes, os quais, sem dissiparem a incerteza científica, permitam que se duvide razoavelmente da composição qualitativa e quantitativa declarada dos medicamentos em causa e do respeito de uma das obrigações relativas à concessão da autorização de fabrico.

82      No n.° 80 do referido acórdão, o Tribunal Geral analisou a fundamentação das decisões controvertidas que justificava as medidas ordenadas, por remissão para as conclusões científicas do comité. Essas conclusões recomendavam as medidas ordenadas devido aos incumprimentos constatados pelo governo da Alta Baviera no momento da inspeção efetuada durante o mês de fevereiro de 2010 relativos à inobservância das boas práticas. Segundo essas mesmas conclusões, os dados posteriormente transmitidos pela Acino não eram de molde a neutralizar os incumprimentos constatados.

83      No n.° 81 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que esses incumprimentos, escorados par dados científicos objetivos e novos, constituíam, com base nas conclusões científicas do comité, indícios sérios e concludentes que permitiam à Comissão duvidar razoavelmente da composição qualitativa e quantitativa declarada dos medicamentos em causa e do respeito de uma das obrigações relativas à concessão da autorização de fabrico.

84      Resulta do exposto, por um lado, que a Acino não pode censurar o Tribunal Geral de não ter concluído que o ónus da prova incumbia à Comissão e que esta última estava obrigada a apresentar indícios sérios e concludentes que permitissem duvidar razoavelmente da composição qualitativa e quantitativa declarada dos medicamentos em causa, resultando esses argumentos de uma leitura errada dos n.os 79 a 81 do referido acórdão.

85      Por outro lado, na medida em que, com esse segundo fundamento, a Acino alega, no essencial, que o Tribunal Geral cometeu um erro por não ter tido em conta os elementos de prova que forneceu para declarar insuficientes os indícios acolhidos pela Comissão, na realidade, contesta a apreciação desses elementos de prova efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 80 e 81 do acórdão recorrido.

86      Em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 34 do presente acórdão, a apreciação dos elementos de prova considerados pelo Tribunal Geral não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos factos ou dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça.

87      Ora, não tendo a Acino sequer alegado no caso vertente a existência de tal desvirtuação, os seus argumentos respeitantes aos elementos de prova considerados pelo Tribunal Geral devem ser julgados inadmissíveis.

88      Daqui se conclui que há também que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

89      O terceiro fundamento é relativo à incorreta aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Tribunal Geral.

90      A Acino sustenta que, tendo em conta as provas apresentadas no que respeita à qualidade e à inocuidade dos medicamentos em causa, as medidas ordenadas pela Comissão não eram manifestamente necessárias e eram desproporcionais, devido ao grave prejuízo económico que lhe causaram. Segundo a Acino, pelo menos no momento da adoção das decisões definitivas, a retirada retroativa dos medicamentos em causa deveria ter sido revogada por força do princípio da proporcionalidade.

91      A Acino acrescenta que foi apenas acessoriamente que a manutenção da suspensão da autorização, bem como a proibição da introdução no mercado dos referidos medicamentos, serviram para a proteção da saúde. Por conseguinte, essas medidas tem o caráter de uma punição e são ilícitas, tanto mais quanto visaram diretamente o titular da autorização de introdução no mercado e não o produtor, autor das infrações imputadas.

92      Segundo a Comissão, o terceiro fundamento também deve ser julgado inadmissível, visto que se limita a reproduzir os argumentos já aduzidos em primeira instância, aos quais o Tribunal Geral respondeu de modo exaustivo. Além disso, o exame do caráter adequado e necessário das medidas ordenadas foi corretamente efetuado pelo Tribunal Geral.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

93      No tocante à alegada violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Geral constatou, no n.° 88 do acórdão recorrido, que a Comissão podia validamente considerar que a mera alteração futura das autorizações de introdução no mercado, como proposta pela Acino como medida menos coerciva, não constituía uma medida suficientemente adequada tendo em conta o objetivo de proteção da saúde humana. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, uma alteração das autorizações de introdução no mercado em conformidade com o artigo 116.° da Diretiva 2001/83 não visaria o risco resultante da presença efetiva no mercado dos medicamentos em causa, o qual só pôde ser superado através da retirada efetiva do mercado desses medicamentos em conformidade com o artigo 117.° da Diretiva 2001/83. O Tribunal Geral esclareceu que essas considerações assumiam ainda mais importância à luz do requisito do respeito do princípio da precaução aplicado no domínio sensível da proteção da saúde humana.

94      O Tribunal Geral daí deduziu, no n.° 89 do referido acórdão, que o princípio da proporcionalidade foi respeitado, pois, de resto, as medidas ordenadas pela Comissão se tinham limitado apenas às instalações de fabrico situadas na Índia.

95      Na medida em que o terceiro fundamento se limita, no essencial, a preconizar, como medida menos coerciva, a mera alteração futura das autorizações de introdução no mercado, basta constatar que a Acino apenas reitera os argumentos que já tinha desenvolvido em primeira instância, sem, porém, tomar especificamente posição a respeito da fundamentação exposta pelo Tribunal Geral, nos n.os 87 a 89 do mesmo acórdão, para os julgar improcedentes e sem desenvolver uma argumentação jurídica que permita concluir pela violação do princípio da proporcionalidade pelo Tribunal Geral.

96      Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado inadmissível pelas razões expostas nos n.os 35 e 36 do presente acórdão.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

97      O quarto fundamento é relativo ao incorreto exercício pelo Tribunal Geral da sua fiscalização jurisdicional, na medida em que concluiu erradamente que as decisões controvertidas não excedem o poder de apreciação de que dispõe a Comissão.

98      Em primeiro lugar, a Acino invoca a ilegalidade do parecer do comité, na medida em que esse parecer não teve em consideração as provas que tinha apresentado e que permitiam concluir pela inexistência de uma incerteza científica no que respeita ao risco de contaminação. Foi erradamente que as medidas ordenadas pelas decisões controvertidas tiveram unicamente por base o facto de as violações das regras de boas práticas terem tornado impossível excluir o mínimo risco, sendo certo que não há nenhum processo de fabrico de medicamentos que permita chegar a uma certeza absoluta quanto à sua qualidade. Segundo a Acino, uma vez que é ilícito o parecer do comité, daí conclui que também são ilícitas as decisões da Comissão.

99      Em segundo lugar, a Acino considera que o Tribunal Geral concluiu erradamente pela inexistência de um manifesto abuso de poder por parte da Comissão. Com efeito, em conformidade com o princípio da proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incumbe ao juiz da União verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência para controlar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que podem ser tomados em consideração para a apreciação de uma situação complexa. Ora, o acórdão recorrido não satisfez esses requisitos.

100    Por um lado, resulta das regras de procedimento da Agência que não é a mera violação das regras de boas práticas que cria um risco para a saúde. Portanto, a equiparação a faltas de qualidade das violações das regras de boas práticas constitui um erro manifesto de apreciação. A Acino realça que, no que respeita à única infração crítica, a saber, a reescritura dos protocolos de fabrico dos lotes, resulta do parecer do inspetor que procedeu a uma visita das instalações que não foi alterado nenhum dado relativo à qualidade. Foi erradamente que o Tribunal Geral não atendeu a esse elemento ao concluir, no n.° 120 do acórdão recorrido, que, em todo o caso, pertence à Comissão a competência para decidir da adoção de medidas nos termos do artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 726/2004. Essas considerações puramente formais são criticáveis na medida em que não explicam as razões pelas quais a Comissão não seguiu a recomendação do referido inspetor. A Acino estende ainda que Tribunal Geral violou o princípio da proporcionalidade ao basear‑se, no n.° 119 do acórdão recorrido, nas regras de procedimento da Agência, das quais decorre que uma violação importante das regras de boas práticas pode conduzir à alteração da autorização de introdução no mercado ou à proibição da dispensa do medicamento fabricado.

101    Por outro lado, o erro manifesto que fere a decisão da Comissão foi confirmado de modo independente pelas decisões do Verwaltungsgericht Köln (Alemanha), as quais chegaram à conclusão de que era ilegal a suspensão das autorizações por falta de qualidade farmacêutica por não existir qualquer risco de perigo para os pacientes. Visto que as legislações relativas aos medicamentos estão, segundo a Acino, completamente harmonizadas, a solução de direito substantivo que resulta dessas decisões é transponível para o presente caso.

102    A Comissão considera que o Tribunal Geral examinou amplamente tanto o parecer do comité como a totalidade das peças apresentadas pela Acino. Ora, o facto de o comité, a Agência, a Comissão e o Tribunal Geral terem chegado, na apreciação das provas, a uma conclusão diferente da preconizada pela Acino não constitui, por si só, um erro de direito que possa ser imputável a todos estes.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

103    No que respeita à primeira parte do quarto fundamento, relativa à ilegalidade do parecer do comité, importa constatar que Tribunal Geral, após ter recordado, no n.° 93 do acórdão recorrido, que a sua fiscalização jurisdicional se exerce tanto sobre a regularidade do funcionamento do comité como sobre a coerência interna e a fundamentação do parecer desse último, analisou, por um lado, no n.° 95 desse acórdão, as considerações do comité que levaram a que recomendasse a supressão das instalações de fabrico situadas na Índia da lista das instalações autorizadas e, por outro, no n.° 96 do referido acórdão, a fundamentação da parte desse parecer que preconizou uma alteração da autorização de introdução no mercado e a retirada do mercado dos medicamentos em causa.

104    Daqui deduziu, no n.° 97 do mesmo acórdão, que o parecer do comité, ao acrescentar que as medidas de correção propostas pela Acino na audiência de 17 de março de 2010 não eram de molde a assegurar, a posteriori, a qualidade dos medicamentos em causa, estabelecia um nexo compreensível entre as medidas recomendadas, as constatações científicas e os dados transmitidos pela Acino nessa audiência.

105    Nos n.os 99 a 106 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral também tomou posição sobre os elementos apresentados pela Acino após a realização dessa audiência, a saber, o relatório pormenorizado sobre a avaliação dos riscos e a síntese final dos resultados dos testes efetuados.

106    Na medida em que, com a primeira parte do presente fundamento, a Acino se limita a reiterar a sua argumentação relativa à ilegalidade do parecer do comité por esse último não ter levado em consideração as provas por si fornecidas, sem, porém, tomar posição sobre os n.os 93 a 106 desse acórdão e sem especificar em que consiste o erro de direito que teria sido cometido pelo Tribunal Geral no quadro da sua análise da legalidade desse parecer, essa parte deve ser julgada inadmissível, pelos mesmos motivos evocados nos n.os 35 e 36 do presente acórdão.

107    No tocante à segunda parte do quarto fundamento, cabe referir que o Tribunal Geral recordou, no n.° 114 do referido acórdão, que, na medida em que é facto assente que as obrigações relacionadas com o processo de fabrico assumem uma importância essencial para garantir a qualidade dos medicamentos, a Comissão podia concluir de modo juridicamente correto que os medicamentos em causa não tinham a composição qualitativa e quantitativa declarada e que não tinha sido respeitada uma obrigação à qual está subordinada a concessão das autorizações de fabrico dos medicamentos. Daqui deduziu que as decisões controvertidas não estão feridas de um erro manifesto de apreciação e que é também manifesto que a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação.

108    No que respeita ao argumento de que o Tribunal Geral violou o princípio da proteção jurisdicional efetiva, cumpre recordar que esse princípio constitui um princípio geral do direito da União, presentemente consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Ora, há que constatar que a Acino não invocou nenhum elemento que permita considerar que referido princípio foi violado pelo Tribunal Geral, pelo que esse argumento deve ser julgado de ordem demasiado geral e imprecisa para poder ser objeto de apreciação jurídica pelo Tribunal de Justiça no quadro do presente recurso (v., neste sentido, despacho de 12 de julho de 2012, Mugraby/Conselho e Comissão, C‑581/11 P, n.os 72, 81 e jurisprudência referida).

109    No que respeita ao argumento relativo às regras de procedimento da Agência, o Tribunal Geral tomou posição a esse propósito no n.° 119 do acórdão recorrido, ao salientar que o ponto 6.5.2 do documento da Agência relativo ao procedimento a seguir para o tratamento dos casos de violação grave das boas práticas especifica que, em caso de violação grave das boas práticas numa instalação de produção situada num país terceiro, pode ser necessário alterar a autorização de introdução no mercado de modo a cancelar a autorização dessa instalação. De igual modo, o ponto 6.8.1 desse documento enuncia que, em caso de violação grave das boas práticas, também é possível impor a proibição de dispensa do medicamento fabricado.

110    Por conseguinte, atendendo aos esclarecimentos do Tribunal Geral que constam do n.° 119 do acórdão recorrido no que respeita às regras de procedimento da Agência, a alegação apresentada pela Acino a esse propósito deve ser julgada improcedente.

111    Quanto ao argumento dirigido contra o n.° 120 desse acórdão, cumpre referir, por um lado, que a Acino não contesta a conclusão do Tribunal Geral de que o poder de decisão nos termos do artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento n.° 726/2004 pertence à Comissão, e não ao inspetor delegado pela competente autoridade nacional de fiscalização dos medicamentos.

112    Por outro lado, a censura de que estas considerações são meramente formais e não expõem os motivos nos quais a Comissão se baseou para não seguir o parecer desse inspetor também deve ser julgada infundada, na medida em que os motivos da Comissão resultam de modo jurídico bastante das considerações expostas pelo Tribunal Geral nos n.os 93 a 106 do referido acórdão.

113    No tocante ao argumento relativo à decisão proferida pelo Verwaltungsgericht Köln, importa recordar que, no n.° 121 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que essa decisão não o vinculava, e que, além disso, o objeto do processo na sua origem era constituído não, como no presente processo, por autorizações centralizadas concedidas em conformidade com o Regulamento n.° 726/2004, mas por autorizações nacionais concedidas por uma autoridade alemã.

114    Consequentemente, mesmo admitindo que o Tribunal Geral não tivesse apreciado corretamente as regras relativas ao procedimento administrativo alemão, essa eventualidade não seria, em caso algum, de molde a pôr em causa a sua constatação de que não estava vinculado por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional.

115    Resulta do exposto que há que julgar improcedente o quarto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento

 Argumentos das partes

116    Com o seu quinto fundamento, a Acino censura o Tribunal Geral de não ter levado devidamente em conta a insuficiência de fundamentação das decisões controvertidas.

117    Segundo a Acino, as provas fornecidas pela Comissão no que respeita aos riscos potenciais para a saúde, bem como às dúvidas formuladas por essa instituição a respeito da qualidade dos medicamentos em causa devido às violações das regras de boas práticas, não bastam para satisfazer os requisitos impostos pelo artigo 81.° do Regulamento n.° 726/2004, nos termos do qual qualquer decisão que altere ou retire uma autorização de introdução no mercado deve indicar com precisão os motivos em que assenta e não pode, pois limitar‑se a evocar riscos de natureza hipotética.

118    A Acino salienta ainda que a fundamentação das decisões controvertidas não permite explicar as razões pelas quais as provas por si apresentadas não puderam influenciar a apreciação da Comissão.

119    A Comissão alega que não pode ser acolhido o argumento relativo à expressão «com precisão», que figura no artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento n.° 726/2004. Com efeito, na medida em que o artigo 296.° TFUE já exige uma fundamentação precisa, esse dever de fundamentação não resulta reforçado por esse artigo 81.°, n.° 1. Foi, pois, de modo juridicamente correto que o Tribunal Geral examinou a fundamentação das decisões controvertidas à luz do artigo 296.° TFUE e considerou que estas estavam fundamentadas de modo bastante.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

120    Quanto ao quinto e último fundamento, cabe salientar que o Tribunal Geral recordou, no n.° 124 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante por força da qual a fundamentação exigida pelo artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e evidenciar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao juiz competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o ato diga direta e individualmente respeito possam ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 88 e jurisprudência referida).

121    No n.° 125 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral esclareceu que o artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento n.° 726/2004, nos termos do qual todas as decisões de concessão, recusa, alteração, suspensão, retirada ou revogação de autorizações de introdução no mercado devem indicar com precisão os fundamentos em que assentam, mais não faz do que recordar explicitamente o dever geral de fundamentação visado no artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE.

122    Portanto, foi de modo juridicamente correto que o Tribunal Geral analisou o dever de fundamentação que incumbe à Comissão à luz dos requisitos impostos pelo artigo 296.° TFUE.

123    Nos n.os 127 e 128 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que resulta das decisões controvertidas que a alteração das autorizações de introdução no mercado, bem como a retirada do mercado dos medicamentos em causa e a proibição da sua introdução no mercado, foram ordenadas com base nas conclusões científicas do comité. As conclusões científicas, que foram juntas em anexo às decisões controvertidas, recomendavam as medidas tomadas por não estar assegurada a garantia de qualidade dos medicamentos em causa em razão das importantes falhas no tocante ao processo de fabrico. No tocante aos controlos dos medicamentos e à sua composição, bem como à observância das obrigações relacionadas com o processo de fabrico que estão previstas no Regulamento n.° 726/2004, a Comissão realçou a sua importância essencial para se garantir a qualidade dos medicamentos introduzidos no mercado da União e para que se pudesse assegurar que a sua composição qualitativa era a declarada e ainda para proteger a saúde pública.

124    Nestas condições, foi de modo juridicamente correto que o Tribunal Geral considerou que a fundamentação das decisões controvertidas bastava para permitir à Acino compreender as razões pelas quais essas decisões tinham sido adotadas. Acresce que a fundamentação dessas decisões, que assentavam nas importantes falhas no processo de fabrico, decorrentes de uma infração crítica e de várias infrações graves às boas práticas, permite já por si explicar a razão pela qual as provas apresentadas pela Acino não tiveram influência na apreciação da Comissão.

125    Resulta das considerações precedentes que o quinto e último fundamento invocado pela Acino deve ser julgado improcedente.

126    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela Acino pôde ser acolhido, há que negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

127    Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Por força do artigo 138.°, n.° 1, desse regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do seu artigo 184.°, n.° 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Acino sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condenar essa sociedade nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Acino AG é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.