Language of document : ECLI:EU:F:2008:23

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

21 de Fevereiro de 2008 (*)

«Função pública – Funcionários – Promoção – Procedimento de avaliação – Procedimento de certificação – Avaliação do potencial – Violação do âmbito de aplicação da lei – Conhecimento oficioso»

No processo F‑31/07,

que tem por objecto um recurso nos termos dos artigos 234.° CE e 152.° EA,

Françoise Putterie‑De‑Beukelaer, funcionária da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas (Bélgica), representada por É. Boigelot, advogado

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Berardis‑Kayser e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção),

composto por: H. Kreppel, presidente, H. Tagaras e S. Gervasoni (relator), juízes,

secretário: C. Schilhan, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Novembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 2 de Abril de 2007, F. Putterie‑De‑Beukelaer pede a anulação do seu relatório de evolução de carreira do ano de 2005, na medida em que, na rubrica 6.5 «Potencial», estabelecida com vista ao procedimento de certificação, o referido relatório não reconhece o seu potencial para exercer funções da categoria B*.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 43.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»):

«A competência, o rendimento e a conduta no serviço de cada funcionário serão objecto de um relatório periódico elaborado, pelo menos, de dois em dois anos, segundo as regras estabelecidas por cada instituição, de acordo com o disposto no artigo 110.° Cada instituição prevê disposições que conferem o direito de interpor recurso no âmbito do procedimento de notação, o qual deve ser exercido previamente à apresentação de uma reclamação nos termos do n.° 2 do artigo 90.°

A partir do grau 4, no que respeita aos funcionários do grupo de funções AST, o relatório pode igualmente conter um parecer sobre se, com base no desempenho, o interessado dispõe do potencial exigido para desempenhar funções de administrador.

O relatório será dado a conhecer ao funcionário. Este pode apor‑lhe todas as observações que julgar úteis.»

3        A Decisão da Comissão das Comunidades Europeias relativa às disposições gerais de execução do artigo 43.° do Estatuto foi adoptada em 23 de Dezembro de 2004 (a seguir «DGE 43») e era aplicável ao exercício de avaliação de 2006 (abrangendo o período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2005). As DGE 43 definem o procedimento de elaboração de um relatório anual de notação, denominado relatório de evolução de carreira (a seguir «REC»), Em conformidade com o artigo 43.°, n.° 1, do Estatuto, o artigo 8.°, n.° 11, das DGE 43 prevê que o titular de um lugar pode interpor recurso fundamentado do seu REC, sobre o qual o avaliador de recurso decide após parecer emitido pelo comité paritário de avaliação (a seguir «CPA»).

4        Nas Informações administrativas n.° 1‑2006, de 12 de Janeiro de 2006, relativas ao exercício de avaliação de 2006, que corresponde ao período de avaliação compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2005, vem referido sobre a rubrica relativa à avaliação do potencial:

«Esta rubrica deve ser preenchida no quadro dos procedimentos de certificação e de atestação. Só será preenchida pelo avaliador se o titular do lugar o requerer expressamente na sua autoavaliação (quadrícula a assinalar).

A rubrica potencial foi alterada. O avaliador dispõe presentemente de uma lista de funções tipo da categoria A* ou da categoria B*. Deverá assinalar a ou as tarefas da categoria superior e avaliará a parte da actividade do titular do lugar consagrada a essas tarefas, assim como a qualidade das suas prestações no cumprimento dessas tarefas.

[...]»

5        Nos termos do artigo 10.° do anexo XIII do Estatuto:

«1.      Os funcionários em actividade nas categorias C ou D antes de 1 de Maio de 2004 serão afectados em 1 de Maio de 2006 às carreiras que permitem promoções:

a)      Na antiga categoria C, até ao grau AST 7;

b)      Na antiga categoria D, até ao grau AST 5.

[…]

3.      Um funcionário a que seja aplicável o disposto no n.° 1 pode, sem restrições, tornar‑se membro do grupo de funções de assistente se tiver sido aprovado num concurso geral ou com base num procedimento de certificação. O procedimento de certificação será baseado na antiguidade, experiência, mérito e nível de instrução dos funcionários e na disponibilidade de postos no grupo de funções AST. Uma comissão mista analisará as candidaturas dos funcionários para efeitos de certificação. As instituições aprovarão as disposições de execução deste procedimento antes de 1 de Maio de 2004. Quando necessário, as instituições aprovarão disposições específicas para ter em conta passagens que tenham por efeito alterar as taxas de promoção aplicáveis.»

6        Nos termos do artigo 1.° da decisão da Comissão de 7 de Abril de 2004, relativa às regras de execução do procedimento de certificação (a seguir «decisão de 7 de Abril de 2004»), que foi publicada nas Informações administrativas n.° 70/2004 de 22 de Junho de 2004:

«1.      O procedimento de certificação tem por objecto seleccionar os funcionários em funções nas categorias C ou D, antes de 1 de Maio de 2004, que podem tornar‑se membros, sem restrições, do grupo de funções dos assistentes.

[...]»

7        Nos termos do artigo 4.° da decisão de 7 de Abril de 2004:

«Antes de 30 de Setembro de cada ano, a [autoridade investida do poder de nomeação] determina o número de lugares incluído no grupo de funções dos assistentes que poderão ser providos no ano seguinte, por funcionários certificados nos termos do artigo 8.°

Na sequência desta decisão é aberto e publicado pela [autoridade investida do poder de nomeação] um convite à apresentação de candidaturas.»

8        Nos termos do artigo 5.° da decisão de 7 de Abril de 2004:

«1.      Os funcionários referidos no artigo 1.°, que apresentaram a sua candidatura, estão sujeitos ao procedimento de certificação se preencherem cada um dos dois critérios seguintes:

–        um nível de habilitações pelo menos igual ao exigido no artigo 5.°, n.° 3, [alínea] a), do Estatuto, para ser nomeado para um lugar de funcionário no grupo de funções dos assistentes;

–        uma antiguidade na carreira C ou D de pelo menos cinco anos [...]

2.      Em cada exercício de avaliação a [autoridade investida do poder de nomeação] elabora e publica a lista dos funcionários, que apresentaram a sua candidatura, admitidos ao procedimento de certificação.

[...]»

9        O artigo 6.° da decisão de 7 de Abril de 2004 prevê:

«1.      Em cada exercício de certificação a [autoridade investida do poder de nomeação] elabora uma lista dos funcionários admitidos, classificados segundo uma ordem de prioridade, a partir dos critérios seguintes: o nível de habilitações; a antiguidade na carreira C ou D; a experiência e o mérito avaliado com base nos [REC] disponíveis.

2.      O valor dos critérios e a sua ponderação são decididos pela [autoridade investida do poder de nomeação], antes de 31 de Dezembro de 2004, após parecer do comité paritário referido no artigo 9.° Aqueles podem ser adaptados, em cada ano, por decisão da [autoridade investida do poder de nomeação], por recomendação do comité referido no artigo 9.°

[...]

4.      No prazo de dez dias úteis após esta informação, os funcionários admitidos podem recorrer para o comité referido no artigo 9.° no caso de contestarem o número de pontos que obtiveram. Devem fundamentar o seu recurso e fornecer ao comité referido no artigo 9.° todos os documentos oficiais úteis.

O comité referido no artigo 9.° emite um parecer no prazo de dez dias úteis e comunica‑o à [autoridade investida do poder de nomeação], que decide o seguimento a dar ao assunto.»

10      Nos termos do artigo 7.° da decisão de 7 de Abril de 2004:

«1.      Os primeiros funcionários na lista referida no artigo 6.°, até à posição correspondente a duas vezes o número de lugares determinado em conformidade com o artigo 4.°, são autorizados, até 31 de Dezembro do ano seguinte, a concorrer aos lugares vagos a prover no grupo de funções dos assistentes.

2.      A lista dos funcionários referidos no n.° 1 é publicada pela [autoridade investida do poder de nomeação].

3.      Os lugares vagos que podem ser providos pelos funcionários referidos no n.° 1 são assinalados quando da publicação dos anúncios de vaga.»

11      Nos termos do artigo 8.° da decisão de 7 de Abril de 2004:

«1.      Os funcionários referidos no artigo 7.°, n.° 1, nomeados para os lugares vagos referidos no artigo 7.°, n.° 3, são considerados certificados. Tornam-se membros, sem restrições de carreira, do grupo de funções dos assistentes.

2.      A [autoridade investida do poder de nomeação] publicará antes de 31 de Março de cada ano a lista dos funcionários certificados no decurso do último exercício de certificação.»

12      O artigo 9.° da decisão de 7 de Abril de 2004 institui um comité paritário para o exercício de certificação e prevê a sua composição assim como as suas modalidades de funcionamento.

13      A decisão de 7 de Abril de 2004 foi revogada e substituída pela decisão da Comissão de 29 de Novembro de 2006 relativa às regras de execução do procedimento de certificação (a seguir «decisão de 29 de Novembro de 2006»).

14      O artigo 5.°, n.° 1, da decisão de 29 de Novembro de 2006 dispõe:

«Os funcionários referidos no artigo 1.°, que apresentaram a sua candidatura, são admitidos, após parecer do comité referido no artigo 7.°, ao procedimento de certificação se preencherem cada um dos quatro critérios seguintes:

–        dispor de um nível de habilitações pelo menos igual ao exigido no artigo 5.°, n.° 3, [alínea] a), do Estatuto, para ser nomeado para um lugar de funcionário no grupo de funções dos assistentes;

–        possuir uma antiguidade na carreira C ou D de pelo menos cinco anos [...];

–        ter‑lhe sido reconhecido o potencial para assumir funções de ‘Assistente administrativo’;

–        não estar em situação de inadequação ou insuficiência profissional.»

15      A decisão da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») relativa à aplicação dos critérios de admissão ao procedimento de certificação do exercício de 2006, publicada nas Informações administrativas n.° 59‑2006 de 21 de Dezembro de 2006, dispõe no seu ponto 3, intitulado «Potencial»:

«O potencial para assumir funções do nível de ‘Assistente administrativo’ deverá ter sido avaliado positivamente no quadro do exercício de avaliação referente ao ano de 2005.

[...]»

 Factos na origem do litígio

16      A recorrente trabalha como funcionária no Secretariado Geral da Comissão desde 1985. Secretária de direcção até Novembro de 1986, a recorrente mudou depois de orientação profissional e tornou‑se formadora em informática. Foi oficialmente reconhecida responsável de formações informáticas em 2000.

17      A recorrente, de grau C 2 antes de 1 de Maio de 2004, adquiriu o grau C*5 a partir dessa data, em aplicação do artigo 2.°, n.° 1, do anexo XIII do Estatuto, e depois o grau AST 5 a partir de 1 de Maio de 2006, nos termos do 8.°, n.° 1, do Estatuto.

18      Durante o período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2005, em que foi objecto de um REC (a seguir «REC 2005»), a recorrente exerceu as mesmas funções que anteriormente. Quando da elaboração do seu REC 2005, tal como do seu REC anterior, requereu que a rubrica 6.5 «Potencial» fosse completada pelo avaliador, conforme previam as Informações administrativas n.° 1‑2006, de 12 de Janeiro de 2006, a fim de poder participar no procedimento de certificação de 2006.

19      Na referida rubrica 6.5 do REC 2005, cuja epígrafe recorda que a mesma deve ser tomada em conta no contexto do procedimento de certificação, o avaliador considerou que as tarefas desempenhadas pela recorrente durante o período de referência não correspondiam, mesmo parcialmente, às tarefas a cargo de um funcionário da categoria B*. Em consequência, o avaliador considerou, como no REC anterior, que a interessada não tinha demonstrado o seu potencial para assumir funções incluídas nesta categoria. Tendo o homologador decidido nesse sentido, a recorrente, em 6 de Junho de 2006, interpôs o recurso fundamentado previsto no artigo 8.°, n.° 11, das DG 43 e, portanto, submeteu o assunto ao CPA.

20      No seu parecer, o CPA não constatou qualquer incoerência entre os comentários e as notas atribuídas à recorrente nem erro manifesto de apreciação quanto ao não reconhecimento do potencial desta para assumir funções da categoria B*.

21      Por decisão de 26 de Junho de 2006, o avaliador de recurso confirmou o REC 2005.

22      Em 26 de Setembro de 2006, a recorrente apresentou uma «reclamação nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto» contra «a decisão da [sua] hierarquia relativa ao REC 2005 de não [lhe] permitir aceder à certificação, em virtude de uma não consideração do [seu] trabalho [...] e de um erro na denominação do lugar» (a seguir «decisão impugnada»).

23      Por decisão de 21 de Dezembro de 2006, a AIPN indeferiu a reclamação da recorrente, considerando que o homologador, a quem «[c]om base nas informações fornecidas pelo avaliador, compete [...] decidir se o avaliado demonstrou efectivamente o seu potencial para assumir tarefas da categoria superior» não tinha cometido «qualquer erro manifesto de apreciação». O procedimento de certificação do exercício de 2006 teve início no mesmo dia através da publicação do convite à apresentação de candidaturas nas Informações administrativas n.° 60‑2006.

24      Segundo o extracto do processo electrónico Sysper 2 da recorrente apresentado por esta na audiência, a sua candidatura, apresentada em 25 de Janeiro de 2007, foi rejeitada em 1 de Fevereiro seguinte com fundamento em que o seu potencial não tinha sido reconhecido. O recurso desta decisão interposto pela recorrente em 24 de Abril de 2007 foi rejeitado em 25 de Maio de 2007 pela AIPN após exame do comité paritário do exercício de certificação. No seu parecer, reproduzido pela AIPN, este comité considerou que a recorrente não podia beneficiar da certificação, dado que o seu potencial para exercer funções da categoria B* tinha sido negado pelo homologador do seu REC 2005.

 Tramitação processual e conclusões das partes

25      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal da Função Pública, por força do artigo 3.°, n.° 4, da Decisão 2004/752/CE, Euratom do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), até à entrada em vigor do Regulamento de Processo deste último, o Tribunal solicitou à Comissão que respondesse a uma questão escrita e lhe apresentasse documentos.

26      Além disso, por carta de 17 de Setembro de 2007, o Tribunal informou as partes que previa deduzir oficiosamente o fundamento de ordem pública que consiste na violação pelo acto impugnado do âmbito de aplicação, respectivamente, dos artigos 43.° do Estatuto e 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto.

27      Em 15 de Outubro de 2007, as partes apresentaram as suas alegações escritas sobre o fundamento de ordem pública suscitado oficiosamente e comunicado pelo Tribunal.

28      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 13 de Novembro de 2007.

29      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o seu REC 2005, na medida em que não reconhece o seu potencial para exercer funções abrangidas pela categoria B*;

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível e, em qualquer caso, negar‑lhe provimento;

–        decidir quanto às despesas nos termos legais.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

31      A Comissão considera, em primeiro lugar, que a carta da recorrente de 26 de Setembro de 2006, intitulada «Reclamação nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto» não é uma reclamação na acepção do disposto nos artigos 90.°, n.° 2 e 91.°, n.° 2, do Estatuto, mas um requerimento. A recorrente limita‑se a solicitar à administração que pratique determinados actos, nomeadamente conceder‑lhe o benefício da certificação no exercício de 2006. Não tendo sido precedido de uma reclamação, o presente recurso é, portanto, inadmissível.

32      Em segundo lugar, na hipótese de o Tribunal considerar a carta de 26 de Setembro de 2006 uma reclamação, existe uma incoerência manifesta entre o objecto da referida reclamação e o do presente recurso. Com efeito, embora o recurso vise a anulação do REC 2005, o referido REC nem sequer é mencionado no texto da carta de 26 de Setembro de 2006. Nesta hipótese, o recurso é, desde logo, igualmente inadmissível.

 Apreciação do Tribunal

33      A Comissão alega, em primeiro lugar, que o recurso foi precedido de um requerimento e não de uma reclamação.

34      Segundo jurisprudência constante, a qualificação jurídica exacta de uma carta ou de uma nota decorre exclusivamente da apreciação do Tribunal e não da vontade das partes (v., por exemplo, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1993, Hogan/Parlamento, T‑115/92, Colect., p. II‑895, n.° 36).

35      No caso presente, a carta de 26 de Setembro de 2006 deve ser vista como uma reclamação na acepção do disposto nos artigos 90.°, n.° 2 e 91.°, n.° 2, do Estatuto.

36      Com efeito, em primeiro lugar, importa realçar que a interessada utilizou para a referida carta um formulário de reclamação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto e preencheu a rubrica «Decisão contestada» referindo «a decisão da [sua] hierarquia relativa ao REC 2005 de não [lhe] permitir aceder à certificação em virtude de uma não consideração do [s]eu trabalho de [responsável de formações informáticas] e de um erro na denominação do correspondente lugar genérico».

37      Em segundo lugar, a carta de 26 de Setembro de 2006 retoma e desenvolve uma argumentação já apresentada pela recorrente, no quadro do procedimento de recurso previsto nas DGE 43, contra a decisão impugnada. Aliás, a AIPN compreendeu que esta carta era um seguimento da contestação pela recorrente do seu REC 2005 perante o CPA, uma vez que a indeferiu expressamente como uma reclamação dirigida contra o referido REC.

38      Em terceiro lugar, mesmo supondo que a carta de 26 de Setembro de 2006 pudesse ser interpretada como um requerimento e não como uma reclamação contra a decisão impugnada, e que a requerente tivesse sido obrigada, na sequência, a anteceder o seu recurso de uma reclamação contra o indeferimento do seu pedido, o vício que tivesse afectado o procedimento pré‑contencioso teria não obstante como origem um erro desculpável.

39      Com efeito, é este o caso, nos termos da jurisprudência, quando a instituição em causa adoptou um comportamento susceptível de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão admissível no espírito de um sujeito de direito de boa fé que faça prova da diligência exigida de uma pessoa normalmente atenta. Nesse caso, a administração não pode prevalecer‑se da sua própria violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, que esteve na origem do erro cometido pelo sujeito de direito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio de 1991, Bayer/Comissão, T‑12/90, Colect., p. II‑219, n.° 29).

40      Ora, conforme se disse no n.° 37 do presente acórdão, na sua resposta de 21 de Dezembro de 2006 à carta de 26 de Setembro de 2006, a AIPN interpretou expressamente a referida carta como uma reclamação dirigida contra o REC 2005, na medida em que este recusa reconhecer à recorrente um potencial suficiente para aceder ao procedimento de certificação. Perante esta resposta, a recorrente podia legitimamente considerar que tinha cumprido as exigências do procedimento pré‑contencioso previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto e que lhe era permitido interpor directamente recurso para o Tribunal. Em qualquer circunstância, a Comissão não teria razão para invocar uma inadmissibilidade causada pelo seu comportamento.

41      Resulta do que antecede que a Comissão não tem razão ao sustentar que a carta de 26 de Setembro deve ser vista como um requerimento nem que o recurso deve, por não ter sido precedido de uma reclamação, ser julgado inadmissível.

42      Em segundo lugar, a Comissão contesta que, em qualquer circunstância, o recurso tenha sido precedido de uma reclamação com o mesmo objecto.

43      Segundo jurisprudência constante, os pedidos dos recursos dos funcionários devem ter o mesmo objecto que os expostos na reclamação administrativa prévia e conter pontos de impugnação que assentem na mesma causa que a reclamação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1998, Rasmussen/Comissão, T‑193/96, ColectFP, pp. I‑A‑495 e II‑1495, n.° 47).

44      Ora, segundo a Comissão, embora a petição visasse a anulação do REC 2005, este nem sequer teria sido mencionado no texto da carta de 26 de Setembro de 2006, a qual não poderia, portanto, ser vista como uma reclamação apresentada contra o referido REC.

45      A título liminar, importa realçar que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o recurso não visa a anulação do REC 2005 da recorrente, mas sim a anulação da decisão impugnada, a qual, incluída no referido REC e cuja fundamentação resulta da rubrica 6.5 do mesmo, nega à recorrente o potencial necessário para aceder ao grupo de funções dos assistentes e lhe recusa, em consequência, o acesso ao procedimento de certificação previsto no artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto.

46      Ora, resulta da leitura da carta de 26 de Setembro de 2006 que esta já era dirigida contra a decisão impugnada.

47      Em primeiro lugar, a recorrente indicou na sua reclamação de 26 de Setembro, conforme se disse no n.° 36 do presente acórdão, que contestava «a decisão da [sua] hierarquia relativa ao REC 2005 de não [lhe] permitir aceder à certificação». Seguidamente concluiu a sua reclamação requerendo à Comissão que lhe concedesse o benefício da certificação, isto é, que retirasse a recusa que lhe tinha sido oposta a este propósito no seu REC 2005. Finalmente, a recorrente esforçou‑se expressamente por demonstrar na referida reclamação que «as razões invocadas para não [lhe] conceder a certificação não são correctas».

48      Daí decorre que o fundamento de inadmissibilidade relativo à incoerência entre o objecto da reclamação e o do recurso carece de suporte de facto e de direito, pelo que não merece acolhimento.

49      Resulta de tudo o que antecede, que os dois fundamentos de inadmissibilidade suscitados pela Comissão são improcedentes.

 Quanto ao mérito

50      Conforme decidiu o Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 15 de Julho de 1994, Browet e o./Comissão (T‑576/93 a T‑582/93, Colect., p. II‑677, n.° 35) um fundamento relativo ao âmbito de aplicação da lei é de ordem pública e compete ao Tribunal examiná‑lo oficiosamente.

51      Com efeito, o Tribunal deixaria de cumprir a sua missão de juiz da legalidade se se abstivesse de suscitar, mesmo na ausência de contestação das partes sobre este ponto, a questão de a decisão perante si impugnada ter sido tomada com base numa norma insusceptível de ser aplicável ao caso concreto e se, na sequência, fosse levado a decidir o litígio que lhe é submetido aplicando ele próprio essa norma.

52      No caso presente, há que conhecer oficiosamente o fundamento de ordem pública que consiste na violação pela decisão impugnada do âmbito de aplicação, respectivamente, do artigo 43.° do Estatuto e do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto.

53      Por carta de 17 de Setembro de 2007, as partes foram informadas de que o Tribunal pretendia conhecer oficiosamente aquele fundamento e convidadas a apresentar as suas observações.

54      Na sua resposta, a recorrente indicou que o fundamento conhecido oficiosamente se lhe afigurava procedente.

55      Em contrapartida, nas suas alegações escritas sobre o fundamento comunicado pelo Tribunal, a Comissão refutou que este tenha a faculdade de conhecer oficiosamente fundamentos de legalidade interna. Em primeiro lugar, tais fundamentos só podem ser apreciados pelo tribunal comunitário se forem invocados pelos recorrentes ou, pelo menos, se se puderem repostar directamente à argumentação das próprias partes. Em seguida, a possibilidade de o tribunal apreciar oficiosamente questões relativas à legalidade interna de um acto impugnado privaria de qualquer efeito útil tanto o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o qual proíbe às partes a apresentação de novos fundamentos no decurso da instância, como a regra da concordância entre a petição e a reclamação. Finalmente, o conhecimento oficioso de um fundamento de legalidade interna, alterando o quadro do debate contraditório, cria o risco de vir a constituir uma violação dos direitos de defesa.

56      Há que responder desde já a estas objecções de princípio.

57      Em primeiro lugar, contrariamente ao que sustenta a Comissão, já foi decidido que o tribunal comunitário tem a faculdade e, se for caso disso, a obrigação de conhecer oficiosamente determinados fundamentos de legalidade interna. É esse o caso, conforme exposto no n.° 50, da violação do âmbito de aplicação da lei. Da mesma forma, a autoridade absoluta do caso julgado é um fundamento de legalidade interna de ordem pública que deve ser conhecido ex officio pelo juiz (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2006, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C‑442/03 P e C‑471/03 P, Colect., p. I‑4845, n.° 45). Finalmente, em certas hipóteses, a jurisprudência comunitária obriga o juiz nacional, incumbido de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições de direito comunitário, a conhecer oficiosamente fundamentos de legalidade interna, nomeadamente os relativos ao carácter abusivo de uma cláusula nos contratos celebrados pelos consumidores com os profissionais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 2002, Cofidis, C‑473/00, Colect., p. I‑10875, n.os 36 e 38, e de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro, C‑168/05, Colect., p. I‑10431, n.° 39).

58      Quanto à argumentação da Comissão, segundo a qual o Tribunal só pode conhecer oficiosamente um fundamento de legalidade interna se o referido fundamento tiver sido suscitado pelas partes ou se estiver directamente ligado à argumentação destas, é contraditória em relação ao próprio objectivo do conhecimento oficioso e equivaleria a recusar ao Tribunal qualquer possibilidade de conhecer oficiosamente um fundamento de legalidade interna, quando a jurisprudência o permite.

59      Em segundo lugar, contrariamente à argumentação avançada pela Comissão, a proibição feita aos recorrentes em matéria de função pública de deduzir na sua petição fundamentos sem relação com a argumentação desenvolvida na sua reclamação prévia e a proibição, enunciada no artigo 43.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, de apresentar novos fundamentos após a primeira troca de articulados aplicam‑se às partes e não ao Tribunal.

60      Em terceiro lugar, o argumento da Comissão segundo o qual o conhecimento oficioso de um fundamento de legalidade interna criaria o risco de lesar a natureza contraditória do debate contencioso e o princípio do respeito dos direitos de defesa não merece acolhimento. Com efeito, o artigo 77.° do Regulamento de Processo prevê que o Tribunal da Função Pública pode oficiosamente decidir sobre os pressupostos processuais, na condição de ter previamente ouvido as partes. Ora não há qualquer razão para pensar que, se esta condição representa uma garantia suficiente do princípio do contraditório e do respeito dos direitos de defesa na hipótese da apreciação oficiosa de pressupostos processuais, o mesmo não se verifique na hipótese do conhecimento oficioso de um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública, quer este seja de legalidade interna ou de legalidade externa. Deve portanto considerar‑se que, ao comunicar às partes o fundamento de ordem pública que pretendia conhecer, ao receber as alegações das partes sobre esta intenção e ao dar‑lhes a possibilidade de a discutir na audiência, o Tribunal cumpriu as exigências dos princípios invocados pela Comissão.

61      Resulta do que antecede que os argumentos apresentados pela Comissão contra o conhecimento oficioso de um fundamento de legalidade interna não merecem acolhimento.

62      No caso presente, o Tribunal conheceu oficiosamente da violação pela decisão impugnada dos âmbitos de aplicação, respectivamente, do artigo 43.° do Estatuto e do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto.

63      A título liminar, importa recordar o objecto de cada uma destas disposições estatutárias.

64      O artigo 43.°, n.° 1, do Estatuto prevê a elaboração relativamente a cada funcionário, nas condições fixadas por cada instituição, de um relatório periódico sobre a sua competência, o seu rendimento e a sua conduta no serviço. No que respeita ao funcionário do grupo AST, a partir do grau 4, o relatório pode igualmente, nos termos do artigo 43.°, n.° 2, conter um parecer sobre se, com base no desempenho, o interessado dispõe do potencial exigido para desempenhar funções de administrador.

65      O artigo 10.° do anexo XIII do Estatuto, em contrapartida, constitui uma disposição transitória. Prevê a evolução da carreira dos funcionários das antigas categorias C e D no grupo de funções de assistentes ao qual estão afectados a partir de 1 de Maio de 2006. O n.° 1 atribui a estes funcionários percursos na carreira limitados, respectivamente, aos graus AST 7 e AST 5. Nos termos do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto, os funcionários das antigas categorias B e C podem contudo, sem restrições, tornar‑se membros do grupo de funções de assistente se tiverem sido aprovados num concurso geral ou com base num procedimento de certificação. A certificação é concedida em função da antiguidade, da experiência, do mérito e do nível de habilitações dos funcionários, segundo um procedimento cujas regras, adoptadas pelas instituições, comportam, nomeadamente o exame das candidaturas por um comité paritário. Em aplicação do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto, a Comissão adoptou, por decisão de 7 de Abril de 2004, as disposições de execução do procedimento de certificação para o seu pessoal.

66      Os procedimentos de avaliação e de certificação, definidos respectivamente nas DGE 43 e na decisão de 7 de Abril de 2004, são distintos e assentam em modalidades inteiramente diferentes.

67      O procedimento de avaliação, que decorre todos anos de Janeiro a Abril, confia a um avaliador e a um homologador a elaboração do REC do funcionário, organiza no interesse deste uma via de recurso interno para o CPA e confere competência a um avaliador de recurso para apreciar o seguimento a dar ao parecer emitido por este comité.

68      O procedimento de certificação previsto na decisão de 7 de Abril de 2004 comporta, por seu turno, quatro fases.

69      Em primeiro lugar, a AIPN determina, antes de 30 de Setembro de cada ano, o número de lugares incluídos no grupo de funções dos assistentes que poderão ser providos no ano seguinte por funcionários certificados. Na sequência desta decisão é publicado um convite à apresentação de candidaturas.

70      Em segundo lugar, a AIPN elabora e publica, em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da decisão de 7 de Abril de 2004, uma lista dos candidatos admitidos ao procedimento de certificação. Para figurar nesta lista de admissibilidade, os referidos candidatos devem preencher apenas duas condições: por um lado, possuir um nível de habilitações pelo menos igual ao exigido pelo artigo 5.°, n.° 3, alínea a), do Estatuto para ser nomeado para um lugar de funcionário no grupo de funções dos assistentes e, por outro, demonstrar uma antiguidade na carreira C ou D de pelo menos cinco anos. Esta lista pode ser impugnada perante o comité paritário para o exercício de certificação, cuja composição difere da do comité paritário de avaliação.

71      Em terceiro lugar, nos termos do artigo 6.° da decisão de 7 de Abril de 2004, os funcionários admitidos ao procedimento de certificação são classificados a partir dos seguintes critérios: o nível de instrução; a antiguidade na carreira C ou D; a experiência e o mérito avaliado com base nos REC disponíveis. O valor dos critérios e a sua ponderação são decididos pela AIPN antes de 31 de Dezembro de 2004. A classificação pode ser impugnada perante o comité paritário para o exercício de certificação.

72      Em quarto lugar, os primeiros funcionários da lista, até à posição correspondente a duas vezes o número de lugares a prover pelos funcionários certificados, são autorizados, até 31 de Dezembro do ano seguinte, a candidatar‑se aos lugares vagos a prover no grupo de funções dos assistentes. Os funcionários nomeados para estes lugares são considerados certificados.

73      No caso presente, a decisão impugnada, embora incluída no REC 2005 da recorrente, não diz respeito à notação desta mas, conforme indica o título da rubrica 6.5 do mesmo REC, às condições de admissão da recorrente ao processo de certificação. Esta decisão tem efectivamente por objecto negar à recorrente o potencial necessário para aceder sem restrições ao grupo de funções dos assistentes e teve como efeito, conforme indica a tomada de posição do comité paritário para o exercício de certificação e da AIPN quando do procedimento de certificação de 2006 (v. n.° 24 do presente acórdão) privá‑la da possibilidade de ser admitida ao referido procedimento.

74      Ora, resulta das peças dos autos que a decisão impugnada foi adoptada segundo as regras de competência, processuais e substantivas do procedimento de avaliação, não segundo as do procedimento de certificação, que eram as únicas aplicáveis.

75      Em primeiro lugar, resulta do ponto 7.2 do REC 2005 que a decisão impugnada foi tomada pelo homologador da recorrente, dado que o REC 2005 foi confirmado na totalidade, sem comentários, pelo avaliador de recurso após o parecer do CPA. Aliás, a Comissão sustentou na sua resposta à reclamação que «[c]om base na nas informações prestadas pelo avaliador compet[ia], em seguida, ao homologador decidir se a avaliada t[inha] efectivamente demonstrado o seu potencial para assumir tarefas da categoria superior».

76      Todavia, embora o homologador seja competente, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, das DGE 43, para adoptar o REC, sob reserva de o relatório não ser alterado pelo avaliador de recurso, resulta dos artigos 5.°, 6.°, 7.° e 8.° da decisão de 7 de Abril de 2004, adoptada em aplicação do artigo 10.°, n.° 2, do anexo XIII do Estatuto, que é à AIPN que compete pronunciar‑se, em cada fase do procedimento de certificação, sobre as candidaturas dos funcionários das antigas categorias C e D à certificação. Compete em especial à AIPN, portanto a uma autoridade diferente do homologador do procedimento de avaliação, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da decisão de 7 de Abril de 2004, apreciar, com base nos REC disponíveis, a experiência e o mérito dos candidatos à certificação. Aliás, só a AIPN é que tem a possibilidade de harmonizar as condições de apreciação daqueles critérios pelos diferentes serviços da Comissão, dado que o homologador ou o avaliador de recurso têm uma visão a maior parte das vezes circunscrita aos serviços colocados sob a sua responsabilidade, A decisão impugnada não foi, portanto, adoptada pela autoridade competente.

77      Em segundo lugar, o recurso prévio interposto pela recorrente, no quadro da elaboração do REC 2005, contra a decisão impugnada foi examinado pelo CPA. Este considerou que o homologador não cometera qualquer erro manifesto na apreciação do potencial da recorrente para assumir funções da categoria B*. Assim, o CPA pronunciou‑se directamente sobre a candidatura da recorrente ao procedimento de certificação. Em contrapartida, o comité paritário para o exercício de certificação para o qual a recorrente igualmente recorreu, em 24 de Abril de 2007, do indeferimento da sua candidatura ao procedimento de certificação declinou a sua competência nos termos seguintes: «Em caso de desacordo com a totalidade ou parte do vosso REC (incluindo a rubrica ‘potencial’) o procedimento de avaliação comportava possibilidades de recurso [;m]as o comité paritário para [o exercício] de certificação não é competente para voltar a pôr em causa um REC encerrado».

78      Contudo, embora o CPA instituído pelo artigo 9.° das DGE 43 conheça, mediante parecer, do recurso prévio interposto por um funcionário contra o seu REC, elaborado em aplicação do artigo 43.°, n.° 1, do Estatuto, em contrapartida, é o comité paritário para o exercício de certificação, previsto no artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto e cuja composição, definida no artigo 9.° da decisão de 7 de Abril de 2004, difere da do CPA, que é consultado quando um funcionário contesta a decisão pela qual a AIPN excluiu a sua candidatura com vista à certificação, conforme decorre dos artigos 5.° e 6.° da decisão de 7 de Abril de 2004.

79      Por conseguinte, a recorrente não pôde socorrer‑se utilmente do recurso interno instituído em matéria de certificação para impugnar o indeferimento do seu pedido de admissão ao procedimento de certificação.

80      Em terceiro lugar, resulta da fundamentação da decisão impugnada, que figura no ponto 6.5 do REC 2005, que a administração recusou a admissão da recorrente à certificação com fundamento em que ela não tinha demonstrado, a título do exercício de avaliação de 2006, que dispunha do «potencial» exigido para obter a certificação.

81      Assim, no ponto 6.5 «Potencial» do REC 2005, o avaliador considerou que as tarefas realizadas pela recorrente não podiam dar lugar à «certificação do potencial». Tendo em conta esta apreciação, o homologador declarou que a recorrente não tinha demonstrado o potencial que lhe permitisse tornar‑se membro do grupo de funções AST sem restrições. No parecer que emitiu na sequência do recurso interposto pela recorrente contra o seu REC 2005, o CPA referiu sobre este ponto que não tinha identificado elementos «que pudessem conduzir à revisão da decisão tomada […] pelo homologador no que respeita ao reconhecimento do potencial da interessada no quadro do exercício de certificação».

82      Ora, nem o artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto nem a decisão de 7 de Abril de 2004 prevêem que o benefício da certificação, que permite aceder sem restrições ao grupo de funções dos assistentes, seja concedido com base em critérios que não sejam a antiguidade, a experiência, o mérito e o nível de instrução. A admissibilidade de um funcionário à certificação, segunda fase do procedimento descrito no n.° 70 do presente acórdão, só está dependente, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da decisão de 7 de Abril de 2004, adoptada em aplicação do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto, do preenchimento de duas condições, a saber, o nível de instrução e a antiguidade, e não de uma condição de potencial.

83      O conceito de potencial figura no artigo 43.°, n.° 2, do Estatuto apenas em relação à aptidão de um funcionário do grupo de funções AST para assumir funções de administrador. Nem esta disposição nem aliás as DGE 43 prevêem de forma alguma que o autor do REC se pronuncie sobre o potencial de um funcionário vindo das antigas categorias C e D, com vista à sua certificação, isto é, a um acesso sem restrições ao grupo de funções AST.

84      Decorre do que antecede que a administração, no caso presente, aplicou por analogia o artigo 43.°, n.° 2, do Estatuto e não o artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto.

85      É certo que os autores do REC 2005, perante as Informações administrativas n.° 1‑2006, de 12 de Janeiro de 2006, relativas ao exercício de avaliação de 2006, podiam considerar ter fundamento para apreciar se a recorrente dispunha do potencial necessário para ser admitida ao procedimento de certificação. Com efeito, as referidas Informações administrativas previam que a rubrica «Potencial» do REC 2005 devia ser preenchida pelo avaliador no quadro do procedimento de certificação, se o titular do lugar o requeresse na sua autoavaliação.

86      Todavia, as Informações administrativas n.° 1‑2006, de 12 de Janeiro de 2006, não podem ter legalmente acrescentado um critério aos critérios de obtenção da certificação nem uma condição às condições de admissão ao procedimento de certificação, uma vez que esses critérios e condições estavam previstos nas disposições da decisão de 7 de Abril de 2004, adoptada pela Comissão para execução do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto. Aliás, a Comissão não sustentou de forma alguma que a decisão contida nas Informações administrativas n.° 1‑2006, de 12 de Janeiro de 2006, pudesse ter esse alcance normativo.

87      Decorre do que antecede que a decisão impugnada, que impediu a admissão da recorrente à certificação, não foi tomada, como deveria ter sido, tendo em conta o seu objecto, com fundamento no disposto no artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto e na decisão de 7 de Abril de 2004, aplicáveis ao procedimento de certificação, mas com base no disposto no artigo 43.° do Estatuto e nas DGE 43, aplicáveis ao procedimento de avaliação.

88      Daqui resulta que a decisão impugnada, tomada erradamente com fundamento no artigo 43.° do Estatuto, violou o âmbito de aplicação do referido artigo 43.°, distinto do do artigo 10.° do anexo XIII do Estatuto, e a independência dos procedimentos de notação e de certificação, definidos respectivamente, para a execução das disposições estatutárias acima mencionadas, nas DGE 43 e na decisão de 7 de Abril de 2004.

89      É certo que a Comissão alegou na audiência que a sua decisão de 29 de Novembro de 2006, que revogou e substituiu a decisão de 7 de Abril de 2004, estabelecera um nexo entre o procedimento de certificação e o procedimento de avaliação. O artigo 5.°, n.° 1, da decisão de 29 de Novembro prevê, com efeito, que um candidato só pode ser admitido ao procedimento de certificação na condição de lhe ter sido reconhecido o potencial para assumir funções de nível de «assistente administrativo».

90      Todavia, a decisão de 29 de Novembro de 2006 só entrou em vigor, nos termos do seu artigo 9.°, no dia seguinte à sua adopção. A decisão de 7 de Abril de 2004 continuava portanto a ser aplicável em 26 de Junho de 2006, data em que o REC 2005 que inclui a decisão impugnada foi confirmado pelo avaliador de recurso e encerrado. Por conseguinte, se a Comissão tomou a decisão impugnada, conforme sustentou na audiência, com fundamento na decisão posterior de 29 de Novembro de 2006, e admitindo que fosse concebível tal possibilidade, violou, para além do âmbito de aplicação tanto do artigo 43.° do Estatuto como do artigo 10.°, n.° 3, do anexo XIII do Estatuto, também o âmbito de aplicação ratione temporis das decisões de 7 de Abril de 2004 e de 29 de Novembro de 2006.

91      Desta forma, a recorrente tem fundamento para requerer a anulação da decisão impugnada, ou seja, o seu REC 2005, na medida em que lhe negou o potencial necessário para exercer as funções de assistente e, em consequência, recusou a sua admissão ao procedimento de certificação.

 Quanto às despesas

92      Nos termos do artigo 122.° do Regulamento de Processo, as disposições do capítulo VIII do título II do referido regulamento, relativas às despesas e aos encargos judiciais, apenas se aplicam aos processos intentados no Tribunal a partir da data de entrada em vigor deste regulamento, ou seja, 1 de Novembro de 2007. As disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância pertinentes na matéria continuam a aplicar‑se mutatis mutandis aos processos pendentes no Tribunal antes dessa data.

93      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão ficado vencida, deve ser condenada nas despesas em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      O relatório de evolução de carreira de F. Putterie‑de‑Beukelaer relativo ao período de 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2005 é anulado, na medida em que não reconhece o potencial da recorrente para exercer funções abrangidas pela categoria B*.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias suportará a totalidade das despesas.

Kreppel

Tagaras

Gervasoni

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Fevereiro de 2008.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      H. Kreppel

O texto da presente decisão, bem como os das decisões das jurisdições comunitárias nela citadas ainda não publicadas na Colectânea, estão disponíveis no sítio Internet do Tribunal de Justiça, www.curia.europa.eu


* Língua do processo: francês.