Language of document : ECLI:EU:T:2012:333

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

29 de junho de 2012 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercados alemão e francês do gás natural — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE — Repartição do mercado — Duração da infração — Coimas»

No processo T‑370/09,

GDF Suez SA, com sede em Paris (França), representada por J.‑P. Gunther e C. Breuvart, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, A. Bouquet e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão C (2009) 5355 final da Comissão, de 8 de julho de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.401 – E.ON/GDF), e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: S. Papasavvas (relator), presidente, V. Vadapalas e K. O’Higgins, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1.     Direito da União Europeia

1        A Diretiva 98/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a regras comuns para o mercado do gás natural (JO L 204, p. 1, a seguir «primeira diretiva gás») instituía regras comuns para o transporte, a distribuição, o fornecimento e o armazenamento de gás natural. Estabelecia as normas relativas à organização e ao funcionamento do setor do gás natural, incluindo o gás natural liquefeito (GNL), ao acesso ao mercado, à exploração das redes e aos critérios e aos mecanismos aplicáveis à concessão de autorizações de transporte, de distribuição, de fornecimento e de armazenamento de gás natural.

2        A primeira diretiva gás obrigava os Estados‑Membros a abrir progressivamente à concorrência o mercado do abastecimento de gás natural aos grandes consumidores e a permitir o acesso de terceiros à rede de transporte existente.

3        Nos termos do artigo 29.°, n.° 1, e do artigo 30.° da primeira diretiva gás, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à mesma o mais tardar até 10 de agosto de 2000.

4        A primeira diretiva gás foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 1 de julho de 2004, pela Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO L 176, p. 57).

2.     Direitos nacionais

 Direito francês

5        O artigo 1.° da Lei n.° 46‑628, de 8 de abril de 1946, relativa à nacionalização da eletricidade e do gás (JORF de 9 de abril de 1946, p. 2651, a seguir «lei de 1946»), dispunha, antes da sua revogação pelo Despacho n.° 2011‑504, de 9 de maio de 2011, relativo à codificação da parte legislativa do código da energia (JORF de 10 de maio de 2011, p. 7954):

«A partir da promulgação da presente lei, são nacionalizados:

[...]

2.      A produção, o transporte, a distribuição, a importação e a exportação de gás combustível.

[...]»

6        Antes de ser alterada pela Lei n.° 2004‑803, de 9 de agosto de 2004, relativa ao serviço público de eletricidade e de gás e às empresas de eletricidade e de gás (JORF de 11 de agosto de 2004, p. 14256), o artigo 3.°, primeiro parágrafo, da lei de 1946, enunciava:

«A gestão das empresas de gás nacionalizadas é confiada a um estabelecimento público de caráter industrial e comercial denominado Gaz de France (GDF), Service National.»

7        Até à entrada em vigor da Lei n.° 2003‑8, de 3 de janeiro de 2003, relativa aos mercados do gás e da eletricidade e ao serviço público de energia (JORF de 4 de janeiro de 2003, p. 265, a seguir «lei de 2003»), a lei de 1946 conferia à Gaz de France um monopólio sobre as importações e as exportações de gás.

8        A lei de 2003, que visava transpor a primeira diretiva gás, procedeu à abertura do mercado francês do gás à concorrência. Essa lei abriu nomeadamente o acesso às redes e ao fornecimento de gás natural aos clientes elegíveis e suprimiu o monopólio de importação e de exportação de gás.

9        A Gaz de France foi transformada em sociedade anónima pela lei n.° 2004‑803.

 Direito alemão

10      A Energiewirtschaftsgesetz (lei relativa ao aprovisionamento de energia, a seguir «EnWG de 1935»), de 13 de dezembro de 1935 (RGBl. I p. 1451), previa um sistema de autorização e de controlo das atividades das empresas de gás alemãs pelos poderes públicos.

11      Nos termos do § 103 da Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (lei relativa às restrições à concorrência, a seguir «GWB»), de 27 de julho de 1957 (BGBl. I p. 1081), determinados acordos celebrados entre empresas de distribuição de energia bem como entre estas empresas e os municípios locais estavam isentos da proibição de celebrar acordos que falseiem o jogo da concorrência. Esta isenção abrangia designadamente os acordos denominados de demarcação, pelos quais as empresas se punham de acordo para não fornecerem eletricidade ou gás no território umas da outras, bem como os acordos denominados de concessão exclusiva, através dos quais uma autarquia local atribuía uma concessão exclusiva a uma sociedade, que lhe permitia utilizar terrenos públicos para construir e explorar redes de distribuição de eletricidade e de gás. Para serem executados, esses acordos tinham de ser notificados à autoridade da concorrência competente, que tinha o poder de os proibir se considerasse que estes constituíam um abuso da isenção legal.

12      A Gesetz zur Neuregelung des Energiewirtschaftsrecht (lei sobre a nova regulamentação do direito da energia), de 24 de abril de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 730) suprimiu, com efeito imediato, a isenção aplicável aos acordos de demarcação e de concessão exclusiva prevista no § 103 da GWB. Esta lei substituiu igualmente a EnWG de 1935 pela Gesetz über die Elektrizitäts‑ und Gasversorgung – Energiewirtschaftsgesetz (lei da gestão racional da energia, a seguir «EnWG de 1998»).

13      A Erstes Gesetz zur Änderung des Gesetzes zur Neuregelung des Energiewirtschaftsrechts (lei de alteração da lei sobre a nova regulamentação do direito da energia), de 20 de maio de 2003 (BGBl. 2003 I, p. 685), modificou a EnWG de 1998 com o objetivo de executar a primeira diretiva gás.

 Antecedentes do litígio

1.     Empresas em causa

14      A recorrente, a GDF Suez SA, que é resultante da concentração da Gaz de France e da Suez SA em 22 de julho de 2008, é uma empresa francesa presente na totalidade da cadeia de energia, de eletricidade e de gás natural, de montante a jusante. Esta empresa é o operador histórico e o primeiro fornecedor de gás natural em França. É igualmente um dos principais fornecedores de gás natural na Europa.

15      A E.ON AG é uma empresa alemã que produz, transporta, distribui e fornece energia, essencialmente gás natural e eletricidade.

16      A E.ON Ruhrgas AG, que é resultante da concentração da E.ON e da Ruhrgas AG e é detida a 100% pela E.ON, a partir de 31 de janeiro de 2003, é o maior fornecedor de gás natural na Alemanha e um dos principais atores no mercado europeu. Por decisão de 18 de setembro de 2002, que autoriza essa concentração, as autoridades alemãs obrigaram a E.ON Ruhrgas a pôr em prática um programa de cessão de gás (a seguir «PCG»), que abrange uma quantidade total de 200 TWh. Esta quantidade devia ser cedida em seis leilões anuais, cada um relativo a uma quantidade de 33,33 TWh, começando as primeiras entregas em 1 de outubro de 2003.

2.     Acordo MEGAL

17      Por um acordo de 18 de julho de 1975 (a seguir «acordo MEGAL»), a Gaz de France e a Ruhrgas decidiram construir e explorar conjuntamente o gasoduto MEGAL. Este último, que está plenamente operacional desde 1 de janeiro de 1980, é um dos principais gasodutos que permite importar gás para a Alemanha e para França. Atravessa o sul da Alemanha e liga ao longo de 461 km a fronteira germano‑checa à fronteira franco‑alemã entre Waidhaus (Alemanha) e Medelsheim (Alemanha).

18      No anexo 2 do acordo MEGAL, foram definidos os pontos de entrada e de saída do gás comprado respetivamente pela Gaz de France e pela Ruhrgas. Um determinado número de pontos de saída do gasoduto MEGAL foram fixados para a Ruhrgas, podendo, sendo caso disso, ser adicionados pontos de saída suplementares. No que diz respeito à Gaz de France, foi indicado que o ponto de saída do referido gasoduto de todas as quantidades de gás a serem transportadas por este gasoduto para esta empresa seria um ponto situado na fronteira entre a Alemanha e a França, perto de Habkirchen (Alemanha), a menos que as partes no acordo MEGAL decidissem coisa diferente.

19      Em conformidade com o acordo MEGAL, a Gaz de France e a Ruhrgas criaram a empresa comum MEGAL GmbH Mittel‑Europäische Gasleitungsgesellschaft, atual MEGAL Mittel‑Europäische Gasleitungsgesellschaft mbH & Co. KG (a seguir «MEGAL»), à qual foram confiadas a construção e a exploração do gasoduto MEGAL, bem como o transporte de gás por este último. A propriedade desse gasoduto também foi atribuída à MEGAL.

20      A Gaz de France e a Ruhrgas também criaram, em aplicação do acordo MEGAL, a empresa comum MEGAL Finance Company Ltd (a seguir «MEGAL Finco»), encarregada de obter e gerir os capitais necessários para a construção do gasoduto MEGAL.

21      Em 18 de julho de 1975, a Ruhrgas e a Gaz de France assinaram igualmente treze notas (a seguir «notas de acompanhamento») destinadas a esclarecer certos aspetos técnicos, financeiros e operacionais da gestão do gasoduto MEGAL. Entre essas notas, contam‑se a nota dita «Direktion I» e a nota dita «Direktion G».

22      A nota Direktion G tem a seguinte redação:

«[...]

As capacidades de transporte que tenham sido ou que sejam atribuídas à Gaz de France, no âmbito de um contrato, para o transporte de gás, dizem respeito a gás que foi ou será adquirido pela Gaz de France e que será entregue à [MEGAL] e/ou à [MEGAL Finco] para fins de trânsito, por conta da Gaz de France para França e destinado ao consumo em França.

As capacidades de transporte que tenham sido ou que sejam atribuídas à Ruhrgas, no âmbito de um contrato, para o transporte de gás, dizem respeito ao transporte para qualquer outro fim de trânsito e ao transporte de gás pelo gasoduto e de gás extraído do gasoduto na República Federal da Alemanha, destinado ao consumo na República Federal da Alemanha, ou adquirido pela Ruhrgas para fins de trânsito pela República Federal da Alemanha.

[...]»

23      Nos termos da nota Direktion I:

«[...]

A Gaz de France compromete‑se a não entregar ou fornecer gás, qualquer que seja, direta ou indiretamente, no âmbito do acordo [MEGAL], a clientes situados na República Federal da Alemanha.

[...]»

24      Em 22 de junho de 1976, a Ruhrgas e a Gaz de France notificaram a criação da MEGAL e da MEGAL Finco ao Bundeskartellamt (autoridade federal alemã competente em matéria de concorrência).

25      Por um acordo de 13 de agosto de 2004 (a seguir «acordo de 2004»), a Gaz de France e a E.ON Ruhrgas confirmaram que consideravam desde há muito as notas Direktion G e Direktion I «nulas e de nenhum efeito», revogando este acordo as referidas notas com efeito retroativo.

26      Em 5 de setembro de 2005, a Gaz de France e a E.ON Ruhrgas celebraram um contrato de consórcio (a seguir «acordo de 2005»), que entrou em vigor em 13 de outubro de 2005, pelo qual reformularam a sua relação contratual relativamente à MEGAL. O acordo de consórcio prevê que cada um dos parceiros da MEGAL dispõe de «direitos de uso beneficiário» relativamente à sua quota de capacidade no gasoduto MEGAL. Este acordo foi completado por um acordo intermediário em 9 de setembro de 2005 (a seguir «acordo intermediário»).

27      Em 23 de março de 2006, a Gaz de France e a E.ON celebraram um acordo que pôs fim a todos os outros acordos relativos à MEGAL celebrados entre elas antes do acordo de 2005.

3.     Procedimento administrativo

28      Em 5 de maio de 2006, a Comissão adotou as decisões que ordenam à Gaz de France e à E.ON, bem como a todas as suas filiais, que se submetam a uma inspeção, nos termos do artigo 20.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1). As inspeções foram realizadas em 16 e 17 de maio de 2006.

29      Em aplicação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão enviou vários pedidos de informação à Gaz de France, à E.ON e à E.ON Ruhrgas (a seguir, em conjunto, «empresas em causa»).

30      Em 18 de julho de 2007, a Comissão deu início a um processo, na aceção do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003.

31      Em 9 de junho de 2008, a Comissão enviou uma comunicação de acusações às empresas em causa. Em resposta, estas apresentaram observações escritas e comunicaram o seu ponto de vista numa audiência que teve lugar em 14 de outubro de 2008.

32      Em 27 de março de 2009, a Comissão informou as empresas em causa de elementos factuais adicionais tidos em conta desde a comunicação de acusações e convidou‑as a responder‑lhe por escrito. A Comissão permitiu‑lhes igualmente o acesso às versões não confidenciais das respetivas respostas à comunicação de acusações e aos documentos obtidos após a adoção desta última. As empresas em causa apresentaram as suas observações em 4 de maio de 2009 (quanto à recorrente) e em 6 de maio de 2009 (quanto à E.ON e à E.ON Ruhrgas).

 Decisão impugnada

33      Em 8 de julho de 2009, a Comissão adotou a Decisão C (2009) 5355 final, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.401 – E.ON/GDF) (a seguir «decisão impugnada»), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 16 de outubro de 2009 (JO C 248, p. 5).

34      Na decisão impugnada, a Comissão indicou que o comportamento em causa era o acordo e/ou a prática concertada, na aceção do artigo 81.° CE, entre as empresas em causa, que consistia em não penetrar – ou em penetrar de forma limitada – no mercado nacional uma da outra e, assim, em proteger os seus mercados nacionais não vendendo no mercado nacional da outra parte o gás transportado pelo gasoduto MEGAL.

35      A Comissão apurou nomeadamente que o acordo MEGAL, o anexo 2 do mesmo, bem como as notas Direktion G e Direktion I, constituíam acordos, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma vez que as empresas em causa tinham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de determinada maneira. Segundo afirma, esses acordos limitavam o comportamento comercial das referidas empresas, ao restringirem a sua utilização do gás transportado pelo gasoduto MEGAL.

36      A Comissão referiu igualmente que as empresas em causa se tinham reunido por diversas vezes, para discutir as suas estratégias de venda recíprocas em França e na Alemanha de gás transportado pelo gasoduto MEGAL e para se informarem da sua estratégia respetiva. Segundo a Comissão, esses contactos e a troca de informações sensíveis no plano comercial visavam influenciar o comportamento comercial das referidas empresas, aplicar as notas Direktion G e Direktion I, e adaptar o seu conteúdo às novas condições do mercado na sequência da liberalização dos mercados europeus de gás (a seguir «liberalização»), sem contudo suprimir as limitações que essas notas continham.

37      A Comissão entendeu, por conseguinte, que o comportamento das empresas em causa, que consistia num acordo inicial de repartição dos mercados e em práticas concertadas sob a forma de reuniões periódicas destinadas a chegarem a acordo e a aplicar esse acordo durante mais de 25 anos, constituía uma infração única e continuada e que tinha por objeto uma «restrição da concorrência».

38      Quanto ao início da infração, a Comissão considerou que, na Alemanha, tinha começado na data em que o gasoduto MEGAL se tinha tornado operacional, a saber, em 1 de janeiro de 1980. Considerou que, em França, a infração começou na data em que a primeira diretiva gás devia ter sido transposta, a saber, 10 de agosto de 2000. Em virtude do monopólio legal, resultante da lei de 1946, existente em matéria de importação e de fornecimento de gás, a Comissão entendeu, com efeito, que o comportamento em causa não tinha podido restringir a concorrência antes da liberalização. A este respeito, embora a primeira diretiva gás tenha sido transposta em França em 2003, a Comissão salientou que a concorrência podia ter sido restringida desde 10 de agosto de 2000, na medida em que, a partir dessa data, os concorrentes da recorrente puderam abastecer os clientes elegíveis em França.

39      Quanto ao fim da infração, a Comissão salientou que, embora as empresas em causa tenham oficialmente revogado as notas Direktion G e Direktion I em 13 de agosto de 2004, só pararam de aplicar as restrições que impediam a recorrente de utilizar os pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha, à exceção dos volumes comprados no quadro do PCG, no fim de setembro de 2005. Além disso, a Comissão considerou que o facto de, desde 2004, a recorrente ter adquirido volumes de gás da E.ON Ruhrgas provenientes do gasoduto MEGAL para os entregar na Alemanha não marca o fim da infração, uma vez que, até outubro de 2005, as vendas de gás proveniente do gasoduto MEGAL efetuadas na Alemanha pela recorrente correspondiam às quantidades adquiridas por esta no âmbito do PCG.

40      Nestas condições, a Comissão considerou que a infração pela qual a recorrente e a E.ON Ruhrgas eram responsáveis tinha durado pelo menos de 1 de janeiro de 1980 a 30 de setembro de 2005 no que respeita à infração cometida na Alemanha e, pelo menos de 10 de agosto de 2000 a 30 de setembro de 2005 no que respeita à infração cometida em França. Ao ter tomado o controlo da E.ON Ruhrgas em 31 de janeiro de 2003, a E.ON é, segundo a Comissão, «conjunta e solidariamente responsável» com a E.ON Ruhrgas por uma infração que durou de 31 de janeiro de 2003 a 30 de setembro de 2005.

41      A Comissão aplicou às empresas em causa coimas, ao abrigo do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Para o efeito, a Comissão aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006 C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»).

42      Ao fazê‑lo, a Comissão considerou que as vendas em causa na infração eram as vendas de gás transportado pelas empresas em causa utilizando o gasoduto MEGAL efetuadas a clientes na Alemanha e a clientes elegíveis em França, com exceção das realizadas no âmbito do PCG.

43      Tendo em conta a gravidade da infração, a Comissão aplicou uma percentagem de partida de 15% das vendas afetadas.

44      Quanto à duração da infração tomada em conta para efeitos de determinar o montante da coima, a Comissão considerou, no tocante à França, o período compreendido entre 10 de agosto de 2000 e 30 de setembro de 2005, ou seja, cinco anos, um mês e vinte dias. Considerou, no que diz respeito à Alemanha, que importava limitar o período em que a coima devia ser aplicada ao período que vai de 24 de abril de 1998, data em que o legislador alemão suprimiu o monopólio de facto existente nesse país em razão da isenção de que beneficiavam os acordos de demarcação, a 30 de setembro de 2005, ou seja, sete anos e cinco meses.

45      Tendo em conta a natureza da infração em causa, a Comissão aplicou além disso ao acordo um montante adicional de 15% das vendas afetadas.

46      A Comissão considerou que, face às circunstâncias específicas do presente caso, era preciso determinar, a título excecional, um montante de base idêntico para as duas empresas em causa. A fim de não prejudicar uma delas, a Comissão tomou como montante de base da coima o montante correspondente ao valor mais baixo das vendas. Assim, fixou o mesmo montante de base da coima a todas as empresas em causa, a saber 553 milhões de euros.

47      Não tendo concluído pela existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, a Comissão não ajustou este montante de base.

48      Assim, a Comissão aplicou uma coima de 553 milhões de euros à E.ON e à E.ON Ruhrgas («conjunta e solidariamente responsáveis») e uma coima do mesmo montante à recorrente.

49      Os artigos 1.° e 2.° do dispositivo da decisão impugnada estão redigidos da seguinte forma:

«Artigo 1.°

[As empresas em causa], infringiram o artigo 81.°, n.° 1, [CE] ao participarem num acordo e em práticas concertadas no setor do gás natural.

A infração no caso [da recorrente e] da empresa E.ON Ruhrgas […] durou, pelo menos, de 1 de janeiro de 1980 a 30 de setembro de 2005, no que diz respeito à infração na Alemanha e, pelo menos, de 10 de agosto de 2000 a 30 de setembro de 2005 no que diz respeito à infração em França. A infração da E.ON durou de 31 de janeiro de 2003 a 30 de setembro de 2005.

Artigo 2.°

No que respeita às infrações referidas no artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas:

A)      À E.ON Ruhrgas [...] e à E.ON [...], conjunta e solidariamente responsáveis: 553 000 000 EUR

B)      À [recorrente]: 553 000 000 EUR

[...]»

 Processo e pedidos das partes

50      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 18 de setembro de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

51      Por requerimento apresentado em 25 de setembro de 2009, a recorrente solicitou que fosse reservado um tratamento confidencial relativamente a terceiros a certas passagens da petição.

52      Por requerimento apresentado em 8 de julho de 2010, a recorrente solicitou que fosse reservado um tratamento confidencial relativamente a terceiros a certas passagens da petição, da contestação e da réplica.

53      Por requerimento apresentado em 2 de setembro de 2010, a recorrente solicitou que fosse reservado um tratamento confidencial relativamente a terceiros a certas passagens da tréplica.

54      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, convidou as partes a responder a uma questão e a apresentar determinados documentos. As partes atenderam a esse pedido no prazo estabelecido.

55      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência realizada em 21 de setembro de 2011. A pedido do Tribunal Geral, a recorrente apresentou, além disso, um documento na audiência.

56      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular, total ou parcialmente, o artigo 1.° da decisão impugnada na medida em que lhe imputa a responsabilidade de ter cometido uma infração às disposições do artigo 81, n.° 1, CE ao participar num acordo e em práticas concertadas no setor do gás natural, e isso de 1 de janeiro de 1980, pelo menos, a 30 de setembro de 2005, no tocante à infração cometida na Alemanha, e de 10 de agosto de 2000, pelo menos, a 30 de setembro de 2005, no tocante à infração cometida em França e, por consequência, anular o artigo 3.° da decisão impugnada na medida em que lhe ordena que ponha termo às infrações referidas no artigo 1.° ou que tenham um objeto ou efeito idêntico ou similar;

–        a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 2.° da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

57      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

58      Os pedidos da recorrente visam, a título principal, a anulação parcial da decisão impugnada e, a título subsidiário, a anulação ou a redução da coima que lhe foi aplicada por essa decisão.

A –  Quanto aos pedidos relativos à anulação parcial da decisão impugnada

59      Em apoio dos seus pedidos de anulação parcial da decisão impugnada, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada antes de agosto de 2000, o segundo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada após agosto de 2000, o terceiro a uma manifesta falta de elementos probatórios no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada com vista a restringir a utilização em França pela E.ON e a E.ON Ruhrgas (a seguir, indistintamente, bem como quando se trate da Ruhrgas, «E.ON») do gás transportado pelo gasoduto MEGAL e, o quarto a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada entre as empresas em causa após agosto de 2004.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada antes de agosto de 2000

60      Este fundamento pelo qual a recorrente alega que a Comissão fez uma aplicação errada do artigo 81.° CE ao considerar que as notas de acompanhamento eram contrárias a este artigo antes de agosto de 2000, comporta três partes, relativas, a primeira à violação do artigo 81.° CE em razão da inexistência de objetivo e de efeito anticoncorrencial (mesmo potencial) das referidas notas antes de agosto de 2000, a segunda à violação do artigo 81.° CE em razão da falta de afetação do comércio intracomunitário antes de agosto de 2000 e, a terceira à violação do artigo 81.° CE, das regras relativas à produção da prova e do dever de fundamentação em razão da falta de elementos probatórios relativos à existência da alegada infração entre janeiro de 1980 e fevereiro de 1999.

a)     Quanto à primeira parte

61      No âmbito da presente parte, a recorrente alega que a Comissão violou o artigo 81.° CE, pelo facto de as notas de acompanhamento não terem nem por objetivo nem por efeito (mesmo potencial) restringir a concorrência nos mercados alemão e francês do gás antes de agosto de 2000.

62      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, são incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

63      O objetivo e o efeito anticoncorrenciais de um acordo são condições não cumulativas, mas alternativas, para apreciar se esse acordo é abrangido pela proibição enunciada no artigo 81.°, n.° 1, CE. Ora, segundo jurisprudência constante, o caráter alternativo desta condição, marcado pela conjunção «ou», leva à necessidade de considerar em primeiro lugar o próprio objetivo do acordo, tendo em conta o contexto económico em que o mesmo deve ser aplicado. Todavia, no caso de a análise do teor do acordo não revelar um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência, devem então examinar‑se os seus efeitos e, para lhe impor a proibição, exigir que estejam reunidos elementos que provem que o jogo da concorrência foi efetivamente impedido ou restringido ou falseado de modo sensível. Resulta também da jurisprudência que não é necessário examinar os efeitos do acordo a partir do momento em que o objetivo anticoncorrencial do mesmo esteja provado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., p. I‑9291, n.° 55 e jurisprudência referida).

64      Para apreciar o caráter anticoncorrencial de um acordo, deve atender‑se, nomeadamente, ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. Além disso, ainda que a intenção das partes não constitua um elemento necessário para determinar a natureza restritiva de um acordo, nada impede que a Comissão ou os órgãos jurisdicionais da União Europeia a tenham em conta (v. acórdão GlaxoSmithKlein Services e o./Comissão e o., n.° 63 supra, n.° 58 e jurisprudência referida).

65      Por outro lado, pode‑se considerar que um acordo tem um objetivo restritivo mesmo que não tenha por único objetivo restringir a concorrência, mas prossiga igualmente outros objetivos legítimos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, Colet., p. I‑3173, n.° 64 e jurisprudência referida).

66      Por último, importa sublinhar que, em várias ocasiões, o Tribunal de Justiça qualificou os acordos que visam compartimentar os mercados nacionais segundo as fronteiras nacionais ou que tornam mais difícil a interpenetração dos mercados nacionais, nomeadamente os que visam proibir ou restringir as exportações paralelas, como sendo os acordos que têm por objetivo restringir a concorrência, na aceção do artigo 81.° CE (v., neste sentido, acórdão GlaxoSmithKlein Services e o./Comissão e o., n.° 63 supra, n.° 61 e jurisprudência referida).

67      É à luz destas considerações que importa examinar as duas acusações invocadas em apoio da presente parte, relativas, por um lado, a um erro de direito e de facto e, por outro, a um erro manifesto de apreciação.

68      Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão cometeu um erro de direito e de facto ao entender que as notas de acompanhamento tiveram um objetivo anticoncorrencial entre janeiro de 1980 e agosto de 2000. A este respeito, apresenta duas séries de argumentos, respeitantes, a primeira, à não tomada em consideração do contexto jurídico e económico existente à época da assinatura das notas de acompanhamento (v. n.os 76 a 111 infra) e, a segunda, à não tomada em consideração da finalidade do gasoduto MEGAL e das referidas notas (v. n.os 73 a 75 infra).

69      Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a ausência de vendas suas na Alemanha entre 1980 e 2000 era devida ao acordo decorrente das notas de acompanhamento. A este respeito, avança, no essencial, três séries de argumentos, relativas, a primeira ao caráter contraditório das posições da Comissão (v. n.° 71 infra), a segunda à falta de pertinência dos exemplos da Wingas e da Mobil (v. n.os 102 e 103 infra) e, a terceira ao facto de que, ao interessar‑se apenas pelo mercado alemão e não existindo uma demonstração de concorrência, mesmo potencial, no mercado francês em 1975, ou mesmo antes de 2000, a Comissão não demonstrou que o próprio objetivo das notas de acompanhamento, que visavam alegadamente que cada empresa em causa protegesse o seu mercado doméstico, constituía um acordo anticoncorrencial de repartição de mercados (v. n.° 70 infra).

70      A título liminar, há que julgar improcedentes os argumentos avançados no âmbito da terceira série de argumentos invocada em apoio da segunda acusação e apresentados pela primeira vez na fase da réplica, sem que seja mesmo necessário pronunciar‑se sobre a sua admissibilidade. Com efeito, a circunstância de que, em razão do monopólio existente no mercado francês, o acordo resultante das notas de acompanhamento só afetou, até 10 de agosto de 2000, o mercado alemão do gás, e de que este não era recíproco até esta data, não pode impedir que se considere que as empresas em causa tinham celebrado um acordo que tinha por objetivo uma repartição de mercados. Assim, mesmo sob uma forma monopolística, o mercado francês do gás existia efetivamente, uma vez que a falta de concorrência neste mercado em razão da existência de um monopólio não acarretava a ausência de mercado. O acordo em causa podia portanto ter tido por objetivo, como a Comissão assinalou no considerando 244 da decisão impugnada, reforçar estes monopólios antes da liberalização e retardar os efeitos desta última. Nestas condições, a Comissão podia com razão considerar que as notas de acompanhamento constituíam um acordo de repartição de mercados. Além disso, é indiferente, no que respeita à existência da infração, que o acordo contido nas notas de acompanhamento tenha ou não sido celebrado no interesse comercial das empresas em causa se se demonstrar, com base nos elementos de prova que constam do processo da Comissão, que elas efetivamente celebraram o referido acordo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., p. II‑2501, n.° 185), o que ocorre no caso em apreço. Do mesmo modo, o facto de, em razão do monopólio existente no mercado francês do gás, a E.ON não ter podido, num primeiro tempo, extrair vantagens deste acordo ou não ter interesse em o concluir, não tem incidência sobre o objetivo anticoncorrencial do acordo em causa.

71      Importa igualmente afastar os argumentos avançados no âmbito da primeira série de argumentos invocada em apoio da segunda acusação, através da qual a recorrente alega que a tese da Comissão segundo a qual o mercado alemão do gás estava aberto à concorrência entre 1980 e 2000 está em contradição com o facto de esta ter reconhecido que existiam inúmeros obstáculos à entrada no referido mercado antes da liberalização e com a consideração segundo a qual as notas de acompanhamento não puderam ter qualquer efeito significativo na concorrência antes dos anos de 1998 a 2000. Com efeito, um mercado pode estar aberto à concorrência embora apresentando barreiras à entrada e o facto de um acordo produzir efeitos significativos apenas a partir de uma certa data não implica que não produzia nenhum efeito antes dela.

72      Importa, em seguida, examinar os argumentos expostos no âmbito da primeira acusação, destinados a demonstrar que a Comissão cometeu um erro de direito e de facto ao entender que as notas de acompanhamento tiveram um objetivo anticoncorrencial entre janeiro de 1980 e agosto de 2000.

73      Tratando‑se, em primeiro lugar, da finalidade do gasoduto MEGAL e das notas de acompanhamento, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada.

74      Com efeito, no que respeita, por um lado, à finalidade do gasoduto MEGAL, há que recordar que, como decorre da jurisprudência evocada no n.° 65, supra, pode‑se considerar que um acordo tem um objetivo restritivo mesmo que não tenha por único objetivo restringir a concorrência, mas prossiga igualmente outros objetivos legítimos. Do mesmo modo, mesmo supondo que a construção do gasoduto MEGAL possa ter tido como objetivo assegurar e diversificar o abastecimento da França em gás, isso não permite excluir que o acordo relativo ao mesmo possa contudo ter um objetivo ou efeitos anticoncorrenciais e não é portanto suficiente para tornar este acordo lícito à luz do artigo 81.° CE. Há que rejeitar, pelo mesmo motivo, o argumento da recorrente relativo ao acordo concluído entre ela e a MEGAL Finco, em 20 de julho de 1981, cuja natureza jurídica é, segundo ela, em conformidade com o objetivo de assegurar e diversificar o abastecimento, comparável à de um acordo de trânsito e, consequentemente, lícito. De resto, este acordo não foi objeto da decisão impugnada e a Comissão não considerou que fosse constitutivo de um cartel ou que participasse do declarado no caso em apreço.

75      No que respeita, por outro lado, à finalidade das notas de acompanhamento, basta assinalar que, mesmo supondo, como pretende a recorrente, que estas visavam [confidencial] (1), esta circunstância não permite excluir que estas notas podiam igualmente ter um objetivo ou um efeito anticoncorrencial. Em qualquer caso, a recorrente não apresentou qualquer prova direta, com data do momento da sua assinatura, que permitisse demonstrar que as notas de acompanhamento visavam [confidencial]. Os documentos evocados a este respeito, pela recorrente, na sua resposta à comunicação de acusações e nos seus articulados no Tribunal Geral, datam com efeito de 2004 e de 2006, referindo‑se o último destes a [confidencial]. Acresce que nenhum elemento do teor das notas Direktion G ou Direktion I permite considerar que estas correspondessem a [confidencial].

76      Tratando‑se, em segundo lugar, do contexto jurídico e económico existente à época da assinatura das notas de acompanhamento, a recorrente baseia‑se na inexistência de perspetiva de liberalização e no facto de as empresas em causa não poderem ser concorrentes nos mercados alemão e francês do gás antes de 2000.

77      A respeito, por um lado, das perspetivas de liberalização quando da assinatura das notas de acompanhamento, a argumentação da recorrente relativamente à inexistência de tais perspetivas deve ser afastada.

78      É certo que nada permite considerar que a liberalização era, à data, concebível a curto ou a médio prazo. Em particular, os elementos evocados pela Comissão nas suas peças processuais não são suscetíveis de demonstrar que tal foi o caso. Com efeito, a Comissão afirma que os primeiros marcos que levaram à liberalização foram fixados durante os anos de 1980 e cita, a este respeito, diversos textos, dos quais o mais antigo é o livro branco de 14 de junho de 1985 sobre a concretização do mercado interno. Ora, não apenas este é posterior em 10 anos à assinatura das notas de acompanhamento, mas ainda, não trata do setor da energia. A este respeito, o argumento da Comissão, segundo o qual este livro branco permitiu considerar no início do projeto de construção do gasoduto MEGAL que se podia esperar a liberalização em novos domínios, não é pertinente numa perspetiva a curto ou médio prazo. Quanto aos outros textos evocados pela Comissão, estes são ainda mais recentes do que o livro branco em causa e datam, respetivamente, de 1990, quanto à Diretiva 90/377/CEE do Conselho, de 29 de junho de 1990, que estabelece um processo comunitário que assegure a transparência dos preços no consumidor final industrial de gás e eletricidade (JO L 185, p. 16), de 1991, quanto à Diretiva 91/296/CEE do Conselho, de 31 de maio de 1991, relativa ao trânsito de gás natural nas grandes redes (JO L 147, p. 37), e de 1994, quanto à Diretiva 94/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 1994, relativa às condições de concessão e de utilização das autorizações de prospeção, pesquisa e produção de hidrocarbonetos (JO L 164, p. 3). A primeira proposta que conduziu à primeira diretiva gás data, quanto a ela, de 1992.

79      No entanto, há que observar, à semelhança da Comissão, que a construção de um gasoduto como o gasoduto MEGAL constitui um investimento para uma utilização de muito longa duração. A Comissão afirmou, sem ser contrariada pela recorrente, que um gasoduto tem em geral, uma duração de vida operacional de 45 a 65 anos. Importa ainda observar que, atendendo aos artigos 2.° CE e 3.° CE, na sua versão em vigor no momento da assinatura das notas de acompanhamento, a União já tinha, nessa data, por objetivo o estabelecimento de um mercado comum, este último implicando, nomeadamente, a eliminação, entre os Estados‑Membros, das restrições quantitativas à entrada e à saída de mercadorias, bem como de quaisquer outras medidas de efeito equivalente. Aliás, também nesta data, o Tribunal de Justiça já tinha tido a ocasião de salientar que o isolamento dos mercados nacionais é contrário a um dos objetivos essenciais do Tratado, que visa a fusão dos mercados nacionais num mercado único (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1974, van Zuylen, 192/73, Colet., p. 377, n.° 13).

80      Nestas condições, deve ser considerado que, quando da assinatura das notas de acompanhamento, a liberalização não podia ser excluída a longo prazo e fazia parte das perspetivas razoavelmente possíveis. Isto foi, de resto, no essencial, confirmado pela E.ON, que indicou na sua resposta à comunicação de acusações, como decorre do considerando 245 da decisão impugnada, que a nota Direktion I foi adotada «enquanto medida de precaução [...] para evitar que mesmo os riscos puramente teóricos, relacionados com as alterações das condições jurídicas e económicas que era impossível excluir totalmente, não prejudicassem o projeto». Ainda que, na audiência, a recorrente não tenha aderido a esta declaração, a mesma demonstra, pelo menos, que, para uma das empresas em causa, não estava totalmente excluída uma evolução jurídica e económica e que a nota Direktion I visava proteger‑se desta.

81      A respeito, por outro lado, da pretensa inexistência de concorrência nos mercados alemão e francês do gás antes de 2000, há que assinalar que o artigo 81.°, n.° 1, CE, é apenas aplicável aos setores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e às repercussões na concorrência (v., por analogia, relativamente às condições similares do artigo 87.°, n.° 1, CE, acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colet., p. II‑2319, n.° 143).

82      A este respeito, importa sublinhar que o exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência atual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que rege o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e competir com as empresas já estabelecidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colet., p. I‑935, n.° 21; acórdãos do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colet., p. II‑3141, n.° 137, e de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, Colet., p. II‑729, n.° 68).

83      Para averiguar se uma empresa constitui um concorrente potencial num mercado em causa, a Comissão deve demonstrar que, no caso de o acordo em causa não ser aplicado, existiriam possibilidades reais e concretas de aquela integrar o referido mercado e de competir com as empresas aí estabelecidas. Essa demonstração não deve repousar numa simples hipótese, antes devendo assentar em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado pertinente. Deste modo, uma empresa não pode ser qualificada de concorrente potencial se a sua entrada no mercado não corresponder a uma estratégia económica viável (v., neste sentido, acórdão Visa Europe e Visa International Service/Comissão, n.° 82 supra, n.os 166 e 167).

84      Daí decorre necessariamente que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se ela pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é no entanto constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado (acórdão Visa Europe e Visa International Service/Comissão, n.° 82 supra, n.° 168).

85      No caso vertente, há que distinguir a situação do mercado francês do gás da do mercado alemão do gás.

86      No que diz respeito ao mercado francês, é ponto assente que o monopólio em matéria de importação e de fornecimento de gás de que beneficiava a recorrente desde 1946 só foi revogado em 1 de janeiro de 2003, e isto quando o prazo para a transposição, para o direito nacional, da primeira diretiva gás expirava em 10 de agosto de 2000. Consequentemente, pelo menos até esta última data, não existia nenhuma concorrência, nem sequer potencial, no mercado francês do gás e o comportamento em causa não podia, no que respeita a este mercado, ser abrangido pelo artigo 81.° CE. Quanto à situação existente posteriormente à referida data, a mesma será examinada no âmbito do terceiro fundamento.

87      No que se refere ao mercado alemão, a Comissão refutou, no ponto 30 da decisão impugnada, a afirmação segundo a qual a recorrente nunca foi um concorrente potencial da E.ON antes da liberalização. Sublinhou, a este respeito, que o direito alemão nunca proibiu a entrada no mercado de novos fornecedores, mas permitia unicamente aos fornecedores históricos colocar obstáculos importantes à entrada ao celebrar acordos, isentos da aplicação da legislação em matéria de concorrência. Além disso, a Comissão indicou que a isenção de que beneficiavam os referidos acordos não era absoluta, mas sujeita a determinadas condições. Os acordos para os quais a isenção era invocada deviam ser notificados à autoridade da concorrência competente, que podia proibir um acordo se considerava que este constituía um abuso da isenção legal. Por último, com fundamento nos casos da Wingas e da Mobil, a Comissão salientou que a possibilidade de concorrer não era apenas teórica, não obstante os obstáculos muito importantes à entrada. Daqui concluiu que era possível, à recorrente, vender gás no território de abastecimento tradicional da E.ON, apesar dos obstáculos significativos à entrada, pelo que podia ser considerada um concorrente potencial da E.ON durante todo o período em causa. A Comissão indicou igualmente, no considerando 240 da decisão impugnada, que não contestava nem a existência de obstáculos à entrada nem o facto de a concorrência transfronteiriça ser apenas marginal entre os operadores históricos. Além disso, salientou, no considerando 294 da decisão impugnada, que nem a EnWG de 1935 nem o § 103 da GWB previam um monopólio legal da E.ON ou de qualquer outro operador histórico no território alemão.

88      A recorrente contesta estas apreciações sustentando que o mercado alemão do gás era totalmente fechado à concorrência em razão de obstáculos legislativos e regulamentares, da estrutura deste mercado e da falta de acesso de terceiros a esta rede (a seguir «ATR»), pelo que não era concorrente da E.ON no referido mercado.

89      Importa distinguir o período compreendido entre 1980 e 1998, por um lado, e o compreendido entre 1998 e 2000, por outro.

90      No que respeita, primeiramente, ao período compreendido entre 1980 e 1998, cumpre assinalar, em primeiro lugar, que até 1 de janeiro de 1990, o § 103, n.° 5, da GWB previa que, em regra, a recusa de acesso à rede não era inequitativa se este pedido de acesso tivesse por objeto fornecer gás a um cliente situado na zona geográfica servida pelo distribuidor ao qual o pedido foi dirigido. É certo que, como assinala a Comissão, esta forma de presunção da legalidade da recusa de acesso à rede apenas valia como regra geral e sob certas condições. No entanto, como a recorrente alegou sem ser contestada pela Comissão, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) indicou, num acórdão de 15 de novembro de 1994 (NJW 1995, p. 2718), que, com base no § 103 da GWB, na sua versão anterior a 1990, estava, na prática, impedido de exercer uma fiscalização dos abusos da posição dominante relativos a conexões à rede de transporte.

91      Em segundo lugar, há que observar que é ponto assente entre as partes que, até 24 de abril de 1998, por um lado, os acordos de demarcação, a saber, os acordos através dos quais as sociedades de serviço público concordavam entre elas em não fornecer gás num território determinado e, por outro, os acordos de concessão exclusiva, a saber, aqueles através dos quais uma autoridade local outorgava uma concessão exclusiva a uma sociedade de serviço público que lhe permitia utilizar terrenos públicos para construir e explorar redes de distribuição de gás, estavam isentos nos termos do § 103, n.° 1, da GWB das disposições da referida lei que proíbe os acordos anticoncorrenciais.

92      É certo que resulta do considerando 23 da decisão impugnada que, para poderem ser aplicados, esses acordos tinham de ser notificadas ao Bundeskartellamt que tinha o poder de os proibir se considerasse que o acordo em causa constituía um abuso de direito. Do mesmo modo, como faz saber a Comissão, nenhuma empresa era obrigada a participar nos acordos de demarcação e estes só vinculavam os contraentes, pelo que não podiam proibir a um terceiro, como a recorrente, de vender gás.

93      No entanto, resulta do considerando 24 da decisão impugnada que a utilização cumulativa dos acordos de demarcação e dos acordos de concessão exclusiva teve por efeito instituir, de facto, um sistema de zonas de abastecimento exclusivas no interior das quais uma única empresa de gás podia fornecer clientes de gás, sem que houvesse porém uma proibição legal de fornecer gás imposta a outras empresas.

94      A Comissão reconhece aliás, no considerando 371 da decisão impugnada, que os fornecedores históricos alemães dispunham de um monopólio de facto na sua respetiva zona de abastecimento. Confirma‑o igualmente nos seus articulados, nos quais admite a existência, entre 1980 e 1998, de «monopólios territoriais de facto » ou de « monopólios puramente factuais».

95      Nestas condições, há que considerar que, pelo menos até 24 de abril de 1998, o mercado alemão do gás era caracterizado pela existência de monopólios territoriais de facto. Esta compartimentação do mercado alemão do gás era reforçada, além disso, durante este período, pelas circunstâncias evocadas pela recorrente, de que, por um lado, o referido mercado estava estruturado em três níveis que constituíam outros tantos mercados distintos, os quais implicavam que fosse necessário celebrar diversos contratos de transporte antes de se atingir o cliente final e, por outro, de que não existia nenhuma outra disposição em matéria de ATR.

96      Importa observar que essa situação, que existiu no mercado alemão do gás até 24 de abril de 1998, era suscetível de implicar a falta de qualquer espécie de concorrência, não apenas real, mas também potencial, neste mercado. A este respeito, há que salientar que foi decidido que um monopólio geográfico de que beneficiavam empresas locais de distribuição de gás impedia qualquer concorrência atual entre elas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, Colet., p. II‑3745, n.° 117).

97      Ora, nem a decisão impugnada nem os autos contêm elementos que permitam demonstrar de forma bastante que, na falta de aplicação do acordo em causa e não obstante as características do mercado alemão do gás descritas nos n.os 90 a 95, supra, teria existido, até 24 de abril de 1998, uma possibilidade real e concreta de a recorrente integrar o mercado alemão do gás e competir com as empresas estabelecidas, como exige a jurisprudência referida nos n.os 82 e 83, supra.

98      Assim, a circunstância evocada no considerando 294 da decisão impugnada, segundo a qual não existia na Alemanha um monopólio legal não é relevante. Com efeito, para determinar se existe, num mercado, uma concorrência potencial, a Comissão deve examinar as possibilidades reais e concretas de as empresas em causa concorrerem entre si, ou de um novo concorrente poder entrar no mercado em causa e competir com as empresas estabelecidas. Este exame da Comissão deve ser efetuado numa base objetiva dessas possibilidades, de modo que a circunstância de estas serem excluídas em razão de um monopólio com origem direta na regulamentação nacional, ou indireta, na situação factual decorrente da aplicação desta, é irrelevante.

99      Por outro lado, a afirmação, constante do considerando 30 da decisão impugnada, segundo a qual a recorrente não apenas tinha direito, no plano jurídico, de vender gás no território de abastecimento tradicional da E.ON, mas isso era de facto possível (apesar dos obstáculos significativos à entrada), não pode constituir, em si mesma, uma demonstração suficiente da existência de uma concorrência potencial. Com efeito, a possibilidade puramente teórica de uma entrada da recorrente no mercado não é suficiente para demonstrar a existência de tal concorrência. Além disso, tal afirmação repousa numa mera hipótese e não constitui uma demonstração assente em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado pertinente, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 83, supra, não tendo os exemplos invocados em seu apoio, de resto, relevância, como resulta dos n.os 102 e 103 infra.

100    O mesmo se diga das circunstâncias evocadas no considerando 240 da decisão impugnada, segundo as quais as empresas em causa eram importantes atores do setor do gás europeu e deviam ser consideradas cada uma delas como um novo concorrente natural no mercado da outra, ou concorrentes bem colocados que tinham em princípio todas as hipóteses de conseguir entrar no mercado vizinho, ou, por último, que a Alemanha e a França constituíam mercados vizinhos e estreitamente ligados, o que aumenta as possibilidades de sucesso. Com efeito, essas informações gerais e abstratas não permitem demonstrar que, apesar da situação concorrencial existente no mercado alemão do gás, a recorrente teria podido, sem a aplicação do acordo em causa, integrar este mercado.

101    O mesmo vale, por identidade de razões, em relação aos elementos, evocados no considerando 240 da decisão impugnada, segundo os quais as empresas em causa tinham a força, as vantagens e a infraestrutura necessárias para permitir a entrada no mercado, e que as filiais EEG e PEG da recorrente e a sua participação minoritária na GASAG e na VNG constituíam sólidas vantagens para reforçar a sua posição nesse mercado.

102    Quanto aos exemplos da Wingas e da Mobil, evocados nos considerandos 30 e 243 da decisão impugnada para demonstrar que era possível penetrar no mercado alemão do gás, estes não são pertinentes para sustentar o raciocínio da Comissão, como defende no essencial a recorrente no âmbito da segunda série de argumentos avançada em apoio da segunda acusação da presente parte. Com efeito, por um lado, resulta do considerando 30 da referida decisão que a Wingas é uma empresa detida em comum pela BASF e pela Gazprom que conseguiu entrar no mercado alemão do gás nos anos de 1990 graças aos fornecimentos de gás desta última e à construção de uma ampla rede de novos gasodutos que funcionavam paralelamente aos da E.ON e de outros fornecedores históricos. Ora, como alegou a recorrente, a Comissão considerou na sua decisão de 29 de setembro de 1999, no processo IV/M.1383 – Exxon/Mobil (a seguir «decisão Exxon/Mobil»), que a experiência da Wingas tinha poucas possibilidades de se repetir, na medida em que essa empresa era uma associação com êxito entre um grande (mesmo o maior) consumidor industrial de gás alemão e um grande produtor russo (v. considerando 100 da decisão Exxon/Mobil). Acresce que resulta do relatório da investigação da Comissão no setor da energia (SEC/2006/1724), evocado pela recorrente, que, no quadro do referido relatório, a Wingas era considerada um «titular» e não um «novo operador», em razão da sua posição única no mercado alemão. Por outro lado, a Mobil entrou no mercado alemão do gás também nos anos de 1990 ao negociar o acesso às redes dos operadores históricos das redes de transporte. Ora, há que constatar que a própria Comissão afirmou que a Mobil estava numa situação um pouco atípica na Alemanha (v. considerando 251 da decisão Exxon/Mobil). Sublinhou designadamente que esta empresa produzia uma parte considerável do gás alemão e fazia parte do establishment do gás alemão, sendo essa, sem dúvida, segundo a Comissão, a razão pela qual pôde importar gás na Alemanha sem dispor da sua própria rede de gasodutos de alta pressão, e isso graças a um acesso ATR. A Comissão indicou igualmente que a Mobil estava numa posição única (v. considerando 219 da decisão Exxon/Mobil).

103    É certo que, como alegou a Comissão, a recorrente beneficiou igualmente de vantagens e não se encontrava numa situação típica. No entanto, atendendo ao caráter único e específico das situações da Wingas e da Mobil, que a própria Comissão reconheceu, estas são suscetíveis, em si mesmas, de demonstrar a possibilidade real e concreta de um novo operador penetrar no mercado alemão do gás e de competir com as empresas estabelecidas. Neste contexto, importa assinalar que, como alegou a recorrente, operadores, no caso vertente [confidencial], que estavam na mesma situação do que ela, a saber, operadores dominantes num país limítrofe e que dispunham de um gasoduto situado na Alemanha, não puderam entrar no mercado alemão do gás, o que, de resto, reconhece a Comissão embora recordando, contudo, que a Mobil e a Wingas entraram no referido mercado.

104    Em todo o caso, a decisão impugnada não contém nenhum elemento, incluindo de ordem geral, destinado a demonstrar que, durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 1980 e 24 de abril de 1998, não obstante as circunstâncias que envolviam a existência de monopólios regionais no mercado alemão do gás, a construção de condutas de passagem ou a celebração de acordos sobre o acesso à rede com um operador histórico no trajeto do gasoduto MEGAL não correspondia a uma estratégia económica viável, na aceção da jurisprudência referida no n.° 83, e representava uma possibilidade real e concreta, para um operador como a recorrente, coproprietária do gasoduto MEGAL, de entrar no mercado e de competir com as empresas que nele estavam estabelecidas. Em especial, nenhum elemento permite considerar que a entrada da recorrente no mercado se teria podido efetuar, por esses meios, de uma forma suficientemente rápida para que a ameaça de uma entrada potencial pesasse sobre o comportamento dos participantes no mercado ou mediante custos que teriam sido economicamente suportáveis. Cabe referir que a decisão impugnada não contém qualquer indicação que permita considerar que a Comissão tenha levado a cabo um exame da existência de uma concorrência potencial em conformidade com as exigências da jurisprudência acima referida no n.° 83 supra.

105    Face ao exposto, há que considerar que a Comissão não demonstrou a existência de uma concorrência potencial no mercado alemão do gás de 1 de janeiro de 1980 a 24 de abril de 1998.

106    Aliás, ao sublinhar, no considerando 372 da decisão impugnada, que, ao revogar a isenção do direito da concorrência aplicável aos acordos de demarcação em 24 de abril de 1998, o legislador alemão deixou claro que o setor do gás devia ser aberto à concorrência após esta data, a Comissão tende a admitir, pelo menos implicitamente, que, antes dessa data, o próprio legislador alemão entendia que o setor do gás não estava aberto à concorrência e, por conseguinte, que não existia qualquer concorrência potencial.

107    No que diz respeito, em segundo lugar, ao período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000, deve ser recordado que as restrições resultantes da presunção da legalidade da recusa de acesso à rede e da isenção aplicável aos acordos de demarcação e de concessão exclusiva já não existiam durante o referido período, em razão das alterações legislativas ocorridas anteriormente a este.

108    A recorrente alega contudo que, até 2000, não existia na Alemanha nenhuma disposição que regulasse o ATR, já que os primeiros acordos que regulamentavam um ATR só foram assinados a partir desse ano.

109    A este respeito, importa assinalar, desde logo, que o facto de que não existe nenhuma norma que regule o ATR no que respeita ao transporte e à distribuição de gás representa sem dúvida um obstáculo à entrada no mercado alemão do gás, mas não pode implicar uma impossibilidade total de acesso, e isso tanto mais que, como resulta do n.° 90 infra, desde 1 de janeiro de 1990, foi eliminada a presunção da legalidade da recusa de acesso à rede. Assim, a circunstância de que, na falta de normas a regular o ATR na Alemanha durante o período em causa, nenhuma obrigação impendia sobre o proprietário que explora uma rede de dar acesso a um dos seus concorrentes não tem como consequência excluir a possibilidade de negociar um tal acesso. Em qualquer caso, resulta da decisão impugnada que, desde 1 de janeiro de 1999, um direito de ATR decorre do § 19, n.° 4, ponto 4, da GWB, relativamente ao acesso a uma infraestrutura essencial, o que a recorrente não contestou.

110    Quanto à estrutura do mercado alemão, se esta podia igualmente constituir uma barreira à entrada neste mercado durante o período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000, não é menos verdade que nenhum elemento permite considerar que, durante esse período, que é posterior às modificações legislativas ocorridas em 1998, ela podia, por si só ou em conjugação com a falta de uma norma que regulasse os ATR, excluir completamente a existência de uma concorrência potencial no mercado alemão. De resto, a recorrente limita‑se a alegar que esta estrutura constituía uma grande barreira à entrada, reforçada pela integração vertical dos grossistas supraregionais. No entanto, não pretende que esta tenha impedido qualquer entrada no mercado.

111    Nestas condições, impõe‑se observar que nenhum elemento é suscetível de demonstrar que foi erradamente que a Comissão considerou que havia uma concorrência potencial no mercado alemão do gás entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000.

112    Atendendo a todas as considerações anteriores, a primeira parte do fundamento deve ser acolhida na parte em que se refere ao período compreendido entre 1 de janeiro de 1980 e 24 de abril de 1998 e rejeitada na parte em que é relativa ao período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000.

113    Dado que a primeira parte do fundamento foi apenas parcialmente acolhida, cumpre ainda examinar as outras partes invocadas em apoio do presente fundamento, na medida em que dizem respeito ao período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000.

b)     Quanto à segunda parte

114    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente contesta a análise da Comissão segundo a qual o acordo pôde ter um efeito sensível, atual ou potencial, no comércio de gás entre a França e a Alemanha antes de agosto de 2000.

115    A este respeito, a recorrente invoca, no essencial, duas acusações, relativas, a primeira a uma falta de fundamentação e, a segunda a um erro de facto e de direito.

–       Sobre a primeira acusação

116    A recorrente sustenta que a decisão impugnada padece de falta de fundamentação dado que não demonstrou em que medida o acordo pôde afetar o comércio de gás entre a França e a Alemanha desde 1 de janeiro de 1980 e que os requisitos de aplicação do artigo 81.° CE estavam preenchidos à data.

117    A este respeito, deve recordar‑se que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, que tem a ver com a legalidade material do ato recorrido e que deve respeitar os requisitos enunciados na jurisprudência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 67, e acórdão do Tribunal Geral de 4 de julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colet., p. II‑1887, n.° 54). Segundo jurisprudência assente, a fundamentação de uma decisão desfavorável deve permitir o exercício efetivo da fiscalização da sua legalidade e fornecer ao interessado as indicações necessárias para saber se a decisão é, ou não, bem fundada. O caráter suficiente dessa fundamentação deve ser apreciado em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários possam ter em obter explicações (acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 1994, AWS Benelux/Comissão, T‑38/92, Colet., p. II‑211, n.° 26, e de 14 de maio de 1998, Gruber + Weber/Comissão, T‑310/94, Colet., p. II‑1043, n.° 209).

118    No caso em apreço, a Comissão recordou, no considerando 261 da decisão impugnada, que, segundo a jurisprudência, para ser suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros, um acordo deve, com base num conjunto de elementos objetivos de facto e de direito, permitir prever com um grau suficiente de probabilidade que possa exercer uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, sobre os fluxos comerciais entre Estados‑Membros. Acrescentou no considerando 262 da referida decisão que, em conformidade com as Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.°[CE] e 82.°[CE] (JO 2004, C 101, p.81), os acordos de repartição dos mercados que abrangem diversos Estados‑Membros, são pela sua natureza suscetíveis de harmonizar as condições de concorrência, de afetar a interpenetração comercial ao desviarem os fluxos comerciais tradicionais da sua orientação natural e, portanto, de afetar o comércio entre os Estados‑Membros. Em seguida, assinalou, no considerando 263 desta decisão, que a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE a um acordo de repartição dos mercados e a uma prática concertada não se limita à parte das vendas dos participantes que implicaram efetivamente uma transferência de mercadorias de um Estado‑Membro para outro e que o facto de estes produtos serem, pela sua própria natureza, facilmente objeto de trocas transfronteiriças dá uma boa indicação no que respeita à questão de saber se o comércio entre Estados‑Membros é suscetível de ser afetado. Observou, no mesmo considerando, que, no caso em apreço, ao destinar‑se a gelar a situação concorrencial antes da liberalização através da limitação do fornecimento de gás transportado pelo gasoduto MEGAL, que constitui a principal via de importação de gás natural para a Alemanha e a França e, portanto, ao impedir a concorrência transfronteiriça nos mercados alemão e francês do gás, o acordo e o comportamento anticoncorrencial das empresas em causa impediram‑nas de procurar fazer negócios no mercado nacional uma da outra e tiveram assim um efeito ou pelo menos foram suscetíveis de ter um efeito sensível no comércio entre os Estados‑Membros.

119    Nestas condições, importa considerar que a Comissão expôs de forma bastante os motivos pelos quais entendeu que o acordo tinha podido afetar o comércio entre a França e a Alemanha desde 1 de janeiro de 1980 e que os requisitos de aplicação do artigo 81.° CE estavam preenchidos. A este respeito, há que assinalar que a decisão impugnada se refere explicitamente à situação «antes da liberalização», a saber, antes de 10 de agosto de 2000, pelo que a recorrente pretende erradamente que a demonstração da Comissão se limita ao período posterior a esta data.

120    A primeira acusação deve portanto ser rejeitada.

–       Sobre a segunda acusação

121    A recorrente alega que a decisão padece de um erro de facto e de direito. Segundo ela, as notas de acompanhamento não puderam ter uma influência atual ou potencial sensível no comércio entre a Alemanha e a França antes de agosto de 2000, dado que os mercados alemão e francês estavam, de facto ou de direito, fechados à concorrência antes dessa data, pelo que o comércio de gás natural entre esses países não teria sido diferente não existindo as práticas em causa.

122    A este respeito, há que recordar que o artigo 81.°, n.° 1, CE só se aplica aos acordos suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros. Segundo jurisprudência constante, para serem suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos objetivos de facto e de direito, permitir prever com um grau suficiente de probabilidade que exercem uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, sobre as correntes comerciais entre Estados‑Membros, de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados‑Membros (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 34 e jurisprudência referida).

123    Assim, a afetação das trocas intracomunitárias resulta em geral da reunião de diversos fatores que, isoladamente considerados, não seriam necessariamente determinantes. Para verificar se um acordo afeta sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros, é necessário examinar esse acordo no seu contexto económico e jurídico (v. acórdão Asnef‑Equifax e Administración del Estado, n.° 122 supra, n.° 35 e jurisprudência referida). A este respeito, pouco importa que a influência de um acordo sobre as trocas seja desfavorável, neutra ou favorável. Com efeito, uma restrição da concorrência pode afetar o comércio entre os Estados‑Membros quando for suscetível de desviar os fluxos comerciais da direção que noutras condições teriam tido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 172).

124    Além disso, a capacidade de um acordo afetar o comércio entre os Estados‑Membros, isto é, o seu efeito potencial, é suficiente para cair sob a alçada do artigo 81.° CE e não ser necessário demonstrar uma afetação efetiva das trocas comerciais (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 1999, Bagnasco e o., C‑215/96 e C‑216/96, Colet., p. I‑135, n.° 48, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colet., p. II‑5169, n.° 166). É necessário porém que o efeito potencial do acordo sobre o comércio entre Estados seja sensível ou, dito de outra forma, que não seja insignificante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de abril de 1998, Javico, C‑306/96, Colet., p. I‑1983, n.os 12 e 17).

125    Por outro lado, um acordo que abranja todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado CE (acórdão Asnef‑Equifax e Administración del Estado, n.° 122 supra, n.° 37).

126    No caso em apreço, deve observar‑se que, uma vez que não demonstrou a existência de uma concorrência potencial no mercado alemão do gás de 1 de janeiro de 1980 a 24 de abril de 1998 (v. n.° 104 supra) e que é ponto assente que o mercado francês estava fechado à concorrência pelo menos até agosto de 2000, foi erradamente que a Comissão considerou que o acordo e as práticas em causa eram suscetíveis de ter um efeito significativo nas trocas entre os Estados‑Membros antes de 24 de abril de 1998.

127    Isso é tanto mais assim quanto a Comissão fundou designadamente a sua conclusão a este respeito, como resulta do considerando 263 da decisão impugnada, no facto de esse acordo e essas práticas impedirem a concorrência transfronteiriça nos mercados alemão e francês do gás. Ora, na falta de concorrência nesses dois mercados, a referida concorrência não podia ser impedida, e por via de consequência, o comércio entre Estados‑Membros não podia ser afetado.

128    Para o período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000, a presente acusação deve, em contrapartida, ser rejeitada, uma vez que a existência de uma concorrência potencial no mercado alemão do gás não foi validamente posta em causa (v. n.° 111 supra), e que a restrição desta era assim suscetível de ter um efeito sensível nas trocas comerciais entre Estados‑Membros.

129    Estas considerações não são invalidadas pelos argumentos da recorrente baseados nas Orientações sobre o conceito de afetação do comércio previsto nos artigos 81.° CE e 82.° CE. Com efeito, a recorrente contesta as afirmações que figuram no considerando 262 da decisão impugnada (v. n.° 118 supra), alegando que a inexistência de perspetiva de liberalização e de realização do mercado interno do gás antes (pelo menos) de agosto de 2000 é um elemento objetivo, na aceção da jurisprudência, que permite excluir com um grau de probabilidade suficiente que o acordo de repartição de mercados em causa tenha podido exercer uma influência significativa no comércio entre Estados‑Membros. Ora, como se salientou no âmbito do exame da primeira parte, a perspetiva de liberalização não podia, à data da assinatura das notas de acompanhamento, ser excluída a longo prazo (v. n.° 80 supra). Acresce que a falta de realização do mercado interno do gás não excluía, por si só, a existência de trocas intracomunitárias de gás que podiam ser afetadas, podendo tais trocas com efeito existir não obstante a não realização do mercado interno. A objeção da recorrente deve portanto ser afastada. Importa igualmente rejeitar o argumento baseado em que estas orientações enunciam que «[n]o caso de existirem barreiras intransponíveis ao comércio entre os Estados‑Membros, que sejam alheias ao acordo ou à prática, o comércio só poderá ser afetado se existir a possibilidade de estas barreiras serem eliminadas num futuro previsível», na medida em que o desaparecimento destas barreiras não estava excluído a longo prazo.

130    Resulta do anteriormente exposto que há que julgar parcialmente procedente a segunda acusação invocada no âmbito da segunda parte e, portanto, esta última, na parte em que se refere ao período compreendido entre 1 de janeiro de 1980 e 24 de abril de 1998. Em contrapartida, esta parte deve ser rejeitada na parte relativa ao período compreendido entre 24 de abril de 1998 e 10 de agosto de 2000.

c)     Quanto à terceira parte

131    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada viola o artigo 81.° CE, as regras relativas à produção da prova e o dever de fundamentação, em razão da falta de elementos probatórios relativos à existência da alegada infração entre janeiro de 1980 e fevereiro de 1999.

132    A este respeito, importa assinalar a título liminar que, dado que a Comissão não considera a existência de uma infração cometida em França antes de 10 de agosto de 2000 e que resulta do exame da primeira parte que ela considerou sem razão a existência de uma infração cometida na Alemanha entre 1 de janeiro de 1980 e 24 de abril de 1998, o exame da presente parte deve ser limitado ao período compreendido entre esta última data e fevereiro de 1999.

133    Em seguida, há que observar que, no âmbito de uma infração complexa, que implicou vários produtores durante vários anos, prosseguindo um objetivo de regulação em comum do mercado, não se pode exigir que a Comissão qualifique especificamente a infração, para cada empresa e em cada momento preciso, de acordo ou de prática concertada, uma vez que, de qualquer modo, ambas essas formas de infração são visadas pelo artigo 81.° CE (acórdão do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 696).

134    A Comissão pode assim qualificar essa infração complexa de acordo «e/ou» de prática concertada, na medida em que essa infração comporta elementos que devem ser qualificados de «acordo» e elementos que devem ser qualificados de «prática concertada» (acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.° 133 supra, n.° 697).

135    Nessa situação, a dupla qualificação deve ser entendida não como uma qualificação que exige simultânea e cumulativamente a prova de que cada um desses elementos de facto apresenta os elementos constitutivos de um acordo e de uma prática concertada, mas sim como designando um todo complexo que inclui elementos de facto dos quais uns foram qualificados de acordo e outros de prática concertada, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, que não prevê qualificação específica para esse tipo de infração complexa (acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.° 133 supra, n.° 698).

136    Por outro lado, constitui jurisprudência assente que a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet., p. I‑8725, n.os 94 e 135 e jurisprudência referida).

137    Esses indícios e coincidências não apenas permitem revelar a existência de práticas ou acordos anticoncorrenciais, mas também a duração de um comportamento anticoncorrencial continuado ou o período de aplicação de acordos concluídos em violação das regras da concorrência (acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 136 supra, n.° 95).

138    Por último, importa recordar que a exigência de segurança jurídica, de que devem beneficiar os operadores económicos, implica que, verificando‑se um litígio sobre a existência de uma infração às regras da concorrência, a Comissão, a quem incumbe o ónus da prova das infrações por ela declaradas, forneça os elementos adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos da infração. No que respeita à alegada duração de uma infração, o mesmo princípio de segurança jurídica impõe, na falta de elementos de prova que permitam determinar diretamente a duração da infração, que a Comissão invoque, pelo menos, elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a poder‑se razoavelmente admitir que essa infração perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdão do Tribunal Geral de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colet., p. II‑441, n.° 79).

139    No caso em apreço, a Comissão entendeu, como resulta do considerando 211 da decisão impugnada, que o comportamento das empresas em causa, que consistia num acordo inicial de repartição dos mercados e em práticas concertadas sob a forma de reuniões periódicas destinadas a chegarem a acordo e a aplicar esse acordo durante mais de 25 anos, constituía uma infração única e continuada e que tinha por objeto uma «restrição da concorrência». A Comissão assinalou que seria artificial subdividir este comportamento contínuo, caracterizado por uma única finalidade, vislumbrando aí diversas infrações distintas, quando se tratava, pelo contrário, de uma infração única que se concretizou progressivamente tanto por acordos como por práticas concertadas.

140    Ora, como a recorrente alegou, a Comissão não avançou qualquer prova relativa à infração em causa relativamente ao período compreendido entre janeiro de 1980 e 4 de fevereiro de 1999. Esse facto não é contestado pela Comissão que admite, na contestação, que não apresentou, salvo as notas de acompanhamento, provas pontuais anteriores a 1999. A este respeito, cumpre desde logo rejeitar a explicação fornecida pela Comissão segundo a qual não entendeu necessário, após ter apreendido nas suas inspeções documentos posteriores a 1999, solicitar às empresas em causa documentos anteriores. Com efeito, não se poderia admitir que a Comissão se apoiasse na sua própria falha na produção da prova para não cumprir as obrigações que lhe incumbem a este respeito.

141    No entanto, o facto de a prova da existência de uma infração contínua não ter sido feita relativamente a determinados períodos não obsta a que a infração seja considerada praticada durante um período global mais extenso, desde que tal conclusão assente em indícios objetivos e concordantes (v., neste sentido, acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 136 supra, n.° 98).

142    Ora, importa recordar que, como resulta da decisão impugnada, as empresas em causa concluíram, em 1975, um acordo escrito de repartição de mercados, constituído pelo acordo MEGAL, os seus anexos e as notas de acompanhamento, e que consistia em não penetrar – ou em penetrar de forma limitada – no mercado nacional uma da outra e, assim, em proteger os seus mercados nacionais não vendendo no mercado nacional da outra parte o gás transportado pelo gasoduto MEGAL. Nenhum dos argumentos avançados pela recorrente permite, como resulta da totalidade do presente acórdão, pôr em causa esta constatação. Este acordo não foi concluído por uma duração determinada, dado que nenhuma disposição do referido acordo indica uma data de caducidade deste.

143    Nenhum elemento permite demonstrar que o acordo MEGAL, os seus anexos e as notas de acompanhamento tivessem sido revogados anteriormente a 1999. A recorrente não avançou de resto nenhum elemento anterior a essa data para fazer tal demonstração. Há que precisar, neste contexto, que o facto de que, após o exame da primeira parte do presente fundamento, o Tribunal Geral tenha anulado o artigo 1.° da decisão impugnada na medida em que este declara a existência de uma infração cometida na Alemanha anteriormente a 1998 não põe em causa, enquanto tal, a existência do acordo de repartição de mercados, mas a data do início do caráter de infração. Quanto ao facto de que o acordo de 2004 indica que as empresas em causa consideravam «desde há muito» as notas de acompanhamento de 1975 «nulas e de nenhum efeito», este não é suscetível de dar uma indicação precisa que permita considerar que o acordo em causa no caso em apreço foi revogado antes de 1999. Resulta pelo contrário de documentos posteriores a essa data e designadamente das cartas do serviço jurídico da recorrente de 9 e de 17 de fevereiro de 2000, que se referem expressamente às notas Direktion G e Direktion I, cujo valor probatório é analisado no n.° 63, infra, que a recorrente continuava a referir‑se ao citado acordo, o que indica que, em 2000, este não tinha sido revogado.

144    Nestas condições, o acordo MEGAL, os seus anexos e as notas de acompanhamento deviam ser considerados estar em vigor entre 1975 e 1999, e, portanto, durante o período pertinente para fins do exame da presente parte conforme definida no n.° 132, supra, a saber, entre 1998 e 1999, pelo que não era necessário a Comissão apresentar uma prova suplementar relativamente à sua aplicação durante o referido período. A este respeito, importa sublinhar que a situação em causa no caso em apreço, difere da que conduziu ao acórdão Dunlop Slazenger/Comissão, n.° 138, supra, evocada pela recorrente. Com efeito, nesse processo, a Comissão verificou designadamente a existência de duas cartas, respetivamente de 1977 e de 1985, através das quais a empresa em causa acordava em não exportar. O Tribunal Geral considerou que, não tendo podido apresentar elementos de prova suscetíveis de apoiar o caráter permanente, entre 1977 e 1985, da infração imputada à referida empresa, a Comissão não fez prova bastante de que o início da infração devia ser situado em 1977. No entanto, diversamente do caso em apreço, a carta de 1977 é relativa, como decorre do n.° 45 do referido acórdão, a uma oferta pontual e não constituía uma medida de duração indeterminada como é o caso do acordo MEGAL e das notas de acompanhamento.

145    Por conseguinte, a terceira parte do fundamento deve ser rejeitada.

146    Resulta da totalidade do exposto que a primeira e segunda partes do presente fundamento devem ser parcialmente acolhidas e que a terceira deve ser rejeitada.

147    Em consequência, há que anular o artigo 1.° da decisão impugnada na medida em que declara a existência de uma infração cometida na Alemanha entre 1 de janeiro de 1980 e 24 de abril de 1998.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada após agosto de 2000

148    Este fundamento, pelo qual a recorrente alega que a Comissão cometeu erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada após agosto de 2000, divide‑se em quatro partes, relativas, a primeira à violação do artigo 81.° CE em razão da inexistência de uma infração única e continuada entre 1 de janeiro de 1980 e 30 de setembro de 2005 e, por consequência, dos efeitos da prescrição das notas de acompanhamento, a segunda à violação do artigo 81.° CE e das regras de produção da prova, em razão da falta de um encontro de vontades entre as partes com vista à aplicação das notas de acompanhamento após agosto de 2000, a terceira à violação do artigo 81.° CE em razão de uma apreciação manifestamente errada das reuniões e de trocas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005, a quarta a uma violação do artigo 81.° CE e do dever de fundamentação em razão da falta de apreciação da autonomia do comportamento da recorrente na Alemanha e da E.ON em França.

149    Há que examinar a primeira parte em último lugar.

a)     Quanto à segunda parte

150    No âmbito da presente parte, a recorrente alega que a Comissão não demonstrou de forma bastante a existência de uma concordância de vontades entre as empresas em causa com vista à aplicação das notas de acompanhamento após agosto de 2000.

151    A este respeito, importa recordar que a Comissão deve fazer a prova das infrações por ela verificadas e apresentar os elementos probatórios adequados à demonstração da existência dos factos constitutivos de uma infração (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 173 e jurisprudência referida).

152    Acresce que, no âmbito de um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 230.° CE, compete ao juiz da União fiscalizar apenas a legalidade do ato impugnado (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 174).

153    Assim, o papel do juiz que conhece de um recurso de anulação de uma decisão da Comissão que declara a existência de uma infração às regras da concorrência e que aplica coimas aos destinatários consiste em apreciar se as provas e outros elementos invocados pela Comissão na sua decisão são suficientes para demonstrar a existência da infração imputada (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 175 e jurisprudência referida).

154    Além disso, deve recordar‑se que a existência de uma dúvida no espírito do julgador deve beneficiar a empresa destinatária da decisão que declara a existência de uma infração. O juiz não pode portanto concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se ainda subsistir no seu espírito uma dúvida quanto a essa questão, nomeadamente no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 177 e jurisprudência referida).

155    Deste modo, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que foi cometida a infração (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 179 e jurisprudência referida).

156    No entanto, há que realçar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 180 e jurisprudência referida).

157    No caso em apreço, resulta do considerando 163 da decisão impugnada que a Comissão entendeu que as empresas em causa concluíram, em 1975, um acordo nos termos do qual a recorrente não venderia gás transportado pelo gasoduto MEGAL a clientes na Alemanha e que a E.ON não venderia gás transportado pelo gasoduto MEGAL em França. A Comissão considerou que, quando os mercados europeus do gás foram abertos e, consequentemente, quando o acordo de repartição de mercados foi «suscetível de produzir um impacto significativo no mercado em 1998/2000», estas empresas não puseram oficialmente fim a esse acordo e não o declararam explicitamente obsoleto. A este respeito, salientou designadamente que tanto os documentos internos das empresas em causa como as trocas entre elas mostram que consideravam que a proibição imposta à recorrente de utilizar os pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha e a proibição feita à E.ON de fazer transitar gás por este gasoduto em França eram obrigatórias.

158    É à luz destes elementos que cabe examinar as três acusações da recorrente em apoio da presente parte, relativas, a primeira à violação do princípio da presunção da inocência e à falta de valor probatório das notas de acompanhamento após agosto de 2000, a segunda à falta de valor probatório dos elementos de prova escolhidos pela Comissão para demonstrar que as empresas em causa se puseram de acordo para considerar as referidas notas como obrigatórias após essa data e, a terceira ao facto de ela ter fornecido provas que demonstram o «abandono» das notas de acompanhamento após a liberalização.

159    Para este fim, parece oportuno proceder ao exame da segunda, a seguir da terceira e, por fim, da primeira acusação.

–       Sobre a segunda acusação

160    A recorrente alega, no essencial, que os elementos em que a Comissão se apoiou são imprecisos e ambíguos e não são suficientes para provar um concurso de vontades suscetível de constituir o acordo em causa, no caso em apreço a aplicação das notas de acompanhamento, após a liberalização.

161    A este respeito, importa recordar que, para apreciar o valor probatório de um documento, é necessário verificar a verosimilhança da informação nele contida e ter em conta, nomeadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração e o seu destinatário, bem como perguntar se, em função do seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno (acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP e T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colet., p. II‑3567, n.° 121 e jurisprudência referida).

162    Ora, no caso em apreço, nenhum elemento permite pôr em causa o valor probatório dos documentos em que a Comissão se baseou para considerar as notas de acompanhamento obrigatórias após agosto de 2000.

163    A este respeito, quanto aos documentos do serviço jurídico da recorrente, há que assinalar que, nos considerandos 64 e 65 da decisão impugnada, a Comissão recordou o conteúdo de uma nota de 3 de dezembro de 1999 e de correios eletrónicos de 9 e de 17 de fevereiro de 2000. Quanto, por um lado, à nota de 3 de dezembro de 1999, resulta dela, no essencial, que o referido serviço jurídico entendia que a recorrente não podia invocar o novo quadro jurídico relativo à liberalização para fornecer clientes na Alemanha com gás em trânsito pelo gasoduto MEGAL. Segundo esta nota, se a recorrente pudesse utilizar o gás em trânsito para abastecer tais clientes, os acordos relativos a este gasoduto seriam desvirtuados. Em relação, por outro lado, aos correios eletrónicos de 9 e de 17 de fevereiro de 2000, como assinalou a Comissão, estes fazem explicitamente referência às notas Direktion G e Direktion I. Com efeito, indicam que a primeira das referidas notas se assemelha a uma «vasta repartição de mercado» entre as empresas em causa, «o que coloca a questão do valor jurídico de tal documento (nulo!)» e que, através da segunda dessas notas, qualificada de «soberba», as referidas empresas acordam no sentido de que a recorrente não forneça gás (direta ou indiretamente) a um cliente na Alemanha. A este respeito, cumpre rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual os referidos correios eletrónicos confirmam as dificuldades de interpretação das notas de acompanhamento. É certo que decorre destes correios eletrónicos que ao serviço jurídico da recorrente se colocava a questão de saber se a E.ON podia transportar gás para terceiros através do gasoduto MEGAL e observava que, no passado, tinha feito uma leitura das notas em causa favorável à E.ON ao considerar que esta podia obrigar um terceiro que pretendesse transportar gás por este gasoduto a fazer um contrato com esta. No entanto, não é menos verdade que a análise das notas de acompanhamento em causa efetuada pelo serviço jurídico da recorrente, relativamente às restrições que elas implicam, é explícita e desprovida de qualquer ambiguidade, como resulta do teor destes documentos. Nestas condições, foi sem cometer erros que a Comissão se baseou nestes três documentos para considerar, no essencial, com fundamento nestes, que a recorrente tinha conhecimento do caráter ilícito do acordo, mas continuava a cumpri‑lo, como o indica o n.° 4.2.2.2 da decisão impugnada.

164    Em segundo lugar, relativamente às atas da E.ON relativas às reuniões de 4 de fevereiro e de 24 de junho de 1999, resulta, por um lado, da ata da primeira destas reuniões que a E.ON tomou conhecimento, com preocupação, de certas observações, feitas nas reuniões precedentes, segundo as quais certas pessoas no seio da recorrente previam pelo menos a venda separada de gás na Alemanha mediante o gasoduto MEGAL. De acordo com este documento, a recorrente, em resposta, indicou que o seu objetivo era otimizar a sua posição enquanto transportador e acionista e que, quando as novas regras sobre o ATR entrassem em vigor, deveria defender os seus interesses, tendo contudo sempre em conta a relação histórica estreita com a E.ON. Prometeu igualmente manter a E.ON estreitamente informada das suas reflexões. Resulta, por outro lado, da ata da segunda reunião, que a recorrente indicou que pretendia eventualmente beneficiar de oportunidades comerciais na Alemanha, embora isso não fosse dirigido contra a E.ON. Segundo esta ata, mencionou igualmente que, sob o regime contratual atual relativo ao gasoduto MEGAL, só o podia utilizar como linha de trânsito e não estava autorizada a retirar gás na Alemanha, retorquindo a E.ON, a este respeito, que a opção da recorrente de retirar gás do gasoduto MEGAL significaria uma alteração geral do quadro contratual MEGAL. Isto confirma não apenas que a recorrente tentou sossegar a E.ON em relação às suas intenções na Alemanha, mas também que as empresas em causa se consideravam vinculadas pelas disposições do acordo em causa.

165    Por conseguinte, foi sem errar que a Comissão observou, no considerando 70 da decisão impugnada, que, embora permitissem demonstrar que a E.ON entendia que certas pessoas no seio da recorrente previam penetrar no mercado do Sul da Alemanha, estes documentos comprovam igualmente que a E.ON tentou dissuadir disso a recorrente e que esta prometeu igualmente ter em conta a relação histórica estreita com a E.ON e mantê‑la estreitamente informada das suas reflexões. Foi igualmente com razão, atendendo ao teor destes documentos, que considerou que as empresas em causa tinham estipulado que uma eventual entrada da recorrente no mercado na zona do gasoduto MEGAL deveria constituir objeto de uma posição comum entre elas.

166    É certo, como assinala a recorrente, que nenhum dos dois documentos se refere explicitamente à manutenção das notas de acompanhamento. No entanto, resulta claramente destas, e designadamente da relativa à reunião de 24 de junho de 1999, que as empresas em causa se consideravam ainda vinculadas pelo quadro contratual relativo ao gasoduto MEGAL, do qual as notas de acompanhamento fazem parte integrante, e pelas restrições que estas notas implicavam relativamente à possibilidade de a recorrente retirar gás na Alemanha a partir deste gasoduto. Em qualquer caso, contrariamente ao que faz crer a recorrente, não resulta dos considerandos 67 a 70 da decisão impugnada que a Comissão tenha utilizado estes documentos para mostrar que as empresas consideravam estas notas vinculativas, já que as conclusões que constam do considerando 70 não tratam nem do seu caráter obsoleto nem do seu caráter vinculativo. Por último, quanto ao n.° 4.2.2.4 da decisão impugnada no qual se desenvolve a consideração segundo a qual «[a recorrente] promete não colidir com a [E.ON] na Alemanha», importa assinalar que, embora tal consideração possa parecer simplista, não é porém incorreta, na medida em que os documentos em causa demonstram que a recorrente pretendia ter em conta a sua relação com a E.ON e mantê‑la informada das suas reflexões a respeito de eventuais vendas na Alemanha e que as oportunidades comerciais de que pretendia beneficiar não seriam dirigidas contra a E.ON.

167    Em terceiro lugar, relativamente à nota interna da E.ON de 8 de junho de 2001 redigida com vista a uma reunião com a recorrente em 12 de junho de 2001, a Comissão deduziu dela, como resulta do considerando 77 da decisão impugnada, que a E.ON estava consciente do facto de que a proibição imposta à recorrente de retirar gás do gasoduto MEGAL violava o direito da concorrência. A este respeito, há que concluir que esta nota se inscreve no âmbito, designadamente, de discussões relativas à reestruturação do quadro contratual do gasoduto MEGAL. Resulta dela que, no âmbito do novo modelo evocado, se previa que a recorrente beneficiasse de um direito de entrada e de saída ao longo do gasoduto MEGAL, que na prática não lhe poderia em qualquer caso ser recusado de um ponto de vista jurídico segundo a GWB ou a EnWG. A E.ON tinha, portanto, bem consciência de que a legislação alemã não permitia recusar à recorrente o direito de retirar gasóleo do gasoduto MEGAL. Ora, foi apenas no contexto futuro da renegociação do acordo MEGAL, com a instituição do conceito de «uso beneficiário», que foi previsto conceder tal direito à recorrente. Em qualquer caso, resulta igualmente da referida nota que a recorrente reclamava a possibilidade de beneficiar de pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha, o que implica, portanto, que ela não beneficiava deles nos termos do quadro contratual existente. Por conseguinte, a recorrente afirma sem razão que a Comissão deveria ter considerado que decorria dessa nota que as notas de acompanhamento já não estavam em vigor.

168    Em quarto lugar, quanto à troca de notas entre as empresas em causa em 13 e em 21 de maio de 2002, a Comissão entendeu, no considerando 81 da decisão impugnada, que este confirmava que a E.ON considerava que a nota Direktion G era vinculativa e que nenhuma das empresas em causa tinha dado a entender que essa nota e a nota Direktion I eram obsoletas. A este respeito, há que assinalar que a carta da E.ON dirigida à recorrente em 21 de maio de 2002, em resposta ao seu correio de 13 de maio de 2002, se refere expressamente à nota Direktion G, indicando que o transporte efetuado para uma outra empresa a partir do gasoduto MEGAL está em total conformidade com a referida nota. Ora, se essa nota fosse considerada obsoleta e não vinculativa para as empresas em causa, a E.ON não teria indicado que o transporte em causa era conforme com ela. O facto, evocado pela recorrente, de que não se tenha referido à nota Direktion G ou à nota Direktion I na sua carta de 13 de maio de 2002 não é determinante para demonstrar a obsolescência destas disposições ou a falta de concordância de vontade. Com efeito, mesmo que a recorrente não se lhe tenha referido na citada carta, não é menos verdade, como a Comissão alega no considerando 83 da decisão impugnada, que a E.ON não se teria baseado na nota Direktion G para alegar que podia efetuar o transporte por conta de um dos seus clientes se esta nota não tivesse sido invocada anteriormente no sentido de proibir este tipo de transporte. Em qualquer caso, mesmo supondo que a E.ON tivesse podido fazer referência de modo unilateral a esta nota, por um lado, esse facto não têm incidência na conclusão segundo a qual esta nota era vinculativa pelo menos para esta empresa e, por outro lado, não permitiria considerar que as notas de acompanhamento já não eram vinculativas para a recorrente. Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual a E.ON se referiu à nota Direktion G para apoiar a sua posição de negociação a seu respeito relativamente ao seu direito de transporte para terceiros, a mesma não é suscetível de infirmar as conclusões a que chegou a Comissão. Por último, o argumento da recorrente segundo o qual esta troca de correios se refere às condições de transporte por terceiros e não à repartição de mercados, não permite pôr em causa o facto de que a referida troca revela igualmente o caráter vinculativo, pelo menos para a E.ON, da nota Direktion G, nem entender que a recorrente considerava as notas de acompanhamento obsoletas. De resto, à luz do seu teor, podia inferir‑se da troca em causa, como salientou a Comissão no considerando 83 da decisão impugnada, que a recorrente entendia que o acordo MEGAL, tal como estava em vigor à data, proibia à E.ON fornecer gás em França através do gasoduto MEGAL, mesmo por conta de um terceiro. Uma tal posição é de resto conforme com a interpretação da nota Direktion G entregue à recorrente pelo serviço jurídico e que está exposta nos correios eletrónicos de 9 e de 17 de fevereiro de 2000.

169    Em quinto lugar, quanto à ata da E.ON relativa a uma reunião de 23 de maio de 2002, ao correio eletrónico da E.ON de 27 de fevereiro de 2003 e à ata da E.ON relativa a uma reunião de 19 de fevereiro de 2004, importa assinalar, a título liminar, que, como alega a recorrente, nenhum destes documentos faz referência especificamente às notas de acompanhamento. No entanto, a Comissão não pretendeu, na decisão impugnada, que tal ocorresse.

170    Importa a seguir assinalar que decorre claramente da ata da E.ON relativa a uma reunião de 23 de maio de 2002 entre os responsáveis da recorrente e os da E.ON, que a recorrente garantiu, nessa reunião, que não pretendia, nessa data, vender gás retirado do gasoduto MEGAL no Sul da Alemanha. Além disso, o correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, enviado por um responsável da E.ON em França a um diretor da E.ON na Alemanha, faz parte de uma reunião de caráter privado que o primeiro teve com um responsável da recorrente. Resulta desse correio que o responsável da recorrente indicou designadamente, nessa reunião, que ela parecia convencida a dever comportar‑se bem na abordagem do mercado alemão. Do mesmo decorre igualmente que, ainda que a recorrente pudesse tentar vender gás na zona da E.ON, fá‑lo‑ia mais para se informar sobre o mercado do que para efetuar um ataque frontal direto. Por último, resulta da ata da E.ON, relativa a uma reunião de 19 de fevereiro de 2004 entre representantes da recorrente e da E.ON, que, nessa reunião, a recorrente indicou à E.ON que compreendia que esta era e queria permanecer o principal fornecedor para [confidencial] e que tencionava respeitar os atuais contratos de abastecimento da E.ON.

171    Nestas condições, importa assinalar que resulta claramente destes três documentos, lidos em conjunto, que as empresas em causa trocaram informações sobre as suas estratégias de desenvolvimento e, mais particularmente, que a recorrente participou a sua intenção de não atacar de maneira frontal a E.ON no mercado alemão e de não vender gás no Sul da Alemanha. Deste modo, embora não se refiram diretamente às notas de acompanhamento, estes documentos atestam que as empresas em causa respeitaram a repartição de mercados resultante do acordo MEGAL e das referidas notas. Por conseguinte, há que rejeitar a alegação da recorrente segundo a qual as declarações relatadas por estes documentos não apresentam nenhuma relação com a infração alegada.

172    Quanto ao valor probatório destes documentos, importa sublinhar, a respeito do facto, evocado pela recorrente, de que se trata de documentos internos da E.ON que não são corroborados por trocas entre as empresas em causa, que a pertinência desta circunstância será refutada nos n.os 224 a 226, infra. Acresce que é de assinalar que estes documentos foram elaborados pelos serviços da E.ON na sequência de reuniões ou de entrevistas que tiveram lugar entre representantes das empresas em causa. Estes têm, além disso, como destinatários, responsáveis da E.ON. Por outro lado, as informações que contêm, que são precisas e não vagas como sustenta a recorrente, tendem a coincidir e a confirmar a existência de uma repartição de mercados. Nestas condições, deve considerar‑se que estes documentos são sensatos e fiáveis e não, como pretende a recorrente, que têm um valor probatório nulo ou fraco. Quanto ao facto de um destes documentos, no caso em apreço, o correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, relatar as afirmações feitas numa conversa de natureza privada, nenhum elemento leva a pensar que sejam incorretos, já que a precisão do seu teor tende na verdade a demonstrar a sua veracidade. Por último, nada indica que os autores destes documentos, e designadamente do correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, tenham dado uma interpretação pessoal dos factos ou que tivessem um interesse pessoal em alindar estes factos a fim de apresentar aos seus superiores um resultado conforme às expectativas deles, como ocorreu no caso no processo em que foi proferido o acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 161 supra (n.° 132), o qual foi evocado pela recorrente.

173    Em sexto lugar, no que respeita ao correio eletrónico de 16 de março de 2004, importa recordar que, através deste último, o responsável de vendas em França da E.ON comunicou a dois empregados da E.ON na Alemanha a realização de uma reunião que tinha tido com um empregado da recorrente (um seu antigo colega de escola) sobre as questões da cessão de gás em França e o eventual interesse da E.ON e da recorrente em explorar soluções que permitissem uma «concorrência razoável». De onde resulta que, embora a recorrente não tenha querido ter o ar de recear a pressão exercida pela autoridade nacional reguladora da energia, não a ignorava e não apreciou ser demasiado abertamente objeto de críticas e que, portanto, teria visto com bons olhos tudo o que pudesse ser feito para mostrar que os novos operadores podiam aceder à zona Sul de França. Daqui resulta igualmente que, dado que a recorrente pretendia satisfazer essa autoridade, o seu empregado sugeriu uma troca por força da qual a recorrente abasteceria a E.ON de gás na zona Sul de França, mediante contrapartida. A este respeito, este empregado tinha a intenção de abordar, segundo o correio eletrónico, sobretudo as questões que envolviam a MEGAL. Resulta igualmente desse correio eletrónico que o empregado da recorrente indicou que, segundo o seu conhecimento do acordo MEGAL, todas as capacidades da MEGAL existentes em Medelsheim estavam reservadas pela recorrente, de modo que, de facto, mesmo os volumes que a E.ON importava, a essa data, eram ilegais.

174    No caso em apreço, em primeiro lugar, contrariamente ao que pretende a recorrente, nenhum elemento permite considerar que este correio eletrónico seja apenas o reflexo dos sentimentos pessoais do seu autor. Com efeito, resulta claramente do teor deste documento que o referido autor, o responsável de vendas da E.ON em França, pretende prestar contas aos responsáveis alemães da E.ON em França das informações que recebeu num encontro privado com um empregado da recorrente e não da sua própria interpretação das afirmações feitas. Estas afirmações parecem de facto refletir a posição da recorrente e não a do seu empregado presente no encontro em causa. De resto, este teve lugar a pedido do empregado da recorrente que queria ter uma conversa antes de uma reunião de alto nível que deveria realizar‑se ulteriormente entre as empresas em causa e que era relativa a problemas que diziam diretamente respeito à recorrente, a saber, as questões da cessão de gás em França e o eventual interesse das empresas em causa em explorar soluções que permitissem uma «concorrência razoável». Acresce que as afirmações relatadas são suficientemente explícitas e detalhadas, pelo que não existe qualquer equívoco em relação à sua interpretação. Não era portanto necessário que este documento, para ser tido em conta, fosse transmitido à recorrente, a fim de que esta pudesse distanciar‑se do mesmo, hipótese mencionada no acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 161 supra, a qual foi invocada pela recorrente. De resto, como será referido no n.° 225 infra, a recorrente sustenta sem razão que resulta deste último acórdão que uma ata de reunião constituída por uma nota puramente interna que não lhe foi divulgada até ao processo administrativo tem um valor probatório extremamente fraco.

175    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a verosimilhança das afirmações relatadas estava sujeita a garantia. No entanto, não avança nenhum elemento na petição para sustentar esta alegação e limita‑se a remeter para a sua resposta à comunicação de acusações. Ora, ainda que o corpo da petição possa ser sustentado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais devem constar da petição (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de março de 1992, Comissão/Dinamarca, C‑52/90, Colet., p. I‑2187, n.° 17, e despacho do Tribunal Geral de 21 de maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colet., p. II‑1703, n.° 49). Não sendo fundamentada por nenhum outro elemento na petição, a alegação da recorrente deve ser rejeitada. De resto, atendendo à qualidade do seu autor e da pessoa que as relatou, bem como ao seu conteúdo, e designadamente à sua precisão, estas afirmações parecem ser reais, sensatas e fiáveis.

176    Em terceiro lugar, em qualquer caso, este documento, que se refere de resto explicitamente aos «acordos MEGAL», corrobora as conclusões que podem ser extraídas de outros documentos nos quais a Comissão se apoia para concluir pela existência de um acordo de repartição dos mercados alemão e francês do gás. Assim, contrariamente ao que pretende a recorrente, este documento é suscetível de ser invocado a fim de provar a infração em causa. Por conseguinte, importa rejeitar a sua argumentação a respeito do mesmo.

177    Em sétimo lugar, quanto aos documentos adicionais tidos em conta após a comunicação de acusações, a recorrente limita‑se a afirmar que demonstrou a sua imprecisão e a sua ambiguidade, sem contudo indicar em que medida a Comissão cometeu um erro na sua interpretação. Em qualquer caso, há que constatar que a Comissão se limitou a citar estes documentos na nota de pé de página n.° 98 da decisão impugnada, a título de exemplos que permitiam igualmente sustentar, à semelhança de um correio eletrónico de 21 de julho de 2004 referido no considerando 102 da decisão impugnada, a sua afirmação segundo a qual documentos internos da recorrente demonstram que esta entendia que não podia retirar gás do gasoduto MEGAL em razão das disposições contratuais com a E.ON, embora tivesse considerado fazê‑lo. A argumentação da recorrente relativa a estes documentos adicionais deve ser, portanto, igualmente rejeitada.

178    Em oitavo lugar, há que rejeitar a argumentação da recorrente segundo a qual forneceu uma outra explicação coerente com os elementos considerados pela Comissão ou de que, na medida em que um elemento de prova carecer de clareza e dever ser objeto de uma interpretação, as partes são livres de substituírem por uma outra explicação plausível dos factos aquela a que a Comissão chegou. Com efeito, tal argumentação encontra o seu fundamento numa jurisprudência proferida a respeito de um caso em que a Comissão se apoia unicamente na conduta das empresas em causa no mercado para concluir pela existência de uma infração. Ora, no caso vertente, a Comissão invocou múltiplos elementos de prova para sustentar a sua declaração de existência de um acordo anticoncorrencial. De resto, a estes elementos não falta clareza e são suficientemente desprovidos de ambiguidade. Consequentemente, a jurisprudência invocada pela recorrente só pode ser pertinente no caso em apreço se a Comissão não conseguir demonstrar a existência da infração com base nas provas documentais por ela invocadas (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.os 186, 187 e jurisprudência referida). Ora, atendendo ao exposto, não é o que ocorre no caso em apreço, dado que os elementos apresentados pela Comissão, lidos em conjugação com o acordo MEGAL, os seus anexos e as notas de acompanhamento, eram suficientes para justificar a sua apreciação.

179    Por conseguinte, nenhum dos argumentos da recorrente permite pôr em causa a conclusão da Comissão segundo a qual tanto os documentos internos das empresas em causa como a trocas entre elas mostram que consideravam que a proibição imposta à recorrente de utilizar os pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha e a proibição feita à E.ON de fazer transitar gás pelo referido gasoduto em França eram obrigatórias. De resto, os indícios fornecidos a este respeito pela Comissão, considerados na sua totalidade, bastam para justificar a sua apreciação.

180    Daqui resulta que a segunda acusação deve ser rejeitada.

–       Sobre a terceira acusação

181    A recorrente sublinha que demonstrou por um lado, que as empresas em causa tinham oficial e explicitamente declarado as notas de acompanhamento obsoletas a partir da liberalização e que reiteraram por diversas vezes esta posição e, por outro lado, que estas empresas já não se consideravam vinculadas, desde essa data, por essas notas. Segundo ela, a Comissão não tomou em conta estes elementos ou apreciou‑os de maneira manifestamente errada.

182    Em primeiro lugar, tratando‑se da pretensa declaração do caráter obsoleto das notas de acompanhamento, importa recordar que a Comissão entendeu, no considerando 163 da decisão impugnada, que, quando os mercados europeus do gás foram abertos à concorrência, as empresas em causa não tinham posto fim ao acordo em causa e não tinham declarado as referidas notas explicitamente obsoletas.

183    Primeiramente, a recorrente alegou que a E.ON lhe enviou uma telecópia em 7 de janeiro de 2002 enumerando os acordos MEGAL e precisando o tratamento que lhes devia ser dado. Nesta indicava‑se, em particular, que as notas Direktion G e Direktion I deviam ser consideradas «obsoletas», o que demonstra que as empresas em causa consideravam oficialmente as notas de acompanhamento não obrigatórias no novo contexto regulamentar.

184    A este respeito, há antes de mais que salientar que a telecópia remetida pela E.ON à recorrente em 7 de janeiro de 2002 seguiu‑se a uma reunião entre as empresas em causa, que teve lugar em 14 de dezembro de 2001, a qual, segundo a recorrente, tinha por objeto inserir o acordo MEGAL no novo contexto regulamentar. Além disso, a página de rosto dessa telecópia indica que lhe está anexo um projeto de lista dos acordos existentes entre as empresas em causa e o tratamento a reservar às suas disposições respetivas no âmbito do conceito de «uso beneficiário». Uma lista das disposições do acordo MEGAL, dos seus anexos e das notas de acompanhamento, em que se incluem as notas Direktion G e Direktion I, figura em anexo à telecópia em causa. Este anexo refere, no cabeçalho de cada página, a menção «Nova estrutura MEGAL – Transformação do acordo de base e dos contratos relacionados num novo acordo de consórcio». A nota Direktion G é aí descrita como tendo por objeto os «compromissos de capacidade» das empresas em causa, tendo‑se colocado a questão de saber se pode ou não haver «acordos de transporte pela MEGAL com terceiros». A nota Direktion I é aí descrita como tendo por objeto o facto «de não haver fornecimento ou abastecimento pela [recorrente] na Alemanha». Relativamente ao tratamento a reservar a essas notas, a telecópia menciona, em relação à indicação dessas notas, o termo «obsoleto».

185    Lida no seu conjunto, e tendo em conta o seu contexto, há que considerar que, longe de indicar que as empresas em causa consideravam as notas Direktion G e Direktion I como sendo já obsoletas, a telecópia que a E.ON enviou à recorrente em 7 de janeiro de 2002, limita‑se a indicar que essas empresas se referiam ao caráter obsoleto dessas notas no contexto do novo acordo que estava em curso de negociação. Com efeito, a menção «obsoleta» indica que as empresas em causa consideravam que não era necessário introduzir essas cláusulas nesse novo acordo. Isto é confirmado pela circunstância de que, para as disposições cujo tratamento mencionado não é «obsoleto», se indica expressamente que devem ser integradas no novo acordo ou nos seus anexos, se necessário alterando‑os. Acresce que a página de rosto dessa telecópia indica que esta diz respeito a «acordos existentes». Foi portanto acertadamente que a Comissão entendeu, no considerando 80 da decisão impugnada, que essa telecópia se referia ao papel que essas notas de acompanhamento deveriam desempenhar no futuro no quadro do novo acordo MEGAL e do conceito de «uso beneficiário». A circunstância, evocada pela recorrente, segundo a qual a lista junta à telecópia em causa menciona outras notas de acompanhamento que, segundo ela, tinham caráter obsoleto à data da telecópia, não tem relevância a este respeito. Portanto, como a Comissão concluiu no considerando 80 da decisão impugnada, não pode ser deduzido da telecópia em questão que as empresas em causa consideravam as notas Direktion G e Direktion I obsoletas à data de envio daquela.

186    Em seguida, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual os elementos de prova posteriores à telecópia enviada pela E.ON à recorrente em 7 de janeiro de 2002, relativos à aplicação das notas de acompanhamento, são dotados de valor probatório insuficiente. Com efeito, na petição, a recorrente apenas se refere explicitamente, em apoio do referido argumento, ao correio eletrónico da E.ON de 21 de maio de 2002. Ora, as alegações respeitantes a este último já foram refutadas, como resulta do n.° 168, supra. De resto, supondo que, em apoio do referido argumento, a recorrente pretenda igualmente referir‑se aos documentos visados nos n.os 168 a 178 supra, basta constatar que as alegações que são relativas a estes foram rejeitadas nos referidos números.

187    Por último, contrariamente ao que pretende a recorrente, a Comissão não se contradisse ao afirmar que a interpretação da telecópia que a E.ON lhe enviou em 7 de janeiro de 2002 não era perfeitamente clara, ao mesmo tempo que efetuava uma interpretação incriminatória. Com efeito, embora tenha certamente reconhecido que a interpretação desta telecópia não era perfeitamente clara, a Comissão entendeu porém, com base no seu conteúdo, que a referida telecópia não permitia provar que as empresas em causa consideravam as notas de acompanhamento como obsoletas nessa data. De resto, não se pode considerar que, ao não acolher a interpretação da recorrente deste documento e ao reputar que este não demonstrava de maneira clara que as empresas em causa consideravam as notas de acompanhamento como obsoletas, a Comissão faz dele uma interpretação incriminatória. Ao proceder desta forma, a Comissão limitou‑se na realidade, no essencial, a refutar a posição da recorrente que invocava este documento para sua defesa.

188    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação de diversos elementos de facto que confirmam a sua interpretação da telecópia de 7 de janeiro de 2002. A este respeito, esta refere‑se, na petição, a um documento interno de 19 de dezembro de 2002, que coloca a questão de saber se não tinha automaticamente o direito de retirar gás do gasoduto MEGAL, mesmo sem mudar de estrutura, embora salientando que a E.ON não cessa de repetir que o titular de um contrato de trânsito pode utilizar o seu gás durante toda a extensão do caminho deste trânsito, e à ata de uma reunião que se realizou em 23 de junho de 2004, que indica designadamente que a E.ON confirma novamente que a recorrente já dispõe do direito de aceder a qualquer ponto de saída no gasoduto MEGAL desde que esteja disponível uma capacidade.

189    Ora, importa assinalar que estes documentos não são suscetíveis de sustentar a argumentação da recorrente. Com efeito, embora possa certamente resultar destes que a E.ON indicou, no essencial, que, sob certas condições, era possível dispor de direitos de saída no gasoduto MEGAL, não é menos verdade que decorre de documentos posteriores a estes, e designadamente de um correio eletrónico de 21 de julho de 2004, que a recorrente entendia que, nessa data, as suas possibilidades de saída de gás a partir do referido gasoduto estavam limitadas às quantidades compradas no âmbito do PCG e que não dispunha, fora dessas quantidades, de pontos de saída neste gasoduto. Resulta, com efeito, do referido correio eletrónico que a recorrente julgava que as vendas eram possíveis a partir de quaisquer pontos de saída deste gasoduto dentro do limite das quantidades de gás obtidas no âmbito do PCG. Para além deste limite, pensava que as vendas suplementares já não estavam ligadas às quantidades de gás obtidas pelo PCG e que, em relação a estas, os únicos pontos de entrada que podiam ser utilizados eram os de [confidencial]. Indicava‑se que os outros pontos de saída estavam excluídos na expectativa de um acordo global. Este correio eletrónico confirma, de resto, a posição expressa em diversos documentos que datam do primeiro semestre de 2004, e, portanto, posteriores ao documento de 19 de dezembro de 2002. Assim, resulta de notas manuscritas tomadas numa reunião de 28 de janeiro de 2004 que os pontos de saída do gasoduto MEGAL foram designados apenas pela E.ON, dado que a recorrente apenas faria o trânsito e que lhe era pedido que investisse para poder retirar gás. Decorre igualmente de uma nota da recorrente de 10 de maio de 2004 que, quanto aos pontos de entrada e de saída no gasoduto MEGAL, ela tinha, à data, apenas o direito de retirar «gás resultante dos leilões», designadamente gás comprado no âmbito do PCG, em qualquer ponto de entrada e de saída no referido gasoduto. Nessa nota, explicita‑se também claramente que o encaminhamento de gás [confidencial] até aos clientes finais na Alemanha através de um ponto de saída no gasoduto MEGAL não era realizável à data, dado que a recorrente não dispunha de tais pontos de saída deste gasoduto a oeste. Do mesmo modo, na ata de uma reunião Tour d’horizon de 27 de maio de 2004, assinala‑se que o representante da recorrente indicou que não estava a par do processo, mas que tinha sabido que a recorrente pretendia fornecer gás no Sul da Alemanha a partir do gasoduto MEGAL, o que não teria ocorrido se esta já beneficiasse de direitos de saída. Por último, relativamente mais em particular ao documento de 19 de dezembro de 2002, resulta de uma leitura de conjunto deste documento que o mesmo evoca as possíveis evoluções dos direitos da recorrente no futuro quadro contratual relativo ao gasoduto MEGAL. Não pode, ao invés, deduzir‑se deste que a recorrente julgava dispor com certeza de direitos de saída sobre este gasoduto, nem por maioria de razão que considerava as notas de acompanhamento obsoletas.

190    Além disso, os elementos referidos pela recorrente colidem com as disposições contratuais do anexo 2 do acordo MEGAL que não lhe conferia direitos de saída no gasoduto MEGAL na Alemanha, a menos que as empresas em causa decidissem outra coisa, nada indicando que, nessa data, tivessem sido revogadas, ou que as referidas empresas tivessem acordado formalmente alterá‑las.

191    Nestas condições, importa rejeitar a argumentação da recorrente relativa a um erro de apreciação de diversos elementos de facto que confirmam a sua interpretação da telecópia de 7 de janeiro de 2002.

192    Em segundo lugar, quanto ao comportamento da recorrente que prova que esta não se considerava vinculada pelas notas de acompanhamento, importa sublinhar que a Comissão assinalou, no considerando 163 da decisão impugnada, que nem as estratégias de vendas internas das duas empresas no mercado nacional da outra parte, nem as vendas efetivas de gás nestes mercados forneciam a prova que afastasse a conclusão de que estas tinham mantido o seu acordo de repartição de mercados.

193    A este respeito, a recorrente objeta que a Comissão violou o artigo 81.° CE e o seu dever de fundamentação, ao não ter tomado em consideração as provas que atestam propostas a clientes situados no Sul da Alemanha para entregas de gás a partir do gasoduto MEGAL. Segundo esta, estas propostas demonstram a falta de um encontro de vontades após a liberalização.

194    Cumpre, porém, rejeitar tal objeção.

195    Com efeito, relativamente, desde lodo, à fundamentação, há que observar que, a fim de concluir pela afirmação que consta do considerando 163 da decisão impugnada, a Comissão indicou, designadamente no considerando 73 da referida decisão, que a recorrente só vendeu gás na Alemanha a partir de 2001 e de maneira muito limitada. Com efeito, de acordo com a tabela que consta do referido considerando, as quotas de mercado da recorrente na Alemanha foram de [confidencial]. Segundo este mesmo quadro, só vendeu gás proveniente do gasoduto MEGAL a partir de 2004, para abastecer [confidencial]. Além disso, a Comissão assinalou, no considerando 101 da decisão impugnada, que os abastecimentos provenientes do referido gasoduto MEGAL correspondiam a uma parte relativamente mínima das vendas totais da recorrente na Alemanha e que os volumes de gás vendidos a partir deste gasoduto na Alemanha entre 2004 e setembro de 2005 eram quase exclusivamente volumes de gás comprados pela recorrente à E.ON no âmbito do PCG. Nestas condições, importa considerar que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada. Importa contudo assinalar que a decisão impugnada não se refere explicitamente, a esse respeito, às propostas feitas pela recorrente a clientes no Sul da Alemanha relativamente a fornecimentos a partir do gasoduto MEGAL. No entanto, constitui jurisprudência constante que a Comissão, embora, por força do artigo 296.° TFUE, seja obrigada a fundamentar as suas decisões mencionando os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e as considerações que a levaram a tomar a sua decisão, não é obrigada a discutir todos os pontos de facto e de direito que tenham sido suscitados no decurso do procedimento administrativo (acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 1991, DSM/Comissão, T‑8/89, Colet., p. II‑1833, n.° 257, e de 19 de maio de 1994, Air France/Comissão, T‑2/93, Colet., p. II‑323, n.° 92).

196    Em seguida, quanto à justeza da afirmação que figura no considerando 163 da decisão impugnada, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão violou o artigo 81.° CE ao não ter tido em conta as suas propostas. Com efeito, [confidencial]. Acresce que atendendo aos elementos invocados no n.° 197, infra, dos quais resulta que, pelo menos até à segunda metade do ano de 2003, a própria recorrente absteve‑se de proceder a vendas a partir do gasoduto MEGAL no Sul da Alemanha, a pertinência das propostas evocadas pela recorrente deve ser relativizada, na medida em que dizem respeito a este período. Por último, dado que se referem à Alemanha, estas propostas não são suscetíveis de afetar a afirmação da Comissão, na medida em que esta diz respeito ao mercado francês. Nestas condições, a existência de propostas da parte da recorrente não é, enquanto tal, suscetível de demonstrar nem a inexatidão da afirmação da Comissão nem a falta de acordo ou de um encontro de vontades entre as empresas em causa.

197    Em terceiro lugar, relativamente às dificuldades encontradas pela recorrente para extrair gás do gasoduto MEGAL, importa, a título liminar, observar que, contrariamente ao que pretende a recorrente, a Comissão não entendeu [confidencial]. Com efeito, esta afirmação enunciada no considerando 144 da decisão impugnada não figura na apreciação da Comissão, mas no resumo dos argumentos das empresas em causa. Em seguida, importa sublinhar que os entraves ao desenvolvimento da recorrente no sul da Alemanha não resultam unicamente de uma questão de ATR, [confidencial], mas igualmente de um comportamento voluntário da sua parte. Com efeito, há que recordar que, na ata da reunião realizada em 23 de maio de 2002, observa‑se que a recorrente não previa vender gás do gasoduto MEGAL no Sul da Alemanha. Do mesmo modo, resulta de uma nota de briefing da recorrente de 29 de agosto de 2003 que esta, a partir de 2001, não previu extrair gás do gasoduto MEGAL a fim de o comercializar no Sul da Alemanha, mercado mais valorizado da E.ON. Importa igualmente recordar que decorre de um correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003 que a recorrente parecia convencida a dever comportar‑se bem na sua abordagem do mercado alemão e que, ainda que pudesse tentar vender gás na zona da E.ON, fá‑lo‑ia mais para se informar sobre o mercado do que para efetuar um ataque frontal direto. Por último, e em qualquer caso, o facto de [confidencial] não pode pôr em causa a existência da infração em causa na medida em que esta se baseia no acordo MEGAL, nos seus anexos e nas notas de acompanhamento. O argumento assente no processo COMP/39.317 – E.ON Gas, relativo ao comportamento, é portanto inoperante. [confidencial]

198    Em quarto lugar, quanto à evolução das vendas da E.ON em França, resulta do considerando 73 da decisão impugnada que a E.ON só começou a vender gás em França em 2003 e de maneira muito limitada. Com efeito, na tabela do referido considerando, menciona‑se que as quotas de mercado da E.ON em França foram de 0,05% em 2003, de 0,21% em 2004 e de 0,5% em 2005 e que os clientes foram designadamente três, quatro e oito durante estes anos. Além disso, ainda que as vendas da E.ON tenham crescido regularmente desde 2003, não é menos verdade que estas permaneceram num nível extremamente baixo e diziam respeito a um número muito limitado de clientes. Resulta ainda da nota de briefing interna da E.ON com vista à reunião Tour d’horizon de 20 de dezembro de 2001, evocada no considerando 116 da decisão impugnada, que a E.ON pretendia indicar à recorrente, nessa reunião, que um escritório de venda, cuja missão era mostrar a presença da E.ON em França e não fazer uma irrupção agressiva no mercado francês, tinha sido aberto em Paris. Além disso, decorre da nota de briefing da E.ON com vista à reunião Tour d’horizon de 2 de julho de 2004, que a E.ON não agiu deliberadamente no mercado francês até ao verão de 2003. Decorre igualmente da ata da recorrente da reunião de 27 de maio de 2004 que o limite oeste de intervenção da E.ON na Europa continental era a fronteira oeste da Alemanha e que a E.ON não tinha interesse significativo designadamente pela França. Nestas condições, há que considerar que as vendas da E.ON em França não são suscetíveis de demonstrar que esta não se julgava vinculada pelas notas de acompanhamento. As pretensas razões industriais do fraco desenvolvimento da E.ON, a pretensa política comercial agressiva em França e os resultados obtidos ou o facto de a evolução destas vendas não ter conhecido rutura a partir de 2005 não podem pôr em causa as provas documentais que atestam explicitamente a vontade da E.ON de limitar a sua entrada no mercado francês do gás.

199    Cumpre porém sublinhar que esta conclusão só é válida, relativamente ao mercado francês, até ao acordo de 2004, pelo qual as empresas em causa declararam que as notas de acompanhamento eram «nulas e de nenhum efeito». A situação relativa ao período posterior a esta data será examinada no âmbito da terceira parte do quarto fundamento (v. n.os 367 a 378 infra).

200    Resulta do precedente que, com a referida reserva, a terceira acusação deve ser afastada.

–       Sobre a primeira acusação

201    A recorrente alega que, ao considerar que as notas de acompanhamento continuavam a ser aplicadas posteriormente à liberalização, a Comissão violou o princípio da presunção da inocência. Segundo ela, a Comissão devia, ao contrário, presumir o «abandono» destas notas a contar de agosto de 2000, sem mesmo exigir a prova da sua revogação oficial pelas empresas em causa a contar dessa data.

202    A este respeito, importa recordar que o princípio da presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente, do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são protegidos na ordem jurídica da União. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções aplicáveis, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos atinentes a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdãos do Tribunal Geral, JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 178, e de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colet., p. II‑897, n.° 115 e jurisprudência referida).

203    O princípio da presunção de inocência implica que qualquer pessoa acusada se presume inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente provada (acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, Colet., p. II‑4065, n.° 106).

204    No caso em apreço, importa antes de mais recordar que, como já foi sublinhado designadamente no n.° 142, supra, resulta da decisão impugnada que as empresas em causa concluíram, em 1975, um acordo escrito de repartição de mercados, constituído pelo acordo MEGAL, os seus anexos e as notas de acompanhamento, e que consistia em não penetrar – ou em penetrar de forma limitada – no mercado nacional uma da outra e, assim, em proteger os seus mercados nacionais não vendendo no mercado nacional da outra parte o gás transportado pelo gasoduto MEGAL. Nenhum dos argumentos avançados pela recorrente permite, como resulta da totalidade do presente acórdão, pôr em causa esta constatação. Deve igualmente ser lembrado que, como decorre do n.° 143, supra, nenhum elemento permite demonstrar que este acordo tenha sido revogado anteriormente a 1999, ou a 2000, e que o facto de que, após o exame da primeira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral tenha anulado o artigo 1.° da decisão impugnada na medida em que este declara a existência de uma infração cometida na Alemanha anteriormente a 1998 não põe em causa, enquanto tal, a existência do acordo de repartição de mercados, mas a data do início do seu caráter de infração.

205    Resulta ainda do exame da segunda e terceira acusações invocadas em apoio da presente parte que nenhum elemento permitiu pôr em causa as considerações que figuram no considerando 163 da decisão impugnada segundo as quais, por um lado, as empresas em causa não puseram oficialmente fim a esse acordo e não o declararam explicitamente obsoleto e, por outro, que nem as estratégias de vendas internas das duas empresas no mercado nacional da outra parte, nem as suas vendas de gás nestes mercados fornecem a prova que afastasse a conclusão de que estas mantiveram o seu acordo de repartição de mercados.

206    Nestas condições, há que considerar que, contrariamente ao pretendido pela recorrente, foi sem cometer um erro que a Comissão não presumiu o «abandono» das notas de acompanhamento a contar de agosto de 2000.

207    Quanto à jurisprudência evocada pela recorrente no âmbito da presente acórdão, a mesma não é pertinente. Com efeito, contrariamente aos factos que estiveram na origem do acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 1995, Solvay/Comissão (T‑30/91, Colet., p. II‑1775), a Comissão dispunha, no caso em apreço, de provas diretas da existência do alegado acordo e/ou da alegada prática concertada após agosto de 2000, que permitiam demonstrar que as empresas em causa se consideravam ainda vinculadas pelo acordo de repartição de mercados concluído em 1975. Estas foram designadamente examinadas nos considerandos 61 a 136 da decisão impugnada. Estas provas, das quais algumas fazem referência às notas de acompanhamento, assentam em particular em trocas de correspondência ou de atas de reuniões entre as empresas em causa, bem como em documentos internos destas, alguns dos quais se referem a reuniões entre as referidas empresas. Ora, como resulta do exame da segunda e terceira acusações da presente parte, a recorrente não demonstrou nem a falta de valor probatório destes elementos de prova nem que a Comissão considerou erradamente que as empresas em causa não tinham «abandonado» as notas de acompanhamento após o ano 2000. Quanto à falta de provas da existência de uma prática ilícita entre 1980 e 1999, a pertinência desta circunstância foi refutada no âmbito do exame da terceira parte do primeiro fundamento. Por conseguinte, a Comissão demonstrou adequadamente a existência do acordo inicial e do prosseguimento ulterior deste e que, contrariamente às circunstâncias do processo em que foi proferido o acórdão Solvay/Comissão, já referido, não utilizou acordos antigos como meios de prova para demonstrar a existência de uma infração posterior.

208    Resulta do exposto, no seu conjunto, que a primeira acusação deve ser igualmente rejeitada.

209    Dado que nenhuma das acusações apresentadas para sustentar a segunda parte foi acolhida, importa julgá‑la improcedente na sua totalidade.

b)     Quanto à terceira parte

210    No âmbito da presente parte, a recorrente alega que a Comissão interpretou as reuniões e as trocas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005 de modo errado e que a decisão impugnada está por isso viciada de erro manifesto de apreciação.

211    A este respeito, há que recordar que uma prática concertada refere‑se a uma forma de coordenação entre empresas que, sem ter sido levada até ao ponto da realização de um acordo propriamente dito, substitui cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas. Os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma prática concertada devem ser interpretados à luz da conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colet., p. 563, n.° 26, e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colet., p. I‑1307, n.° 63, e de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colet., p. I‑3111, n.° 86).

212    Se é exato que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente à atuação conhecida ou prevista dos seus concorrentes, opõe‑se todavia rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos diretos ou indiretos entre tais operadores, que possa quer influenciar a atuação no mercado de um concorrente atual ou potencial, quer permitir a esse concorrente descobrir a atuação que decidiu adotar ou planeia adotar nesse mercado, quando esses contactos tenham por objetivo ou efeito originar condições de concorrência que não correspondam às condições normais do mercado em causa, atendendo à natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, à importância e ao número das empresas e ao volume do referido mercado (v., neste sentido, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, n.° 211 supra, n.° 174, e Deere/Comissão, n.° 211 supra, n.° 87).

213    Resulta da jurisprudência que, num mercado oligopolístico fortemente concentrado, a troca de informações é suscetível de permitir às empresas conhecer as posições no mercado e a estratégia comercial dos seus concorrentes e, deste modo, de alterar sensivelmente a concorrência que existe entre os operadores económicos (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., p. I‑4529, n.° 34).

214    Daqui decorre que a troca de informações entre concorrentes é suscetível de infringir as regras da concorrência quando atenua ou suprime o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo por consequência a restrição da concorrência entre empresas (v. acórdãos do Tribunal de Justiça Deere/Comissão, n.° 211 supra, n.° 90, e de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, Colet., p. I‑10821, n.° 81).

215    Por último, importa relembrar que, segundo jurisprudência assente, para provar de forma suficiente a participação de uma empresa num cartel, basta que se demonstre que a empresa em causa participou em reuniões no decurso das quais foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem se lhes ter manifestamente oposto. A partir do momento em que a participação nessas reuniões foi demonstrada, incumbe a essa empresa apresentar indícios suscetíveis de provar que participou nas referidas reuniões sem espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa ótica diferente da deles (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 81).

216    É atendendo a estas considerações que importa examinar as duas acusações invocadas pela recorrente para sustentar a presente parte, destinadas no essencial, a contestar a apreciação da Comissão relativamente à existência de uma prática concertada, por um lado, de repartição dos mercados alemão e francês do gás em relação com as notas de acompanhamento, e por outro, de troca de informações sensíveis entre os concorrentes.

–       Sobre a primeira acusação

217    A recorrente afirma que as reuniões e as trocas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005 não permitem demonstrar a existência de uma prática concertada, por um lado, de repartição dos mercados alemão e francês do gás em relação com as notas de acompanhamento, e por outro, de troca de informações sensíveis entre os concorrentes.

218    A este respeito, cabe assinalar que, no considerando 163 da decisão impugnada, a Comissão entendeu que as reuniões entre as empresas em causa prosseguiam o mesmo objetivo que as notas de acompanhamento, designadamente repartir os mercados e limitar o acesso ao seu mercado ao que julgavam estritamente necessário.

219    A recorrente contesta esta afirmação alegando que a Comissão não a demonstrou de forma bastante. Invoca no essencial, quatro argumentos a esse respeito.

220    Em primeiro lugar, relativamente ao argumento da recorrente segundo o qual os documentos mencionados pela Comissão em apoio da suas alegações têm apenas um valor probatório extremamente fraco, há que recordar, a título liminar, que, mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre operadores, como as atas de reuniões, esses documentos são normalmente fragmentados e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores. Por conseguinte, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 215 supra, n.° 57). Importa igualmente recordar que, como resulta da jurisprudência referida no n.° 161 supra, para apreciar o valor probatório de um documento, é necessário verificar a verosimilhança da informação nele contida e ter em conta, nomeadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração e o seu destinatário, bem como perguntar se, em função do seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno.

221    No caso em apreço, há que rejeitar por ser inoperante a alegação da recorrente segundo a qual não foi apresentada nenhuma «prova direta» da prática concertada em causa. Com efeito, dado que as atividades que as práticas e acordos anticoncorrenciais implicam decorrem clandestinamente, que as reuniões se realizam secretamente e que a documentação que lhes diz respeito é reduzida ao mínimo (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 215 supra, n.° 55), não se pode exigir à Comissão que se funde necessariamente em provas diretas dessas práticas e acordos. Resulta de resto da jurisprudência citada no n.° 220 supra, que, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência. Em qualquer caso, a alegação em causa deve ser rejeitada por ser infundada. Com efeito, como resulta da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se em numerosas notas internas ou atas de reuniões entre as empresas em causa, cujas reuniões Tour d’horizon organizadas diversas vezes por ano entre dirigentes das referidas empresas, que devem ser consideradas provas diretas das práticas em causa. Decorre com efeito destes documentos e, designadamente dos referidos no considerando 180 da decisão impugnada, que, nas diversas reuniões, as empresas em causa coordenavam as suas ações com vista a repartir entre si os mercados alemão e francês do gás.

222    Em segundo lugar, a argumentação da recorrente relativamente aos documentos que refletem pretensamente a autonomia das estratégias das empresas em causa será refutada nos n.os 259 a 269 infra.

223    Em terceiro lugar, a alegação da recorrente segundo a qual os elementos apresentados pela Comissão, frequentemente gerais, não se referem, quanto à sua «maioria», à infração em causa deve ser afastada. Com efeito, a mesma é inoperante dado que a recorrente não pretende que nenhum dos documentos invocados pela Comissão tem relação com a infração em causa e se limita a evocar, a este respeito, a «maioria» dos elementos apresentados pela Comissão. Em qualquer caso, tal alegação não é procedente. Com efeito, cumpre recordar que o facto de um documento só fazer referência a alguns dos factos evocados noutros elementos de prova não basta para obrigar a Comissão a afastar esse documento do conjunto dos indícios de acusação (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 238). Além disso, mesmo que certos documentos não digam diretamente respeito à repartição de mercados efetuada pelas empresas em causa, estes permitem, contudo, corroborar a existência desta repartição e ilustrar as relações de colusão mantidas entre estas empresas. Em qualquer caso, alguns dos documentos citados pela Comissão referem‑se diretamente à infração em causa. Tal é designadamente o caso da ata da E.ON relativa a uma reunião de 23 de maio de 2002 da qual resulta, como se assinalou no n.° 197 supra, que a recorrente indicou à E.ON que não tinha a intenção, à data, de vender gás a partir do gasoduto MEGAL no Sul da Alemanha. O mesmo a respeito da ata relativa à reunião Tour d’horizon de 29 de março de 2004, evocada pela recorrente, da qual decorre que esta pretendia participar no PCG, por recear que o gás russo caísse «em más mãos» e que se desenvolvesse uma concorrência adicional ao longo do gasoduto MEGAL. Quanto ao caráter geral das informações em causa, deve sublinhar‑se que seria demasiado fácil para uma empresa culpada de uma infração escapar a uma sanção se pudesse usar como argumento o caráter vago das informações apresentadas em relação ao funcionamento de um acordo ilícito numa situação em que a existência do acordo e o seu objetivo anticoncorrencial estão contudo suficientemente demonstrados (v., neste sentido, e por analogia, acórdão (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 203), como ocorre no caso em apreço.

224    Em quarto lugar, o facto de os elementos diversos das notas de acompanhamento nos quais assenta a decisão impugnada não serem documentos comuns ou trocados entre as empresas em causa, mas documentos internos das referidas empresas, não é pertinente. Com efeito, importa assinalar desde logo que, na decisão impugnada, a Comissão indicou que dispunha igualmente de elementos de prova «não internos», os quais foram evocados na nota de pé de página n.° 199, cuja pertinência a recorrente não pôs validamente em causa. Em qualquer caso, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral de direito comunitário proíbem a Comissão de invocar, contra uma empresa, declarações de outras empresas incriminadas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da correta aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado CE (v. acórdãos do Tribunal Geral, JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 192 e jurisprudência referida; e de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, T‑54/03, não publicado na Coletânea, n.° 57 e jurisprudência aí referida). O mesmo se diga relativamente a documentos internos de outra empresa incriminada. Com efeito, as atas internas que foram encontradas durante um controlo efetuado nas instalações de uma empresa incriminada podem ser utilizadas como prova contra outra empresa incriminada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 24 de outubro de 1991, Atochem/Comissão, T‑3/89, Colet., p. II‑1177, n.os 31 a 38, e de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, Colet., p. II‑5257, n.° 91). Além disso, tendo em conta a própria natureza das práticas em causa e as resultantes dificuldades relativas à produção da prova, conforme recordadas no n.° 221 supra, a Comissão não poderia ser obrigada a basear‑se necessariamente em documentos trocados ou comuns às empresas em causa. Por conseguinte, pode basear‑se em documentos internos das empresas em causa, desde que estes permitam demonstrar a existência de uma infração.

225    Quanto ao acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 161 supra, no qual a recorrente se apoia no âmbito da sua argumentação, não se pode deduzir deste que, de forma geral, um documento interno de uma empresa que não foi objeto de divulgação a outra empresa, teria por este motivo um valor probatório fraco. Isso não decorre explicitamente deste acórdão e é, de qualquer modo, contrariado pelos acórdãos Atochem/Comissão e Ventouris/Comissão, n.° 224 supra. Assim, no acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 161 supra, declarou‑se apenas que a ata em causa nesse processo era uma nota puramente interna que não foi divulgada às recorrentes nesse processo até ao procedimento administrativo, pelo que não tiveram a possibilidade de se distanciar em relação ao seu conteúdo. Esta circunstância constitui porém apenas um dos elementos tidos em conta neste acórdão para considerar que esta ata era somente um indício que permitia suspeitar da existência de uma concordância de vontades. Diversamente do processo que deu origem a este acórdão, a Comissão apresentou, no caso em apreço, múltiplos documentos emanados tanto da recorrente como da E.ON, que corroboram, sem equívocos, a existência das práticas em causa.

226    Por último, relativamente ao facto de a Comissão se ter baseado em documentos internos, como notas de briefings, de caráter preparatório em relação aos quais nada prova que o conteúdo tenha sido trocado nas reuniões a que se referem, há que observar que, embora esta circunstância possa conduzir a relativizar o valor probatório destes documentos, não pode impedir a Comissão de os invocar como elementos de acusação para corroborar as suas conclusões fundadas noutros documentos. Com efeito, o facto de as empresas em causa entenderem abordar certos assuntos ligados à repartição dos mercados entre elas constitui, em si mesmo, um indício de que essa repartição existia verdadeiramente (v., neste sentido e por analogia, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 231). Estes documentos não são, portanto, desprovidos de valor probatório e são, portanto, contrariamente ao que pretende a recorrente, pertinentes.

227    Em quinto lugar, há que rejeitar a alegação da recorrente segundo a qual os documentos em que assenta a decisão impugnada contêm apenas, na sua maioria, análises e apreciações pessoais e subjetivas, emanadas de empregados de nível mais ou menos elevado e nem sempre habilitados a representar ou a vincular a empresa. Com efeito, a Comissão não se fundou unicamente em tais documentos, mas igualmente em atas de reuniões Tour d’horizon que reuniam os dirigentes das empresas em causa. A recorrente não demonstrou, além disso, que a Comissão apenas se teria baseado em tais documentos, limitando‑se a evocar a «maioria» destes, sem citar precisamente aqueles a que se pretendia referir. De resto, supondo que, com a sua alegação, a recorrente se refere ao correio eletrónico de 16 de março de 2004, importa lembrar que o valor probatório deste já foi confirmado no n.° 174, supra. Além disso, supondo que se refere ao correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, que relata um encontro de ordem privada entre um dos seus empregados e um empregado da E.ON, resulta claramente deste que, nesse encontro, o empregado da recorrente pretendia transmitir ao da E.ON certas informações suscetíveis de apresentar um interesse, tanto para a recorrente como para a E.ON, em relação às ambições da recorrente na Alemanha. Acresce que, relativamente ao caráter detalhado, ao teor e à qualidade do autor das afirmações relatadas neste correio eletrónico, estas parecem ser inteiramente plausíveis e refletir com objetividade o conteúdo da troca. Por último, este documento corrobora claramente a existência de uma repartição de mercados, uma vez que dele decorre, designadamente, que a recorrente parecia convencida a dever comportar‑se bem na abordagem do mercado alemão e que ainda que pudesse tentar vender gás na zona da E.ON, fá‑lo‑ia mais para se informar sobre o mercado do que para efetuar um ataque frontal direto.

228    Em sexto lugar, a alegação da recorrente segundo a qual os elementos nos quais a Comissão se baseia não têm ligação entre eles, deve ser igualmente afastada. Com efeito, a recorrente limita‑se a afirmar que a temática abordada varia de documento para documento sem avançar elementos que permitam considerar que a análise de conjunto a que a Comissão procedeu está manifestamente errada. Além disso, como resulta da jurisprudência referida no n.° 220 supra, a Comissão deve frequentemente basear‑se num determinado número de coincidências e de indícios. No entanto, não se pode exigir que os documentos em que se apoia a este respeito apresentem sistematicamente um nexo temático entre si. O importante é assim que os elementos de prova utilizados pela Comissão sejam suficientemente precisos e concordantes para fundar a firme convicção da existência da infração alegada. Com efeito, basta que as coincidências e os indícios nos quais a instituição se baseia, considerados no seu todo, permitam demonstrar a violação das regras da concorrência. Em qualquer caso, como já se assinalou, no caso em apreço, a Comissão beneficiava não apenas dos indícios e das provas práticas em causa, mas também do acordo escrito que constitui a base destas, cuja revogação a recorrente não demonstrou.

229    Nestas condições, importa rejeitar o argumento da recorrente relativo ao fraco valor probatório dos documentos nos quais assenta a decisão impugnada.

230    Em segundo lugar, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual as reuniões e as trocas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005 não permitem evidenciar uma concordância de vontades entre elas com vista a repartir os mercados alemão e francês do gás, no espírito das notas de acompanhamento, há que recordar que a argumentação da recorrente a respeito dos documentos relativos às reuniões e trocas de 4 de fevereiro de 1999, de 24 de junho de 1999, de 23 de maio de 2002, de 27 de fevereiro de 2003, de 19 de fevereiro de 2004 e de 16 de março de 2004 foi refutada no âmbito do exame do presente fundamento. Ora, atendendo ao seu conteúdo, estes elementos permitem, por si só, demonstrar a existência de uma concordância de vontades entre as referidas empresas no contexto da infração em causa. Por conseguinte, a referida argumentação pode ser afastada apenas nessa base.

231    A título acessório, impõe‑se concluir, de qualquer forma, que, como resulta dos n.os 232 a 238 infra, a argumentação da recorrente destinada a contestar as considerações da Comissão que constam dos considerandos 114 a 122 da decisão impugnada, segundo as quais as empresas em causa se comprometeram a não adotar um comportamento agressivo e por vezes criticavam as vendas ou os preços uma da outra, não é fundada.

232    Com efeito, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão não parece ter interpretado de maneira errada os documentos em que se apoiou, designadamente a nota de briefing da E.ON relativa à reunião Tour d’horizon de 20 de dezembro de 2001, a nota de briefing interna da recorrente de 29 de agosto de 2003 relativa à reunião de 2 de setembro de 2003, a ata da E.ON relativa à reunião Tour d’horizon de 29 de março de 2004, a ata da E.ON relativa à reunião Tour d’horizon de 27 de maio de 2004 e a nota de briefing da E.ON relativa à reunião de 2 de julho de 2004. Nenhum elemento apresentado pela recorrente permite com efeito pôr em causa as afirmações da Comissão baseadas nestes documentos.

233    Em relação, antes de mais, à afirmação da Comissão, que consta do considerando 115 da decisão impugnada, segundo a qual o acordo de repartição de mercados foi conservado enquanto se considerava que uma entrada limitada e controlada de cada empresa no mercado nacional da outra parte era preferível à concorrência exercida pelos novos operadores e constituía um meio de mostrar às autoridades que uma determinada concorrência se desenvolvia no mercado, a recorrente não pode refutá‑la mediante uma crítica da ata relativa à reunião Tour d’horizon de 29 de março de 2004. Com efeito, esta ata não serviu à Comissão para provar essa afirmação, dado que esta foi baseada, a este respeito, numa nota interna da recorrente de 24 de setembro de 2002, que indica designadamente, como resulta do referido considerando, que os grandes operadores alemães necessitam de álibis na Alemanha para mostrar que o mercado está aberto e que as empresas em causa podem ter um interesse comum em concluir um deal de forte conteúdo estratégico que lhes permita trocar posições na Europa. Do mesmo modo, contrariamente ao que pretende a recorrente, a Comissão não entendeu que a vontade desta de se desenvolver na Alemanha prioritariamente através de um crescimento externo, o que atesta a ata em causa, estivesse ligada à existência de um cartel com a E.ON. A argumentação da recorrente a este respeito, é, portanto, inoperante.

234    Em qualquer caso, esta argumentação não é procedente. Resulta com efeito da ata relativa à reunião Tour d’horizon de 29 de março de 2004 que a recorrente pretendia participar no PCG por temer designadamente que uma concorrência adicional se desenvolvesse ao longo do gasoduto MEGAL, o que apresenta uma ligação, contrariamente ao que sustenta a recorrente, com a infração em causa. Quanto à alegação da recorrente segundo a qual a referida ata revela a sua vontade de se desenvolver na Alemanha sem afetar os interesses da E.ON, cumpre assinalar que, supondo que fosse esse o caso, esta ata testemunha contudo igualmente a sua vontade de controlar o nível da concorrência. O facto de que a recorrente tenha participado o seu descontentamento à E.ON na sequência do insucesso da sua tentativa de aquisição da participação da E.ON em [confidencial] e a sua intenção de se desenvolver na Alemanha através de participações externas não permite pôr em causa esta constatação. Foi portanto sem errar que a Comissão deduziu desta ata, no considerando 98 da decisão impugnada, que a recorrente tinha tentado construir um consenso com a E.ON a propósito do objetivo comum que consiste em evitar que gás [confidencial] vendido no PCG seja comprado por terceiros concorrentes das empresas em causa ao longo do gasoduto MEGAL.

235    Tratando‑se, em seguida, da afirmação da Comissão, que figura no considerando 116 da decisão impugnada, segundo a qual a E.ON não deixou de tranquilizar a recorrente relativamente ao facto de não ter a intenção de concorrer no mercado francês de forma agressiva, há que salientar, em relação à nota de briefing da E.ON relativa à reunião Tour d’horizon de 20 de dezembro de 2001 e à ata da E.ON relativa à reunião Tour d’horizon de 27 de maio de 2004 nas quais a Comissão se apoiou, que a referida afirmação não está incorreta. Com efeito, no que respeita à nota de briefing, o facto de este documento não ser confirmado por uma troca de correspondência entre as empresas em causa ou por um documento interno da recorrente não é relevante no caso em apreço, como decorre da jurisprudência evocada no n.° 224 supra. Além disso, mesmo se nada permite provar que a E.ON indicou efetivamente à recorrente que o papel do escritório de vendas que acabava de abrir em Paris era mostrar a sua presença e não fazer uma irrupção agressiva no mercado, não é menos verdade que esta nota preparatória demonstra claramente que a E.ON tinha intenção de tranquilizar a recorrente sobre a sua estratégia comercial em França. Esta nota constitui, portanto, um indício pertinente no âmbito da determinação da existência de uma colusão entre as empresas em causa. Quanto à ata da E.ON relativa à reunião de 27 de maio de 2004, a recorrente reconhece que a informação relativa ao facto de a E.ON lhe ter feito saber que o limite oeste da sua intervenção na Europa continental era a fronteira oeste da Alemanha e que não tinha interesse significativo designadamente pela França, refletia a estratégia comercial da E.ON na Europa. Ela contesta, porém, que esta decisão tenha sido objeto de um acordo prévio da sua parte. No entanto, a Comissão não pretendeu que esse fosse o caso. Limitou‑se a alegar que a E.ON não deixou de tranquilizar a recorrente quanto ao facto de não ter a intenção de competir de forma agressiva no mercado francês. O facto, evocado pela recorrente, de que a E.ON tornou pública essa informação, supondo‑o provado, não é suscetível de pôr em causa esta apreciação. A argumentação da recorrente respeitante a estes documentos deve, portanto, ser afastada.

236    Por último, quanto à afirmação da Comissão, que consta do considerando 117 da decisão impugnada, segundo a qual as empresas em causa criticavam as vendas realizadas no mercado nacional uma da outra, a mesma não parece ser incorreta atendendo à nota de briefing interna da recorrente de 29 de agosto de 2003 relativa à reunião de 2 de setembro de 2003, à ata relativa à reunião de 27 de maio de 2004 e à nota de briefing da E.ON relativa à reunião de 2 de julho de 2004, nas quais se baseia.

237    Com efeito, no que respeita, por um lado, à nota de briefing de 29 de agosto de 2003, o argumento da recorrente segundo o qual este documento contém valorações que refletem a mera opinião pessoal e subjetiva dos seus autores deve ser afastado dado que resulta daquela que se procedeu a uma análise comparada das atividades das empresas em causa de forma objetiva. Quanto ao argumento segundo o qual nada comprova que os pontos mencionados na referida nota de briefing tenham sido efetivamente debatidos ou expostos, há que assinalar que, nessa nota de briefing, são expostos, em qualquer caso, os elementos que a recorrente entendeu apresentar nessa reunião. Em seguida, contrariamente ao que pretende a recorrente, esta nota constitui um indício da existência do cartel, na medida em que dela decorre que a ação comercial na Alemanha da recorrente se inscreve num quadro estritamente controlado e razoável de compensação noutros países europeus de quotas de mercado perdidas em França. Dela resulta ainda que a E.ON se inclui desde logo num modelo de concorrência frontal no mercado francês enquanto a recorrente se insere, ao invés, no espírito de parceria, na perspetiva de uma concorrência razoável nos dois mercados. A este respeito, precisou‑se que é essencial situar a discussão com a E.ON no terreno dos preços de mercado. Assim, a nota de briefing em causa permite considerar que a recorrente lamentava o caráter concorrencial das propostas da E.ON em França e pretendia adotar uma atitude de concorrência razoável e concertar‑se com essa empresa no terreno dos preços de mercado, o que não constitui um comportamento concorrencial, não obstante as propostas que a recorrente tenha podido fazer na Alemanha e o contexto difícil que aí possa ter encontrado. Por último, foi com razão que a Comissão entendeu, baseando‑se na nota de briefing em causa, que a recorrente tinha contraposto à proposta da E.ON relativa ao abastecimento de um cliente sem utilizar plenamente a sua margem de manobra. Com efeito, decorre deste documento que, relativamente a essa proposta, a recorrente não esgotou a margem de manobra que lhe oferecia o seu quadro comercial, tendo esta margem de manobra sido mais utilizada quando teve de fazer face à concorrência de [confidencial], por exemplo. O facto, evocado pela recorrente, de que, em razão de uma estratégia própria, [confidencial] não podia explicar a adoção de um comportamento diferente em função do concorrente com quem se devesse confrontar.

238    No que respeita, por outro lado, à ata da reunião de 27 de maio de 2004 e à nota relativa à de 2 de julho de 2004, nenhum elemento permite considerar que a interpretação efetuada pela Comissão esteja incorreta. Com efeito, resulta da referida ata que a recorrente continuava a ser vista como tendo um comportamento comercial agressivo e perigoso no mercado alemão. Resulta além disso da referida nota que no âmbito de discussões entre a E.ON e a recorrente, a posição da E.ON era a de que, em razão de propostas demasiado agressivas, o valor do gás no mercado alemão estava destruído, ao passo que a posição da recorrente era a de fazer valer que tinha tido de ceder à pressão da Comissão que desejava uma concorrência transfronteiriça e que, para esta, o mercado alemão, pela sua dimensão e posição geográfica, era de grande importância. A Comissão podia, portanto, apoiar‑se nestes documentos para considerar que as empresas em causa lamentavam as vendas realizadas no mercado nacional uma da outra. De resto, mesmo se mostram a existência de uma certa forma de concorrência, estes documentos evidenciam igualmente o facto de que estas empresas trocavam informações a respeito da sua estratégia comercial respetiva. Constituem igualmente um indício da existência de um acordo de repartição (ou de penetração concertada) dos mercados nacionais, na medida em que deles resulta que, em razão das atividades da recorrente na Alemanha, as atividades de venda da E.ON aumentaram em França, só sendo possível uma tal penetração simétrica em presença de tal acordo. Ainda, atendendo ao seu teor, foi sem errar que a Comissão pôde utilizar estes documentos a fim de declarar a infração em causa.

239    Em terceiro lugar, relativamente ao seu argumento segundo o qual documentos do processo, que foram ignorados ou interpretados incorretamente, demonstram a inexistência de uma prática concertada, a recorrente sustenta que estes documentos evidenciam a autonomia da estratégia das empresas em causa na Alemanha e em França, a existência de uma concorrência frontal entre elas no seu mercado doméstico respetivo e a vontade da recorrente de finalizar rapidamente a reestruturação do acordo MEGAL para se tornar transportador integral na Alemanha. Esta argumentação deve ser afastada. Com efeito, a existência de uma prática concertada de repartição de mercados decorrente das reuniões e trocas ocorridas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005, sob reserva das considerações respeitantes ao mercado francês durante o período posterior a agosto de 2004, que serão examinadas no âmbito do terceiro fundamento, foi demonstrada de forma bastante pela Comissão, em particular através dos documentos relativos às reuniões e trocas de 4 de fevereiro de 1999, de 24 de junho de 1999, de 23 de maio de 2002, de 27 de fevereiro de 2003, de 19 de fevereiro de 2004 e de 16 de março de 2004. Em seguida, à exceção da ata interna da recorrente de 19 de janeiro de 2004 e do plano de negócios Alemanha da GDF Deutschland de 30 de abril de 2004, a recorrente limita‑se a remeter, para provar o seu argumento, para os elementos apresentados na sua resposta à comunicação de acusações e não expõe na petição nenhuma argumentação que respeite especificamente a estes documentos. Do mesmo modo, exceto em relação a estes dois últimos documentos, tal remissão para documentos anexados à petição não pode ser admitido, pelos motivos expostos no n.° 175, supra. Além disso, relativamente à ata interna da recorrente de 19 de janeiro de 2004, basta assinalar que ela apenas é relativa a dez contratos de fornecimento que, de resto, dizem respeito a clientes situados exclusivamente no Noroeste da Alemanha (e, portanto, fora da zona de abastecimento do gasoduto MEGAL), e que indica que a abordagem das outras partes do território é dificultada pelos elevados custos do ATR ou pela impossibilidade atual de uma alimentação a partir do gasoduto MEGAL. Igualmente, longe de demonstrar a existência de uma concorrência frontal entre as empresas em causa como sustenta a recorrente, este documento confirma a inexistência de concorrência entre elas na zona de abastecimento do gasoduto MEGAL bem como a impossibilidade de uma alimentação a partir deste para a recorrente. O motivo desta impossibilidade não é indicado, mas pode ser deduzido da ata em causa que é distinto das dificuldades ligadas ao ATR, igualmente mencionadas. Por último, quanto ao plano de negócios Alemanha da GDF Deutschland de 30 de abril de 2004, este indica que a conclusão de novos contratos se acelerou claramente a partir da segunda parte de 2003 e que é o resultado de uma presença de mais de dois anos no terreno, [confidencial]. Deste decorre igualmente que qualquer presença da recorrente no mercado alemão a coloca em situação de confronto com os grandes operadores. No entanto, este documento não indica se os contratos em causa dizem respeito à zona de abastecimento do gasoduto MEGAL. Confirma, ao invés, que a recorrente concentrou as suas propostas no Noroeste da Alemanha, [confidencial]. Estes documentos não permitem, portanto, pôr em causa a argumentação da Comissão.

240    Em quarto lugar, relativamente ao argumento da recorrente de que as reuniões em questão se justificavam por vínculos estruturais e comerciais que uniam as empresas em causa, importa assinalar que, embora a legitimidade destes vínculos não seja contestada pela Comissão, não é menos verdade que não podem justificar reuniões que dão igualmente lugar a uma prática concertada proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE. Ora, no caso em apreço, a Comissão entendeu, como resulta designadamente dos considerandos 50, 63 e 158 da decisão impugnada, que, ainda que um grande número destas reuniões se destinasse a abordar temas de discussão legítimos, as empresas em causa utilizaram frequentemente estes contactos para debater a aplicação do acordo de repartição de mercados. Dado que nenhum elemento do processo põe em causa esta consideração, o argumento da recorrente deve ser afastado.

241    Resulta do que precede que a recorrente não tem razão quando alega que as reuniões e as trocas entre as empresas em causa de 1999 a 2005 não permitem demonstrar a existência de uma prática de troca de informações sensíveis entre elas em relação com as notas de acompanhamento.

242    A primeira acusação deve, portanto, ser rejeitada.

–       Sobre a segunda acusação

243    A recorrente entende que a Comissão cometeu um erro de direito e de facto ao considerar que as reuniões e as trocas entre as empresas em causa de 1999 a 2005 permitiam demonstrar a existência de uma prática de troca de informações sensíveis entre as empresas em causa, quer em relação com as notas de acompanhamento quer independentemente destas.

244    A título liminar, na medida em que, com esta acusação, a recorrente se refere a uma prática concertada independente das notas de acompanhamento, há que concluir que a sua argumentação é inoperante. Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão não considerou explicitamente que os contactos entre 1999 e 2005 constituíam infrações independentes das referidas cartas. Ao invés, resulta da decisão impugnada, lida na sua totalidade, que esta considerava que as práticas concertadas em causa estavam conexas com a aplicação do acordo de repartição de mercados decorrente do acordo MEGAL e das notas de acompanhamento.

245    Em seguida, importa assinalar que os argumentos apresentados pela recorrente para fundamentar a presente acusação não são procedentes, quer se refiram a uma prática concertada em relação com as notas de acompanhamento quer a uma independente destas.

246    Em primeiro lugar, quanto ao argumento da recorrente relativo a uma contradição na decisão impugnada, há que sublinhar que, no considerando 161 da referida decisão, a Comissão sustenta que as empresas em causa não trocaram dados comerciais detalhados sobre as vendas, os preços, os custos, as margens ou os clientes e que tal partilha de informações não era necessária no caso em apreço, para chegar a uma posição comum dirigida a não utilizar o gás transportado no gasoduto MEGAL para competir no mercado nacional da outra parte e, mais geralmente, para exercer uma concorrência «mais razoável». No considerando 186 da mesma decisão, a Comissão indica que as empresas em causa trocaram informações comercialmente sensíveis, isto é, relativas aos preços e às estratégias, examinaram e concertaram‑se previamente a respeito das suas estratégias futuras recíprocas de maneira regular e agiram em conformidade com as expectativas da outra parte. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, estas duas afirmações não são contraditórias. Com efeito, o facto de que as empresas em causa não tenham trocado «dados comerciais detalhados» não se opõe a que tenham trocado « informações comercialmente sensíveis ». Com efeito, as empresas em causa podiam ter trocado dados que, sem serem detalhados, podiam ser de ordem geral e contudo importantes para a determinação das suas estratégias comerciais.

247    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento da recorrente que contesta a análise da Comissão, constante do considerando 161 da decisão impugnada, segundo o qual uma partilha de informações detalhadas não é necessária, visto que cada fornecedor histórico gozava de uma posição de quase monopólio no seu mercado nacional tradicional e que bastava fazer saber à outra parte que não estava prevista nenhuma entrada (ativa) no mercado nacional dessa parte. Com efeito, como resulta da jurisprudência referida no n.° 213 supra, num mercado oligopolístico fortemente concentrado, a troca de informações é suscetível de permitir às empresas conhecer as posições no mercado e a estratégia comercial dos seus concorrentes e, deste modo, de alterar sensivelmente a concorrência que existe entre os operadores económicos. Esta jurisprudência não exige que a informação em causa diga respeito a informações detalhadas. Assim, no contexto de um mercado oligopolístico, como o que está em causa no caso em apreço, a troca de informações, mesmo de caráter geral, que respeite em particular à estratégia comercial de uma empresa, é suscetível de violar a concorrência. Além disso, mesmo se a recorrente defende que, na prática, tal cenário é extremamente raro, reconhece, na réplica, que a jurisprudência não exclui, em princípio, que uma troca de informações «de ordem geral» seja repreensível quando visa atenuar o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, e, por consequência, restringir a concorrência entre empresas. Importa ainda acrescentar que a jurisprudência admite que, na medida em que a empresa que participa na concertação permaneça ativa no mercado de referência, a presunção do nexo de causalidade entre a concertação e a atuação no mercado dessa empresa é aplicável mesmo que a concertação se baseie numa única reunião das empresas em causa (acórdão T‑Mobile Netherlands e o., n.° 213 supra, n.° 62). Ora, no caso em apreço, a concertação baseou‑se em numerosas reuniões.

248    A circunstância, evocada pela recorrente, segundo a qual as empresas em causa penetraram, de forma limitada, no mercado uma da outra, não permite pôr em causa o facto de que uma partilha de informações detalhadas não era necessária, na medida em que a concorrência era suscetível, em qualquer caso, de ser afetada por uma troca de informações, dado que a incerteza que devia existir entre empresas concorrentes tinha sido suprimida pela concertação. Nestas condições, a recorrente afirma sem razão que a análise da Comissão baixaria o standart da prova exigido para declarar uma infração.

249    Em terceiro lugar, o argumento da recorrente relativo ao facto de as empresas em causa não terem trocado nenhuma informação confidencial e estratégica, na aceção da jurisprudência, não pode ser acolhido. Com efeito, a circunstância, evocada pela recorrente, segundo a qual as empresas em causa não trocaram informações relativamente aos custos, aos preços, às margens, aos volumes vendidos ou aos clientes, não é pertinente, na medida em que basta, no contexto de um mercado oligopolístico fortemente concentrado como o do gás, que tenha havido uma troca de informações, na aceção da jurisprudência citada no n.° 213 supra. Ora, como decorre, designadamente dos documentos citados nos considerandos 84, 87, 120, 121, ou 180 da decisão impugnada, tiveram lugar diversos contactos nos quais foram trocadas informações sobre as estratégias respetivas das empresas em causa no mercado nacional uma da outra.

250    Contrariamente ao que afirma a recorrente, importa observar que as discussões que tiveram lugar entre as empresas em causa não constituíam «vagas declarações de intenções». Resulta, por exemplo, da ata de 27 de maio de 2002, relativa a uma reunião de 23 de maio de 2002 que, num encontro com a E.ON, a recorrente assegurou que não estava atualmente previsto vender gás na Alemanha. Do mesmo modo, decorre da ata da reunião de 27 de maio de 2004 que o limite oeste da intervenção da E.ON na Europa ocidental era a fronteira oeste da Alemanha e que a E.ON não tinha interesse designadamente pela França. De resto, a recorrente não indica, na petição, a que discussão precisa se refere e limita‑se a remeter para a sua resposta à comunicação de acusações.

251    Em quarto lugar, cumpre afastar o argumento da recorrente pelo qual contesta a pertinência dos documentos em que a Comissão se apoiou.

252    A respeito, por um lado, do correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, há que recordar que nesse documento se indica que, ainda que a recorrente pudesse tentar vender gás na zona da E.ON, fá‑lo‑ia mais para se informar sobre o mercado do que para efetuar um ataque frontal direto. Por outro lado, a objeção da recorrente de que este documento diz respeito a opiniões pessoais e subjetivas foi refutada no n.° 227 supra. Quanto ao argumento da recorrente relativo ao facto de que não tinha conhecimento desse encontro de ordem privada, o mesmo deve ser rejeitado, uma vez que resulta do referido correio eletrónico que o seu representante pediu para se encontrar com o da E.ON no contexto da preparação de uma ulterior reunião entre as empresas em causa e queria transmitir certas informações suscetíveis de terem interesse tanto para a recorrente como para a E.ON. Além disso, contrariamente ao que indica a recorrente, nenhum elemento do processo permite demonstrar um ataque frontal direto da sua parte ao mercado alemão, na medida em que se contentou, na verdade, em substância, a vender, durante o período controvertido, as quantidades de gás adquiridas no âmbito do PCG.

253    Com respeito, por um lado, ao correio eletrónico de 16 de março de 2004, deste resulta que, num encontro com um empregado da E.ON, um empregado da recorrente indicou‑lhe que esta considerava que os preços praticados pela E.ON em relação a certos clientes eram muito baixos. Do mesmo correio decorre igualmente que os empregados das empresas em causa procederam a trocas sobre as suas relações com certos clientes relativamente aos preços praticados com estes. Dele resulta ainda que o representante da recorrente indicou ao representante da E.ON que, na zona este de França, a recorrente não pretendia modificar o nível dos seus preços para os seus clientes «médios/pequenos», ao passo que para os clientes mais importantes poderia ser efetuada uma baixa. Contrariamente ao que afirma a recorrente, estas informações podiam apresentar interesse para a E.ON que, como decorre da decisão impugnada, começou a vender gás em França em 2003. Do mesmo modo, mesmo que não sejam muito detalhadas, estas informações permitiram à E.ON conhecer a estratégia geral de preço que a recorrente pretendia aplicar no contexto da chegada de concorrentes ao seu território relativamente a diferentes tipos de clientes. Quanto à circunstância de que [confidencial], esta não pode justificar a troca de informações a que se refere o correio eletrónico de 16 de março de 2004, que, em qualquer caso, reduziu o nível de incerteza que deve existir normalmente entre concorrentes. Além disso, no que respeita ao pretenso caráter subjetivo da re‑transcrição efetuada, a argumentação relativa ao mesmo foi rebatida nos n.os 174 e 227 supra.

254    Portanto, os correios eletrónicos de 27 de fevereiro de 2003 e de 16 de março de 2004 constituem elementos de prova de uma troca de informações estratégicas.

255    Por último, contrariamente ao que deixa entender a recorrente na réplica, a Comissão não era obrigada a «enumerar» as informações estratégicas de ordem geral que foram trocadas, na medida em que resulta da decisão impugnada que tais informações foram efetivamente trocadas. No que respeita à circunstância de que as trocas entre as empresas em causa tiveram lugar no contexto da negociação do novo acordo MEGAL, esta não pode justificar uma troca de informações suscetível de afetar a concorrência. Em qualquer caso, as informações em questão, designadamente as evocadas na ata de 27 de maio de 2002 ou no correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, vão para além de informações ligadas à renegociação do acordo MEGAL.

256    Por conseguinte, contrariamente ao que pretende a recorrente, as trocas de informações evocadas pela Comissão na decisão impugnada eram suscetíveis de permitir reduzir a incerteza das empresas em causa sobre o funcionamento dos mercados alemão e francês do gás e sobre o seu respetivo comportamento futuro nestes mercados e, consequentemente, de alterar sensivelmente a concorrência que subsistia entre elas.

257    Resulta do que precede que a argumentação da recorrente segundo a qual as reuniões e as trocas entre as empresas em causa de 1999 a 2005 não permitem demonstrar a existência de uma prática de troca de informações sensíveis entre elas, quer em relação com as notas de acompanhamento quer independentemente destas, deve ser afastada.

258    A segunda acusação deve, portanto, ser igualmente rejeitada bem como, por via de consequência, a terceira parte do fundamento na sua totalidade.

c)     Quanto à quarta parte

259    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente afirma que a decisão impugnada está viciada de uma falta de fundamentação e de uma violação do artigo 81.° CE, na medida em que qualificou as práticas em causa de acordo e/ou prática concertada sem ter examinado os elementos de prova apresentados durante o procedimento administrativo destinados a demonstrar a autonomia do comportamento da recorrente na Alemanha e da E.ON em França. Em particular, segundo ela, a Comissão não examinou os argumentos económicos que permitem pôr em causa a própria existência da infração em causa.

260    Cumpre assinalar que a recorrente avança, no essencial, duas séries de argumentos relativas, a primeira, à não tomada em consideração de provas que demonstram a autonomia do comportamento das duas empresas em causa no mercado uma da outra e, a segunda, à não tomada em consideração de provas económicas.

261    Em primeiro lugar, no que respeita aos elementos que provam a autonomia do comportamento das empresas em causa que não foram examinados pela Comissão, há que observar que os argumentos da recorrente não são procedentes.

262    Para começar, quanto aos argumentos da recorrente relativos à autonomia do seu comportamento, deve salientar‑se, desde logo, que os elementos que esta apresenta são gerais e não permitem demonstrar um comportamento autónomo em relação especificamente ao fornecimento de gás transportado pelo gasoduto MEGAL, dado que a infração declarada no caso em apreço está limitada a este setor tal como resulta do considerando 199 da decisão impugnada.

263    Em seguida, relativamente à pretensa [confidencial], é sem razão que a recorrente pretende ter conduzido [confidencial], dado que documentos, como o correio eletrónico de 27 de fevereiro de 2003, demonstram que ela não tinha a intenção de o fazer. Além disso, a existência de uma [confidencial] é contrariada pela nota interna da recorrente de abril de 2005, redigida na sequência de denúncias da E.ON [confidencial]. Em qualquer caso, mesmo supondo que tenha conduzido [confidencial], não é menos verdade que, como resulta dos elementos de prova apresentados pela Comissão, a recorrente foi objeto de múltiplas trocas com a E.ON, tendo as empresas em causa lamentado mutuamente a [confidencial] uma da outra em diversas das suas reuniões e tentado tranquilizar‑se a esse respeito, como já se salientou (v. n.° 164 supra). Além disso, relativamente aos pretensos [confidencial] obtidos pela recorrente, basta recordar que decorre do considerando 101 da decisão impugnada que as vendas da recorrente a partir do gasoduto MEGAL só começaram em outubro de 2004 e que os volumes destas foram em substância comparáveis aos volumes adquiridos no âmbito do PCG pelo menos até outubro de 2005.

264    Por último, quanto às [confidencial], a argumentação da recorrente no sentido de que [confidencial], não é suscetível de demonstrar a autonomia do seu comportamento e de pôr em causa as considerações da Comissão que demonstram a existência da infração em causa. Com efeito, resulta da jurisprudência que a demonstração da existência de circunstâncias que deem uma luz diferente aos factos que a Comissão considera estarem provados e que permitem deste modo substituir por uma outra explicação plausível dos factos aquela a que a Comissão chegou para concluir pela existência de uma violação das regras da concorrência comunitárias só é pertinente quando a Comissão se apoia unicamente na conduta das empresas em causa no mercado para concluir pela existência de uma infração (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 186 e jurisprudência referida). Ora, não é o que acontece no caso vertente, dado que a Comissão se baseia em numerosas provas documentais em relação às quais a recorrente não foi capaz, como resulta do que precede, de demonstrar que estavam desprovidas de força probatória. Em qualquer caso, tratando‑se especificamente dos entraves à entrada [confidencial], estas circunstâncias não podem, enquanto tal, excluir a existência da infração em causa.

265    Em segundo lugar, quanto aos argumentos da recorrente relativos à autonomia do comportamento da E.ON em França, importa assinalar, por um lado, que a argumentação relativa ao facto de a E.ON ter escolhido defender o seu mercado nacional e desenvolver‑se apenas marginalmente em outros países europeus e de a E.ON nunca ter considerado o mercado francês como um mercado prioritário não é suscetível, como resulta da jurisprudência referida no número anterior, de pôr em causa as considerações da Comissão que demonstram a existência da infração. Por outro lado, a respeito da afirmação da recorrente segundo a qual, não obstante o seu fraco interesse pelo mercado francês, a E.ON teve um comportamento agressivo em França, basta recordar que, como resulta do n.° 198 supra, as vendas da E.ON em França são suscetíveis de demonstrar que esta não considerava estar vinculada por notas de acompanhamento.

266    Em segundo lugar, relativamente aos argumentos económicos que não foram examinados pela Comissão, cumpre assinalar que, no caso em apreço, esta se baseou, a título principal, no objeto restritivo de concorrência do acordo e das práticas concertadas sancionadas no artigo 1.° da decisão impugnada. Além disso, indicou que numerosos elementos de prova documental corroboram, segundo ela, tanto a existência deste acordo e destas práticas concertadas como o seu objeto restritivo. Ora, no que diz respeito ao caso específico dos acordos que, como no caso em apreço, envolvem respeitar os mercados nacionais, resulta da jurisprudência, por um lado, que têm em si mesmos um objeto restritivo da concorrência e se incluem numa categoria de acordos expressamente proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE e, por outro, que este objeto, cuja existência foi demonstrada de maneira incontestável por provas documentais, não pode ser justificado através de uma análise do contexto económico no qual o comportamento anticoncorrencial em causa se inscreve (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 184 e jurisprudência referida).

267    Ora, no caso em apreço, como resulta do exame do primeiro fundamento e da segunda e terceira partes do presente fundamento, a recorrente não pôde pôr em causa as provas documentais que permitiram à Comissão demonstrar a existência do acordo e das práticas concertadas em causa bem como do seu objeto anticoncorrencial, em relação a todo o período em causa no presente fundamento. Nestas condições, não se pode censurar à Comissão não ter procedido a uma apreciação económica global e aprofundada do setor e do comportamento das empresas em causa. Quanto à referência ao acórdão Solvay/Comissão, n.° 207, supra, esta não é pertinente no caso em apreço, na medida em que, contrariamente aos factos que conduziram a este acórdão, a Comissão pôde fundar‑se, no caso em apreço, em diverso material documental relativo ao período relevante para o presente fundamento, sob reserva das considerações apresentadas na última parte do quarto fundamento.

268    Por último, na medida em que a recorrente acusa igualmente a Comissão de não ter examinado os elementos que demonstram a autonomia do seu comportamento na Alemanha e o da E.ON em França, basta remeter para as considerações precedentes, designadamente para as que constam dos n.os 259 a 267 supra, que refutam a argumentação da recorrente relativa à autonomia da empresas em causa.

269    Resulta do exposto que a quarta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

d)     Quanto à primeira parte

270    A recorrente sublinha que, não se tendo verificado uma infração única e continuada durante todo o período que vai de 1980 a 2005, as notas de acompanhamento tinham, em qualquer caso, sido afetadas pela prescrição, em conformidade com o artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003.

271    A este respeito, importa recordar que, em conformidade com os n.os 1 e 2 do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003, os poderes da Comissão de aplicar coimas por infrações às disposições do direito da concorrência estão sujeitos, em princípio, a um prazo de prescrição de cinco anos que começa a ser contado a partir do dia em que foi cometida a infração ou a partir do dia em que tiverem cessado essas infrações em relação às infrações continuadas ou repetidas. Segundo os n.os 3 e 4 da mesma disposição, a prescrição é interrompida por qualquer ato da Comissão destinado à investigação da infração ou à instrução do respetivo processo, produzindo a interrupção da prescrição efeitos a partir da data em que o ato é notificado a, pelo menos, uma empresa que tenha participado na infração e valendo em relação a todas as empresas que tenham participado na infração. Resulta, por último, do n.° 5 deste mesmo artigo que o prazo de prescrição recomeça a ser contado a partir de cada interrupção, mas a prescrição produz efeitos o mais tardar no dia em que um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição chegar ao seu termo, sem que a Comissão tenha aplicado uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória, sendo esse prazo prorrogado pelo período durante o qual a prescrição tiver sido suspensa.

272    Por outro lado, há que assinalar que uma decisão que declara uma infração não constitui uma sanção, na aceção do artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003, e não é pois visada pela prescrição prevista nesta disposição (v., por analogia, acórdão Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, n.° 203 supra, n.° 61). Com efeito, o capítulo VI do Regulamento n.° 1/2003, que é relativo às sanções, apenas se refere às coimas e às sanções pecuniárias compulsórias e nenhuma disposição deste regulamento permite considerar que as decisões da Comissão, referidas no seu artigo 7.°, pelas quais declara a existência de uma infração às disposições dos artigos 81.° CE ou 82.° CE se contam entre as sanções evocadas no referido capítulo. Assim, a prescrição do poder de aplicar coimas e sanções pecuniárias compulsórias não pode implicar necessariamente a prescrição do poder implícito de declarar a infração (v., por analogia, acórdão Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, n.° 203 supra, n.os 62 e 63).

273    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão devia provar a existência de um interesse legítimo para declarar uma infração constituída por notas de acompanhamento que tinha prescrito, deve ser afastado. Com efeito, como resulta do exposto, a prescrição da possibilidade de impor sanções não implica a prescrição da possibilidade de declarar uma infração. Em qualquer caso, segundo a jurisprudência evocada pela recorrente, só quando entende tomar uma decisão declarando uma infração à qual a empresa em causa já pôs termo é que a Comissão deve justificar um interesse legítimo em fazê‑lo (v., neste sentido, acórdão Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, n.° 203 supra, n.° 37). Ora, no âmbito da presente parte, a argumentação da recorrente funda‑se numa pretensa prescrição da infração – ou, como pretende na réplica, apenas na data de início da infração – e não no facto de a infração ter sido cometida no passado.

274    Nestas condições, a argumentação da recorrente é inoperante na medida em que respeita à prescrição quanto às notas de acompanhamento ou à infração.

275    Na medida em que a argumentação da recorrente diz respeito à inexistência de infração única e continuada, importa assinalar que a mesma deve ser afastada por ser improcedente. A este respeito, há que lembrar que uma violação do artigo 81.° CE pode resultar não só de um ato isolado, mas também de um conjunto de atos ou ainda de um comportamento continuado (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 81). No âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do acordo ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separados por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência quanto à existência desse acordo, desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado (acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 136 supra, n.° 98).

276    No caso em apreço, a Comissão entendeu, no considerando 203 da decisão impugnada, que os acordos e as práticas concertadas se inscreviam no quadro de um projeto global que determinava as linhas de ação das empresas em causa no mercado e limitava o seu comportamento comercial respetivo a fim de atingir um objetivo anticoncorrencial idêntico e um único fim económico, designadamente limitar toda a concorrência entre elas no que respeita ao gás transportado pelo gasoduto MEGAL. A Comissão concluiu, no essencial, no considerando 211 da mesma decisão que o comportamento das empresas em causa constituía uma infração única e continuada e que tinha por objeto uma «restrição da concorrência».

277    Ora, como resulta designadamente do exame do primeiro fundamento (v. n.os 142 e 143 supra), a recorrente não conseguiu pôr em causa a existência do acordo de repartição de mercados em causa no caso em apreço, antes de 2000, nem demonstrar a revogação do referido acordo, mesmo que se tenha declarado que a data de início do seu caráter de infração considerada pela Comissão está errada, relativamente à Alemanha.

278    Além disso, como resulta designadamente do exame da segunda parte do presente fundamento, a recorrente não tem razão quando afirma que a Comissão não demonstrou a existência de uma concordância de vontades das empresas em causa relativamente a aplicarem as notas de acompanhamento após 2000. Do mesmo modo, nenhum dos argumentos da recorrente destinado a alegar que as reuniões e trocas entre as empresas em causa entre 1999 e 2005 permite demonstrar a existência de uma prática concertada de repartição de mercados em relação com as notas de acompanhamento e a troca de informações sensíveis entre concorrentes foi acolhido.

279    Nestas condições, foi sem errar que a Comissão considerou que os comportamentos em causa constituíam uma infração única e continuada e que tinham por objeto uma «restrição da concorrência», ainda que a duração da referida infração esteja incorreta no que se refere ao mercado alemão.

280    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a liberalização engendrou uma «rutura maior» pondo em causa o objetivo comum visado desde 1975, deve salientar‑se que ela não demonstrou que os comportamentos das empresas em causa não prosseguiam todos o mesmo fim, designadamente impedir – ou limitar ao máximo – qualquer concorrência em relação aos seus clientes ao aceitarem não penetrar no mercado nacional tradicional uma da outra para o fornecimento de gás pelo gasoduto MEGAL, como assinalou a Comissão no considerando 205 da decisão impugnada. De resto, como resulta do precedente, os elementos de prova apresentados pela Comissão mostram que, mesmo após a data fixada pela primeira diretiva gás para a sua transposição, estas empresas referiram‑se às notas de acompanhamento e que as consideravam vinculativas.

281    Resulta da totalidade das considerações precedentes que a terceira parte do fundamento deve ser julgada improcedente, sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a sua admissibilidade na medida em que a recorrente procedeu a uma remissão para os anexos da petição.

282    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma manifesta falta de elementos probatórios no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada com vista a restringir a utilização em França pela E.ON do gás transportado pelo gasoduto MEGAL

283    Este fundamento, invocado a título subsidiário e através do qual a recorrente alega que nenhuma infração ao artigo 81.° CE podia ser identificada no que respeita ao mercado francês, articula‑se em três partes, relativas, a primeira a uma violação do artigo 81.° CE em razão da inexistência de infração no mercado francês resultante da nota Direktion G, a segunda a uma violação do artigo 81.° CE em razão de uma interpretação manifestamente errada das reuniões e trocas entre as empresas em causa em relação à França e, a terceira, invocada a título subsidiário, a uma violação do artigo 81.° CE em razão da exceção relativa à ação estatal em França antes de janeiro de 2003.

a)     Quanto à primeira parte

284    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente afirma que nenhuma infração ao artigo 81.° CE podia ser identificada no que respeita ao mercado francês com base na nota Direktion G. A este respeito, a recorrente avança, no essencial, três acusações, relativas, a primeira a uma falta de clareza dessa nota e à violação do princípio da presunção da inocência, a segunda a um erro manifesto de interpretação da referida nota e, a terceira a uma falta de elementos probatórios fornecidos pela Comissão em apoio da sua interpretação dessa nota.

285    Em primeiro lugar, em relação à acusação da recorrente relativa a uma falta de clareza da nota Direktion G e à violação do princípio da presunção da inocência, ela invoca uma contradição entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada a propósito das restrições impostas por esta nota.

286    A este respeito, há que assinalar que Comissão indicou, no n.° 50 da comunicação de acusações, que, «até à entrada em vigor da primeira diretiva […] gás em 2000, [as] notas [de acompanhamento] não impunham nenhum limite explícito à [E.ON] na medida em que [a recorrente] tinha o monopólio da importação de gás em França». Quanto à decisão impugnada, resulta desta que a Comissão considerou, designadamente, que a nota Direktion G continha restrições para a E.ON. Assim, no considerando 222, a Comissão entendeu que esta nota «tinha como fim impedir a E.ON […] de abastecer os clientes franceses com gás transportado pelo [gasoduto] MEGAL, que constituía, para a [E.ON], a principal via de acesso para importar gás, através da Alemanha, no mercado francês».

287    No caso em apreço, sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a existência de uma divergência entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada, nem que examine as explicações avançadas pela Comissão a este respeito, impõe‑se observar que a respetiva argumentação da recorrente é, em qualquer caso, inoperante. Em particular, não pode ser deduzido desta, enquanto tal, que a nota Direktion G é ambígua e que não podia constituir um acordo de repartição de mercados sem violar o princípio da presunção da inocência.

288    Com efeito, a comunicação de acusações constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm caráter puramente provisório. A decisão ulterior não deve necessariamente constituir uma cópia da exposição das acusações, devendo a Comissão atender a elementos que resultam do procedimento administrativo, com o fim de abandonar as acusações que se tenham revelado infundadas, ou para organizar e completar quer de facto, quer de direito a sua argumentação em apoio das acusações que admitiu (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil p. 1825, n.° 14; de 17 de novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colet., p. 4487, n.° 70, Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 215 supra, n.° 67).

289    Em segundo lugar, tratando‑se da acusação da recorrente relativa a um erro manifesto de interpretação da nota Direktion G, importa assinalar, a respeito, primeiramente, da inexistência de simetria dos termos das notas de acompanhamento, que a Comissão não considerou que as referidas notas tinham sido redigidas de maneira simétrica. Além disso, a circunstância de a nota Direktion G não ter sido redigida de maneira idêntica ou simétrica à da nota Direktion I não tem, em si, qualquer influência na possibilidade de a Comissão considerar que essas notas têm um objeto análogo, a saber, efetuar uma repartição dos mercados nacionais do gás e limitar o acesso ao mercado nacional respetivo das empresas em causa.

290    Há assim que verificar depois se, à luz do conteúdo da nota Direktion G, a Comissão podia legitimamente considerar que a referida nota visava proibir a E.ON de comercializar gás que transitasse pelo gasoduto MEGAL em França.

291    A este respeito, deve recordar‑se que a nota Direktion G está redigida do seguinte modo:

«[...]

As capacidades de transporte que tenham sido ou que sejam atribuídas à [GDF], no âmbito de um contrato, para o transporte de gás, dizem respeito a gás que foi ou será adquirido pela [GDF] e que será entregue à [MEGAL] e/ou à [MEGAL Finco] para fins de trânsito, por conta da [GDF] para França e destinado ao consumo em França.

As capacidades de transporte que tenham sido ou que sejam atribuídas à [E.ON], no âmbito de um contrato, para o transporte de gás, dizem respeito ao transporte para qualquer outro fim de trânsito e ao transporte de gás pelo gasoduto e de gás extraído do gasoduto na República Federal da Alemanha, destinado ao consumo na República Federal da Alemanha, ou adquirido pela [E.ON] para fins de trânsito pela República Federal da Alemanha.

[...]»

292    É certo que há que salientar que, tendo em conta a sua redação, a nota Direktion G não proíbe expressamente à E.ON entregar ou fornecer gás que transite pelo gasoduto MEGAL em França.

293    Todavia, como a Comissão salientou no considerando 198 da decisão impugnada, pode ser deduzido da nota Direktion G que, se o gás que a recorrente transporta pelo gasoduto MEGAL deve ser dirigido para França, o que a E.ON transporta por este gasoduto deve ser quer retirado na Alemanha quer transportado para qualquer outro fim de trânsito, o que significa que a E.ON não está autorizada a dirigir gás transportado por este gasoduto para França. Com efeito, a expressão «transporte para qualquer outro fim de trânsito» deve ser lida à luz do número anterior, que atribui à recorrente capacidades de transporte para o gás entregue «para fins de trânsito, por [sua] conta […] para França». Esta expressão significa pois que a E.ON beneficia de capacidades de transporte para entregar gás em trânsito com destino a outros países distintos da França. Assim, segundo essa nota, o gás que a E.ON podia transportar pelo gasoduto MEGAL devia ser destinado ou ao consumo na Alemanha ou a um trânsito para outros países que não a França.

294    Por conseguinte, embora a nota Direktion G não proíba expressamente à E.ON a venda de gás em França, limita porém as suas possibilidades de o transportar para esse país através do gasoduto MEGAL e, por consequência, de aí proceder a vendas de gás proveniente desse gasoduto. Não se pode, portanto, considerar que a referida nota tem simplesmente por objeto, como sustenta a recorrente, precisar as condições de transporte por terceiros através do gasoduto MEGAL.

295    Esta interpretação foi confirmada por uma leitura conjugada da nota Direktion G e do anexo 2 do acordo MEGAL. [confidencial] O gás transportado para a E.ON não podia portanto beneficiar de uma saída em França e ser, por conseguinte, vendido nesse país. [confidencial].

296    A Comissão não cometeu, portanto, um erro ao entender, no considerando 222 da decisão impugnada, que a nota Direktion G tinha por objetivo impedir a E.ON de abastecer os clientes franceses com gás transportado pelo gasoduto MEGAL. Quanto à argumentação da recorrente, avançada na fase da réplica, segundo a qual era possível substituir por uma outra explicação plausível dos factos aquela a que a Comissão chegou, importa recordar, novamente, que a jurisprudência em que se baseia esta argumentação se refere à situação em que a Comissão se apoia unicamente na conduta das empresas em causa no mercado para concluir pela existência de uma infração (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 186) e em que a Comissão não dispõe de provas documentais. Ora, tal não é o caso em apreço. Com efeito, atendendo à sua forma e ao seu teor, deve considerar‑se que a nota Direktion G constitui uma prova documental, pelo que a referida jurisprudência não é aplicável. O mesmo ocorre em relação aos elementos que lhe confirmam o conteúdo, a saber, o acordo MEGAL e o seu anexo 2.

297    Por último, quanto à acusação da recorrente relativa ao facto de a Comissão não ter exibido provas que permitam demonstrar que a nota Direktion G tinha por objeto e/ou por efeito restringir o desenvolvimento da E.ON em França, a mesma deve ser afastada. Com efeito, como resulta do que precede, a interpretação desta nota pela Comissão não está viciada de qualquer erro. Além disso, mesmo supondo que os elementos apresentados pela Comissão na decisão impugnada não permitem sustentar a sua interpretação, isso não teria influência na referida interpretação, que, de resto, é confirmada por uma leitura conjunta do acordo MEGAL e do anexo 2 deste.

298    De qualquer modo, cumpre assinalar, ad abundantiam, como resulta dos n.os 299 a 303 infra, que os argumentos da recorrente não permitem pôr em causa os elementos indicados pela Comissão na decisão impugnada em apoio da sua interpretação.

299    Em primeiro lugar, o argumento da recorrente segundo o qual, ao reconhecer, no considerando 198 da decisão impugnada, que, à data em que as notas de acompanhamento foram assinadas estava juridicamente excluída uma eventual concorrência da parte da E.ON em razão do monopólio detido pela recorrente, a Comissão admitiu que o objeto e/ou o efeito da nota Direktion G não podia, em princípio, visar restringir as vendas da E.ON em França, deve ser rejeitado pelos motivos expostos no n.° 170 supra.

300    Em segundo lugar, os argumentos da recorrente destinados a refutar a pertinência do reembolso ao anexo 2 do acordo MEGAL devem ser rejeitados pelas razões expostas no n.° 295 supra.

301    Em terceiro lugar, relativamente à afirmação da Comissão, que consta do considerando 198 da decisão impugnada, segundo a qual os contactos mantidos pelas empresas em causa desde 1999 mostram que existia um nexo entre o comportamento da E.ON no mercado francês e o da recorrente no mercado alemão, deve antes de mais assinalar‑se que a Comissão não se baseou especificamente nesta afirmação para confirmar a sua interpretação da nota Direktion G. Trata‑se efetivamente, como resulta do referido considerando, de um dos elementos tidos em conta para demonstrar, de maneira geral, que o acordo e/ou a prática concertada diziam igualmente respeito às vendas de gás da E.ON em França a partir do gasoduto MEGAL. A argumentação da recorrente relativa a esta afirmação é, portanto, inoperante no âmbito da presente parte. Em seguida, há que observar que nenhum elemento permite demonstrar que a afirmação da Comissão está «viciada» como pretende a recorrente. Esta não refere de resto nenhum na petição. Ao invés, a afirmação da Comissão é confirmada, designadamente por uma nota de briefing da E.ON com vista à reunião Tour d’horizon de 2 de julho de 2004, que indica que a E.ON não agiu deliberadamente no mercado francês até ao verão de 2003 e que, em razão das atividades da recorrente na Alemanha, as suas atividades de venda em França aumentaram, o que mostra a existência de um nexo entre as vendas das empresas no mercado uma da outra. Tal é igualmente o caso de uma nota de briefing da E.ON de 5 de outubro de 2005, da qual decorre que foi em reação às atividades da recorrente na Alemanha que a E.ON começou a vender gás em França no fim de 2003.

302    Em quarto lugar, contrariamente ao que afirma a recorrente, foi sem errar que a Comissão estimou que a sua interpretação da nota Direktion G coincidia com a do serviço jurídico da recorrente. Resulta sem dúvida dos correios eletrónicos de 9 e de 17 de fevereiro de 2000 que o referido serviço jurídico se interrogava sobre a questão de saber se a E.ON podia efetuar transporte de gás para terceiros através do gasoduto MEGAL e observava que, no passado, tinha feito uma leitura favorável à E.ON considerando que esta podia obrigar um terceiro que pretendesse efetuar o transporte de gás por este gasoduto a contratar com ela e não com a MEGAL Finco. No entanto, para além desta questão, este mesmo serviço afirmava explicitamente que o conteúdo da referida nota era semelhante a uma vasta «repartição de mercado» entre as empresas em causa. Tal implica portanto que o serviço jurídico da recorrente entendia que esta nota restringia a possibilidade de a E.ON comercializar gás em França a partir do gasoduto MEGAL. É por isso sem razão que a recorrente sustenta que estes correios eletrónicos permitem apoiar a sua interpretação.

303    Em quinto lugar, importa rejeitar os argumentos da recorrente dirigidos a refutar as provas documentais apresentadas pela Comissão para fundamentar as suas alegações, no caso em apreço, a troca de cartas de 13 e de 21 de maio de 2002 e o correio eletrónico de 16 de março de 2004. A título liminar, há que assinalar que, como decorre dos n.os 81 e 96 da decisão impugnada, a Comissão não utilizou estes documentos para confirmar a sua interpretação da nota Direktion G, mas, no essencial, para considerar que o acordo em causa estava ainda em vigor. Em seguida, quanto aos argumentos relativos à troca de cartas de 13 e de 21 de maio de 2002, os mesmos devem ser rejeitados pelos motivos que figuram no n.° 168 supra. Por último, a respeito dos argumentos relativos ao correio eletrónico de 16 de março de 2004, por um lado, estes devem, na medida em que se referem ao valor probatório do referido correio eletrónico, ser afastados pelas razões expostas no n.° 174 supra. Por outro lado, os mesmos devem ser rejeitados na medida em que se destinam a pôr em causa a pertinência da existência de capacidades não utilizadas disponíveis. Com efeito, é ao referir‑se explicitamente aos acordos MEGAL e atendendo à constatação de que todas as capacidades estavam reservadas pela recorrente, que o correio eletrónico de 16 de março de 2004 qualifica as importações que a E.ON efetuou em França de «ilegais». Quanto à [confidencial], a Comissão não se baseou em tal argumento para demonstrar a sua argumentação, pelo que as observações da recorrente a este respeito, não são pertinentes.

304    Resulta da totalidade das considerações precedentes que a primeira parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte

305    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente alega que não podia ser identificada qualquer infração ao artigo 81.° CE no que respeita ao mercado francês com base nas reuniões e trocas entre as empresas em causa. A este respeito, contesta a pertinência de cinco reuniões nas quais a Comissão se baseou para demonstrar a existência de uma prática concertada.

306    Dado que os argumentos da recorrente respeitantes aos documentos relativos a estas cinco reuniões, com data respetivamente de 27 de fevereiro de 2003, de 2 de setembro de 2003, de 16 de março de 2004, 27 de maio de 2004 e de 2 de julho de 2004, foram rejeitados (v. designadamente, n.os 237, 238, 252 e 253 supra), há que julgar improcedente a presente parte do fundamento.

c)     Quanto à terceira parte

307    A recorrente entende que, em conformidade com o princípio da exceção à aplicação do artigo 81.° CE relativa à ação do Estado, a Comissão não podia fixar a data de início da infração no mercado francês antes de janeiro de 2003, data da transposição da primeira diretiva gás para o direito francês e da adoção da lei de 2003 que põe juridicamente fim ao seu monopólio legal de importação e de exportação de gás, e que abre o mercado francês à concorrência para os clientes elegíveis.

308    A este respeito, importa lembrar, a título liminar, que, quanto à infração cometida em França, a Comissão entendeu, como resulta do artigo 1.° da decisão impugnada, que esta durou, pelo menos de 10 de agosto de 2000 a 30 de setembro de 2005. Segue‑se que a presente parte do fundamento deve ser julgada improcedente na medida em que podia dizer respeito ao período anterior a 10 de agosto de 2000, dado que, em relação a este período, a Comissão não considerou a existência de uma infração em França. Em particular, o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não retirou consequências da sua afirmação, exposta no âmbito da ação por incumprimento que conduziu ao acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 1997, Comissão/França (C‑159/94, Colet., p. I‑5815), nos termos do qual o monopólio legal de importação da recorrente proibia qualquer concorrência de operadores estrangeiros em França, deve ser rejeitado, uma vez que, a referida afirmação é anterior ao período em causa no caso em apreço.

309    Importa, portanto, examinar se, para o período compreendido entre 10 de agosto de 2000 e de janeiro de 2003, podia ser excluída uma violação do artigo 81.° CE pelas empresas em causa no que respeita à França.

310    A este respeito, há que recordar que a Comissão indicou, no considerando 289 da decisão impugnada, que o monopólio legal da recorrente sobre as importações só foi oficialmente abolido no direito francês com a entrada em vigor da lei de 2003. No entanto, sublinhou que, segundo o Direito da União, as autoridades francesas eram obrigadas a pôr fim a este monopólio após o termo do prazo estabelecido para a aplicação da primeira diretiva gás, ou seja, em 10 de agosto de 2000. Acrescentou que, enquanto empresa pública, a recorrente não podia invocar o facto de as autoridades francesas não terem transposto a primeira diretiva gás para o direito nacional atempadamente. Entendeu, portanto, no considerando 291, que, no que respeita ao fornecimento de gás em França, o comportamento objeto de investigação tinha violado o artigo 81.° CE pelo menos a partir de 10 de agosto de 2000.

311    Esta apreciação deve ser acolhida.

312    Com efeito, segundo jurisprudência assente, os artigos 81.° CE e 82.° CE referem‑se apenas a comportamentos anticoncorrenciais adotados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se às empresas é imposto por uma legislação nacional um comportamento anticoncorrencial, ou se esta legislação cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial por parte delas, os artigos 81.° CE e 82.° CE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas. Pelo contrário, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicados se se revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência que é suscetível de ser entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, Colet., p. I‑6265, n.os 33 e 34, e de 11 de setembro de 2003, Altair Chimica, C‑207/01, Colet., p. I‑8875, n.os 30 e 31).

313    No caso em apreço, importa desde logo recordar que as autoridades francesas deviam não aplicar, a partir do termo do prazo de transposição da primeira diretiva gás, cujo objetivo era criar um mercado do gás competitivo, qualquer disposição contrária a esta. Aquelas não podiam nomeadamente opor tais disposições a concorrentes da recorrente que pretendiam entrar no mercado francês do gás. Com efeito, o primado do direito da União exige que não se aplique qualquer disposição de uma lei relativa ao imposto sobre as transmissões de bens nacional contrária a uma norma de direito da União, seja ela anterior ou posterior a esta última (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, Colet., p. I‑8055, n.° 48).

314    Além disso, importa salientar que, entre as entidades contra as quais se podem invocar as disposições de uma diretiva suscetíveis de produzir efeitos diretos conta‑se um organismo que, seja qual for a sua forma jurídica, tenha sido encarregado, por um ato da autoridade pública, de prestar, sob o controlo desta, um serviço de interesse público e que disponha, para esse efeito, de poderes que ultrapassam os que resultam das regras aplicáveis às relações entre particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de julho de 1990, Foster e o., C‑188/89, Colet., p. I‑3313, n.° 18), tal sendo o caso da recorrente.

315    Em seguida, importa assinalar que, como a Comissão afirmou corretamente no considerando 290 da decisão impugnada, que, a partir de agosto de 2000, fornecedores de gás puderam penetrar no mercado francês e certos clientes foram declarados elegíveis. De resto, a recorrente reconhece ter tomado a iniciativa, a partir de agosto de 2000, de adotar uma disposição transitória de acesso de terceiros à rede que permite uma abertura progressiva à concorrência do mercado francês. As autoridades francesas tinham igualmente declarado no âmbito do processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de novembro de 2000, Comissão/França (C‑259/01, Colet., p. I‑11093, n.os 12 e 13), que o regime transitório de acesso à rede de transporte e de distribuição de gás, em vigor desde 10 de agosto de 2000, permitia aos clientes elegíveis, na aceção do artigo 18.° da primeira diretiva gás, aceder à rede de gás através de contratos de distribuição com uma duração de pelo menos um ano. A aplicação deste regime permitiu a clientes elegíveis renegociar os seus contratos de fornecimento de gás e inclusivamente mudar de fornecedor. Um ano após a instituição do referido regime, 14% dos clientes elegíveis no mercado francês mudaram de fornecedor e quatro novos operadores económicos iniciaram a sua atividade.

316    Por último, como decorre da nota preparatória da reunião Tour d’horizon de 20 de dezembro de 2001, evocada no considerando 116 da decisão impugnada, a E.ON abriu um escritório de vendas em França. Tal não teria ocorrido se o mercado francês estivesse totalmente fechado à concorrência nessa data. Do mesmo modo, decorre de uma nota de briefing com vista à reunião Tour d’horizon de 2 de julho de 2004, que a E.ON não agiu deliberadamente no mercado francês até ao verão de 2003. A sua inação no mercado francês não foi portanto, pelo menos até essa data, devida a uma imposição legislativa.

317    Nestas condições, importa concluir que, embora estivesse ainda formalmente em vigor, a partir de 10 de agosto de 2000, não se podia considerar, na prática, que a lei de 1946 impunha o comportamento anticoncorrencial em causa ou criava um quadro jurídico que por si só eliminava qualquer possibilidade de comportamento anticoncorrencial da parte das empresas em causa, na aceção da jurisprudência evocada no n.° 312 supra. É, portanto, sem razão que a recorrente afirma que a Comissão não podia considerar, por um lado, que a infração alegada começou a 10 de agosto de 2000 e, por outro, que, por força da lei de 1946, a recorrente beneficiava de um monopólio legal em matéria de importação e de fornecimento de gás, situação que tinha permanecido inalterada. De resto, contrariamente ao que alega a recorrente, esta situação de detenção de um monopólio legal não permaneceu inalterada até à adoção da lei de 2003, dado que, a partir de 10 de agosto de 2000, as autoridades francesas deviam ter transposto a primeira diretiva gás, e que a própria recorrente reconhece ter tomado a iniciativa, a partir de agosto de 2000, de adotar uma disposição transitória de acesso de terceiros à rede que permite uma abertura progressiva à concorrência do mercado francês.

318    As conclusões precedentes não são postas em causa pelo facto de resultar do acórdão de 28 de novembro de 2002, Comissão/França, n.° 315 supra (n.° 21), que as práticas adotadas pelos operadores económicos, no caso em apreço, a recorrente, a partir de 10 de agosto de 2000, não podem ser consideradas cumprimento válido das obrigações do Tratado. Com efeito, a única questão pertinente no caso vertente é a de saber se, a partir dessa data, a lei de 1946 impunha o comportamento anticoncorrencial em causa ou criava um quadro jurídico que, por si só, eliminava qualquer possibilidade de comportamento concorrencial, a fim de verificar se o artigo 81.° CE se aplica. Ora, tal não ocorre no caso em apreço, como resulta do precedente. Em qualquer caso, uma entidade que, como a recorrente, está sujeita ao controlo do Estado, não pode apoiar‑se no desrespeito por este das suas obrigações resultantes do Tratado FUE para justificar um comportamento anticoncorrencial, proibido pelo referido Tratado.

319    Cumpre igualmente afastar o argumento da recorrente segundo o qual a «abertura» que demonstrou a partir de agosto de 2000 não se pode equiparar ao fim do monopólio legal ou o relativo ao facto de as regras de ATR transitórias aplicadas não terem sido validadas pelo legislador. Com efeito, a Comissão devia examinar a situação do mercado francês do gás de maneira objetiva e não apenas teórica, a fim de verificar se, não obstante a manutenção formal do monopólio legal de importação previsto pela lei de 1946, esta última era suscetível de impedir a existência de qualquer concorrência no mercado. A origem e a natureza das medidas que permitiram essa abertura não podem ter influência na afirmação, que consta no considerando 290 da decisão impugnada, de que a concorrência se podia efetivamente exercer no mercado francês.

320    Além disso, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não há nada de «paradoxal» em que a Comissão se tenha baseado no facto de os concorrentes desta terem podido abastecer clientes elegíveis em França a partir de 10 de agosto de 2000, apesar de esta situação resultar exclusivamente do seu comportamento. Do mesmo modo, é sem razão que a recorrente entende que isso equivale a condená‑la por ter participado na liberalização, e vai contra os objetivos da União e da política da concorrência. De resto, foram o acordo e as práticas concertadas em causa que a Comissão sancionou no caso em apreço e não o facto de a recorrente ter procedido, a partir de 10 de agosto de 2000, à aplicação, parcial e limitada, da primeira diretiva gás. Em qualquer caso, a recorrente devia, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 313 supra, contribuir para a aplicação da primeira diretiva gás, o que ela fez, ainda que de maneira imperfeita, através do seu comportamento a partir de 10 de agosto de 2000.

321    Por outro lado, como alega a recorrente, decorre da jurisprudência que, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, uma empresa não pode ser exposta a sanções, sejam elas de natureza penal ou administrativa, por um comportamento passado, quando este comportamento era imposto por uma lei nacional que excluía a possibilidade de uma concorrência suscetível de ser impedida, falseada ou restringida por comportamentos autónomos das empresas (v., neste sentido, acórdão CIF, n.° 313 supra, n.° 53). No entanto, esta jurisprudência não se aplica no caso em apreço, dado que, como já se indicou, não obstante a manutenção formal da lei de 1946, a possibilidade de uma concorrência suscetível de ser impedida existia de facto. Acresce que essa lei não impunha o comportamento em causa no caso vertente.

322    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual, antes da aplicação da primeira diretiva gás, o quadro jurídico e regulamentar não oferecia segurança jurídica suficiente aos novos concorrentes, o mesmo deve igualmente ser afastado uma vez que, como se observou, apesar da manutenção da lei de 1946, não estava excluída qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte e que a E.ON não agiu deliberadamente no mercado francês até ao verão de 2003. De resto, resulta claramente da jurisprudência citada no n.° 313, supra, que, a partir de 10 de agosto de 2000, as disposições da lei de 1946 já não podiam ser opostas aos operadores estrangeiros que pretendessem fornecer gás em França em aplicação das disposições incondicionais e precisas da primeira diretiva gás. Nestas condições, não é possível apoiar‑se numa pretensa insegurança jurídica existente antes da transposição efetiva da primeira diretiva gás para justificar o comportamento das empresas em causa. A este respeito, deve igualmente salientar‑se que um operador da dimensão da E.ON dispunha dos meios necessários para tirar partido da liberalização, a partir de 10 de agosto de 2000, invocando as disposições de efeito direto da diretiva, mesmo na falta de transposição para o direito francês. De resto, como decorre do considerando 290 da decisão impugnada, a E.ON forneceu gás na Bélgica após o termo do prazo de transposição da primeira diretiva gás e antes da adoção das medidas relativas à transposição desta. Do mesmo modo, contrariamente ao que deixa entender a argumentação da recorrente, a Comissão não acusou a E.ON de só se ter desenvolvido no mercado francês após janeiro de 2003, mas unicamente censurou às empresas em causa o facto de terem concluído o acordo de repartição de mercados contrário ao artigo 81.° CE.

323    Resulta da exposição precedente que a Comissão podia declarar uma infração das empresas em causa ao artigo 81.° CE no que respeita à França, no período compreendido entre 10 de agosto de 2000 e janeiro de 2003. Assim, foi sem violar esta disposição que a Comissão fixou, no caso em apreço, a data de início da infração no mercado francês em 10 de agosto de 2000.

324    Por conseguinte, a terceira parte do fundamento deve ser julgada improcedente bem como, por via de consequência, o terceiro fundamento na sua totalidade.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada entre as empresas em causa após agosto de 2004

325    Este fundamento, invocado a título ainda mais subsidiário e pelo qual a recorrente alega que a Comissão não fez prova bastante da existência de um acordo e/ou de uma prática concertada das empresas em causa após 13 de agosto de 2004, divide‑se em três partes, relativas, a primeira à violação do artigo 81.° CE em razão da falta de um encontro de vontades das empresas em causa com vista à aplicação das notas de acompanhamento após agosto de 2004, a segunda à violação do artigo 81.° CE em razão de uma apreciação manifestamente errada das reuniões e das trocas entre as empresas em causa após agosto de 2004 e, a terceira, invocada a título subsidiário, à violação do artigo 81.° CE e das regras relativas à produção da prova e do dever de fundamentação em razão da inexistência de elementos probatórios respeitantes à existência da infração no mercado francês após agosto de 2004.

326    Antes de examinar estas partes do fundamento, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o regime da concorrência instaurado pelos artigos 81.° CE e 82.° CE interessa‑se pelos resultados económicos dos acordos, ou por qualquer forma comparável de concertação ou de coordenação, mais do que pela sua forma jurídica. Por conseguinte, no caso de acordos que deixaram de estar em vigor, basta, para que o artigo 81.° CE seja aplicável, que os seus efeitos se mantenham depois da sua cessação formal. Daí decorre que a duração de uma infração não deve ser apreciada em função do período durante o qual um acordo está em vigor, mas em função do período durante o qual as empresas em causa adotaram um comportamento proibido pelo artigo 81.° CE (v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 2007, BASF e UCB/Comissão, T‑101/05 e T‑111/05, Colet., p. II‑4949, n.° 187 e jurisprudência referida).

327    No caso em apreço, a Comissão entendeu, no considerando 299 da decisão impugnada, que a infração cessou quando as empresas em causa deixaram efetivamente de aplicar as notas Direktion I e Direktion G, bem como a restrição contratual que impedia a recorrente de utilizar os pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha para abastecer os clientes de gás. Ainda que estas notas tenham sido oficialmente revogadas pelo acordo de 2004, a Comissão entendeu, no considerando 300 da decisão impugnada, que a restrição contratual em causa só cessou, quando muito, no fim do mês de setembro de 2005. A Comissão teve em conta o facto de que o acordo intermédio de 9 de setembro de 2005 permitiu à recorrente comercializar capacidades de transporte sobre o gasoduto MEGAL a partir de 1 de outubro de 2005 e que o acordo de 2005 entrou em vigor em 13 de outubro de 2005. A Comissão salientou ainda, no mesmo considerando, que, paralelamente, as vendas pela recorrente de gás proveniente desse gasoduto a clientes estabelecidos na Alemanha só excederam sensivelmente os montantes por ela adquiridos no âmbito do PCG a partir de outubro de 2005. A Comissão considerou portanto que o artigo 81.° CE era aplicável visto que a concertação prosseguiu para além da cessação do acordo anterior e continuou a produzir efeitos até à substituição do acordo MEGAL.

328    Segue‑se que a Comissão considerou que a infração tinha prosseguido após o acordo de 2004, baseando‑se não apenas em elementos de prova que atestam que as empresas em causa continuaram, não obstante a revogação formal das notas de acompanhamento, a aplicá‑las, mas também no facto de que as restrições contratuais que impediam a recorrente de utilizar os pontos de saída do gasoduto MEGAL na Alemanha, contidas no anexo 2 do acordo MEGAL, estavam ainda em vigor após o acordo de 2004.

329    É à luz destas considerações que importa examinar as diferentes partes do presente fundamento.

a)     Quanto à primeira parte

330    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente observa que a decisão impugnada viola o artigo 81.° CE em razão da falta de um encontro de vontades das empresas em causa com vista à aplicação das notas de acompanhamento após agosto de 2004.

331    A este respeito, a recorrente invoca, no essencial, duas acusações, relativas, por um lado, a um erro manifesto de apreciação e, por outro, à falta de valor probatório dos elementos invocados pela Comissão.

–       Sobre a primeira acusação

332    A recorrente salienta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação relativamente à sua participação no PCG, e mais particularmente tomando em consideração que o facto de que tenha vendido gás no Sul da Alemanha em 2004 não basta para demonstrar a inexistência de uma repartição de mercados.

333    A este respeito, em primeiro lugar, importa assinalar que, contrariamente ao que pretende a recorrente, a existência de vendas de gás na Alemanha a partir do gasoduto MEGAL, desde outubro de 2004, não é suscetível, por si só, de constituir a prova de que as notas de acompanhamento já não eram consideradas obrigatórias. Com efeito, deve recordar‑se que, como resulta do considerando 73 da decisão impugnada, [confidencial]. É portanto apenas de maneira limitada, como assinalou a Comissão, que a recorrente procedeu a vendas de gás na Alemanha a partir de 2003. Além disso, as vendas de gás provenientes do gasoduto MEGAL, que só começaram em 2004, representam uma parte relativamente fraca (ou, como a Comissão indicou no considerando 101 da decisão impugnada, uma parte «relativamente mínima») do total das vendas da recorrente na Alemanha e não podem ser consideradas, como pretende, significativas. Com efeito, em 2004 e em 2005, [confidencial]. Por último, resulta do considerando 101 da decisão impugnada que os volumes de gás provenientes do gasoduto MEGAL que foram vendidos pela recorrente na Alemanha entre 2004 e setembro de 2005 foram quase exclusivamente comprados à E.ON no âmbito do PCG, os quais deviam ser obrigatoriamente cedidos em conformidade com a decisão das autoridades alemãs que autoriza a fusão entre a E.ON e a Ruhrgas.

334    Atendendo a todas estas características, as vendas de gás proveniente do gasoduto MEGAL permitem é certo demonstrar a existência de angariação comercial, como sustentou a recorrente. No entanto, elas não permitem por si só demonstrar a falta de força vinculativa das notas de acompanhamento. De resto, as provas documentais destinam‑se a demonstrar em substância, como a Comissão salientou no considerando 102 da decisão impugnada, que a recorrente entendia que não podia proceder a vendas de volumes além dos volumes adquiridos no âmbito do PCG em razão das disposições contratuais com a E.ON (v., designadamente, n.os 337 a 339 infra). Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão deveria ter tido em conta as propostas feitas pela recorrente, basta recordar que estas não podiam, em qualquer caso, por si só, demonstrar a existência de uma concorrência (v. n.° 196 supra), e tanto mais que a própria recorrente reconheceu na sua resposta à comunicação de acusações que nenhuma das propostas que evocou teve sequência. Quanto ao argumento da recorrente relativo ao facto de que a Comissão não teve em conta o facto de as entregas de gás efetuadas a partir de setembro de 2005 corresponderem em parte a contratos negociados desde 2004, remete‑se para as considerações que constam do n.° 350 infra.

335    Em segundo lugar, o argumento segundo o qual a Comissão não explica por que razão o facto de participar ativamente no PCG e de utilizar os volumes de gás comprados neste quadro para revenda na Alemanha não é prova da inexistência de acordo é inoperante, dado que a Comissão devia demonstrar a existência da infração e não a sua inexistência. Em qualquer caso, a participação no PCG não é suscetível de demonstrar a inexistência de acordo de repartição de mercados, dado que a circunstância de que a recorrente escolheu livremente participar no PCG e utilizar as quantidades compradas no âmbito dessa participação para se desenvolver no Sul da Alemanha não tem relevância a esse respeito. Com efeito, a título liminar, cumpre lembrar que o gás vendido na Alemanha pela recorrente no âmbito do PCG não constitui objeto da infração em causa como resulta do n.° 346 da decisão impugnada. Em seguida, decorre tanto da análise das vendas da recorrente como das provas documentais, que esta limitou, de facto, a sua atividade aos volumes adquiridos no âmbito do PCG. Assim, não procedeu a vendas significativamente além destes volumes. Isto mostra portanto que, não obstante a sua participação no PCG, ela continuava a respeitar as restrições contratuais induzidas pelo acordo MEGAL. Acresce que decorre da ata da E.ON da reunião Tour d’horizon de 29 de março de 2004 que a recorrente pretendia participar no PCG, por recear que o gás russo caísse «em más mãos» e que se desenvolvesse assim uma concorrência adicional.

336    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual as suas vendas a partir do gasoduto MEGAL ultrapassaram os volumes adquiridos no âmbito do PCG, o mesmo deve ser afastado visto que, embora a Comissão não tenha contestado esse facto, ela assinalou contudo, como reconhece a recorrente, no considerando 113 da decisão impugnada, que as referidas vendas não tinham ultrapassado de maneira significativa estes volumes. Em qualquer caso, mesmo que os volumes de vendas da recorrente tenham podido ser ligeiramente superiores aos adquiridos no âmbito do PCG, como resulta do quadro que consta do considerando 101 da decisão impugnada, isso não é suscetível de demonstrar, atendendo à diferença mínima em causa, que a recorrente não se considerava vinculada pelas notas de acompanhamento.

337    Em terceiro lugar, nenhum elemento permite demonstrar que foi incorretamente que a Comissão afirmou, no considerando 102 da decisão impugnada, baseando‑se no correio eletrónico da recorrente de 21 de julho de 2004, cujo conteúdo foi recordado no n.° 189 supra, que esta última considerava não poder extrair gás do gasoduto MEGAL em razão das disposições contratuais com a E.ON. Assim, nada permite considerar, como afirma a recorrente, que a impossibilidade de extrair gás do referido gasoduto à exceção dos volumes adquiridos no âmbito do PCG se explicava [confidencial]. Mais precisamente, tratando‑se do argumento da recorrente segundo o qual o seu desenvolvimento no Sul da Alemanha era travado por razões técnicas [confidencial], ao passo que tal não ocorria no âmbito do PCG, importa assinalar que tais motivos não são evocados no correio eletrónico em causa para justificar a posição expressa pela recorrente.

338    Neste contexto, deve sublinhar‑se que o facto de este correio eletrónico não se referir às notas de acompanhamento não é decisivo, não tendo a Comissão de resto pretendido que o fosse. A circunstância de este correio eletrónico indicar que, na expectativa de um acordo global sobre o gasoduto MEGAL, não se podiam utilizar pontos de saída diferentes dos enumerados e o facto de o referido correio eletrónico expor as condições de alimentação dos clientes no Sul da Alemanha a partir do referido gasoduto tendem, pelo contrário, a constituir um indício de que a situação descrita corresponde à que resulta do acordo MEGAL existente [confidencial].

339    Por último, importa salientar que a nota da recorrente de 10 de maio de 2004, evocada na nota de pé de página n.° 98 da decisão impugnada, confirma a afirmação da Comissão que figura no considerando 102. Com efeito, decorre desta que, quanto aos pontos de entrada e de saída no gasoduto MEGAL, a recorrente tem o direito de retirar gás resultante dos leilões (e unicamente este à data) em qualquer ponto de entrada e de saída no referido gasoduto. Nessa nota, explicita‑se também claramente que o encaminhamento de gás [confidencial] até aos clientes finais na Alemanha através de um ponto de saída no gasoduto MEGAL não era realizável à data, dado que a recorrente não dispunha de tais pontos de saída a oeste deste gasoduto.

340    Em quarto lugar, impõe‑se assinalar que a Comissão não se baseou no país de origem do gás para caracterizar a infração. Com efeito, resulta do considerando 199 da decisão impugnada que a infração em causa é relativa ao fornecimento de gás transportado pelo gasoduto MEGAL, não sendo mencionada qualquer indicação quanto à origem do gás. Do mesmo modo, no considerando 349 da decisão impugnada, a Comissão indica que as vendas afetadas pela infração são as vendas de gás transportado pela E.ON e pela recorrente através da utilização do gasoduto MEGAL, e vendido a clientes na Alemanha e a clientes elegíveis em França, com exceção das vendas de gás realizadas pela E.ON no âmbito do PCG para ser fornecido à Waidhaus, e das vendas de gás comprado pela recorrente no âmbito do referido PCG para ser fornecido à Waidhaus. [confidencial]. Nestas condições, cumpre rejeitar o argumento da recorrente de que a Comissão se contradisse ao declarar uma infração [confidencial]. O mesmo vale para o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não explicou em que medida a origem do gás poderia ter influência na qualificação da referida infração.

341    Por último, quanto à asserção da recorrente segundo a qual o raciocínio da Comissão implica que as notas de acompanhamento sejam vistas, no máximo, como uma cláusula de destino [confidencial], basta constatar, à semelhança da Comissão, que tal cláusula constitui um acordo vertical, geralmente concluído entre um fornecedor e o seu cliente no âmbito de um contrato de agência de fornecimento de gás destinado a proibir ao cliente reexportar o gás comprado ao fornecedor, ao passo que no caso em apreço, o acordo em causa é um acordo horizontal, concluído entre dois fornecedores no âmbito da construção de uma infraestrutura de transporte de gás que visa limitar as vendas de gás transportado por esta infraestrutura no mercado uma da outra. A asserção em causa deve portanto ser rejeitada.

342    Resulta da totalidade da exposição precedente que a primeira acusação deve ser rejeitada.

–       Sobre a segunda acusação

343    A recorrente põe em causa o valor probatório dos elementos evocados pela Comissão para demonstrar a manutenção da proibição de extrair gás do gasoduto MEGAL após agosto de 2004. Segundo esta, a Comissão não apresentou provas precisas e concordantes em apoio das alegações segundo as quais, apresar do acordo de 2004, as notas de acompanhamento tinham continuado a ser aplicadas pelas empresas em causa após essa data.

344    Em primeiro lugar, a respeito do anexo 2 do acordo MEGAL, há que recordar que, no referido anexo, eram definidos os pontos de entrada e de saída de que podiam beneficiar as empresas em causa no gasoduto MEGAL. Quanto à recorrente, o ponto 2.1 deste anexo só conferia um único ponto de saída para todas as quantidades de gás transportadas por ela situado na fronteira franco‑alemã, a menos que as empresas em causa acordassem coisa diferente. O referido anexo não conferia, portanto, pontos de saída à recorrente na Alemanha e por isso impedia‑a de extrair gás destinado a clientes alemães a partir do gasoduto MEGAL. Ora, nenhum elemento permite considerar que o anexo em causa foi revogado ou ficou desprovido de objeto na sequência do acordo de 2004, nem demonstrar que este constituía uma modificação convencional do anexo acordada pelas empresas em causa. Com efeito, como a Comissão salientou no considerando 107 da decisão impugnada, o acordo de 2004 não menciona este anexo, o que de resto a recorrente não contesta. Resulta de facto expressamente da redação do acordo de 2004 que este apenas respeitava a algumas das notas de acompanhamento e não a outras disposições do acordo MEGAL ou dos seus anexos. A recorrente não apresenta aliás nenhum elemento que permita pôr em causa a afirmação da Comissão, que figura no referido considerando, segundo a qual se as empresas em causa tivessem querido abordar a questão do anexo 2 do acordo MEGAL no acordo de 2004, tê‑lo‑iam feito de maneira explícita. Quanto à alegação da recorrente segundo a qual as empresas em causa tinham reconhecido, desde 2001, e depois pelo acordo de 2004, que a nota Direktion I era «nula e de nenhum efeito», a qual, segundo a recorrente, continha uma disposição semelhante ao referido anexo, não pode deduzir‑se da mesma, por falta de menção explícita neste sentido a respeito do anexo (incluindo na telecópia de 7 de janeiro de 2002 ou no acordo de 2004) o caráter obsoleto do mesmo anexo. A argumentação da recorrente relativa ao anexo em questão deve portanto ser rejeitada.

345    Em segundo lugar, quanto ao artigo de imprensa de 23 de agosto de 2004, evocado no considerando 108 da decisão impugnada, há que assinalar, desde logo, que apenas se trata de um dos elementos de prova nos quais a Comissão baseou a sua análise segundo a qual a recorrente entendia, após o acordo de 2004, que não podia extrair gás do gasoduto MEGAL em razão das suas disposições contratuais com a E.ON. Com efeito, como resulta dos considerandos 111 e 112 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se igualmente numa nota interna da recorrente de janeiro de 2005, no plano de desenvolvimento na Alemanha da recorrente bem como no comportamento desta última.

346    Em seguida, importa assinalar que o artigo de imprensa de 23 de agosto de 2004 é proveniente de uma revista especializada, que relata as declarações do diretor de vendas da recorrente na Alemanha e que contém elementos muito precisos respeitantes aos limites das possibilidades da recorrente de extrair gás do gasoduto MEGAL. Assim, decorre que, à data do referido artigo de imprensa, a recorrente ainda não tinha chegado a um acordo definitivo com a E.ON quanto à possibilidade de retirar gás deste gasoduto e que as possibilidades de extração de gás eram limitadas para a recorrente. Neste artigo de imprensa precisa‑se que a recorrente podia extrair gás de onde quer que fosse possível com base numa interpretação comum das regras existentes. Nestas condições, o valor probatório do artigo de imprensa em questão não pode ser considerado fraco ou nulo e a Comissão podia validamente apoiar‑se neste documento para corroborar a sua afirmação de que certos elementos de prova mostram que a recorrente entendia que não podia extrair gás do mesmo gasoduto em razão das suas relações contratuais com a E.ON. Quanto ao facto de o artigo de imprensa ser posterior ao acordo de 2004 em apenas dez dias, isso não é diretamente pertinente, dado que a pessoa cujas declarações são relatadas devia, atendendo às suas funções, estar necessária e precisamente ao corrente da situação relativa ao gasoduto em questão.

347    Por último, é sem razão que a recorrente pretende que a Comissão recusou ter em conta a carta de 26 de agosto de 2004 pela qual a E.ON reagiu ao artigo em causa e recordou o caráter obsoleto da nota Direktion I. Com efeito, Comissão indicou, no considerando 110 da decisão impugnada, que esta nota seria abordada no n.° 4.3.1 da referida decisão, no contexto geral do argumento da E.ON segundo o qual a mesma permitia à recorrente extrair gás do gasoduto MEGAL na Alemanha. É assim que, no considerando 149 da decisão impugnada, que figura no ponto 4.3.1 desta, a Comissão indica que a afirmação de que a E.ON aceitou o direito da recorrente de extrair gás do gasoduto MEGAL é contrariada pela prova de que a recorrente considerava, tanto ao nível interno como nas declarações públicas, não ter o direito de extrair gás do gasoduto para além dos volumes comprados no PCG. Importa considerar que, ao proceder deste modo, a Comissão responde de forma implícita mas necessária, à argumentação baseada na carta da E.ON de 26 de agosto de 2004. Quanto aos argumentos da recorrente relativos ao facto de essa carta demonstrar a falta de um encontro de vontades entre as empresas em causa, de o «abandono» das notas de acompanhamento não ser concomitante ao acordo de 2005 e de as dificuldades para a recorrente de comercializar gás resultarem de barreiras independentes da sua vontade, basta assinalar que os mesmos são contrariados por outros elementos posteriores à referida carta (v., em particular, os documentos evocados nos n.os 349, 361 e 362 infra) bem como pelo comportamento da recorrente no mercado (v. n.° 350 supra), que demonstram o prosseguimento da infração para além do acordo de 2004, pelo que os referidos argumentos devem ser rejeitados. Acresce que, embora resulte desta carta que a E.ON confirmou diversas vezes que a recorrente podia extrair gás do gasoduto MEGAL, [confidencial], o que indica que, na prática, as possibilidades de a recorrente extrair gás na Alemanha eram ainda, nessa data, pelo menos limitadas. Por último, como a Comissão indicou, resulta claramente desse documento que a E.ON afirmava à recorrente que não era construtivo pôr na praça pública uma descrição ou discussões respeitantes às possibilidades de extrair gás do gasoduto MEGAL, o que demonstra que o objetivo prosseguido pela E.ON era sobretudo fazer compreender à recorrente que era preferível não proferir declarações públicas sobre o assunto.

348    Por conseguinte, importa rejeitar a argumentação da recorrente relativa ao artigo de imprensa.

349    Em terceiro lugar, quanto ao plano de desenvolvimento na Alemanha da recorrente, na sua versão de 2 de setembro de 2005, deste decorre que, por razões contratuais, a recorrente não podia extrair gás a partir dos diferentes pontos de saída do gasoduto MEGAL ou comercializar em direto as capacidades de transporte que possuía. A celebração esperada de um novo contrato com a E.ON para a exploração da canalização poderia alterar essa situação. A este respeito, o facto de que este plano de desenvolvimento não tenha passado da fase de projeto, mesmo supondo‑o provado, como pretende a recorrente, não pode pôr em causa a exatidão do seu conteúdo, elaborado pelos próprios serviços da recorrente e, portanto, o seu valor probatório. O mesmo vale para a alegação da recorrente de que o mesmo não foi nem atualizado nem verificado internamente há muitos anos. Esta alegação parece, além disso, ser contrariada pelo facto de este documento indicar explicitamente que se trata da «versão de 2 de setembro de 2005». De resto, a recorrente não apresentou um documento definitivo, cujo conteúdo tivesse sido atualizado e que diferisse do evocado pela Comissão.

350    Em quarto lugar, relativamente à afirmação da Comissão, que figura no considerando 300 da decisão impugnada, segundo a qual as vendas pela recorrente de gás proveniente do gasoduto MEGAL a clientes estabelecidos na Alemanha só ultrapassaram sensivelmente os montantes comprados pela recorrente no âmbito do PCG a partir de outubro de 2005, há que rejeitar o argumento da recorrente de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter em conta este elemento para determinar a data de cessação da infração. Com efeito, à parte o facto de que, segundo esta, a Comissão afastou sem justificação aceitável as explicações alternativas segundo as quais as vendas na Alemanha se caracterizaram por aumentos pronunciados durante o mês de outubro e as entregas iniciadas a partir de outubro de 2005 são consequência de contratos de fornecimento celebrados muito antes desta data, a recorrente não aduz nenhum argumento para demonstrar um erro manifesto de apreciação. Ora, para concluir pela existência de tal erro, a recorrente deve apresentar elementos que permitam considerar que o raciocínio da Comissão está incorreto, o que não fez no caso em apreço. Em qualquer caso, a Comissão respondeu às explicações dadas pela recorrente. Com efeito, a Comissão indicou no considerando 302 da decisão impugnada, em resposta à explicação relativa à estrutura dos anos de fornecimento de gás, que a recorrente sabia que todos os contratos anuais de fornecimento entravam em vigor no mês de outubro de 2005 e que podia razoavelmente prever um novo acordo com a E.ON. A recorrente não aduziu explicitamente argumentos para refutar esta afirmação. A Comissão referiu igualmente, no considerando 113 da decisão impugnada, que mesmo se a recorrente assinou anteriormente acordos de fornecimento com clientes, a verdade é que não extraiu efetivamente gás do gasoduto antes de outubro de 2005 e que, consequentemente, respeitou a proibição de extrair gás do gasoduto MEGAL na Alemanha. Esta apreciação deve ser validada, dado que, como se assinalou, até outubro de 2005 os volumes de gás vendidos pela recorrente na Alemanha a partir do gasoduto MEGAL representavam uma parte ínfima do consumidor alemão e excediam apenas de modo muito limitado as quantidades de gás adquiridas no âmbito do PCG que a E.ON era obrigada a ceder.

351    Por conseguinte, a segunda acusação deve ser rejeitada bem como, por via de consequência, a primeira parte do fundamento.

b)     Quanto à segunda parte

352    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente pôs em causa a apreciação da Comissão das reuniões e das trocas posteriores ao acordo de 2004. Segundo ela, a Comissão interpretou as reuniões e as trocas ocorridas entre as empresas em causa após o acordo de 2004 de forma totalmente errada. A este respeito, invoca cinco argumentos.

353    Em primeiro lugar, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a E.ON continuou, após o acordo de 2004, a queixar‑se da concorrência que ela lhe fazia na Alemanha, importa assinalar, a título liminar, que a Comissão não considerou, como subentende a argumentação da recorrente, que este facto não permitia afastar a existência de um acordo e/ou prática concertada para continuar a aplicar as notas de acompanhamento. Nos considerandos 130 a 136 da decisão impugnada, a Comissão limitou‑se com efeito a ter em conta este elemento, entre outros, para demonstrar, no essencial, a existência de um comportamento colusório, e designadamente a existência de trocas entre as empresas que se incluem mais no domínio da concertação do que no da concorrência, após o acordo de 2004.

354    Em seguida, impõe‑se assinalar que a existência de tais queixas não basta, por si só, para excluir a existência de um acordo. Ao invés, como a Comissão alega, no essencial, se não existisse previamente um acordo anticoncorrencial de repartição de mercados entre duas empresas concorrentes, não haveria razão para que uma destas empresas se queixasse, nas reuniões regulares, da concorrência exercida no seu território pela outra empresa. Como resulta do considerando 195 da decisão impugnada, as provas pontuais de desacordo sobre assuntos que não deveriam ser abordados entre concorrentes num ambiente concorrencial mostram que as empresas em causa agiram no quadro de uma posição comum, mesmo quando, em certas ocasiões, se acusavam mutuamente de se afastarem dessa posição.

355    A circunstância invocada pela recorrente de que certos elementos demonstram a existência de uma intensa concorrência não é suscetível de contrariar as considerações precedentes. Com efeito, o facto de um cartel não ser respeitado, em nada põe em causa a sua própria existência (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Coletânea, n.° 74 e jurisprudência referida). Em qualquer caso, importa constatar que, mesmo admitindo que tal concorrência existisse, não é menos verdade que as empresas em causa lamentaram reciprocamente as vendas ou os preços praticados e reagiam a essas queixas, como resulta dos considerandos 123, 124 e 130 a 136 da decisão impugnada.

356    Além disso, embora, como resulta nomeadamente de uma nota da recorrente de 9 de fevereiro de 2005, a E.ON acusasse a recorrente de «destruir» o valor do gás na Alemanha e de beneficiar de um diferencial de preço [confidencial] para ganhar novos clientes, o que poderia demonstrar um certo comportamento concorrencial da parte da recorrente na Alemanha, não é menos certo que esta última entendia que era necessário «trabalhar esta questão». Ora, num contexto concorrencial normal, uma empresa não projetaria «trabalhar» sobre as acusações do seu concorrente relativamente aos seus preços. Isto demonstra portanto que a recorrente pretendia responder às preocupações da E.ON.

357    A este respeito, há que recordar que, quando um operador económico faz suas as queixas que lhe envia outro operador a respeito da concorrência que fazem a este último os produtos comercializados pelo primeiro operador, o comportamento dos interessados constitui uma prática concertada (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 211 supra, n.° 283). Ora, no caso em apreço, há que considerar que, ao indicar que iria «trabalhar esta questão» relativa às queixas da E.ON sobre os seus preços praticados na Alemanha, bem como ao elaborar, na sequência das queixas da E.ON relativamente ao seu posicionamento tarifário no âmbito das vendas às empresas públicas, uma nota em abril de 2005, a recorrente fez suas as referidas queixas, na aceção da referida jurisprudência, ainda que entendesse, tal como resulta em especial da nota de abril de 2005, que importava relativizar a perceção da E.ON.

358    Cumpre por outro lado sublinhar que a recorrente não contesta o facto de, ocasionalmente, as partes num acordo de repartição de mercados não o terem respeitado ou de se terem queixado do desrespeito pela outra parte, não demonstra em nada que esse acordo não foi mantido e aplicado. Ela entende porém que tal princípio não se aplica ao caso em apreço, em razão do facto de que as empresas em causa reiteraram, pelo acordo de 2004, que as notas de acompanhamento eram «nulas e de nenhum efeito» e de que a Comissão não demonstrou a concordância de vontades entre as empresas em causa após agosto de 2004.

359    No entanto, por um lado, a argumentação da recorrente que visa contestar a existência de uma concordância de vontades após esta data foi rebatida no âmbito da primeira parte do presente fundamento. Por outro lado, ainda que as empresas em causa tenham declarado, no acordo de 2004, que consideravam as notas de acompanhamento «nulas e de nenhum efeito», não é menos verdade que continuaram a respeitar o acordo de repartição de mercados daí resultante, dado que a E.ON continuava a lamentar o comportamento da recorrente, o que esta última tentou relativizar, como mostram, designadamente as notas de 9 de fevereiro e de abril de 2005. Acresce que, tratando‑se especificamente da recorrente, até setembro de 2005, esta não extraiu gás do gasoduto MEGAL de modo significativo para além das quantidades adquiridas no âmbito do PCG, como decorre dos considerandos 101 a 103 da decisão impugnada.

360    Em segundo lugar, a respeito do argumento da recorrente para contestar que os temores da E.ON relativos ao desenvolvimento dela na Alemanha após agosto de 2004 eram meramente aparentes, basta salientar que a Comissão não entendeu que estas queixas fossem meramente «aparentes» como sustenta a recorrente. Em qualquer caso, tais temores não são suscetíveis de demonstrar a falta de acordo, e isso pelos mesmos motivos pelos quais os argumentos relativos às queixas foram rejeitados (v. n.os 353 a 359 supra). Neste contexto, importa sublinhar que, como se assinalou no n.° 263 supra, a nota da recorrente de abril de 2005 não permite ilustrar uma política de preços agressiva da sua parte da Alemanha. De resto, há que recordar que, segundo a jurisprudência referida no n.° 357 supra, num contexto concorrencial normal, não parece previsível que uma empresa reaja às críticas do seu concorrente relativamente à sua política de preços e tente relativizar a perceção de uma política de preços agressiva, como o fez a recorrente na referida nota, que foi redigida na sequência de queixas da E.ON. Esta nota não é, portanto, pertinente para demonstrar a inexistência de acordo. Na realidade, como alega a Comissão, nas circunstâncias do caso em apreço, os temores expressos pela E.ON tendem a demonstrar que as empresas em causa velavam por que o acordo fosse respeitado, pelos motivos expostos no n.° 354 supra. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, isso não equivale a inverter o ónus da prova, na medida em que esta afirmação deve ser lida em relação com os outros elementos de prova que mostram o prosseguimento de um comportamento infracional após agosto de 2004.

361    Em terceiro lugar, contrariamente ao que afirma a recorrente, foi com razão que a Comissão entendeu, no considerando 124 da decisão impugnada, que tinha reagido às queixas da E.ON relativas à sua política de preços sobre o segmento das [confidencial] na Alemanha, com base nas notas de 9 de fevereiro e de abril de 2005. A este respeito, basta recordar que a nota de 9 de fevereiro de 2005 indica que será necessário trabalhar a questão das acusações da E.ON e que a nota de 9 de abril de 2005 foi redigida na sequência de queixas da E.ON a relativamente ao seu posicionamento tarifário no âmbito das vendas às [confidencial] que destruiria o valor das vendas na Alemanha. Existe assim efetivamente uma ligação entre queixas da E.ON relativas à política da recorrente e as reações desta última. Nestas condições, não se pode sustentar que a leitura da Comissão está incorreta. A este respeito, deve sublinhar‑se que, ao contrário do que defende a recorrente, a Comissão não considerou, na decisão impugnada, que a nota de 9 de abril de 2005 preconizava temperar a agressividade da recorrente na Alemanha. Por último, cumpre precisar que, ao invés do que sustenta a recorrente, não se pode considerar que uma tal reação constitua um indício de boa gestão. Com efeito, resulta claramente da referida nota que o objetivo era relativizar a perceção da E.ON e não conservar o nível de rentabilidade da recorrente na Alemanha, como esta pretende.

362    Em quarto lugar, quanto aos documentos relativos à reunião de 21 de setembro de 2005, concretamente uma nota de briefing de 20 de setembro de 2005, preparada para essa reunião e um correio eletrónico de 22 de setembro de 2005 que faz uma síntese desta, os quais são evocados nos considerandos 132 e 133 da decisão impugnada, deve assinalar‑se, a título liminar, que, como finalmente o admitiu em resposta a uma questão do Tribunal Geral colocada na audiência, a Comissão apoiou‑se neles para considerar que a E.ON continuava a queixar‑se da concorrência feita pela recorrente na Alemanha e que os seus comportamentos se incluíam mais no domínio da concertação do que no da concorrência. Estes documentos foram portanto imputados como elementos de acusação, contrariamente ao que alegava inicialmente a Comissão nos seus articulados.

363    Em seguida, há que declarar que a argumentação da recorrente que se refere a este ponto deve ser afastada. Com efeito, sem que seja necessário examinar a nota de briefing de 20 de setembro de 2005 preparada com vista à reunião do dia seguinte, basta assinalar que, longe de pôr em evidência, como sustenta a recorrente, que [confidencial], a ata desta reunião permite demonstrar o caráter colusório do comportamento das empresas em causa. Na verdade, resulta desta que a recorrente indicou que não via a Alemanha como um mercado fundamental e que, recentemente, nove propostas só tinham logrado obter um único cliente. Indicou igualmente ter mesmo perdido clientes. Assim, inclusive alguns dias antes da data de cessação da infração considerada pela Comissão, a recorrente trocou com a E.ON informações relativas à sua política comercial na Alemanha. Tais informações eram suscetíveis de influenciar o comportamento da E.ON no mercado, que podia conhecer a situação da recorrente relativamente aos clientes alemães, e desvendavam o comportamento que pretendia adotar nesse mercado. Ora, a exigência de autonomia da política de qualquer operador económico, que é inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto direto ou indireto entre tais operadores que possa influenciar o comportamento no mercado de um concorrente atual ou potencial ou desvendar a tal concorrente o comportamento que ele próprio decidiu ou planeia ter no mercado, quando esses contactos tiverem por objetivo ou por efeito redundar em condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa. A esse propósito, há que presumir, sem prejuízo de prova em contrário a cargo dos operadores interessados, que as empresas que participam na concertação e que continuam com atividade no mercado têm em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento neste mercado (v., neste sentido, acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 275 supra, n.os 117 e 121). Tendo presente essa jurisprudência, deve admitir‑se que a reunião de 21 de setembro de 2005 serviu de quadro a uma concertação contrária ao artigo 81.°, n.° 1, CE, dado que a recorrente nem sequer tentou apresentar a prova de que não teve em conta as informações em causa.

364    Foi, portanto, sem errar que a Comissão tomou em consideração os documentos relativos à reunião de 21 de setembro de 2005 para considerar que o intercâmbio entre as empresas em causa se incluía mais no domínio da concertação do que no da concorrência.

365    Por último, os argumentos da recorrente destinados a contestar a existência de uma troca de informações foram já rebatidos no âmbito do exame do segundo fundamento, para o qual se remete consequentemente. Recorda‑se igualmente que a ata da reunião de 21 de setembro de 2005 demonstra, por si só, que as empresas em causa trocaram informações suscetíveis de influenciar os seus comportamento no mercado e de desvendá‑los, sendo uma tal troca proibida pelo artigo 81.° CE.

366    Resulta de todas as considerações precedentes que a segunda parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

c)     Quanto à terceira parte

367    No âmbito da presente parte do fundamento, a recorrente sustenta que decisão impugnada padece de violação do artigo 81.° CE e das regras relativas à produção da prova e de falta de fundamentação, na medida em que não apresenta nenhum elemento probatório respeitante à existência da infração no mercado francês após 13 de agosto de 2004.

368    A este respeito, há que lembrar que decorre do artigo 1.° da decisão impugnada que a infração durou de 1 de janeiro de 1980 pelo menos a 30 de setembro de 2005, quanto à infração cometida na Alemanha, e de 10 de agosto de 2000 pelo menos a 30 de setembro de 2005, em relação à infração cometida em França.

369    No entanto, importa desde logo observar que nenhuma prova documental corrobora a continuação da infração após 13 de agosto de 2004, quer sob a forma de acordo quer de prática concertada. Assim, o último documento relativo ao mercado francês é a nota de briefing interna da E.ON Ruhrgas de 26 de junho de 2004, relativa à reunião Tour d’horizon de 2 de julho de 2004, que é anterior a 13 de agosto de 2004, data do acordo de 2004. No que diz respeito, mais precisamente, às reuniões e aos intercâmbios nos quais, segundo o considerando 307 da decisão impugnada, as empresas em causa discutiam a sua estratégia respetiva no mercado nacional uma da outra depois de agosto de 2004, há que assinalar que a Comissão não se refere, no referido considerando, a nenhum elemento documental preciso relativo a uma reunião que teria sido respeitante ao mercado francês. Além disso, os documentos referentes às reuniões posteriores a 13 de agosto de 2004, citados nos considerandos 123, 124 e 130 a 136 da referida decisão só respeitam ao mercado alemão do gás e não ao mercado francês.

370    Em seguida, a Comissão não invoca o comportamento da E.ON no mercado francês para demonstrar o prosseguimento do acordo neste mercado. A Comissão não fez designadamente referência às vendas da E.ON em França, ao passo que o fez, no considerando 300 da decisão impugnada, quanto às vendas da recorrente na Alemanha.

371    Por outro lado, relativamente às restrições respeitantes aos pontos de saída do gasoduto MEGAL que podiam ser aplicadas à E.ON em França, nomeadamente às que são suscetíveis de decorrer do anexo 2 do acordo MEGAL, estas não são sequer invocadas pela Comissão. Com efeito, esta última só se refere, nos considerandos 299, 300 e 307 da decisão impugnada, às restrições contratuais que impedem a recorrente de utilizar os pontos de saída do referido gasoduto na Alemanha para abastecer clientes. De qualquer forma, não obstante as disposições do anexo 2 do acordo MEGAL a seu respeito, a E.ON pôde retirar gás do gasoduto MEGAL para o vender, em França, mesmo que estas vendas representassem apenas uma pequena quota de mercado e só respeitassem a poucos clientes, como resulta dos considerandos 73 e 101 da decisão impugnada.

372    Por último, há que assinalar que não se pode considerar que a afirmação da Comissão, que figura no considerando 304 da decisão impugnada, segundo a qual o facto de as empresas em causa terem negociado um novo acordo indica que estas ainda se sentiam vinculadas pelo acordo existente ou que a afirmação da Comissão segundo a qual, na falta de um novo acordo, o antigo continuava em vigor, permitam sustentar de forma suficiente as suas conclusões relativas ao mercado francês. Tais considerações não podem ser vistas como provas suficientemente precisas e concordantes de que a infração se manteve, em França, após o acordo de 2004.

373    Há portanto que concluir que, na decisão impugnada, a Comissão não apresentou qualquer elemento que permita concluir que a infração perdurou, na sequência do acordo de 2004, no mercado francês. Na audiência, a Comissão reconheceu, de resto, que não dispunha, relativamente à situação do mercado francês, de provas comparáveis às relativas à situação no mercado alemão.

374    Ora, uma vez que o artigo 1.° da decisão impugnada faz uma distinção entre a duração da infração no mercado alemão e no mercado francês, a Comissão devia igualmente sustentar a sua conclusão quanto a este último mercado. Por outras palavras, por ter caracterizado, no artigo 1.°, períodos de infração distintos no mercado alemão e no mercado francês, a Comissão devia fornecer as provas necessárias que permitam demonstrar suficientemente a existência da infração nesses dois mercados e durante os dois períodos indicados. Com efeito, incumbe‑lhe o ónus da prova quanto à existência da infração e, portanto, à sua duração (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 70 supra, n.° 341 e jurisprudência referida).

375    Estas considerações não são postas em causa pela circunstância de a infração constituir uma infração única e continuada. Com efeito, esta circunstância quanto à natureza da infração verificada não tem influência no facto de que, uma vez que a Comissão mencionou deliberadamente, no dispositivo da decisão impugnada, um período de infração distinta no mercado francês e no mercado alemão, tinha obrigação de fazer prova bastante das durações assim consideradas.

376    Do mesmo modo, o argumento da Comissão segundo o qual nenhum elemento demonstra uma cessação antecipada da infração em causa apenas no mercado francês não pode ser acolhido, na medida em que o ónus da prova que lhe incumbe não pode ser cumprido pela simples declaração de que nada indica que a referida infração não tenha cessado, não obstante o acordo de 2004.

377    Por outro lado, quanto à alegação da Comissão de que uma cessação antecipada está em contradição com um acordo de repartição de mercados ou não corresponde a nenhuma lógica, basta salientar que tal alegação não é suscetível de demonstrar a persistência da infração em causa nos dois mercados em questão. De resto, ela está em contradição, como assinala a recorrente, com a própria afirmação da Comissão de que a infração em causa não se iniciou nas mesmas datas. A argumentação da Comissão segundo a qual a assimetria relativa à data de início da infração se explica unicamente pela circunstância de que o acordo em causa não podia produzir os seus efeitos no mercado francês enquanto este estivesse fechado à concorrência e segundo a qual a assimetria relativa à data de cessação é uma questão factual, não é convincente a este respeito. De resto, a afirmação da Comissão de que as empresas em causa continuaram a respeitar as notas de acompanhamento após o acordo de 2004, tanto na Alemanha como em França, não está de todo sustentada em relação a este último país.

378    Por conseguinte, a Comissão não fez prova bastante de que a infração em causa perdurou em França durante o período compreendido entre 13 de agosto de 2004 e 30 de setembro de 2005.

379    Por conseguinte, há que anular o artigo 1.° da decisão impugnada na parte em que declara que a infração persistiu, em França, durante este período.

B –  Quanto aos pedidos de supressão ou de redução do montante da coima

1.     Quanto aos pedidos de supressão do montante da coima

380    Em apoio dos seus pedidos de supressão do montante da coima, a recorrente invoca um fundamento único relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da irretroatividade.

381    A recorrente alega no essencial, que, ao aplicar‑lhe uma coima quando não o fez em processos anteriores semelhantes, a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da irretroatividade.

382    Há que salientar também que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 tem por objeto conferir à Comissão o poder de aplicar coimas para lhe permitir exercer a missão de fiscalização que lhe confere o direito da União (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 288 supra, n.° 105, e acórdão do Tribunal Geral de 9 de julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colet., p. II‑2597, n.° 105). Essa missão inclui a instrução e a repressão das infrações individuais e o dever de prosseguir uma política geral dirigida a aplicar em matéria de concorrência os princípios consagrados no Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido. Daí resulta que a Comissão deve garantir o caráter dissuasor das coimas (acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 2010, Gütermann e Zwicky/Comissão, T‑456/05 e T‑457/05, Colet., p. II‑1443, n.° 79).

383    No caso em apreço, a Comissão entendeu, no considerando 320 da decisão impugnada, que a aplicação de coimas não viola o princípio da igualdade de tratamento. Segundo ela, as circunstâncias que conduziram às decisões anteriores mencionadas pelas empresas em causa no procedimento administrativo diferem das do caso em apreço, pelo que não se verifica uma situação comparável que tenha sido objeto de um tratamento diferente. A este respeito, a Comissão tomou em conta a natureza da infração em causa no considerando 321 da referida decisão bem como o contexto, o âmbito de aplicação e a sua duração no considerando 322 desta decisão. Por último, refutou os argumentos segundo os quais as empresas em causa podiam legitimamente esperar que a Comissão não aplicasse coimas por estas ignorarem, antes das decisões adotadas nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL, que tinham cometido uma infração ou por nenhuma coima ter sido aplicada na primeira decisão (v. considerandos 323 a 325 da decisão impugnada).

384    É à luz destes elementos que há que examinar as acusações feitas no âmbito do presente fundamento pela recorrente.

385    No que diz respeito, em primeiro lugar, à acusação relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a prática decisória anterior da Comissão não serve em si mesma de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este está definido unicamente no Regulamento n.° 1/2003 e nas orientações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colet., p. II‑4071, n.° 254 e jurisprudência referida). Assim, as decisões referentes a outros processos só podem assumir caráter indicativo no que respeita à eventual existência de discriminações, posto que é pouco provável que os dados circunstanciais desses processos, tais como os mercados, os produtos, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colet., p. I‑4405, n.° 60).

386    No entanto, o respeito do princípio da igualdade de tratamento, que se opõe a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente ou a que situações diferentes sejam tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objetivas, impõe‑se à Comissão quando aplica uma coima a uma empresa, por infração às regras da concorrência, como a qualquer instituição no exercício de todas as suas atividades (v. acórdão do Tribunal Geral de 13 de janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colet., p. II‑49, n.° 187 e jurisprudência referida).

387    Não é menos verdade que as decisões anteriores da Comissão em matéria de coimas só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão, T‑59/02, Colet., p. II‑3627, n.° 316 e jurisprudência referida).

388    Ora, no caso em apreço, como decorre dos n.os 389 a 396, infra, os dados circunstanciais dos processos relativos às decisões anteriores invocadas pela recorrente não são comparáveis com os do caso em apreço, pelo que as referidas decisões não são relevantes, à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 387 supra.

389    Com efeito, em primeiro lugar, nos processos Sonatrach, E.ON/Gazprom, OMV/Gazprom, ENI/Gazprom e NLNG, não foi aplicada qualquer coima pelo motivo que a Comissão encerrou estes processos sem adotar uma decisão formal que declara a existência de uma infração, em particular atendendo aos compromissos assumidos pelas empresas em causa. Ora, no caso em apreço, a situação é diferente dado que a Comissão encerrou o procedimento com uma decisão que declara uma infração às disposições do artigo 81.° CE.

390    Em segundo lugar, contrariamente ao que pretende a recorrente, a situação do presente processo é diferente da que estava em causa nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL.

391    Desde logo, o facto de os comportamentos em causa terem ocorrido no setor do gás, no decurso de um período concomitante, caracterizado pela liberalização e portanto por uma evolução profunda do setor, não pode, por si só, demonstrar que as circunstâncias dos processos GDF/ENI e GDF/ENEL são comparáveis às do presente caso.

392    Em seguida, nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL, a Comissão levou em conta o facto de se tratar da primeira decisão relativa a restrições territoriais no setor do gás. Ora, tal já não ocorre no presente caso.

393    Além disso, as restrições em causa diferem atendendo à sua natureza. Com efeito, as restrições em causa nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL tinham um caráter vertical, uma vez que eram resultantes, por um lado, de um acordo de trânsito e, por outro, de um contrato que podia ser considerado um contrato de transporte ou um contrato de compra e venda. Por outro lado, resulta da análise efetuada nestes processos pela Comissão relativamente à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 3, CE que ela própria entendia as restrições como restrições verticais. Ora, esta não é a situação no caso em apreço em que a restrição tem caráter horizontal, dado que faz parte de um acordo entre dois fornecedores a respeito da utilização de um gasoduto e é relativa às possibilidades respetivas de venda do gás no mercado um do outro. A este respeito, o facto de a Comissão ter afirmado que a eventual qualificação jurídica do contrato em causa no processo GDF/ENEL como sendo um contrato de serviço/transporte não impede que se considere a cláusula «para uma utilização do gás em Itália» como restritiva da revenda não é suscetível de pôr em causa a circunstância de que a natureza das restrições é diferente. Com efeito, esta afirmação diz respeito aos seus efeitos e não à sua natureza. Acresce que os processos GDF/ENI e GDF/ENEL são diferentes do presente caso, como a Comissão salientou, dado que esses processos diziam respeito a uma cláusula contratual que limitava unilateralmente o território no qual a ENI e a ENEL podiam utilizar o gás objeto do contrato, ao passo que tal não ocorre no caso em apreço, em que a restrição diz respeito aos territórios respetivos das empresas em causa. A este respeito, importa precisar, por um lado, que a recorrente não indica em que medida esta diferença não é pertinente e, por outro, que os seus argumentos relativos ao pretenso caráter assimétrico das notas de acompanhamento foram já refutados.

394    Além disso, contrariamente ao caso em apreço, nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL não foi identificada qualquer prática concertada. A pertinência desta diferença não pode ser posta em causa pelo facto, evocado pela recorrente, de, segundo a decisão impugnada, os conceitos de acordos e de práticas concertadas serem flexíveis e poderem sobrepor‑se e que, portanto, não havia que distinguir de forma precisa estes dois conceitos. Com efeito, a circunstância de que não é necessário distinguir estes dois tipos de infração não permite pôr em causa o facto de que os dois foram declarados no caso em apreço, ao passo que tal não ocorreu nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL. Quanto ao argumento da recorrente de que as reuniões e as trocas entre as empresas em causa de 1999 a 2005 não permitiram demonstrar a existência de uma infração autónoma de troca de informações sensíveis, independentemente das notas de acompanhamento, foi já afastado como resulta dos n.os 243 a 258 supra.

395    Por último, não obstante o erro constatado em relação à data de início da infração na Alemanha e o respeitante à data de cessação da infração em França, deve salientar‑se que a infração nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL foi cometida num período relativamente curto, a saber, cerca de dois anos, enquanto tal não ocorre no caso em apreço, em que a infração durou pelo menos sete anos na Alemanha e quatro em França. Os argumentos da recorrente para contestar esta diferença devem portanto ser igualmente afastados.

396    Resulta de todas as considerações antecedentes que a acusação relativa a uma violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser rejeitada.

397    Em segundo lugar, importa rejeitar a acusação relativa a uma violação do princípio da irretroatividade das penas, dado que a recorrente não apresenta, neste contexto, nenhum argumento autónomo dos invocados em apoio da acusação relativa a uma violação do princípio da igualdade de tratamento. Em qualquer caso, esta acusação não pode deixar de ser rejeitada, dado que, qualquer empresa implicada num procedimento administrativo que possa conduzir à aplicação de uma coima deve ter em conta a possibilidade de a Comissão, a todo o momento, decidir aumentar o nível do montante das coimas relativamente ao aplicado no passado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.° 229) e que o facto de a Comissão poder a todo o momento rever o nível geral de coimas no contexto da aplicação de uma outra política da concorrência é, portanto, razoavelmente previsível pelas empresas em causa. Esta apreciação não pode ser posta em causa pela indicação, evocada pela recorrente e que figura num comunicado de imprensa relativo às decisões GDF/ENI e GDF/ENEL, segundo o qual a Comissão mostraria menos clemência no caso de, após a adoção dessas decisões, dever demonstrar a existência de restrições do mesmo tipo em outros contratos de gás. Com efeito, não se pode deduzir daqui, por falta de menção explícita a este respeito, que quer no referido comunicado de imprensa quer nas referidas decisões a Comissão não pretendia sancionar infrações que tivessem começado antes destas decisões. De resto, já se salientou que a situação do presente processo difere da que estava em causa nos processos GDF/ENI e GDF/ENEL (v. n.os 390 a 396 supra). Foi portanto sem razão que a recorrente afirma que, em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da irretroatividade das penas, a Comissão reconheceu formalmente que qualquer endurecimento da sua política de sanções só poderia ter efeitos para as práticas posteriores às referidas decisões.

398    Por último, quanto à acusação relativa a uma violação do princípio da proporcionalidade, há que rejeitar por não ser pertinente no caso em apreço a argumentação da recorrente de que a Comissão não pode aplicar uma coima por uma infração cujas características justificaram que, num processo semelhante anterior, nenhuma sanção financeira tenha sido considerada proporcionada, sem violar o princípio da proporcionalidade. Com efeito, o simples facto de a Comissão não ter aplicado uma coima ao autor de uma violação das regras da concorrência não pode impedir, em si mesmo, que se aplique uma coima ao autor de uma infração da mesma natureza (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, Colet., p. II‑1011, n.° 487). Além disso, as circunstâncias dos processos que conduziram às decisões invocadas pela recorrente não são comparáveis com as do caso em apreço (n.os 389 a 396 supra). Quanto à alegação da recorrente segundo a qual a Comissão entendeu implicitamente que era contrário a este princípio impor sanções financeiras por comportamentos como os do caso em apreço numa época em que o direito ainda não estava clarificado, a mesma deve ser afastada. Com efeito, tal posição da Comissão não pode ser inferida, como parece defender a recorrente, do facto de ter indicado, num comunicado de imprensa relativo ao processo GDF/ENEL, que pretendia clarificar o direito, em benefício não apenas das empresas em causa nestes processos, mas também no de todas as que estão ativas no setor. Tal circunstância relativa à necessidade de clarificar o direito só é com efeito evocada pela Comissão, nesse comunicado de imprensa, para justificar o facto de que tinha interesse em adotar uma decisão formal respeitante a uma infração passada. Semelhante circunstância não é em contrapartida pertinente no âmbito da determinação da coima no caso em apreço. O mesmo vale para a afirmação da Comissão, que consta das decisões GDF/ENI e GDF/ENEL, de que é preciso evitar que as empresas do setor considerem ou continuem a considerar, erradamente, que práticas como as observadas no caso em apreço são conformes com o direito da União. A acusação relativa a uma violação do princípio da proporcionalidade deve, portanto, ser igualmente afastada.

399    Por último, nenhum outro motivo justifica que o Tribunal Geral reforme a decisão impugnada no que respeita ao montante da coima atendendo aos princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da irretroatividade.

400    Resulta de todas as considerações precedentes que o fundamento único invocado em apoio dos pedidos de supressão da coima deve ser julgado improcedente.

401    O Tribunal Geral entende, além disso, que nenhum motivo ligado a um fundamento de ordem pública que é obrigado a suscitar oficiosamente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, Colet., p. I‑12789, n.° 131) justifica que faça uso do seu poder de reforma para suprimir a coima.

2.     Quanto aos pedidos de redução do montante da coima

402    Em apoio dos seus pedidos de redução do montante da coima, a recorrente invoca, após uma desistência parcial na fase da réplica, cinco fundamentos, relativos, o primeiro, ao facto de a infração alegada respeitante ao mercado francês do gás não ter sido suficientemente provada e de a decisão impugnada padecer de falta de fundamentação a esse respeito, o segundo, a uma apreciação errada da duração da infração, o terceiro, a uma apreciação errada da gravidade da infração, o quarto, a uma apreciação errada da necessidade de aplicar um montante adicional de 15% e, o quinto, a uma apreciação errada das circunstâncias atenuantes.

a)     Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a infração alegada respeitante ao mercado francês do gás não ter sido suficientemente provada e de a decisão impugnada padecer de falta de fundamentação a esse respeito

403    A recorrente alega que, dado a Comissão não ter feito prova bastante da existência de uma infração respeitante ao mercado francês do gás e a decisão impugnada padecer de falta de fundamentação a esse respeito, o montante da coima que lhe foi aplicada deve ser reduzido numa proporção correspondente às suas vendas em França.

404    A este respeito, basta salientar que os argumentos da recorrente relativos à prova da existência de uma infração respeitante ao mercado francês e à fundamentação da decisão impugnada relativa àquela, foram rejeitados no âmbito do exame do terceiro fundamento exposto em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada, e que o presente fundamento não apresenta um alcance autónomo em relação aos referidos argumentos.

405    Além disso, o Tribunal Geral considera que, atendendo à existência da infração no mercado francês, nenhum outro motivo justifica que faça uso do seu poder de reforma no que respeita ao montante da coima.

406    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

b)     Quanto ao segundo fundamento, relativo à apreciação errada da duração da infração

407    Através do presente fundamento, a recorrente alega que a Comissão apreciou de forma errada a duração da infração. Segundo ela, não existia infração antes de agosto de 2000 na Alemanha e de janeiro de 2003 em França. Além disso, também não existiria infração após agosto de 2004 em França e na Alemanha ou, subsidiariamente, após agosto de 2004 em França. A recorrente entende que a duração e o valor das vendas em relação à infracção alegada devem ser consequentemente reduzidos bem como, portanto, o montante da coima.

408    A este respeito, importar recordar, antes de mais, que, como resulta do exame da terceira parte do quarto fundamento apresentado em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada, a Comissão não fez prova bastante de que a infração em causa perdurou após 10 de agosto de 2004, e até 30 de setembro de 2005, na parte em que se refere ao mercado francês do gás. É, portanto, oportuno que o Tribunal Geral reduza, fazendo uso do seu poder de reforma, o montante da coima aplicada à recorrente para ter em conta a duração da infração no referido mercado. As consequências concretas do exercício deste poder serão precisadas nos n.os 458 a 466 infra.

409    Em seguida, dado que os argumentos da recorrente visam demonstrar, por um lado, que não podia ser considerada existente qualquer infração no mercado alemão antes de agosto de 2000 e no mercado francês antes de janeiro de 2003 e, por outro lado, que não podia ser considerada existente qualquer infração após agosto de 2004 no mercado alemão, foram já refutados no âmbito do exame dos fundamentos apresentados em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada, há que julgar improcedente o presente fundamento na parte em que diz respeito aos referidos argumentos, uma vez que, não tem, nesta medida, um alcance autónomo em relação a estes.

410    Por último, importa rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral pode reduzir o montante da coima que lhe foi imposta com base no facto de a Comissão não ter demonstrado por que razão o raciocínio que a levou a só tomar em consideração o período posterior a abril de 1998 para calcular o montante da coima relativamente ao mercado alemão (embora a infração tenha começado desde 1 de janeiro de 1980), não podia aplicar‑se ao período compreendido entre o fim de abril de 1998 e agosto de 2000, não obstante a inexistência do ATR durante esse período. Com efeito, no considerando 372 da decisão impugnada, a Comissão indicou, quanto ao período que vai de 1998 a 2000, que, ao revogar a isenção do direito da concorrência aplicável aos acordos de demarcação em 24 de abril de 1998, o legislador alemão deixou claro que o setor do gás devia ser aberto à concorrência após esta data. Além disso, no âmbito do exame do primeiro fundamento apresentado em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada, nenhum elemento permitiu considerar que a Comissão tinha entendido erradamente que existia, na Alemanha, uma concorrência potencial após 1998.

411    Por último, o Tribunal Geral entende que nenhum motivo justifica que faça uso do seu poder de reforma, como sugere a recorrente, relativamente ao montante da coima, atendendo à duração da infração, para além das consequências evocadas no n.° 408 supra.

412    Resulta do que precede que o presente fundamento deve ser julgado improcedente, salvo na parte em que se refere à cessação da infração no mercado francês.

c)     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à apreciação errada da gravidade da infração

413    Com o presente fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada está viciada de erro e de uma violação do princípio da proporcionalidade no que respeita à determinação da gravidade da infração. Referindo‑se à natureza da infração bem como ao facto de esta não ter sido posta em prática e de não ter tido efeitos, sustenta que a percentagem do valor das vendas considerada pela Comissão para determinar o montante de base da coima, no caso vertente 15%, é excessiva e deve ser reduzida pelo Tribunal Geral.

414    A esse respeito, há que lembrar que, segundo a jurisprudência, o montante das coimas deve ser graduado em função das circunstâncias da violação e da gravidade da infração, devendo a apreciação da gravidade da infração para o efeito da fixação do montante da coima ser efetuada levando em conta a natureza das restrições causadas à concorrência (v. acórdão do Tribunal Geral de 23 de fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colet., p. II‑49, n.° 143 e jurisprudência referida).

415    Assim, para apreciar a gravidade das infrações às normas da concorrência imputáveis a uma empresa, a fim de determinar um montante de coima que lhe seja proporcional, a Comissão pode ter em conta a duração particularmente longa de certas infrações, o número e a diversidade das infrações, que abrangeram a totalidade ou a quase totalidade dos produtos da empresa em causa, alguns dos quais afetaram todos os Estados‑Membros, a gravidade particular de infrações integradas numa estratégia deliberada e coerente com vista, através de diversas práticas eliminatórias dos concorrentes e de uma política de fidelização dos clientes, a manter artificialmente ou a reforçar a posição dominante da empresa em mercados onde a concorrência já era limitada, os efeitos de abuso particularmente nefastos no plano da concorrência e a vantagem obtida pela empresa com as suas infrações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colet., p. II‑755, n.os 240 e 241).

416    Por força dos pontos 19 e 21 das orientações de 2006, o montante de base da coima está ligado a uma proporção do valor das vendas, que pode ir até 30%, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração. Além disso, segundo o ponto 20 das referidas orientações, a apreciação da gravidade é feita numa base casuística para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso.

417    No caso em apreço, para determinar a gravidade da infração, a Comissão teve designadamente em conta, como resulta do considerando 364 da decisão impugnada, o facto de os acordos de repartição de mercados constituírem, pela sua própria natureza, um dos tipos de infração mais graves às disposições do artigo 81.° CE, o facto de as empresas se terem concertado para porem de pé, em reuniões regulares, um projeto secreto e institucionalizado destinado a restringir a concorrência no setor do gás, o facto de o acordo e as práticas concertadas terem sido concebidos, dirigidos e encorajados aos mais altos níveis de cada empresa, e de terem sido inteiramente explorados no interesse destas empresas e em detrimento dos seus clientes e, em última instância, dos consumidores finais bem como o facto de a infração ter abrangido o gás transportado para a França e a Alemanha através do gasoduto MEGAL, ou seja uma parte substancial do mercado comum. Concluiu, no considerando 365 da referida decisão, que uma percentagem de 15% das vendas em causa devia ser aplicada tendo em conta a natureza da infração.

418    Nenhum dos elementos avançados pela recorrente permitiu pôr em causa esta apreciação.

419    Com efeito, o exame dos fundamentos invocados em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada não permitiu pôr em causa a participação das empresas em causa, declarada no considerando 2 da decisão impugnada, numa infração complexa, única e continuada ao artigo 81.° CE, que tem por efeito restringir a concorrência no seu mercado nacional respetivo, e que dá lugar, em particular, à repartição dos mercados e à troca de informações confidenciais relativamente ao fornecimento de gás natural transportado pelo gasoduto MEGAL. A este respeito, há que salientar que as alegações da recorrente a respeito da natureza da infração e segundo as quais, por um lado, as notas de acompanhamento não eram um acordo horizontal caracterizado pela repartição de mercados, mais constituiriam no máximo uma cláusula de destino e, por outro lado, as reuniões e outros contactos entre as empresas em causa não permitiam identificar uma das restrições da concorrência, inclusive se fossem analisadas de maneira independente das notas de acompanhamento, já foram refutadas no âmbito do exame dos fundamentos apresentados em apoio dos pedidos de anulação da decisão impugnada (v. designadamente, n.os 243 a 258 e 341 supra). De resto, o serviço jurídico da recorrente reconheceu, nos seus correios eletrónicos de 9 e 17 de fevereiro de 2000, que a nota Direktion G se assemelhava a uma vasta «repartição de mercados», o que mostra que a recorrente tinha perfeitamente consciência do caráter anticoncorrencial dessa nota.

420    Ora, tal infração patente ao direito da concorrência é, pela sua própria natureza, especialmente grave. É contrária aos objetivos mais fundamentais da União e, em especial, à realização do mercado único (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 22 de abril de 1993, Peugeot/Comissão, T‑9/92, Colet., p. II‑493, n.° 42). Isso é confirmado pelo ponto 23 das orientações de 2006 que precisa que acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves.

421    O ponto 23 das orientações de 2006 enuncia igualmente que, no âmbito da política da concorrência, estes acordos serão sancionados severamente e que, por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala que é compreendida, em conformidade com o ponto 21 das referidas orientações, entre 0% e 30%.

422    Nestas condições, foi sem errar que a Comissão entendeu, na decisão impugnada, que uma percentagem de 15% das vendas em causa devia ser aplicada tendo em conta a natureza da infração.

423    Importa igualmente afastar os argumentos da recorrente respeitantes à aplicação e aos efeitos da infração, dado que, em conformidade com o ponto 23 das orientações de 2006, a Comissão podia fixar um montante tendo apenas em conta o critério da natureza da infração. Em qualquer caso, em relação, por um lado, à sua aplicação, resulta do considerando 228 da decisão impugnada que as empresas em causa puseram em prática durante anos o acordo em causa bem como uma prática concertada, o que não foi posto em questão no âmbito do exame dos pedidos de anulação da referida decisão. Tratando‑se, por outro lado, dos efeitos da infração no mercado, a Comissão estimou, no mesmo considerando, que, uma vez que tinham sido aplicados, podia presumir‑se que os acordos colusórios tinham a seguir produzido efeitos anticoncorrenciais concretos no mercado, no sentido de que a infração reforçou os monopólios existentes antes da liberalização e retardou o efeito dela.

424    Por último, nenhum outro motivo justifica que o Tribunal Geral faça uso do seu poder de reforma relativamente ao montante da coima, atendendo à gravidade da infração.

425    Daqui se conclui que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

d)     Quanto ao quarto fundamento, relativo à apreciação errada da necessidade de aplicar um montante adicional de 15%

426    Mediante o presente fundamento, a recorrente alega que a Comissão não podia impor um montante adicional de 15% com base no facto de que os acordos de repartição de mercados justificam em geral, pela sua natureza, a aplicação de um montante adicional de pelo menos 15%.

427    A este respeito, importa recordar que, quanto ao cálculo do montante das coimas, o ponto 25 das orientações de 2006 prevê que, independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas, a fim de dissuadir as empresas de participarem em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção. A Comissão pode igualmente aplicar tal montante adicional no caso de outras infrações.

428    Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, o referido ponto precisa que a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22 das orientações de 2006, a saber, a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

429    No caso em apreço, a Comissão indicou, no considerando 375 da decisão impugnada, que os acordos de repartição de mercados justificam em geral, por natureza, a aplicação de um montante adicional de pelo menos 15% e que, no caso vertente, não era necessário aplicar um montante adicional superior a 15%. Esta apreciação deve ser acolhida.

430    Com efeito, basta recordar que foi com razão que a Comissão estimou que os referidos comportamentos constituíam um acordo horizontal de repartição de mercados (v. designadamente, n.° 419 supra) e não uma cláusula de restrição territorial cujo caráter repreensível a Comissão só identificou recentemente, como sustenta a recorrente (v, designadamente, n.os 341 e 393 supra). Ora, para este género de infração, as orientações de 2006 preveem a inclusão no montante de base da coima de uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas. Nestas condições, a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto, impor um montante adicional de 15%.

431    Em qualquer caso, mesmo supondo que a infração em causa não tenha caráter horizontal, há que constatar que o ponto 25 das orientações de 2006 permite à Comissão aplicar um montante adicional a infrações diversas da deste tipo.

432    Quanto aos argumentos da recorrente segundo os quais é contrário aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade validar tal montante adicional, quando processos de natureza comparável foram encerrados sem adoção de decisão formal, devem ser igualmente rejeitados. Com efeito, contrariamente ao caso em apreço, nos processos evocados pela recorrente, a Comissão não verificou a existência de uma infração. Ela não podia, portanto, impor uma sanção e aplicar tal montante adicional. Acresce que os processos evocados pela recorrente diziam respeito, como se salientou no n.° 389, supra, a restrições de caráter vertical e não horizontal como no caso em apreço.

433    Por último, o Tribunal Geral considera que nenhum outro motivo justifica que faça uso do seu poder de reforma no que respeita ao montante da coima atendendo ao montante adicional que foi aplicado.

434    Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

e)     Quanto ao quinto fundamento, relativo à apreciação errada das circunstâncias atenuantes

435    Com o presente fundamento, a recorrente defende que a Comissão cometeu um erro ao recusar conceder‑lhe o benefício de circunstâncias atenuantes ligadas ao facto, por um lado, de que teve uma participação reduzida na infração em causa e, por outro, de que o seu comportamento foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação.

436    A este respeito, há que salientar que resulta do ponto 29 das orientações de 2006 que o montante de base da coima pode ser diminuído, designadamente, quando: o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação, ou quando a empresa em causa prova que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e demonstra por conseguinte que, durante o período em que aderiu aos acordos que deram lugar à referida infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado.

437    Em primeiro lugar, no que respeita à circunstância atenuante ligada a uma participação reduzida na infração em causa, a Comissão entendeu, no considerando 383 da decisão impugnada, que as provas refutavam a tese das empresas em causa segundo a qual o acordo de repartição de mercados e as práticas concertadas não tinham sido postos em prática.

438    A recorrente objeta contudo que a Comissão não teve em conta os elementos que demonstram que ela adotou um comportamento concorrencial.

439    No caso em apreço, há que assinalar que para beneficiar da circunstância atenuante ligada a uma participação reduzida na infração em causa, a recorrente deve demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos que deram lugar à referida infração, se subtraiu efetivamente à sua aplicação adotando um comportamento competitivo no mercado ou, no mínimo ou, pelo menos, que violou claramente e de modo considerável o compromisso de aplicar esse acordo, a ponto de ter perturbado o próprio funcionamento do mesmo (acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, Colet., p. II‑713, n.° 113). Noutros termos, deve demonstrar que não aplicou os acordos controvertidos, tendo, a esse propósito, um comportamento no mercado suscetível de contrariar os efeitos anticoncorrenciais da infração verificada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 26 de abril de 2007, Bolloré e o./Comissão, T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colet., p. II‑947, n.° 629).

440    Ora, importa assinalar que os elementos invocados pela recorrente não permitem demonstrar tal comportamento.

441    Com efeito, em primeiro lugar, importa recordar que uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o cartel em seu proveito (acórdão do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colet., p. II‑925, n.° 230). Nestas condições, o facto de a Comissão ter admitido que a recorrente tinha tentado contornar a restrição em causa não permite demonstrar um comportamento no mercado suscetível de contrariar os efeitos anticoncorrenciais da infração. O argumento da recorrente segundo o qual a Comissão se contradisse ao admitir que tinha tentado contornar a restrição em causa deve, portanto, ser rejeitado.

442    Em segundo lugar, nenhum elemento avançado pela recorrente é suscetível de demonstrar uma participação da infração em causa substancialmente reduzida ou a existência de um comportamento no mercado suscetível de contrariar os efeitos anticoncorrenciais da referida infração. Em particular, em razão das suas características, recordadas nos n.os 194 e 333 supra, designadamente o facto de só se terem iniciado em de outubro de 2004, o seu volume limitado e a circunstância segundo a qual não correspondem a volumes substancialmente superiores aos adquiridos no âmbito do PCG, as vendas de gás pela recorrente a partir do gasoduto MEGAL não conseguem fazer uma tal demonstração. O facto de a recorrente ter livremente participado no PCG não tem influência nestas considerações, como resulta do n.° 335 supra. Do mesmo modo, a existência de propostas, de angariações ou de pedidos de acesso à rede não é, enquanto tal, suscetível de demonstrar a existência de um comportamento concorrencial, visto que não conduziram a vendas substanciais de gás a partir do gasoduto MEGAL, em particular para além dos volumes adquiridos no âmbito do PCG. Além disso, [confidencial], refutada pela sua nota interna de abril de 2005 na qual ela própria reconhece que importa relativizar a perceção de um [confidencial] da sua parte no mercado alemão. Por último, como já se salientou, resulta de elementos documentais que constam do processo designadamente que a recorrente pretendia explorar com a E.ON soluções que permitissem uma concorrência razoável ou que temia que o gás russo pudesse cair «em más mãos» permitindo uma concorrência adicional ao longo do gasoduto MEGAL, o que contraria a existência de uma participação reduzida da recorrente no acordo. Acresce que nenhum elemento mostra que o funcionamento do acordo foi perturbado pelo comportamento da recorrente.

443    Em terceiro lugar, é sem razão que recorrente afirma que a Comissão efetua uma inversão do ónus da prova. Com efeito, na medida em que a Comissão provou a existência da infração em causa, competia à recorrente demonstrar, em conformidade com o ponto 29 das orientações de 2006, que a sua participação na infração era substancialmente reduzida e que, durante o período em que aderiu aos acordos que deram lugar à referida infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado. Quanto ao argumento da recorrente relativo ao facto de que devia demonstrar que o seu comportamento era suscetível de contrariar os efeitos do acordo no mercado, embora a Comissão não tivesse provado a existência destes últimos, o mesmo deve ser rejeitado. Com efeito, embora não tivesse de demonstrar os efeitos da infração em causa, como a autoriza de resto a jurisprudência, a Comissão entendeu, não obstante, que dado ter sido feita a prova de que os acordos anticoncorrenciais e a prática concertada tinham sido postos em prática ao longo dos anos, podia presumir‑se que os acordos colusórios produziram efeitos anticoncorrenciais concretos no mercado, no sentido de que a infração reforçou os monopólios existentes antes da liberalização e retardou o efeito dela.

444    Em segundo lugar, no que respeita à circunstância atenuante ligada ao facto de que o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação, a Comissão entendeu, no considerando 384 da decisão impugnada, que ela não se podia aplicar ao período que se seguiu ao início da liberalização, dado que, ao adotar e ao transpor a primeira diretiva gás, as autoridades da União e os Estados‑Membros mostraram a sua intenção de tornar competitivos os mercados do gás. A Comissão acrescentou que, embora as autoridades francesas não tenham respeitado o prazo de transposição desta diretiva, não impediram que os clientes elegíveis fossem abastecidos por novos concorrentes a partir de 10 de agosto de 2000, pelo que não há qualquer razão para vislumbrar aí uma medida das autoridades francesas autorizando ou incentivando um acordo ilícito de repartição do mercado. No considerando 385 da decisão impugnada, a Comissão precisou que, embora devesse considerar‑se justificado afirmar que os poderes públicos autorizaram ou incentivaram a infração para todo o período que precedeu a adoção da primeira diretiva gás, esta afirmação já foi, em qualquer caso, tida em conta, na medida em que o período de infração considerado para o cálculo das coimas só se inicia em de abril de 1998 para a Alemanha e em 10 de agosto de 2000 para a França.

445    A este respeito, a recorrente objeta que a Comissão deveria ter reconhecido que o seu comportamento foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação.

446    Quanto em primeiro lugar, à alegação da recorrente de que as legislações alemã e francesa autorizavam, até à transposição efetiva da primeira diretiva gás, a compartimentação dos mercados do gás, há que recordar, no que diz respeito à Alemanha, que o quadro jurídico não excluía, como resulta do exame do primeiro fundamento relativo aos pedidos de anulação da decisão impugnada, a existência de uma concorrência potencial após 24 de abril de 1998.

447    No que respeita à França, decorre dos n.os 312 a 323 supra, que não apenas o quadro jurídico já não podia, a partir de 10 de agosto de 2000, autorizar ou incentivar a compartimentação do mercado, mas que, além disso, as medidas adotadas em França contribuíram (é certo que de maneira limitada) para o abrir a partir dessa data. A este respeito, importa assinalar que, contrariamente ao que afirma a recorrente, o facto de ter em conta a circunstância de que as autoridades francesas não impediram o abastecimento de clientes por novos concorrentes não equivale a reservar o benefício da circunstância atenuante em causa à hipótese em que a situação anticoncorrencial é imposta (e não apenas autorizada) pela regulamentação nacional. Isso mostra, de facto, que as autoridades francesas não pretendiam deixar subsistir e, portanto, autorizar, a compartimentação do mercado francês.

448    Importa igualmente assinalar que, enquanto empresa pública, a recorrente não podia, em qualquer caso, após 10 de agosto de 2000, fazer valer a situação em França dado que figura entre o número de entidades às quais podem ser opostas as disposições de uma diretiva suscetíveis de produzir efeitos diretos, como resulta da jurisprudência referida no n.° 314 supra. Contrariamente ao que pretende a recorrente, esta jurisprudência não se destina a privá‑la, na sua qualidade de empresa pública, da possibilidade de invocar a circunstância atenuante em causa, mas demonstra que, nessa qualidade, ela não podia ter um comportamento contrário ao objetivo da diretiva, e que, portanto, o quadro jurídico francês não autorizava nem incentivava o comportamento em causa no caso em apreço.

449    Quanto às ações por incumprimento intentadas pela Comissão contra a República Francesa nos processos C‑159/94 e C‑259/01, não se pode inferir destas que a Comissão se contradisse ao recusar à recorrente o benefício da circunstância atenuante em causa no caso em apreço. Com efeito, não se pode deduzir daí que o quadro jurídico francês autorizava ou incentivava o acordo em causa no caso em apreço, mas, no máximo, que a Comissão entendia que as autoridades francesas não tinham cumprido as obrigações que lhes incumbiam por força dos artigos 30.°, 34.° e 37.° do Tratado CE que estabelecem direitos exclusivos de importação e de exportação para o gás e para a eletricidade, relativamente ao primeiro processo, ou as que lhes incumbiam por força da primeira diretiva gás por não a terem transposto corretamente, quanto ao segundo. De resto, a ação no processo C‑159/94 não foi admitida. Por último, não se pode inferir da afirmação feita pela Comissão de que o quadro regulamentar alemão não permitia uma concorrência efetiva dos novos operadores estrangeiros, que o referido quadro autorizava ou incentivava um comportamento anticoncorrencial.

450    Nestas condições, importa considerar que o comportamento anticoncorrencial em causa não foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação.

451    Em relação, em segundo lugar, ao facto de que o setor do gás estava em fase de liberalização durante o período de infração e que existiam incertezas quanto às regras aplicáveis, basta salientar que o mesmo não permite em caso algum demonstrar que o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação. Ainda que as autoridades alemãs e francesas tenham deixado subsistir um grau considerável de incerteza para os operadores sobre a legalidade dos seus comportamentos não apenas antes, mas igualmente após a liberalização, tal circunstância não permitiria provar que elas autorizaram ou incentivaram os comportamentos em causa no caso em apreço. É, portanto, sem razão que recorrente afirma que tal afirmação é suscetível de justificar que seja tido em conta, a título de circunstâncias atenuantes, o impacto do quadro regulamentar no cálculo da coima.

452    Acresce que, mesmo admitindo que, através da sua argumentação, a recorrente pretenda fazer valer que, atendendo ao contexto de liberalização e de incerteza resultante desta, cometeu a infração por negligência, é suficiente observar que os correios eletrónicos do seu serviço jurídico de 9 e de 17 de fevereiro de 2000 atestam claramente que ela tinha consciência do caráter de infração, pelo menos, da nota Direktion G.

453    Por último, importa afastar o argumento da recorrente baseado na Decisão C (2004) 4030 final da Comissão, de 20 de outubro de 2004, relativa a um processo nos termos do artigo 81.°[CE] (Processo COMP/C.38.238/B.2 – Tabaco em rama – Espanha). Com efeito, a Comissão não está vinculada pelas suas apreciações anteriores (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 123 e jurisprudência referida) e, em qualquer caso, a situação dos produtores de tabaco espanhóis não pode ser comparada à das empresas da dimensão das que estão em causa no caso em apreço, que são dos principais operadores no mercado europeu do gás e que se encontravam em situação de oligopólio à data dos factos.

454    Nestas condições, nenhum elemento permite considerar que a Comissão cometeu um erro ao não ter tido em conta a existência de circunstâncias atenuantes.

455    Além disso, nenhum outro elemento justifica que o Tribunal Geral faça uso do seu poder de reforma relativamente ao montante da coima, atendendo à existência de circunstâncias atenuantes.

456    Importa, portanto, julgar improcedente o quinto fundamento bem como, por via de consequência, todos os fundamentos invocados em apoio dos pedidos de redução da coima, exceto o segundo fundamento que foi parcialmente acolhido, o que implica que o Tribunal Geral faça uso do seu poder de reforma (v. n.° 408 supra).

457    O Tribunal Geral considera, além disso, que nenhum motivo ligado a um fundamento de ordem pública que é obrigado a suscitar oficiosamente (v., neste sentido, acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 401 supra, n.° 131) justifica que faça uso do seu poder de reforma para reduzir o montante da coima.

f)     Quanto à determinação do montante final da coima aplicada à recorrente

458    Como decorre do n.° 378 supra, a Comissão não demonstrou de forma bastante que a infração em causa se manteve após 10 de agosto de 2004, e isso até 30 de setembro de 2005, na medida em que é relativa ao mercado francês do gás.

459    Há portanto que reformar a decisão impugnada de modo a ter em conta, na determinação do montante final da coima a aplicar à recorrente, a duração da infração cometida no mercado francês, no caso de 10 de agosto de 2000 (v. n.° 323 supra) a 13 de agosto de 2004 (v. n.° 378 supra).

460    A este respeito, se tivesse sido aplicado o método utilizado pela Comissão para a fixação do montante da coima, tal como resulta dos considerandos 358 a 391 da decisão impugnada (percentagem de partida aplicada à média das vendas anuais em França × duração da infração em França) + (percentagem do montante adicional aplicado à média das vendas anuais em França) + (percentagem de partida aplicada à média das vendas anuais na Alemanha × duração da infração na Alemanha) + (percentagem do montante adicional aplicado à média das vendas anuais na Alemanha), utilizando‑se os dados retificados relativos à duração da infração em França (quatro anos em vez de cinco anos e meio) e a média das vendas em relação à infração no mercado francês [confidencial], o montante da coima da recorrente deveria ser de 267 milhões de euros [confidencial].

461    Todavia, há que recordar que a competência de plena jurisdição conferida, nos termos do artigo 229.° CE, ao Tribunal Geral pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, habilita‑o, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, que só permite negar provimento ao recurso de anulação ou anular o ato impugnado, a substituir a apreciação da Comissão pela sua e, consequentemente, a alterar o ato impugnado, mesmo sem o anular, tendo em conta todas as circunstâncias de facto, alterando nomeadamente a coima aplicada quando a questão do respetivo montante é submetida à sua apreciação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331, n.os 61 e 62, e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 86 e jurisprudência referida).

462    A este respeito, importa referir que o Tribunal Geral não está vinculado pelos cálculos da Comissão nem pelas orientações desta quando se pronuncia ao abrigo da sua competência de plena jurisdição (v., neste sentido, acórdão BASF e UCB/Comissão, n.° 326 supra, n.° 213 e jurisprudência referida), mas deve efetuar a sua própria apreciação, tomando em conta todas as circunstâncias do caso concreto.

463    Ora, no caso em apreço, a aplicação do método utilizado pela Comissão para a fixação da coima, como exposto no n.° 460 supra, não teria em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes.

464    Com efeito, a aplicação deste método aos dados retificados relativos à duração da infração em França e à média das vendas em relação à infração no mercado francês durante este período implica uma diminuição da coima, aplicada à recorrente, amplamente desproporcionada face à importância relativa do erro detetado. Com efeito, enquanto o erro da Comissão apenas abarca o mercado francês e doze meses e meio dos cinco anos e um mês e meio inicialmente apurados pela Comissão quanto à infração cometida no referido mercado, a aplicação do método da Comissão conduziria a uma redução da coima superior a 50%.

465    Além disso, a aplicação do método da Comissão conduziria, no âmbito da fixação do montante da coima, a uma desvalorização da importância relativa da infração cometida no mercado alemão em relação à cometida no mercado francês.

466    Assim, depois de ouvidas as partes na audiência sobre as eventuais consequências a retirar quanto ao montante da coima de uma anulação parcial da decisão impugnada no que respeita à determinação do montante da coima em função da duração da infração no mercado francês e à luz de todas as considerações precedentes, nomeadamente dos n.os 464 e 465, supra, importa, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, e em particular à duração e à gravidade da infração em causa, fixar o montante final da coima aplicada à recorrente em 320 milhões de euros.

 Quanto às despesas

467    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Tribunal Geral pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes obtiverem vencimento parcial ou por razões excecionais.

468    Atendendo ao facto de que cada parte obteve vencimento parcial, há que decidir que cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      O artigo 1.° da Decisão C (2009) 5355 final da Comissão, de 8 de julho de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.401 – E.ON/GDF), é anulado, por um lado, na medida em que declara que a infração durou de 1 de janeiro de 1980, pelo menos, a 24 de abril de 1998, quanto à infração cometida na Alemanha e, por outro lado, na medida em que declara a existência de uma infração cometida em França entre 13 de agosto de 2004 e 30 de setembro de 2005.

2)      O montante da coima aplicada à GDF Suez SA no artigo 2.°, alínea b), da Decisão C (2009) 5355 final é fixado em 320 milhões de euros.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Papasavvas

Vadapalas

O’Higgins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de junho de 2012.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

1.  Direito da União Europeia

2.  Direitos nacionais

Direito francês

Direito alemão

Antecedentes do litígio

1.  Empresas em causa

2.  Acordo MEGAL

3.  Procedimento administrativo

Decisão impugnada

Processo e pedidos das partes

Questão de direito

A –  Quanto aos pedidos relativos à anulação parcial da decisão impugnada

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada antes de agosto de 2000

a)  Quanto à primeira parte

b)  Quanto à segunda parte

–  Sobre a primeira acusação

–  Sobre a segunda acusação

c)  Quanto à terceira parte

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada após agosto de 2000

a)  Quanto à segunda parte

–  Sobre a segunda acusação

–  Sobre a terceira acusação

–  Sobre a primeira acusação

b)  Quanto à terceira parte

–  Sobre a primeira acusação

–  Sobre a segunda acusação

c)  Quanto à quarta parte

d)  Quanto à primeira parte

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma manifesta falta de elementos probatórios no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada com vista a restringir a utilização em França pela E.ON do gás transportado pelo gasoduto MEGAL

a)  Quanto à primeira parte

b)  Quanto à segunda parte

c)  Quanto à terceira parte

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 81.° CE no que se refere à existência de um acordo e/ou de uma prática concertada entre as empresas em causa após agosto de 2004

a)  Quanto à primeira parte

–  Sobre a primeira acusação

–  Sobre a segunda acusação

b)  Quanto à segunda parte

c)  Quanto à terceira parte

B –  Quanto aos pedidos de supressão ou de redução do montante da coima

1.  Quanto aos pedidos de supressão do montante da coima

2.  Quanto aos pedidos de redução do montante da coima

a)  Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a infração alegada respeitante ao mercado francês do gás não ter sido suficientemente provada e de a decisão impugnada padecer de falta de fundamentação a esse respeito

b)  Quanto ao segundo fundamento, relativo à apreciação errada da duração da infração

c)  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à apreciação errada da gravidade da infração

d)  Quanto ao quarto fundamento, relativo à apreciação errada da necessidade de aplicar um montante adicional de 15%

e)  Quanto ao quinto fundamento, relativo à apreciação errada das circunstâncias atenuantes

f)  Quanto à determinação do montante final da coima aplicada à recorrente

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.


1 – Dados confidenciais ocultados.