Language of document : ECLI:EU:T:2010:362

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

8 de Setembro de 2010 (*)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Marca nominativa comunitária PORTO ALEGRE – Marca nominativa nacional anterior VISTA ALEGRE – Motivo relativo de recusa – Risco de confusão – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑369/09,

Sociedade Quinta do Portal, SA, com sede no Porto (Portugal), representada por B. Belchior, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por J. Novais Gonçalves, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Vallegre, Vinhos do Porto, SA, com sede em Sabrosa (Portugal), representada por P. López Ronda e G. Macias Bonilla, advogados,

que tem por objecto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 18 de Junho de 2009 (processo R 1012/2008‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Vallegre, Vinhos do Porto, SA, e a Sociedade Quinta do Portal, SA,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e N. Wahl (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de Setembro de 2009,

vista a resposta do IHMI, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de Janeiro de 2010,

vistas as observações da interveniente, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Janeiro de 2010,

vista a decisão de 9 de Março de 2010 que recusou autorizar a apresentação de réplica,

atendendo a que, no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita, as partes não requereram a marcação de audiência, tendo em consequência sido decidido, com base no relatório do juiz‑relator e em aplicação do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 3 de Setembro de 2004, a recorrente, Sociedade Quinta do Portal, SA, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo PORTO ALEGRE.

3        Os produtos para os quais foi pedido o registo fazem parte da classe 33 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «vinho do Porto».

4        Este pedido foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 30/2005, de 25 de Julho de 2005.

5        Em 16 de Maio de 2006, a marca foi registada como marca comunitária.

6        Em 5 de Junho de 2007, a interveniente, Vallegre, Vinhos do Porto, SA, apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca PORTO ALEGRE, ao abrigo do artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009]. A interveniente baseava‑se, designadamente, no motivo relativo de recusa previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009].

7        Em apoio do seu pedido de declaração de nulidade, a interveniente invocou, designadamente, a marca nominativa anterior VISTA ALEGRE, registada em 17 de Fevereiro de 1995, em Portugal, para designar o seguinte produto, pertencente à classe 33: «vinho do Porto».

8        Por decisão de 13 de Maio de 2008, a Divisão de Anulação declarou a nulidade da marca PORTO ALEGRE, com o fundamento de que existia um risco de confusão entre as marcas em conflito, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

9        Em 20 de Junho de 2008, a recorrente interpôs recurso, ao abrigo dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94 (actuais artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009), dessa decisão da Divisão de Anulação.

10      Por decisão de 18 de Junho de 2009 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. Em substância, considerou que, tendo em conta a identidade dos produtos designados pelas marcas PORTO ALEGRE e VISTA ALEGRE e a semelhança manifesta entre as marcas nos planos fonético, visual e conceptual, existia um risco de confusão entre estas marcas no espírito do consumidor médio português, designado como o público pertinente no caso concreto.

 Pedidos das partes

11      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

12      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

13      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, um fundamento único assente na violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009. Através deste fundamento, contesta a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual existe um risco de confusão entre as marcas em causa.

14      A recorrente sublinha, em primeiro lugar, que o vocábulo comum (Alegre) de ambas as marcas se situa no fim da marca comunitária (Porto Alegre) e da marca anterior (Vista Alegre) e não dispõe de um carácter distintivo particularmente relevante. Este termo não poderia, por isso, ser considerado o elemento dominante dessas marcas. Em seguida, alega que o consumidor médio, que está em causa na presente situação, apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades. No caso em apreço, o carácter distintivo da marca controvertida resulta da combinação dos termos «Porto» e «Alegre», que formam, em conjunto, uma «unidade lógica e conceptual própria». Além disso, a recorrente considera que, contrariamente à marca VISTA ALEGRE, que constitui uma marca de renome internacional para os produtos de porcelana e faiança, nenhuma das marcas em causa, que foram registadas com alguns meses de intervalo, tem características de marca notória ou de especial renome ou prestígio, nem tem um carácter distintivo forte. Nos planos visual e fonético, as marcas em causa diferem sensivelmente quanto ao seu primeiro elemento, ou seja, respectivamente, o termo «Porto» e o termo «Vista».

15      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

16      O Tribunal Geral recorda que, por força do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, uma marca comunitária só é declarada nula, na sequência de pedido apresentado ao IHMI, entre outras situações, sempre que exista uma marca anterior, referida no artigo 8.°, n.° 2, do mesmo regulamento, e que se encontrem preenchidas as condições enunciadas no n.° 1 do mesmo artigo. Há que entender por «marca anterior», entre outras, as marcas registadas num Estado‑Membro, desde que a respectiva data de apresentação seja anterior à da marca comunitária impugnada.

17      A causa de nulidade resultante do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, conjugado com o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento, corresponde ao motivo relativo de recusa de registo, previsto nesta última disposição. Por conseguinte, a jurisprudência relativa ao risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento, é igualmente pertinente no presente contexto [acórdãos do Tribunal Geral de 25 de Maio de 2005, TeleTech Holdings/IHMI – Teletech International (TELETECH GLOBAL VENTURES), T‑288/03, Colect., p. II‑1767, n.° 75, e de 16 de Janeiro de 2008, Inter‑Ikea/IHMI – Waibel (idea), T‑112/06, não publicado na Colectânea, n.° 31].

18      Segundo jurisprudência constante, constitui risco de confusão o risco de o público poder crer que os produtos ou os serviços em causa provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas economicamente. O risco de confusão deve ser apreciado globalmente, de acordo com a percepção que o público pertinente tem dos sinais e dos produtos ou dos serviços em causa, tendo em conta todos os factores que caracterizam o caso concreto, designadamente a interdependência da semelhança dos sinais e da semelhança dos produtos ou dos serviços designados [acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/OHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, Colect., p. II‑2821, n.os 30 a 33, e acórdão idea, referido no n.° 17, supra, n.° 32]. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou os serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas, e inversamente [acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 17, e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 19; acórdão do Tribunal Geral de 23 de Outubro de 2002, Oberhauser/IHMI – Petit Liberto (Fifties), T‑104/01, Colect., p. II‑4359, n.° 27].

19      No caso concreto, tendo em conta a natureza dos produtos em causa e o facto de que a marca anterior foi objecto de registo em Portugal, a Câmara de Recurso considerou, no n.° 16 da decisão impugnada, sem incorrer em erro, que o público pertinente é constituído pelo consumidor médio nesse território, que é reputado ser normalmente informado e razoavelmente atento e avisado. Esta apreciação não foi, de resto, contestada pela recorrente.

20      Quanto aos produtos em causa, é pacífico que o único produto visado pela marca PORTO ALEGRE, ou seja, o vinho do Porto, é idêntico ao produto abrangido pela marca VISTA ALEGRE.

21      Quanto à comparação entre as marcas em causa, há que recordar que, segundo a jurisprudência, duas marcas são semelhantes quando, do ponto de vista do público pertinente, existe entre elas uma igualdade, pelo menos parcial, relativamente a um ou vários aspectos pertinentes [acórdãos do Tribunal Geral de 23 de Outubro de 2002, Matratzen Concord/IHMI – Hukla Germany (MATRATZEN), T‑6/01, Colect., p. II‑4335, n.° 30, e de 26 de Janeiro de 2006, Volkswagen/IHMI – Nacional Motor (Variant), T‑317/03, não publicado na Colectânea, n.° 46].

22      A apreciação global do risco de confusão deve, no que respeita à semelhança visual, fonética ou conceptual das marcas em causa, basear‑se na impressão de conjunto produzida pelas marcas, atendendo, designadamente, aos elementos distintivos e dominantes destas [acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 23, e acórdão do Tribunal Geral de 23 de Maio de 2007, Henkel/IHMI – SERCA (COR), T‑342/05, não publicado na Colectânea, n.° 38].

23      A este respeito, importa precisar que o consumidor só raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação directa das diferentes marcas e deve, por isso, confiar na imagem imperfeita que reteve na memória. Em geral, são as características dominantes e distintivas de um sinal que são mais facilmente memorizadas [acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, Arysta Lifescience/IHMI – BASF (CARPOVIRUSINE), T‑169/04, não publicado na Colectânea, n.° 50].

24      No caso concreto, as marcas em causa são os sinais nominativos PORTO ALEGRE e VISTA ALEGRE. A Câmara de Recurso concluiu, nos n.os 19 a 23 da decisão impugnada, que estes sinais eram semelhantes nos planos visual, fonético e conceptual.

25      Esta conclusão deve ser corroborada.

26      Com efeito, embora o primeiro elemento nominativo de cada uma das marcas em causa, isto é, os termos «Porto» e «Vista», seja diferente, a impressão de conjunto produzida por estas marcas, que são compostas pelo mesmo número de palavras e de letras e que têm em comum o segundo elemento nominativo, «Alegre», leva a concluir que apresentam uma indiscutível semelhança nos planos visual e fonético.

27      Contrariamente ao que afirma a recorrente, não se pode considerar, tendo em conta o seu reduzido carácter distintivo e o facto de se situar na segunda posição, que o elemento nominativo «Alegre» seja irrelevante na impressão de conjunto produzida pelas marcas em causa e que deveria ser ignorado na comparação entre estas.

28      No plano conceptual, as marcas em causa são compostas por termos portugueses perfeitamente compreendidos pelo público pertinente. Além disso, como salientou a Câmara de Recurso no n.° 22 da decisão impugnada, a palavra «Alegre», que é comum a ambas as marcas em causa e que evoca, no espírito do consumidor português, um sentimento de gozo e de plenitude, é plenamente distintiva do produto visado.

29      Além disso, a palavra «Alegre», que apresenta carácter distintivo no caso do produto visado, constitui o elemento dominante da marca PORTO ALEGRE, pois a palavra «Porto» é inegavelmente descritiva do produto visado por essa marca, ou seja, o vinho do Porto. Por outro lado, a consideração segundo a qual o consumidor atribui normalmente mais importância à parte inicial de um sinal não pode ser válida em todos os casos e pôr em causa o princípio segundo o qual o exame da semelhança das marcas deve assentar na impressão de conjunto produzida por estas [v. acórdão do Tribunal Geral de 12 de Novembro de 2009, Spa Monopole/IHMI – De Francesco Import (SpagO), T‑438/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 23 e jurisprudência referida].

30      Tendo em conta a identidade dos produtos em causa, os elementos de semelhança existentes entre as marcas em causa e o facto de que o público pertinente é o consumidor médio cujo nível de atenção não é particularmente elevado, foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu que existia um risco de confusão entre as marcas em causa, no espírito do público pertinente, no sentido de que este pode ser levado a crer que os produtos em causa são da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas.

31      O argumento da recorrente baseado na falta de renome e de características de marca notória e no fraco carácter distintivo da marca anterior não é de molde a infirmar esta conclusão. Como resulta claramente do n.° 24 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso não considerou necessário proceder a uma análise da notoriedade das marcas em causa, uma vez que já se concluíra pela existência de um risco de confusão entre as mesmas. A este respeito, há que recordar que, mesmo perante uma marca anterior de fraco carácter distintivo, pode haver um risco de confusão, nomeadamente em razão de uma semelhança entre os sinais e os produtos ou os serviços visados, sobretudo quando uma das marcas em causa contém elementos ainda menos distintivos do que o elemento que figura em cada uma das marcas em causa [v. acórdão do Tribunal Geral de 14 de Fevereiro de 2008, Usinor/IHMI – Corus (UK) (GALVALLOY), T‑189/05, não publicado na Colectânea, n.° 70 e jurisprudência referida]. Assim, mesmo admitindo que a marca anterior não seja particularmente distintiva, esta circunstância, tendo em conta a identidade dos produtos em causa e a semelhança entre os sinais em causa, não é de molde a infirmar a apreciação global do risco de confusão efectuada pela Câmara de Recurso no caso concreto [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 5 de Novembro de 2008, Calzaturificio Frau/IHMI – Camper (Representação de um arco estilizado com a superfície preenchida), T‑304/07, não publicado na Colectânea, n.° 52].

32      Decorre de todas estas considerações que o único fundamento suscitado pela recorrente não procede e que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

33      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Sociedade Quinta do Portal, SA, é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Wahl

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Setembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: português.