Language of document : ECLI:EU:T:2022:638

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

19 de outubro de 2022 (*)

«Auxílios de Estado — Atividades relacionadas com a produção, a transformação e a comercialização de produtos agrícolas — Regimes de auxílios concedidos pela Grécia sob a forma de bonificações de juros e de garantias estatais sobre empréstimos existentes e novos empréstimos para sanar danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários — Decisão que declara os regimes de auxílios incompatíveis com o mercado interno e ilegais e ordena a recuperação dos auxílios pagos — Auxílio limitado a zonas geográficas sinistradas — Vantagem — Caráter seletivo — Princípio da boa administração — Duração do processo – Confiança legítima — Prazo de prescrição — Artigo 17.o do Regulamento (UE) 2015/1589»

No processo T‑850/19,

República Helénica, representada por E. Tsaousi, E. Leftheriotou e A.‑V. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar e T. Ramopoulos, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, N. Półtorak e O. Porchia (relatora), juízes,

secretário: I. Pollalis, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 8 de fevereiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a República Helénica pede a anulação da Decisão (UE) 2020/394 da Comissão, de 7 de outubro de 2019, relativa às medidas SA.39119 (2016/C) (ex 2015/NN) (ex 2014/CP) [concedidas pela República Helénica sob a forma de bonificações de juros e garantias relacionadas com os incêndios de 2007 (a presente decisão abrange apenas o setor agrícola)] (JO 2020, L 76, p. 4; a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        Em julho de 2007, na Grécia, diferentes incêndios afetaram a circunscrição administrativa de Magnésia, mais precisamente o Pílio, a ilha de Skiathos, a ilha de Kefalonia, a circunscrição administrativa de Achaia e o Peloponeso. Em agosto de 2007, novos incêndios afetaram as circunscrições administrativas de Messénia, Elia, Arcádia, Lacónia, Evia, bem como o distrito de Aigialeia da circunscrição administrativa de Achaia. Devido à situação causada por esses incêndios, o Primeiro‑Ministro da República Helénica declarou, em 25 de agosto de 2007, o estado de emergência.

3        Posteriormente, a República Helénica adotou medidas para apoiar os operadores ativos estabelecidos nas entidades territoriais afetadas pelos incêndios de 2007 (a seguir «entidades territoriais sinistradas»), expressamente visadas por essas medidas.

4        Em 22 de julho de 2014, a Comissão Europeia recebeu uma denúncia relativa a um alegado auxílio concedido pela República Helénica à Sogia Ellas AE e às suas filiais (a seguir, em conjunto, «Sogia Ellas»), sociedades que exercem atividades no setor da transformação de produtos agrícolas, consistindo esses auxílios em bonificações de juros e em garantias estatais para empréstimos existentes, que deviam ser renegociados e beneficiar de um período de carência, bem como para novos empréstimos.

5        Por ofício de 25 de julho de 2014, a Comissão solicitou informações às autoridades gregas sobre os alegados auxílios, tendo estas fornecido informações pormenorizadas sobre as respetivas bases jurídicas.

6        Em 11 de dezembro de 2015, a Comissão enviou um segundo ofício às autoridades gregas, colocando‑lhes questões adicionais e indicando‑lhes que o inquérito relativo a estas medidas não se limitava à Sogia Ellas, uma vez que as medidas controvertidas podiam ter sido concedidas a outros beneficiários.

7        Por conseguinte, a Comissão decidiu dar início a um processo por auxílio estatal não notificado [Processo SA.39119 (2015/NN)] e alargar o âmbito da sua investigação de modo a abranger todo o setor agrícola.

8        Em 11 de fevereiro de 2016, a República Helénica forneceu informações complementares sobre as bases jurídicas dos auxílios em causa, sobre as suas condições de concessão e sobre os seus beneficiários.

9        Por ofício de 17 de maio de 2016, a Comissão notificou à República Helénica a sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE relativamente ao auxílio estatal SA.39119 (2016/C) (ex 2015/NN) (ex 2014/CP) — Auxílio à Sogia Ellas AE et al. (a seguir «decisão de dar início ao procedimento formal de investigação»).

10      Com a publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação no Jornal Oficial da União Europeia em 16 de setembro de 2016 (JO 2016, C 341, p. 23), a Comissão convidou as partes interessadas a apresentarem as suas observações nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

11      Na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, a Comissão solicitou às autoridades gregas que lhe fornecessem uma estimativa do número de beneficiários de cada regime de auxílio identificado na referida decisão e dos montantes dos auxílios em causa.

12      Nenhum terceiro interessado apresentou observações. Em 23 de setembro de 2016, as autoridades gregas apresentaram as suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação. Nas suas respostas, informaram a Comissão de que não lhes era possível fornecer todas as informações solicitadas, o que vieram mais tarde a fazer por ofícios de 9 de março de 2017 e de 21 de fevereiro de 2018.

13      Em 7 de outubro de 2019 a Comissão adotou a decisão recorrida.

14      Nos termos da decisão recorrida, que se destina a ser aplicada apenas às atividades relacionadas com a produção, a transformação e a comercialização de produtos agrícolas, ou seja, os produtos enumerados no anexo I do TFUE, com exceção dos produtos da pesca e da aquicultura, a Comissão decidiu, nomeadamente, que os regimes de auxílios instituídos ao abrigo da Decisão Ministerial n.o 36579/B.1666/27.8.2007 (com as alterações subsequentes) sob a forma de bonificações de juros e de garantias concedidas pela República Helénica (a seguir «medidas controvertidas») constituíam auxílios estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE ilegais e incompatíveis com o mercado interno, pelo que a República Helénica devia recuperar dos beneficiários os auxílios referidos no seu artigo 1.o, exceto nos casos expressamente previstos nos artigos 3.o e 4.o dessa decisão.

 Pedidos das partes

15      A República Helénica conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Helénica nas despesas.

 Questão de direito

17      Em apoio do seu recurso, a República Helénica invoca três fundamentos, relativos, o primeiro, à inexistência de um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o segundo, à compatibilidade do auxílio nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e, o terceiro, à violação do direito a um prazo razoável e do princípio da boa administração, à incompetência ratione temporis da Comissão e à violação do princípio da segurança jurídica, do princípio da proporcionalidade e dos direitos de defesa.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inexistência de um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

18      O primeiro fundamento divide‑se em três partes. Com a primeira parte, a República Helénica acusa a Comissão de proceder a uma interpretação e uma aplicação erradas dos requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com a segunda parte, a República Helénica invoca erros de facto e a falta de fundamentação. Por último, com a terceira parte, a República Helénica alega uma violação do princípio da proteção da confiança legítima. Na medida em que a terceira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do terceiro fundamento se sobrepõem parcialmente, há que examiná‑las no âmbito da análise do terceiro fundamento.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à interpretação e à aplicação dos requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE

19      Em primeiro lugar, a República Helénica alega que as medidas controvertidas não têm efeitos negativos no orçamento do Estado e também não implicam riscos para os seus recursos financeiros. Com efeito, por um lado, a exigência de um prémio para a concessão das garantias teria comprometido a eficácia das medidas. Por outro, a inexistência de prémio é compensada por vários elementos. Por conseguinte, não existe o critério segundo o qual um auxílio deve ser financiado por recursos estatais.

20      Em segundo lugar, a República Helénica sustenta que as medidas controvertidas não conferem «vantagem» aos seus destinatários, pelo que este critério não existe, não obstante a sua existência ser necessária para concluir pela existência de um auxílio de Estado.

21      Embora refira que não agiu no caso em apreço como um operador privado, a República Helénica sustenta que as medidas controvertidas se inscrevem numa racionalidade económica de longo prazo e que lhe é permitido prosseguir uma política a longo prazo, conforme com a sua «responsabilidade social», como foi reconhecido aos operadores privados. Alega que não se pode considerar que, no presente caso, se afastou das regras do mercado, uma vez que não está excluído que um operador privado teria agido do mesmo modo ao prosseguir um lucro a longo prazo.

22      No que respeita especificamente às garantias estatais, a República Helénica alega que a inexistência de prémio não implica a existência de uma vantagem. Com efeito, por um lado, um prémio teria comprometido a eficácia das medidas. Por outro, a inexistência de prémio é compensada por vários elementos, nomeadamente pelo facto de se ter verificado a viabilidade das empresas e de empresas em dificuldade terem sido excluídas, de a garantia ter sido concedida até ao limite de 80 % de cada empréstimo, de a duração dos empréstimos ter sido limitada no tempo e de a República Helénica ter direito de recuperar o montante pago a título da garantia junto do devedor principal.

23      Além disso, a República Helénica sustenta que as medidas controvertidas não diminuíram os encargos que «habitualmente» recaem sobre as empresas. Com efeito, através das suas medidas, a República Helénica procurou responder à situação excecional em que se encontravam os beneficiários das medidas controvertidas.

24      Por último, a República Helénica alega que as medidas controvertidas não são seletivas. Com efeito, os beneficiários das medidas controvertidas não se encontram numa situação comparável à dos outros operadores de mercado. Encontravam‑se numa situação excecional, uma vez que os incêndios de 2007 não faziam parte «do risco económico que qualquer empresa pode enfrentar», como a Comissão refere no considerando 118 da decisão recorrida. Assim, as medidas controvertidas, em vez de falsear a concorrência, tinham por objetivo restabelecer as condições de concorrência.

25      Em terceiro lugar, a República Helénica alega que as medidas controvertidas não afetam as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e não falseiam a concorrência. A este respeito, refere‑se a dados estatísticos dos quais resulta que, durante o período compreendido entre 2008 e 2010, o produto interno bruto e o valor acrescentado bruto realizados sofreram uma diminuição significativa nas entidades territoriais sinistradas. Além disso, a República Helénica sustenta que, na sua apreciação, a Comissão se baseou erradamente no facto de que as empresas em dificuldade podem beneficiar das medidas controvertidas.

26      A Comissão contesta os argumentos invocados pela República Helénica em apoio da primeira parte do primeiro fundamento.

27      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, requer que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou ser proveniente de recursos do Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53 e jurisprudência referida).

28      Além disso, há que recordar que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não procede a uma distinção em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, definindo‑as antes em função dos respetivos efeitos (Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 27, e de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 36).

29      Em primeiro lugar, no que respeita ao primeiro requisito da qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a análise da Decisão n.o 36579/B.1666/27/8.2007, que figura no anexo A 12 da petição inicial, e os elementos de resposta fornecidos pela República Helénica à Comissão, constantes do anexo A 21 da petição inicial, demonstram que as empresas estabelecidas nas entidades territoriais sinistradas puderam beneficiar de uma renegociação de dívidas e de uma concessão de empréstimos para capital de exploração que, por um lado, eram objeto de bonificações de juros totais ou parciais financiadas pelas autoridades gregas e, por outro, eram garantidos pela República Helénica sem que os beneficiários desses empréstimos tivessem de pagar um prémio a esse título.

30      Com efeito, no que se refere às bonificações de juros, uma vez que os juros pagos eram total ou parcialmente «subvencionados» pela conta criada pela nómos 128/1975, perí tropopoiíseos kai sympliróseos diatáxeón tinon anaferoménon eis tin leitourgían tou chrimatodotikoú systímatos (Lei n.o 128/1975 sobre a Alteração e o Complemento das Disposições Relativas ao Funcionamento do Sistema Financeiro), de 28 de agosto de 1975 (FEK A 178/28.8.1975), esta bonificação onerou, inevitavelmente, os recursos financeiros da República Helénica, que, aliás, não questionou o mérito da fundamentação constante do considerando 112 da decisão recorrida, nos termos da qual, tanto as bonificações de juros como as garantias estatais lhe eram imputáveis e concedidas através de recursos estatais.

31      Quanto à garantia estatal, a República Helénica contesta que a concessão dessas garantias através das medidas controvertidas tenha tido um impacto negativo sobre os seus recursos.

32      Há que salientar que são considerados auxílios, nomeadamente, as intervenções que, sob formas diversas, reduzem os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, sem serem subvenções em sentido estrito, têm a mesma natureza e produzem efeitos idênticos (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 101).

33      Resulta da jurisprudência que a concessão de uma garantia pode implicar um encargo suplementar para o Estado (v. Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 107 e jurisprudência referida). Mais especificamente, uma garantia implica a assunção de um risco que é normalmente remunerada através de um prémio adequado (v., neste sentido, Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 65).

34      Ora, no caso em apreço, é facto assente que a República Helénica renunciou a receber um prémio para a concessão das garantias incluídas nas medidas controvertidas, pelo que os seus recursos públicos foram afetados.

35      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos da República Helénica, que aliás não foram provados, destinados a demonstrar que as garantias concedidas não apresentavam risco para os recursos públicos.

36      Com efeito, na audiência, a República Helénica confirmou, como indica o considerando 28 da decisão recorrida, que a sua garantia foi ativada em mais de 6 000 000 de euros. Insistiu na circunstância de que essas quantias podem ser recuperadas automaticamente, como dívidas fiscais, com a possibilidade de demandar o devedor no âmbito de um procedimento penal, sem, todavia, indicar os montantes que efetivamente recuperou.

37      No que respeita especificamente às garantias constituídas pelos beneficiários das medidas, antes de mais, há que salientar que a constituição de uma garantia real não era sistematicamente exigida para todos os empréstimos. Resulta, além disso, do documento junto no anexo A 24 da petição inicial que a constituição de uma garantia pelo mutuário só cobria a garantia estatal até 90 % do seu montante, pelo que o Estado não assegurou o reembolso da totalidade da sua dívida.

38      Além disso, é certo que as empresas que apresentassem um pedido de renegociação de dívida de montante superior a 100 000 euros estavam obrigadas a apresentar um estudo de viabilidade económica e que as outras empresas deviam preencher um quadro, constante do anexo A 27 da petição inicial, no qual figuravam, nomeadamente, os seus dados financeiros contabilísticos anteriores relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006, bem como os seus dados prospetivos relativos aos anos de 2007, 2008 e 2009.

39      Não deixa de ser certo, como é mencionado nos considerandos 129 e 131 da decisão recorrida, que os critérios económicos que determinam o limiar a partir do qual uma empresa já não era considerada viável não eram determinados pelos regimes de auxílios em causa, pelo que a República Helénica não pode afirmar que as garantias concedidas estavam exclusivamente reservadas a empresas viáveis e que as empresas que não o eram, não podiam beneficiar daquelas garantias.

40      Resulta do acima referido nos n.os 29 a 39 que foi sem cometer um erro de apreciação que, nos considerandos 111 e 112 da decisão recorrida, a Comissão considerou, em substância, que as medidas controvertidas constituíram um encargo financeiro para a República Helénica.

41      Em segundo lugar, no que diz respeito ao requisito relativo à vantagem, ao abrigo de jurisprudência constante, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 65 e jurisprudência referida).

42      Em especial, ao abrigo de jurisprudência igualmente constante, o mutuário de um empréstimo garantido pelas autoridades públicas de um Estado‑Membro, tal como aquele que beneficia de uma garantia sem ter de pagar uma comissão em contrapartida, obtém habitualmente uma vantagem, na medida em que o custo financeiro que suporta é inferior àquele que teria suportado se tivesse tido de obter esse mesmo financiamento e essa mesma garantia a preços de mercado (v. Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 96 e jurisprudência referida).

43      No caso em apreço, a intervenção da República Helénica teve por efeito permitir que as empresas das zonas sinistradas tenham beneficiado de empréstimos com juros por si total ou parcialmente subvencionados ou de garantias que concedeu sem que essas empresas tenham tido de pagar comissões, o que não teria sucedido se não tivesse havido intervenção do Estado.

44      A República Helénica alega todavia, em substância, que, no presente caso, não houve uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Mais especificamente, sublinha que, uma vez que as medidas controvertidas foram concedidas num contexto de crise do mercado, são da responsabilidade social do Estado e que, devido a essa situação, respondem a um critério de racionalidade económica a longo prazo, pelo que todos os operadores privados que se encontrassem numa situação semelhante teriam podido agido da mesma forma. Com base em todas estas considerações, a República Helénica sugere que se pode considerar que tais medidas foram concedidas em condições normais de mercado.

45      Tais argumentos não podem proceder.

46      Com efeito, há que sublinhar que o conceito de «condições normais de mercado», que é utilizado para demonstrar a existência de uma vantagem, se refere à possibilidade de a empresa obter no mercado a mesma vantagem que retira do auxílio, e não à avaliação da questão de saber se o mercado funciona como habitualmente ou se está em crise (v., neste sentido, Despacho de 5 de fevereiro de 2015, Grécia/Comissão, C‑296/14 P, não publicado, EU:C:2015:72, n.o 34).

47      Qualquer interpretação contrária equivaleria a estabelecer a existência de uma vantagem em função da causa ou do objetivo do auxílio, o que seria suscetível de comprometer o caráter objetivo do conceito de vantagem e, consequentemente, a aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2014, Grécia/Comissão, T‑52/12, não publicado, EU:T:2014:677, n.os 66 e 67).

48      Além disso, há que salientar que a República Helénica não invoca ter agido, no caso em apreço, como um operador privado e não contesta ter agido na sua qualidade de poder público. A República Helénica tenta antes sugerir que um operador privado podia ter agido de forma semelhante numa situação tão próxima quanto possível da sua, sem ter em conta o facto de ter agido enquanto poder público.

49      Ora, nada no artigo 107.o, n.o 1, TFUE isenta da qualificação de auxílio de Estado um auxílio que, concedido por um Estado‑Membro no quadro do exercício do seu poder público, preencha um critério de racionalidade económica a longo prazo ou resulte da sua responsabilidade social, podendo as referidas considerações, aliás, ser tidas em conta na apreciação da compatibilidade de uma medida com o mercado interno, feita nos termos do artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.os 63 e 75).

50      A República Helénica não pode, por conseguinte, invocar o critério da racionalidade económica para qualificar de normais as condições de mercado em que as medidas controvertidas foram concedidas e concluir que essas medidas não conferem uma vantagem aos seus beneficiários.

51      Resulta do acima indicado nos n.os 41 a 50 que a República Helénica não conseguiu pôr em causa os considerandos 113 a 116 da decisão recorrida, através dos quais a Comissão, em substância, considerou, por um lado, que os beneficiários das medidas controvertidas beneficiaram destas embora não as pudessem ter obtido em condições normais de mercado, ou seja, sem a intervenção do Estado, e, por outro, que não era necessário analisar se o mercado estava a funcionar normalmente ou se estava em crise para, a final, concluir que as referidas medidas constituíam uma vantagem na aceção do artigo 107, n.o 1, TFUE.

52      Em terceiro lugar, quanto à condição relativa à exigência do caráter seletivo da vantagem, a República Helénica alega que, contrariamente ao que é referido no considerando 118 da decisão recorrida, o critério da seletividade não é respeitado no caso em apreço, uma vez que as medidas controvertidas foram concedidas a todas as empresas estabelecidas nas entidades territoriais sinistradas e que essas empresas se encontravam numa situação jurídica e factual distinta daquelas que estavam estabelecidas nas outras entidades territoriais.

53      A República Helénica contesta a seletividade das medidas controvertidas alegando que a distinção existente entre as empresas estabelecidas nas regiões visadas por essas medidas e as que não o estavam se justifica pelo facto de as primeiras, ao contrário das segundas, estarem situadas em zonas sinistradas pelos incêndios de 2007 e terem de regressar o nível económico que tinham antes desses acontecimentos.

54      A distinção entre estas duas categorias de empresas justifica‑se assim pelo facto de as empresas abrangidas por cada uma das duas categorias se encontrarem numa situação não comparável no plano factual e jurídico, uma vez que, em substância, todas as empresas estabelecidas nas entidades territoriais sinistradas sofreram prejuízos devido a esses incêndios.

55      Por este motivo, a República Helénica contesta a frase que figura no considerando 118 da decisão recorrida, segundo a qual os incêndios fazem parte do risco económico que qualquer empresa pode enfrentar. Na audiência, a República Helénica desenvolveu este argumento tentando demonstrar que, atendendo à perturbação sistémica da economia local causada pelos incêndios de 2007, as medidas controvertidas se justificavam pela natureza ou pela economia do sistema em que se inseriam, sem fornecer outras explicações.

56      Há que salientar que as medidas através das quais são concedidas vantagens apenas a certas empresas que são determinadas em função do seu local de estabelecimento são, a priori, seletivas (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, UE:C:2000:467, n.o 23, e de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, UE:C:2006:511, n.os 60 e 61).

57      A este respeito, a menos que os auxílios tenham sido concedidos por entidades infraestatais que disponham, ao seu nível de competência, de suficiente autonomia institucional processual e financeira ou por uma empresa pública que estabeleça as condições de utilização dos seus bens ou serviços, o quadro de referência aplicável é o quadro nacional e a apreciação da seletividade de uma medida que beneficia, como no caso em apreço, empresas estabelecidas numa parte do território de um Estado‑Membro, é feita por comparação com as empresas desse Estado. Com efeito, uma vantagem limitada às empresas estabelecidas numa parte do território de um Estado‑Membro pode dar lugar a uma medida seletiva porque favorece certas empresas em detrimento de outras dentro desse Estado (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 23; de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.os 56 a 58, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 60 a 66).

58      No caso vertente, as empresas estabelecidas nas entidades territoriais sinistradas podiam beneficiar das medidas controvertidas. Ora, uma vez que, por um lado, em aplicação dos elementos acima mencionados no n.o 57, o quadro de referência a ter em conta para apreciar o caráter seletivo das medidas controvertidas é o quadro nacional e não o das entidades territoriais sinistradas e, por outro, as empresas situadas nas outras entidades territoriais da República Helénica não podiam beneficiar dessas medidas, há que concluir que as empresas situadas no território nacional não beneficiavam todas indistintamente das referidas medidas e que, consequentemente são seletivas num plano regional.

59      Acrescente‑se que, afastar a seletividade unicamente com base no objetivo prosseguido de reparar os prejuízos relacionados com os incêndios e de recuperar o nível da economia das entidades territoriais sinistradas exclui a priori qualquer possibilidade de qualificar de «vantagens seletivas» as vantagens concedidas às empresas estabelecidas nas zonas afetadas pelos incêndios de 2007. Com efeito, bastaria que as autoridades públicas invocassem a legitimidade dos objetivos prosseguidos através da adoção de uma medida de auxílio para que esta pudesse ser considerada uma medida geral, escapando assim à aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. Acórdão de 16 de julho de 2014, Grécia/Comissão, T‑52/12, não publicado, EU:T:2014:677, n.o 67 e jurisprudência referida).

60      Consequentemente, se essa abordagem fosse seguida, uma medida que, como no caso em apreço, prossegue o objetivo de sanar a situação das empresas afetadas por uma calamidade natural não seria por princípio seletiva e escaparia, desde logo, à aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o que, por este motivo, conduziria a que se privasse de toda a sua substância a exceção prevista no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

61      É aliás neste contexto que deve ser lida a frase acima mencionada no n.o 55.

62      Com efeito, com esta frase, a Comissão pretendeu dizer que o facto de as empresas terem sofrido danos devido aos incêndios de 2007 e a vontade da República Helénica de recolocar as empresas na situação económica em que se encontravam antes desses incêndios são elementos insuficientes para considerar que as medidas controvertidas não conferiam aos seus beneficiários uma vantagem específica e, consequentemente, não constituíam um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

63      A este respeito, há que recordar que é certo, segundo a jurisprudência, que o conceito de auxílio de Estado não visa as medidas estatais que introduzem uma distinção entre empresas e que, portanto, são a priori seletivas, quando essa distinção resulte da natureza ou da economia do sistema em que se aquelas medidas inscrevem (v. Acórdão de 21 de junho de 2012, BNP Paribas e BNL/Comissão, C‑452/10 P, EU:C:2012:366, n.o 101 e jurisprudência referida).

64      Não deixa de ser certo que os elementos dos autos e os argumentos desenvolvidos na audiência pela República Helénica só põem em evidência que as medidas controvertidas tinham por objetivo responder, de forma pontual, às consequências decorrentes dos incêndios ocorridos nas entidades territoriais sinistradas, sem, no entanto, caracterizar o sistema relativo a essas medidas. Daqui resulta que, contrariamente ao que a República Helénica pretendia ver reconhecido, não demonstram de modo nenhum que a distinção instituída por essas medidas resulta da natureza ou da economia do sistema em que se aquelas medidas inscreviam e que, portanto, as vantagens que conferiam não tinham um caráter específico.

65      Daqui decorre que foi sem cometer um erro de direito nem um erro de apreciação que a Comissão considerou, nos considerandos 117 e 118 da decisão recorrida, que as medidas controvertidas eram seletivas na medida em que, nomeadamente, as vantagens que conferiam aos seus beneficiários eram territorialmente limitadas e não se aplicavam a todas as empresas do território helénico.

66      Em quarto lugar, a República Helénica alega, apoiando‑se em dados estatísticos, que as medidas controvertidas não afetam as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e não falseiam a concorrência.

67      A este respeito, cabe salientar que, de acordo com a jurisprudência, a Comissão não está obrigada a demonstrar se existe um impacto real dos auxílios nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros e uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas a examinar se esses auxílios são suscetíveis de afetar essas trocas comerciais e de falsear a concorrência (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 134 e jurisprudência referida).

68      Além disso, conforme foi acima declarado nos n.os 59 e 60, a natureza compensatória das medidas controvertidas não lhes pode retirar o caráter de auxílio, pelo que não pode proceder o argumento da República Helénica relativo ao facto de as medidas controvertidas se destinarem a restabelecer a situação anterior aos incêndios de 2007.

69      Ora, os dados estatísticos invocados pela República Helénica são relativos ao produto interno bruto e ao valor acrescentado obtido nas entidades territoriais sinistradas, considerando todas as atividades económicas aí realizadas. Assim, estes dados não são concludentes no que respeita mais concretamente à situação dos operadores ativos no setor económico visado pela decisão recorrida.

70      Daqui resulta que, independentemente da questão de saber se se pode aceitar que um Estado‑Membro demonstre, através de dados estatísticos ex post que as trocas comerciais não são afetadas e que a concorrência não é distorcida, os dados estatísticos invocados pela República Helénica não são suscetíveis de demonstrar a inexistência dessa afetação para as empresas visadas pelas medidas controvertidas.

71      Por último, quanto ao argumento da República Helénica relativo ao facto de empresas em dificuldade estarem excluídas das medidas controvertidas, além dos elementos acima mencionados nos n.os 37 a 39, basta constatar que, como a Comissão salienta, este elemento não é pertinente para a questão de saber se as medidas controvertidas eram suscetíveis de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e de falsear a concorrência.

72      Resulta do que precede que a República Helénica não questionou o mérito dos considerandos 122 e 123 da decisão recorrida, que mencionam, em substância, que, independentemente do objetivo prosseguido pelas medidas controvertidas, uma vez que os beneficiários dessas medidas teriam em princípio tido de suportar, eles próprios, os custos dos danos resultantes dos incêndios de 2007 e que estavam ativos no mercado extremamente competitivo dos produtos agrícolas e no setor florestal, sendo estes setores sensíveis às medidas que favorecem as empresas de um determinado Estado‑Membro e, no caso em apreço, às medidas controvertidas, as referidas medidas são suscetíveis de falsear a concorrência no mercado interno e de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, pelo que constituem auxílios de Estado.

73      Atendendo ao que precede, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a erros de facto e de fundamentação

74      Com a segunda parte do primeiro fundamento, a República Helénica alega que a decisão recorrida padece de erros de facto e de fundamentação.

75      A República Helénica sustenta que a Comissão não teve em conta todos os dados pertinentes.

76      Nomeadamente, a Comissão não teve suficientemente em conta a gravidade dos incêndios de 2007, que necessitaram de medidas excecionais, nem a obrigação da República Helénica de prosseguir uma política económica a longo prazo. Em vez disso, a Comissão limitou‑se a enunciar de forma estereotipada que os incêndios de 2007 podem ser qualificados de «risco comercial habitual». Assim, a decisão recorrida padece de um erro de facto e de uma falta de fundamentação grave, o que é tanto mais prejudicial porquanto, na matéria, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação.

77      Além disso, a Comissão não ponderou, por um lado, a gravidade da situação causada pelos incêndios de 2007 e, por outro, as disposições nacionais adotadas para minimizar o impacto sobre os recursos financeiros da República Helénica, que permitiram que a economia recomeçasse a funcionar e, deste modo, que fossem cobradas receitas fiscais.

78      A Comissão contesta os argumentos da República Helénica.

79      No que diz respeito à pretensa falta de fundamentação, esta deve, em conformidade com jurisprudência constante, ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 28 e jurisprudência referida).

80      Do mesmo modo, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só do teor desse ato, mas também do seu contexto, e do conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 29 e jurisprudência referida).

81      Importa ainda acrescentar que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito dos fundamentos, que tem a ver com a legalidade material do ato controvertido. Com efeito, a fundamentação de uma decisão consiste em exprimir formalmente os fundamentos em que essa decisão assenta. Se esses fundamentos contiverem erros, estes ferem a legalidade material da decisão, mas não a fundamentação desta decisão, que pode ser suficiente ainda que contenha fundamentos errados. Daqui decorre que as acusações e os argumentos destinados a contestar o mérito de um ato são desprovidos de pertinência no âmbito de um fundamento relativo à falta ou à insuficiência de fundamentação (v. Acórdão de 22 de outubro de 2020, EKETA/Comissão, C‑274/19 P, não publicado, EU:C:2020:853, n.o 79 e jurisprudência referida).

82      No caso em apreço, como foi acima mencionado nos n.os 52 a 65, a leitura dos considerandos 110, 116, 118, 119 e 123 da decisão recorrida permite compreender que a Comissão refutou o argumento da República Helénica relativo à situação excecional decorrente dos incêndios de 2007 porque, nomeadamente e em substância, considerou, por um lado, que o objetivo prosseguido por essas medidas não devia ser tomado em consideração no âmbito da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, por outro, independentemente destas circunstâncias, os beneficiários das medidas controvertidas beneficiaram de uma vantagem seletiva porque não as poderiam ter obtido em condições normais de mercado.

83      Por outro lado, como foi acima mencionado nomeadamente nos n.os 31 a 39, 41 a 43 e 51, a leitura dos considerandos 127, 129, 131 e 132 da decisão recorrida permite compreender que, no que respeita às medidas relativas à garantia estatal, a Comissão considerou que estas medidas constituíam auxílios de Estado na medida em que, nomeadamente e em substância, por um lado, além de o devedor garantido não ter sistematicamente de constituir garantias a favor da República Helénica, essas medidas foram concedidas sem que o seu beneficiário tivesse de pagar prémios pelo risco assumido pelo Estado e, por outro, a República Helénica não justificou a existência de uma disposição que excluía as empresas em dificuldade da possibilidade de beneficiar destas medidas.

84      Resulta assim do acima exposto nos n.os 82 e 83 que a Comissão indicou suficientemente na decisão recorrida as razões pelas quais refutou tanto os argumentos da República Helénica relativos à situação excecional devida aos incêndios de 2007 como os argumentos relativos às garantias adicionais constituídas pelos mutuários e à exclusão das empresas em dificuldade no que respeita às garantias estatais.

85      Por último, quanto aos argumentos da República Helénica segundo os quais a Comissão negligenciou, por um lado, a importância de poder prosseguir uma política económica a longo prazo e, por outro, proceder a uma ponderação entre a racionalidade económica das medidas controvertidas e as circunstâncias factuais, há que constatar que estes argumentos, além de se confundirem com os que foram desenvolvidos na primeira parte do primeiro fundamento, que foram julgados improcedentes, por se destinarem a contestar o mérito de um ato, não são pertinentes no âmbito de um fundamento relativo à falta ou à insuficiência de fundamentação, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 81.

86      Atendendo ao que precede, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à compatibilidade dos regimes de auxílios ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE

87      Com o seu segundo fundamento, invocado a título subsidiário, a República Helénica alega que os regimes de auxílios em causa são compatíveis com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

88      A este respeito, a República Helénica alega, em primeiro lugar, que foi sem razão que, nos considerandos 62 e 63 da decisão recorrida, a Comissão considerou que as medidas controvertidas foram concedidas sem que houvesse um elo direto entre os danos sofridos devido aos incêndios de 2007, embora todas as empresas situadas nas entidades territoriais sinistradas tenham sofrido danos que apresentavam um nexo de causalidade direto com os incêndios de 2007, devido à total cessação das atividades de transformação e de comercialização dos produtos agrícolas nessas entidades territoriais. Este facto foi aliás reconhecido pelos representantes das instituições da União Europeia.

89      A República Helénica alega, em segundo lugar, que a apreciação feita pela Comissão nos considerandos 64 e 146 da decisão recorrida é errada porque não tomou em consideração o facto de que as medidas controvertidas não são medidas individuais, mas regimes de auxílios, e que, por conseguinte, não deviam ser analisadas ao abrigo dos estritos critérios do direito civil que presidiram à atribuição das indemnizações.

90      De qualquer modo, é manifesto que, no caso em apreço, havia que ter em conta não apenas as circunstâncias, que não permitiam avaliar com precisão os danos sofridos pelos operadores económicos, mas também o facto de que as medidas controvertidas nunca teriam podido compensar os danos efetivamente sofridos pelas empresas situadas nas zonas sinistradas, independentemente do facto de os meios de produção dessas empresas não terem sido diretamente afetados pelos incêndios de 2007.

91      Daqui a República Helénica conclui que a decisão recorrida deve ser anulada devido à existência de um erro de direito e a uma falta de fundamentação.

92      A Comissão contesta os argumentos da República Helénica.

93      A este respeito, cabe salientar que, enquanto derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, enunciado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, o 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, deve ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2004, Grécia/Comissão, C‑278/00, EU:C:2004:239, n.o 81 e jurisprudência referida).

94      Todavia, esta interpretação estrita não significa contudo que os termos utilizados para definir a derrogação devam ser interpretados de maneira a privá‑la dos seus efeitos. Com efeito, uma derrogação deve ser interpretada em conformidade com os objetivos que prossegue (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Fastweb, C‑19/13, EU:C:2014:2194, n.o 40 e jurisprudência referida).

95      Além disso, segundo jurisprudência constante, apenas podem ser compensadas, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, as desvantagens causadas diretamente por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 175 e jurisprudência referida).

96      Daqui resulta que, mesmo tratando‑se de um regime de auxílios, como no caso em apreço, são exigidos dois requisitos para que se possa aplicar a exceção prevista no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, a saber, por um lado, a existência de um nexo direto entre os danos causados pela calamidade natural e o auxílio estatal e, por outro, a existência de uma avaliação tão precisa quanto possível dos danos sofridos pelos produtores em questão (Acórdão de 11 de novembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑73/03, não publicado, EU:C:2004:711, n.o 37).

97      No caso vertente, resulta tanto dos articulados da República Helénica como das suas declarações na audiência que as medidas controvertidas foram concedidas sem que os beneficiários tivessem tido de demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre os prejuízos sofridos e os incêndios de 2007.

98      Com efeito, partindo do princípio de que o artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE não exigia, no que respeita a um regime de auxílios, como no caso em apreço, a prova de um nexo de causalidade, na aceção do direito civil, entre os danos sofridos e o montante concedido, a República Helénica considerou que, em aplicação deste artigo, podia condicionar a obtenção das medidas controvertidas apenas à existência de um lugar de estabelecimento do beneficiário das referidas medidas numa das entidades territoriais sinistradas, uma vez que todas as empresas estabelecidas nessas entidades territoriais sofreram prejuízos devido aos incêndios de 2007.

99      Ora, é facto assente que a mera justificação de um local de estabelecimento nas entidades locais sinistradas não permitia, por si só, nomeadamente, verificar se o montante das medidas concedidas não excedia o dos prejuízos efetivamente sofridos pelos beneficiários dessas medidas e que estavam relacionados com a calamidade natural ocorrida e, portanto, a eventual existência de uma sobrecompensação.

100    Por outro lado, na audiência, a República Helénica confirmou que não se pode excluir que as medidas controvertidas também tenham sido concedidas a empresas que se encontravam nos municípios afetados sem que, no entanto, tenham sofrido danos devido aos incêndios de 2007.

101    Assim, uma vez que a República Helénica não fez prova de que estavam preenchidas as duas condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, acima recordadas no n.o 96, a República Helénica não pode acusar a Comissão de não ter aplicado, na decisão recorrida, a exceção prevista neste artigo.

102    Além disso, não tem impacto na legalidade da decisão recorrida o facto de os representantes da União poderem ter indicado que os incêndios de 2007 constituíam acontecimentos nunca antes ocorridos ou ainda que havia que utilizar todos os meios disponíveis em benefício dos sinistrados e da economia local.

103    Com efeito, tais declarações não são suscetíveis de justificar que as medidas controvertidas não preenchem as condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, acima recordadas, nomeadamente, no n.o 96.

104    Esta conclusão não pode ser posta em causa pela pretensa urgência na adoção, pela República Helénica, das medidas controvertidas, nem pela dimensão dos danos reconhecida pelos representantes das instituições da União.

105    A este respeito, quanto à alegada situação de urgência, há que salientar que a República Helénica não justifica a impossibilidade absoluta em que se encontrou para avaliar o montante dos prejuízos realmente sofridos devido aos incêndios de 2007. De resto, tal é contraditório com as alegações da República Helénica, confirmadas na audiência, segundo as quais realizou, quando apresentou os pedidos das medidas controvertidas, estudos económicos exaustivos das empresas às quais concedeu garantias, a fim de verificar a respetiva viabilidade.

106    Relativamente à dimensão da calamidade natural, antes de mais, há que salientar que declarações de representantes da União que reconhecem a importância de uma catástrofe ou que referem que urge utilizar todos os meios disponíveis em benefício dos sinistrados e da economia local não são suscetíveis de permitir que as medidas controvertidas escapem às condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

107    Em seguida, cabe sublinhar que, ainda que se admita que os montantes globais invocados pela República Helénica são verídicos, a saber, um montante total de prejuízo superior a dois mil milhões de euros, bem como, no que respeita ao setor agrícola, um montante de ajuda de 154 milhões de euros, a indicação de tais montantes não é suscetível de demonstrar que o montante dos auxílios recebidos pelos seus beneficiários equivalia efetivamente ao montante respeitante aos prejuízos que sofreram individualmente devido aos incêndios de 2007.

108    Daqui resulta que foi sem cometer um erro de direito nem um erro de apreciação dos factos que, depois de ter recordado, no considerando 60 da decisão recorrida, a exigência imposta pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE de um nexo de causalidade direto entre os auxílios concedidos e os prejuízos sofridos pelos beneficiários desses auxílios devido à calamidade natural em questão, a Comissão considerou, em substância, nos considerandos 62 a 64 e 146 da decisão recorrida, que o regime de concessão das medidas controvertidas não permitia estabelecer que essas medidas beneficiaram efetivamente empresas que sofreram prejuízos causados pelos incêndios de 2007, nem considerar que o montante desses auxílios correspondia ao montante referente aos prejuízos sofridos, uma vez que os regimes em causa não continham nenhuma metodologia para avaliar da maneira mais precisa possível os danos sofridos devido a estes incêndios e também não determinavam os custos elegíveis com base nesses danos.

109    Por último, uma vez que a leitura dos considerandos 62 a 64 e 146 da decisão recorrida permite compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que as medidas controvertidas não respeitaram as exigências impostas pela exceção prevista no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, há que rejeitar o pedido de declaração de inexistência de fundamentação relativamente à recusa da Comissão em aplicar este artigo às circunstâncias do caso em apreço.

110    Atendendo ao que precede, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento e quanto ao terceiro fundamento

111    Com a terceira parte do primeiro fundamento, a República Helénica invoca a violação do princípio da proteção da confiança legítima.

112    O terceiro fundamento está dividido em duas partes.

113    Com a primeira parte do terceiro fundamento, a República Helénica alega, antes de mais e em substância, que os poderes da Comissão em matéria de recuperação dos auxílios controvertidos colidem com o decurso do prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9). A República Helénica refere, em seguida, que a Comissão adotou a decisão recorrida num prazo desrazoável e violou assim o princípio da boa administração. Por último, a República Helénica alega que a Comissão não identificou os beneficiários das medidas controvertidas no anúncio publicado que continha o convite para apresentação de observações relativas ao exame dos regimes de auxílios, para daí concluir que a Comissão violou o princípio da segurança jurídica e os direitos de defesa. Com a segunda parte do terceiro fundamento, a República Helénica alega que a ordem de recuperação é contrária aos princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

114    Na medida em que os argumentos relativos à violação do princípio da proteção da confiança legítima abordados na terceira parte do primeiro fundamento coincidem com os desenvolvidos na primeira parte do terceiro fundamento, há que examiná‑los em conjunto.

 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento e quanto à primeira parte do terceiro fundamento

115    Em primeiro lugar, no que se refere ao prazo de prescrição em matéria de recuperação dos auxílios, a República Helénica sustenta que, entre a adoção da decisão recorrida, ocorrida em 2019, e a dos regimes de auxílios controvertidos, ocorrida em 2007, decorreu um prazo de mais de dez anos, pelo que a prescrição prevista no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 se aplica ao caso em apreço.

116    A este respeito, há que recordar que o artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 dispõe que os poderes da Comissão para recuperar um auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos. Este prazo aplica‑se apenas à relação entre a Comissão e o Estado‑Membro destinatário da decisão de recuperação emanada desta instituição (Acórdão de 30 de abril de 2020, Nelson Antunes da Cunha, C‑627/18, EU:C:2020:321, n.o 33).

117    Em conformidade com a jurisprudência, o prazo de prescrição começa a correr no momento da concessão do auxílio ao beneficiário, e não na data de adoção de um regime de auxílio. Para efeitos do cálculo do prazo de prescrição, deve considerar‑se que o auxílio só foi atribuído ao beneficiário na data em que efetivamente lhe foi concedido (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.os 81 e 82).

118    No caso em apreço, os auxílios foram concedidos ao abrigo dos regimes em causa entre 27 de agosto de 2007 e 31 de dezembro de 2010.

119    Nestas condições, o prazo de prescrição só começou a correr, na melhor das hipóteses, em 27 de agosto de 2007, como, de resto, tanto a República Helénica como a Comissão reconheceram na audiência.

120    No que se refere à interrupção do prazo de prescrição, que, em aplicação do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, tem por efeito fazer correr um novo prazo de prescrição, há que salientar que, ao abrigo da jurisprudência, o artigo 12.o, n.o 2, deste regulamento, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, e com o artigo 5.o, n.o 2, deste mesmo regulamento, impõe ao Estado‑Membro que forneça todas as informações necessárias na sequência de um pedido da Comissão nesse sentido e nos prazos por esta fixados. Com efeito, a Comissão, quando envia um pedido de informações a um Estado‑Membro, informa‑o de que tem na sua posse informações relativas a um auxílio ilegal e que, se for caso disso, esse auxílio deverá ser reembolsado (Acórdão de 10 de abril de 2003, Département du Loiret/Comissão, T‑369/00, EU:T:2003:114, n.o 81).

121    Por conseguinte, a simplicidade do pedido de informações não tem por efeito privá‑lo de efeito jurídico como medida suscetível de interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o do Regulamento n.o 2015/1589, independentemente do facto de esse pedido não ter sido notificado aos beneficiários do auxílio (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2005, Scott/Comissão, C‑276/03 P, EU:C:2005:590, n.o 32, e de 10 de abril de 2003, Département du Loiret/Comissão, T‑369/00, EU:T:2003:114, n.o 82)

122    No presente caso, é facto assente que, na sequência da denúncia que recebeu em 22 de julho de 2014, a Comissão enviou, em 25 de julho de 2014, um ofício que se referia nomeadamente à Decisão n.o 36579/B.1666/27‑8‑2007 do Ministro da Economia e das Finanças e à Decisão do Secretário de Estado da Economia e das Finanças n.o 2/54310/0025/13.09.2007. Nesse ofício, a Comissão solicitou às autoridades gregas, desde logo, que lhe transmitissem todas as informações necessárias para avaliar a compatibilidade dessas medidas com os artigos 107.o e 108.o TFUE, em seguida, que lhe indicassem se as medidas controvertidas tinham beneficiado outras empresas, para além da Sogia Ellas, que exerciam as respetivas atividades no setor agrícola e florestal e, por último, que lhe dessem a conhecer, sendo caso disso, o montante dos auxílios pagos.

123    A este respeito, há que salientar que, contrariamente ao que a República Helénica pôde ter dado a entender, o objeto do inquérito não se alterou durante o procedimento de investigação.

124    Com efeito, nesse ofício de 25 de julho de 2014, estavam em causa as duas decisões acima mencionadas no n.o 122, que voltaram a ser mencionadas tanto no convite para apresentação de observações em aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE como na decisão recorrida. Além disso, a lista dos destinatários das medidas controvertidas nunca se limitou à Sogia Ellas, uma vez que, a Comissão perguntou à República Helénica logo no ofício de início do procedimento se outras empresas tinham beneficiado das referidas medidas e que, no convite para apresentação de observações ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, foi feita referência a outros potenciais beneficiários dos setores agrícolas e florestais.

125    Em todo o caso, uma vez que, como acima se mencionou no n.o 116, o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 só se aplica à relação entre a Comissão e o Estado‑Membro destinatário da decisão de recuperação, deve ser julgado improcedente o argumento da República Helénica segundo o qual o poder da Comissão em matéria de recuperação dos auxílios prescreveu em relação a outras empresas para além da Sogia Ellas.

126    Daqui resulta que o ofício de 25 de julho de 2014, através do qual a Comissão enviou um pedido de informações à República Helénica e lhe indicou que estava na posse de informações relativas a um auxílio ilegal e que, sendo caso disso, esse auxílio deveria ser reembolsado, interrompeu o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

127    Por outro lado, atendendo a que a interrupção do prazo de prescrição ocorreu em 25 de julho de 2014, há que constatar que os poderes da Comissão em matéria de recuperação do auxílio não tinham prescrito na data em que foi adotada a decisão recorrida, ou seja, em 7 de outubro de 2019.

128    Quanto ao argumento da República Helénica segundo o qual o facto de a interrupção do prazo de prescrição dar início a um novo um prazo de dez anos permitir que a Comissão prossiga indefinidamente o processo, basta constatar, por um lado, que, no caso em apreço, a Comissão não prosseguiu indefinidamente o processo e, por outro, que a República Helénica não invocou, por via de exceção, a ilegalidade do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589.

129    Daqui resulta que devem ser julgados improcedentes os argumentos da República Helénica relativos à falta de competência da Comissão para recuperar os auxílios controvertidos devido ao decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

130    Em segundo lugar, no que diz respeito aos argumentos da República Helénica segundo os quais a decisão recorrida foi adotada num prazo desrazoável, o que constitui uma violação do princípio da boa administração, há que salientar que, de acordo com a jurisprudência, se um auxílio tiver sido concedido sem ter sido notificado, a demora por parte da Comissão em exercer os seus poderes de fiscalização e em ordenar a recuperação desse auxílio só vicia de ilegalidade essa decisão de recuperação em casos excecionais nos quais se verifique uma omissão manifesta por parte da Comissão e uma violação evidente do seu dever de diligência (Acórdão de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.o 106).

131    Ora, no caso em apreço, é facto assente que a duração do procedimento que antecedeu a adoção da decisão recorrida se deve essencialmente ao facto de a República Helénica não ter notificado esses regimes e de a existência destes só ter sido levada ao conhecimento da Comissão sete anos depois dos incêndios de 2007.

132    A este respeito, há que salientar que a Comissão deu início ao processo de inquérito logo que recebeu uma denúncia em 22 de julho de 2014, tendo enviado um ofício, em 25 de julho de 2014, às autoridades gregas a fim de se informar sobre o presumido auxílio.

133    Em seguida, após trocas de correspondência com a República Helénica, a última das quais em 11 de fevereiro de 2016, a Comissão adotou, em 17 de maio de 2016, a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação.

134    Por último, a Comissão adotou a decisão recorrida em 7 de outubro de 2019, depois de trocas de correspondência com a República Helénica, a última das quais em 21 de fevereiro de 2018.

135    Embora seja certo que a última etapa do processo, que antecede a adoção da decisão recorrida, não se tenha caracterizado por uma particular celeridade, é igualmente certo que, atendendo à cronologia dos acontecimentos ocorridos entre 2014 e a adoção da decisão recorrida, a Comissão não pode ser acusada de um atraso excessivo ou de falta de diligência no desenrolar do procedimento administrativo que consubstancie uma violação do seu dever de diligência.

136    Daqui resulta que devem ser julgados improcedentes os argumentos relativos ao incumprimento de um prazo razoável e, portanto, à violação do princípio da boa administração.

137    Em terceiro lugar, no que respeita aos argumentos relativos ao facto de o anúncio publicado pela Comissão que continha o convite para apresentação de observações relativas ao exame dos regimes de auxílios em causa ter criado a falsa impressão de que só estavam em causa os auxílios concedidos à Sogia Ellas e que, portanto, a Comissão violou o princípio da segurança jurídica e os direitos de defesa, há que salientar que, segundo o artigo 108.o, n.o 2, TFUE, a Comissão toma a sua decisão «depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações». Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a decisão de dar início a um procedimento formal de investigação inclui um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês.

138    Resulta da jurisprudência relativa ao artigo 108.o, n.o 2, TFUE que esta disposição não exige uma notificação individual e que o seu único objetivo é obrigar a Comissão a proceder de modo a que todas as pessoas potencialmente interessadas sejam avisadas da abertura de um procedimento e tenham oportunidade de apresentar as suas observações a esse respeito. Nestas circunstâncias, a publicação de um anúncio no Jornal Oficial constitui um meio adequado e suficiente para dar a conhecer a todos os interessados a abertura de um procedimento (v. Acórdão de 9 de abril de 2014, Grécia/Comissão, T‑150/12, não publicado, EU:T:2014:191, n.o 58 e jurisprudência referida).

139    É neste contexto, ou seja, para saber se se pode considerar que os beneficiários do auxílio a recuperar foram efetivamente notificados para apresentarem as suas observações no âmbito do procedimento administrativo, que cabe examinar o argumento da República Helénica segundo o qual a decisão recorrida padece de uma violação do princípio da segurança jurídica, dos direitos de defesa e do princípio da boa administração, pelo facto de o anúncio publicado no Jornal Oficial  dar a falsa impressão de que só a Sogia Ellas foi beneficiária dos alegados regimes de auxílios.

140    A este respeito, antes de mais, há salientar que a República Helénica não alega que a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, em si mesma, cria esta impressão falsa. Com efeito, na sua argumentação, a República Helénica limita‑se a criticar o anúncio publicado no Jornal Oficial concomitante à publicação desta decisão.

141    Em seguida, é certo que o título do anúncio faz referência a um «auxílio à Sogia Ellas AE», a que acresce, na versão grega, a expressão latina «et al.», pelo que, como a República Helénica sustenta, este título pode, efetivamente, dar a impressão de que o auxílio em exame só diz respeito à Sogia Ellas.

142    Todavia, resulta do n.o 1 do resumo que faz parte do anúncio que a análise preliminar levou a Comissão a concluir que «os auxílios poderiam ter sido igualmente concedidos a outros beneficiários dos setores agrícola e florestal». No n.o 2 do mesmo resumo, são recordadas as bases jurídicas dos regimes de auxílios e indica‑se que os auxílios foram concedidos a empresas estabelecidas e que operam nas regiões da Grécia afetadas pelos incêndios de 2007.

143    Ora, uma vez que o anúncio, incluindo o resumo que dele faz parte, só tem duas páginas, é razoável que se exija a um operador económico diligente que analise devidamente semelhante documento, no qual se chama a atenção, através da referência aos elementos acima mencionados no n.o 142, que o convite para apresentar observações não se limitava exclusivamente à Sogia Ellas, antes se dirigindo a todos os produtores estabelecidos nas entidades territoriais sinistradas que beneficiaram desses auxílios.

144    Nestas circunstâncias, há concluir que, em conformidade com a jurisprudência acima recordada no n.o 138, o anúncio publicado no Jornal Oficial com a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação informou de forma suficiente um operador económico diligente que beneficiou dos regimes de auxílios em causa para se poder considerar que este é parte interessada desta decisão.

145    Na audiência, a República Helénica confirmou, aliás, o teor do considerando 103 da decisão recorrida, quando indicou que, atendendo à dificuldade que teve em identificar os «beneficiários dos setores agrícola e florestal», considerou que a publicação da decisão de abertura no Jornal Oficial era suficiente para avisar as empresas interessadas.

146    Daqui resulta que devem ser julgados improcedentes os argumentos relativos ao facto de que o anúncio publicado pela Comissão, que continha o convite para apresentação de observações relativas ao exame dos regimes de auxílios em causa, criou a falsa impressão de que dizia só respeito aos auxílios concedidos à Sogia Ellas e que, portanto, esta Instituição violou o princípio da segurança jurídica e os direitos de defesa.

147    Em quarto e último lugar, no que se refere ao argumento da República Helénica segundo o qual, tanto esta como os beneficiários depositaram uma confiança legítima no facto de as medidas controvertidas não serem auxílios de Estado incompatíveis, pelo facto de, durante um longo período, a Comissão não ter manifestado dúvidas quanto à legalidade das referidas medidas, embora tenha tido conhecimento da situação causada pelos incêndios de 2007, cabe salientar que, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 109 e jurisprudência referida).

148    Acresce que é facto assente que um Estado‑Membro, cujas autoridades concederam um auxílio em violação das normas processuais previstas no artigo 108.o TFUE, não pode invocar a confiança legítima dos beneficiários para se subtrair à obrigação de tomar as medidas necessárias ao cumprimento de uma decisão da Comissão que lhe ordena a recuperação desse auxílio. Admitir semelhante possibilidade equivaleria a privar as disposições dos artigos 107.o e 108.o TFUE de qualquer efeito útil, uma vez que as autoridades nacionais poderiam assim basear‑se no seu próprio comportamento ilegal para retirar eficácia às decisões adotadas pela Comissão ao abrigo destas disposições do Tratado (v. Acórdão de 19 de junho de 2008, Comissão/Alemanha, C‑39/06, não publicado, EU:C:2008:349, n.o 24 e jurisprudência referida).

149    No presente caso, há que salientar que as afirmações dos diferentes representantes da União evocados pela República Helénica, que, em substância, se referem ao caráter excecional dos incêndios e das suas consequências, bem como à sua vontade de utilizar todos os meios disponíveis em benefício dos sinistrados e da economia local, não podem ser consideradas «garantias precisas, incondicionais e concordantes» das quais resulte que as medidas controvertidas não podem ser qualificadas de auxílios de Estado.

150    Além disso, para além do facto de, pelas razões acima mencionadas nos n.os 130 a 136, a Comissão não poder ser acusada de ter adotado a decisão recorrida num prazo desrazoável, é facto assente que a República Helénica não notificou em tempo útil os regimes de auxílios em causa, pelo que esta não pode utilmente alegar, pelos motivos acima mencionados nos n.os 147 e 148, a violação do princípio da proteção da confiança legítima.

151    Consequentemente, devem ser julgados improcedentes os argumentos relativos à violação do princípio da proteção da confiança legítima.

152    Daqui resulta que devem ser julgadas improcedentes a terceira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do princípio da proteção da confiança legítima, bem como a primeira parte do terceiro fundamento, relativa à falta de competência ratione temporis, à violação dos princípios da boa administração e da segurança jurídica, bem como à violação dos direitos de defesa.

 Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

153    Com a segunda parte do terceiro fundamento, a República Helénica sustenta que a obrigação de proceder à recuperação do auxílio, prevista no artigo 2.o da decisão recorrida, contraria os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

154    A este respeito, a República Helénica alega que as circunstâncias excecionais que envolveram as medidas controvertidas impedem a recuperação dos auxílios em causa.

155    Com efeito, em primeiro lugar, os regimes de auxílios em causa não proporcionaram «vantagens» e só tiveram por objetivo garantir a sobrevivência do mercado em questão.

156    Em segundo lugar, o facto de os auxílios só terem de ser recuperados no setor agrícola pode gerar um desequilíbrio em detrimento deste setor, embora o membro da Comissão responsável pela pasta da agricultura tenha proclamado que esse setor seria objeto de um apoio reforçado por parte da Comissão.

157    A Comissão contesta todos os argumentos da República Helénica.

158    A este respeito, cabe salientar que, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, exceto se a recuperação do auxílio for contrária a um princípio geral do direito da União.

159    Além disso, segundo jurisprudência constante, a supressão de um auxílio ilegal através da sua recuperação é a consequência lógica da constatação da sua ilegalidade e a obrigação de o Estado‑Membro suprimir um auxílio considerado pela Comissão como incompatível com o mercado interno visa restabelecer a situação anterior (v. Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Grécia, C‑419/06, não publicado, EU:C:2008:89, n.o53 e jurisprudência referida).

160    Com esta restituição, o beneficiário perde assim a vantagem de que tinha beneficiado no mercado interno em relação aos seus concorrentes e a situação anterior ao pagamento do auxílio é restabelecida (v. Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Grécia, C‑419/06, não publicado, EU:C:2008:89, n.o54 e jurisprudência referida).

161    A recuperação de um auxílio de Estado concedido ilegalmente, com vista a restabelecer a situação anterior a essa concessão, não pode, portanto, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada relativamente aos objetivos das disposições do Tratado nesta matéria (v. Acórdão de 14 de fevereiro de 2008, Comissão/Grécia, C‑419/06, não publicado, EU:C:2008:89, n.o55 e jurisprudência referida).

162    No caso vertente e em primeiro lugar, como foi acima declarado nos n.os 41 a 51, as medidas controvertidas constituem uma vantagem para aqueles que as receberam, ainda que tenham sido pagas devido à ocorrência de circunstâncias excecionais caracterizadas por uma calamidade natural, e, como foi nomeadamente acima declarado nos n.os 136 e 151, a recuperação do auxílio não é contrária a um princípio geral de direito.

163    Em segundo lugar, na medida em que o alcance da decisão recorrida está expressamente limitado ao setor agrícola e florestal e em que a República Helénica não alegou que a Comissão devia ter alargado a medida a outros setores da economia e não notificou estes auxílios, a República Helénica não pode acusar a Comissão de só ter ordenado a recuperação dos auxílios junto dos beneficiários identificados na decisão recorrida.

164    Por último, é certo que, no Conselho de Ministros de 26 de setembro de 2007, o membro da Comissão responsável pela pasta da agricultura informou a delegação helénica dos diversos instrumentos disponíveis (auxílios de Estado, ajudas regionais, desenvolvimento rural) e indicou, nomeadamente, que se manteriam as superfícies agrícolas elegíveis para o pagamento único.

165    Todavia, na medida em que essas declarações, embora digam respeito aos incêndios de 2007, não têm nenhuma relação com a questão relativa à apreciação da legalidade da ordem de recuperação, não podem apoiar utilmente a argumentação da República Helénica a este respeito.

166    Tendo em conta o que precede, há que julgar improcedente a terceira parte do primeiro fundamento, o terceiro fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

167    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Helénica sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme requerido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Helénica é condenada nas despesas.

Kanninen

Półtorak

Porchia

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de outubro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: grego.