Language of document : ECLI:EU:C:2017:359

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

11 de maio de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.° 261/2004 — Artigo 5.°, n.° 1, alínea c) — Indemnização e assistência aos passageiros em caso de cancelamento do voo — Dispensa da obrigação de indemnização — Contrato de transporte celebrado por intermédio de uma agência de viagens em linha — Transportadora aérea que informou em tempo útil a agência de viagens de uma alteração do horário do voo — Agência de viagens que transmitiu a referida informação a um passageiro, por correio eletrónico, dez dias antes do voo»

No processo C‑302/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Setentrionais), por decisão de 18 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2016, no processo

Bas Jacob Adriaan Krijgsman

contra

Surinaamse Luchtvaart Maatschappij NV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, J. Malenovský e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Surinaamse Luchtvaart Maatschappij NV, por A. J. F. Gonesh, advocaat,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, E. de Moustier e M.‑L. Kitamura, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Yerrell e F. Wilman, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Bas Jacob Adriaan Krijgsman à Surinaamse Luchtvaart Maatschappij NV (a seguir «SLM»), uma transportadora aérea, a respeito da recusa desta última em pagar a B. J. A. Krijgsman uma indemnização pelo cancelamento do seu voo.

 Direito da União

 Regulamento n.° 261/2004

3        Os considerandos 1, 7 e 12 do Regulamento n.° 261/2004 enunciam:

«(1)      A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

[…]

(7)      A fim de assegurar a aplicação efetiva do presente regulamento, as obrigações nele previstas deverão recair sobre a transportadora aérea operadora que operou ou pretende operar um voo, quer seja em aeronave própria, alugada em regime de dry lease ou wet lease, ou de qualquer outra forma.

[…]

(12)      Os transtornos e inconvenientes causados aos passageiros pelo cancelamento dos voos deverão igualmente ser reduzidos. Para esse efeito, as transportadoras aéreas deverão ser persuadidas a informar os passageiros sobre os cancelamentos antes da hora programada de partida e, além disso, a oferecer‑lhes um reencaminhamento razoável, por forma a permitir‑lhes tomar outras disposições. Caso assim não procedam, as transportadoras aéreas deverão indemnizar os passageiros, a menos que o cancelamento se tenha ficado a dever a circunstâncias excecionais que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.»

4        O artigo 2.° deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      “Transportadora aérea operadora”, uma transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa coletiva ou singular que tenha contrato com esse passageiro;

[…]»

5        O artigo 3.°, n.° 5, do referido regulamento precisa:

«O presente regulamento aplica‑se a qualquer transportadora aérea operadora que forneça transporte a passageiros abrangidos pelos n.os 1 e 2. Sempre que uma transportadora aérea operadora, que não tem contrato com o passageiro, cumprir obrigações impostas pelo presente regulamento, será considerado como estando a fazê‑lo em nome da pessoa que tem contrato com o passageiro.»

6        O artigo 5.°, n.os 1 e 4, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.      Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[…]

c)      Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.°, salvo se:

i)      tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

[…]

4.      O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora.»

7        O artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 261/2004 precisa:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)      250 euros para todos os voos até 1 500 quilómetros;

b)      400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros;

c)      600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

[…]»

8        O artigo 13.° deste regulamento dispõe:

«Se a transportadora aérea operadora tiver pago uma indemnização ou tiver cumprido outras obrigações que por força do presente regulamento lhe incumbam, nenhuma disposição do presente regulamento pode ser interpretada como limitando o seu direito de exigir indemnização, incluindo a terceiros, nos termos do direito aplicável. Em especial, o presente regulamento em nada limita o direito de uma transportadora aérea operante de pedir o seu ressarcimento a um operador turístico, ou qualquer outra pessoa, com quem tenha contrato. Do mesmo modo, nenhuma disposição do presente regulamento pode ser interpretada como limitando o direito de um operador turístico ou de um terceiro, que não seja um passageiro, com quem uma transportadora aérea operadora tenha um contrato, de pedir o seu ressarcimento ou uma indemnização à transportadora aérea operadora nos termos do direito relevante aplicável.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

9        B. J. A. Krijgsman efetuou, no sítio de Internet www.gate1.nl (a seguir «sítio Gate 1»), uma reserva para um voo de ida e volta Amsterdam Schiphol (Países Baixos)‑Paramaribo (Suriname), operado pela SLM. O voo de ida estava programado para o dia 14 de novembro de 2014, pelas 15 h 15 m.

10      Em 9 de outubro de 2014, a SLM informou o sítio Gate 1 do cancelamento deste voo.

11      Em 4 de novembro de 2014, B. J. A. Krijgsman recebeu um correio eletrónico do sítio Gate 1 a informá‑lo de que o seu voo de ida estava agora programado para 15 de novembro de 2014, pelas 15 h 15 m.

12      Em 20 de dezembro de 2014, B. J. A. Krijgsman pediu à SLM uma indemnização por esse facto, pedido que foi rejeitado, em 5 de março de 2015, com o fundamento de que a informação relativa à alteração da data de partida tinha sido transmitida ao sítio Gate 1, em 9 de outubro de 2014.

13      Em 12 de junho de 2015, o sítio Gate 1 fez saber a B. J. A. Krijgsman que declinava qualquer responsabilidade pelo prejuízo cuja reparação lhe era pedida, em substância, porquanto, antes de mais, o seu mandato se limitava à celebração de contratos entre passageiros e transportadoras aéreas, em seguida, não era, assim, responsável por alterações de horários efetuadas por uma transportadora aérea e, por último, a responsabilidade de informar os passageiros neste tipo de situações incumbia à transportadora aérea, à qual era transmitido, nos documentos de reserva, o endereço eletrónico do passageiro.

14      Em 12 de junho de 2015, B. J. A. Krijgsman reclamou novamente à SLM o pagamento da quantia fixa de 600 euros prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 261/2004. Este pedido foi rejeitado em 3 de setembro de 2015.

15      Em seguida, B. J. A. Krijgsman intentou uma ação no rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Setentrionais) com vista a obter a condenação da SLM, por sentença executória por provisão, no pagamento da referida quantia.

16      A SLM opõe‑se a este pedido. Antes de mais, alega que B. J. A. Krijgsman tinha celebrado um contrato de viagem com uma agência de viagens. Em seguida, sublinha que todas as agências de viagens que comercializavam os seus bilhetes, incluindo o sítio Gate 1, foram informadas do cancelamento do voo de 14 de novembro de 2014. Por último, salienta que é prática corrente as transportadoras aéreas comunicarem as suas informações relativas aos voos às agências de viagens que celebraram o contrato de viagem e de transporte em nome dos passageiros, as quais devem transmitir essas informações aos passageiros. Ora, no caso em apreço, tendo em conta a informação enviada pela SLM ao sítio Gate 1, em 9 de outubro de 2014, deve considerar‑se que B. J. A. Krijgsman foi informado do cancelamento do seu voo mais de duas semanas antes da hora programada de partida.

17      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.° 261/2004 não define as modalidades segundo as quais a transportadora aérea deve informar os passageiros do cancelamento do voo no caso de um contrato de transporte celebrado por intermédio de uma agência de viagens ou de um sítio de Internet.

18      Nestas condições, o rechtbank Noord‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Setentrionais) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quais são os requisitos (formais e materiais) para a execução do dever de comunicação previsto no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 261/2004, no caso de o contrato de transporte ter sido celebrado através de uma agência de viagens ou a reserva ter sido efetuada através da Internet?»

 Quanto à questão prejudicial

19      Resulta da decisão de reenvio que o demandante no processo principal, um passageiro que comprou, por intermédio de uma agência de viagens em linha, um bilhete para um voo operado pela SLM, reclama a essa transportadora aérea o pagamento da indemnização prevista nos artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° do Regulamento n.° 261/2004, com o fundamento de que não foi informado do cancelamento desse voo pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida.

20      Todavia, segundo essa decisão, é ponto assente que, mais de duas semanas antes da hora programada de partida do voo em causa, a referida transportadora aérea informou a agência de viagens em linha do cancelamento do voo em causa, mas que esta agência só informou desse facto o demandante no processo principal dez dias antes da hora programada de partida. A este respeito, não resulta de forma alguma da referida decisão que este demandante contesta o modo como esta informação foi prestada e o seu caráter efetivo.

21      Assim, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° do referido regulamento devem ser interpretados no sentido de que a transportadora aérea operadora é obrigada a pagar a indemnização prevista nestas disposições em caso de cancelamento de um voo que não foi objeto de informação ao passageiro pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, incluindo quando essa transportadora aérea informou deste cancelamento, pelo menos duas semanas antes dessa hora, a agência de viagens por intermédio da qual foi celebrado o contrato de transporte com o passageiro em causa e este não foi informado por essa agência desse atraso.

22      O artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 261/2004 enuncia que, em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a receber da transportadora aérea operadora uma indemnização nos termos do artigo 7.° do mesmo regulamento, salvo se tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida.

23      Em conformidade com o artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 261/2004, o ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento recai sobre a transportadora aérea operadora.

24      Segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (acórdão de 16 de novembro de 2016, Hemming e o., C‑316/15, EU:C:2016:879, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

25      No caso em apreço, como salientam tanto os Governos francês, austríaco e polaco como a Comissão Europeia nas suas observações escritas, decorre da redação clara destas disposições que, quando a transportadora aérea operadora não pode provar que o passageiro em causa foi informado do cancelamento do seu voo mais de duas semanas antes da hora programada de partida, está obrigada a pagar a indemnização prevista nas referidas disposições.

26      Contrariamente ao que defende a SLM, tal interpretação é válida não só quando o contrato de transporte foi celebrado diretamente entre o passageiro em causa e a transportadora aérea mas também quando este contrato foi celebrado por intermédio de um terceiro, como, no caso do processo principal, uma agência de viagens em linha.

27      Com efeito, como decorre tanto do artigo 3.°, n.° 5, como dos considerandos 7 e 12 do Regulamento n.° 261/2004, a transportadora aérea operadora que operou ou pretende operar um voo é a única responsável por indemnizar os passageiros pelo incumprimento das obrigações decorrentes deste regulamento, incluindo, nomeadamente, a obrigação de informação prevista no seu artigo 5.°, n.° 1, alínea c).

28      Esta interpretação é a única que permite responder ao objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros enunciado no considerando 1 do Regulamento n.° 261/2004, ao assegurar que o passageiro cujo voo foi reservado por intermédio de um terceiro antes de ser cancelado está em condições de identificar o devedor da indemnização prevista nos artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° deste regulamento.

29      Não obstante, recorde‑se que o cumprimento, por parte da transportadora aérea operadora, das obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.° 261/2004 não prejudica o direito de a referida transportadora exigir uma indemnização, nos termos do direito nacional aplicável, a qualquer pessoa que tenha causado o incumprimento por parte dessa transportadora das suas obrigações, incluindo a terceiros, como previsto no artigo 13.° deste regulamento (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, van der Lans, C‑257/14, EU:C:2015:618, n.° 46 e jurisprudência aí referida).

30      Este artigo precisa que, em especial, o Regulamento n.° 261/2004 em nada limita o direito de uma transportadora aérea operante pedir o seu ressarcimento a um operador turístico ou a qualquer outra pessoa com quem tenha contrato.

31      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão que os artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° do Regulamento n.° 261/2004 devem ser interpretados no sentido de que a transportadora aérea operadora é obrigada a pagar a indemnização prevista nestas disposições em caso de cancelamento de um voo que não foi objeto de informação ao passageiro pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, incluindo quando essa transportadora aérea informou deste cancelamento, pelo menos duas semanas antes dessa hora, a agência de viagens por intermédio da qual foi celebrado o contrato de transporte com o passageiro em causa e este não foi informado por essa agência desse atraso.

 Quanto às despesas

32      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

Os artigos 5.°, n.° 1, alínea c), e 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91, devem ser interpretados no sentido de que a transportadora aérea operadora é obrigada a pagar a indemnização prevista nestas disposições em caso de cancelamento de um voo que não foi objeto de informação ao passageiro pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, incluindo quando essa transportadora aérea informou deste cancelamento, pelo menos duas semanas antes dessa hora, a agência de viagens por intermédio da qual foi celebrado o contrato de transporte com o passageiro em causa e este não foi informado por essa agência desse atraso.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.