Language of document : ECLI:EU:T:2023:847

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada)

20 de janeiro de 2024 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Setor dos produtos derivados de taxas de juro em euros — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE — Manipulação das taxas de referência interbancárias da Euribor — Troca de informações confidenciais — Restrição da concorrência por objeto — Infração única e continuada — Procedimento “híbrido” escalonado no tempo — Presunção de inocência — Imparcialidade — Coimas — Montante de base — Valor das vendas — Artigo 23.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Dever de fundamentação — Decisão de alteração que completa a fundamentação — Igualdade de tratamento — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑113/17,

Crédit agricole SA, com sede em Montrouge (França),

Crédit agricole Corporate and Investment Bank, com sede em Montrouge,

representadas por J.‑P. Tran Thiet, M. Powell e J. Jourdan, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Farley e T. Baumé, na qualidade de agentes, assistidos por N. Coutrelis, advogada,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada),

composto, na deliberação, por: S. Papasavvas, presidente, A. Kornezov, E. Buttigieg (relator), K. Kowalik‑Bańczyk e G. Hesse, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos, nomeadamente:

–        as Decisões de 8 de junho de 2019 e de 30 de março de 2021 de suspensão da instância nos termos do artigo 69.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral,

–        o articulado de adaptação apresentado pelas recorrentes na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de setembro de 2021 e as observações da Comissão sobre esse articulado apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2021,

após a audiência de 17 de março de 2022,

visto o Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2023:11), e as observações das partes a esse respeito,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, as recorrentes, Crédit agricole SA e Crédit agricole Corporate and Investment Bank (a seguir «CACIB») (a seguir, em conjunto, «Crédit agricole»), pedem, por um lado, a anulação parcial da Decisão C(2016) 8530 final da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE [processo AT.39914 — Derivados de taxas de juro em euros (EIRD)] (a seguir «decisão impugnada»), e, por outro, a título subsidiário, a redução do montante da coima que lhes foi aplicada nessa decisão. Pedem ainda a anulação da Decisão C(2021) 4610 final da Comissão, de 28 de junho de 2021, que altera a decisão impugnada (a seguir «decisão de alteração») ou, em alternativa, da sentença segundo a qual esta última decisão não podia sanar a fundamentação deficiente da decisão impugnada.

I.      Antecedentes do litígio

[Omissis]

A.      Factos posteriores à interposição do presente recurso

21      Por Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), o Tribunal Geral anulou o artigo 2.o, alínea b), da decisão impugnada, através da qual a Comissão aplicou uma coima ao HSBC, por não ter fundamentado de forma juridicamente bastante as razões pelas quais o fator de redução uniforme aplicado às receitas em numerário das empresas em causa para efeitos do cálculo das coimas que lhes tinham sido aplicadas (a seguir «fator de redução») tinha sido fixado em 98,849 % e não num nível eventualmente superior, e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

22      Por carta de 24 de fevereiro de 2021, a Comissão informou as recorrentes e a JP Morgan da sua intenção de alterar a decisão impugnada tendo em conta o Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675). Na mesma carta, bem como na carta de 16 de abril de 2021, a Comissão forneceu informações e explicações suplementares a todos os destinatários da decisão impugnada sobre as razões que a levaram a fixar o nível do fator de redução em 98,849 %. As recorrentes apresentaram as suas observações sobre as mesmas em 7 de maio de 2021.

23      Em 28 de junho de 2021, a Comissão adotou a decisão de alteração. Considerou que, na medida em que o fator de redução na decisão impugnada era idêntico para todos os seus destinatários, era provável que o raciocínio que figura no Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), relativo à insuficiência de fundamentação da determinação deste fator de redução, fosse considerado pelo Tribunal Geral transponível para as coimas aplicadas às recorrentes e ao outro destinatário desta, e que, por conseguinte, era do interesse do princípio da boa administração corrigir os erros identificados pelo Tribunal Geral nesse acórdão e alterar a decisão impugnada em relação às recorrentes e ao outro destinatário desta, completando a fundamentação relativa à determinação do fator de redução.

24      Por Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2023:11), por um lado, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), na medida em que este acórdão indeferiu o pedido principal de anulação do artigo 1.o da decisão impugnada e o pedido subsidiário de anulação do artigo 1.o, alínea b), da mesma. Por outro lado, ao decidir sobre o recurso interposto pelo HSBC no processo T‑105/17, na medida em que pedia a anulação do artigo 1.o da decisão impugnada e, a título subsidiário, do seu artigo 1.o, alínea b), o Tribunal de Justiça negou‑lhe provimento.

II.    Pedidos das partes

25      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular o artigo 1.o, alínea a), e o artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir significativamente, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o montante da coima que lhes foi aplicada pelo artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada;

–        a título adicional, anular as Decisões do auditor de 2 de outubro de 2014, de 4, 27 de março e 29 de julho de 2015 e de 16 de setembro de 2016 e, consequentemente, anular o artigo 1.o, alínea a), e o artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada;

–        anular a decisão de alteração ou, em alternativa, declarar que esta não podia sanar a fundamentação deficiente da decisão impugnada, e anular o artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada, conforme alterada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

[Omissis]

III. Questão de direito

[Omissis]

A.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 1.o, alínea a), da decisão impugnada e do artigo 2.o, alínea a), da referida decisão, na medida em que este último pedido se baseia na violação dos direitos de defesa devido à recusa de acesso ao processo

[Omissis]

1.      Quanto à tramitação do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada (primeiro e segundo fundamentos da petição e terceira parte do nono fundamento da mesma)

[Omissis]

a)      Quanto ao primeiro fundamento da petição, relativo à violação do direito de acesso à justiça, do princípio da boa administração, dos direitos de defesa e do princípio do contraditório

[Omissis]

1)      Quanto à recusa em responder às perguntas formuladas pelas recorrentes na audição

52      No âmbito da segunda acusação do primeiro fundamento, as recorrentes sustentam que a Comissão violou os seus direitos de defesa e o princípio do contraditório ao recusar responder a determinadas perguntas que lhe tinham sido formuladas na audição.

[Omissis]

57      Por último, importa igualmente recordar que a audição conduzida pelo auditor, que faz parte das garantias ao abrigo do direito de ser ouvido no âmbito do procedimento administrativo instaurado pela Comissão em aplicação do artigo 101.o TFUE, visa dar aos destinatários da comunicação de objeções a possibilidade de desenvolverem o seu ponto de vista sobre as conclusões preliminares da Comissão, como resulta, em substância, do artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 e do artigo 10.o, n.o 4, da Decisão 2011/695/UE do Presidente da Comissão Europeia, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do auditor em determinados procedimentos de concorrência (JO 2011, L 275, p. 29). É certo que, nos termos do artigo 14.o, n.o 7, do Regulamento n.o 773/2004 e do artigo 12.o, n.o 3, da Decisão 2011/695, o auditor pode autorizar, nomeadamente as partes a quem tenha sido dirigida uma comunicação de objeções, a formularem perguntas na audição. Trata‑se, contudo, de uma faculdade, uma vez que o objetivo principal da audição é dar oportunidade, nomeadamente aos destinatários da comunicação de objeções, de desenvolverem a sua argumentação, como salientou, no caso em apreço, o auditor durante a audição do Crédit agricole.

58      Além disso, há que salientar que as perguntas em causa, formuladas pelas recorrentes à Comissão, diziam respeito, como elas próprias referem, às alegadas contradições nos métodos de cálculo da sanção proposta.

59      A este respeito, é com razão que a Comissão se refere à circunstância de o princípio do contraditório e o respeito pelos direitos de defesa não lhe imporem que forneça, na fase do procedimento administrativo, esclarecimentos sobre a forma como pretende aplicar os critérios relativos à gravidade e à duração da infração para a determinação do montante das coimas.

60      Daqui resulta que, embora seja permitido ao destinatário da comunicação de objeções apresentar, nomeadamente na audição, todos os argumentos que considera pertinentes para chamar a atenção da Comissão para a existência de certas contradições nas respostas das outras partes aos pedidos de informações, que são suscetíveis de influenciar a decisão que esta será levada a tomar a seu respeito, ou de sugerir à Comissão que prossiga a sua investigação a fim de garantir o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento, a garantia do respeito pelos direitos de defesa não impõe à Comissão que responda, na fase da audição, a tais argumentos ou interrogações das partes.

[Omissis]

b)      Quanto à violação dos direitos de defesa devido à recusa de acesso ao processo (quarta parte do segundo fundamento e terceira parte do nono fundamento da petição)

[Omissis]

1)      Quanto ao pedido de acesso aos documentos relativos ao valor das vendas

171    Há que salientar que, na sequência do pedido do Crédit agricole destinado a obter o acesso aos dados relativos ao valor das vendas que foram submetidos à Comissão pelas outras partes e aos dados relativos aos métodos utilizados por estas para os apresentar, o auditor, na sua Decisão de 2 de outubro de 2014, instituiu um sistema de acesso misto concedendo às recorrentes um acesso direto a certos dados e aos seus consultores externos a possibilidade de consultarem as versões confidenciais dos documentos em causa segundo o procedimento de sala de dados («data room») (considerando 101 da decisão impugnada). Uma outra sala de dados foi criada após a adoção pela Comissão da decisão retificativa relativa à Société générale, tendo em conta os dados financeiros corrigidos apresentados por esta (considerando 106 da decisão impugnada). Além disso, o acesso direto mais amplo a certos dados a que se referem os pedidos das recorrentes foi‑lhes concedido pelo auditor nas suas Decisões de 4 de março de 2015 e na sua intervenção de 25 de março de 2015, conforme inscrita na sua Decisão de 27 de março de 2015.

172    No âmbito da quarta parte do segundo fundamento e na terceira parte do nono fundamento, as recorrentes alegam que, ao impor‑lhes condições de acesso restritivas, através da sala de dados, aos documentos em causa e ao recusar‑lhes o acesso direto a todas essas informações, que já não podiam ser classificadas como sensíveis, a Comissão violou os seus direitos de defesa.

173    Antes de mais, há que rejeitar a acusação no âmbito da qual as recorrentes contestam o procedimento de acesso ao processo através da sala de dados.

174    A este respeito, importa recordar que, por força do princípio de proteção do segredo comercial, que constitui um princípio geral do direito da União e que está consagrado, em particular, no artigo 339.o TFUE, a Comissão é obrigada a não revelar aos concorrentes de um operador privado informações confidenciais fornecidas por este (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 109 e jurisprudência referida). Quanto ao direito de acesso ao processo em matéria de concorrência, resulta do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 773/2004 que este não abrange os segredos comerciais e outras informações confidenciais. Todavia, em determinadas circunstâncias, a necessidade de salvaguardar os direitos de defesa das partes deve ser conciliada com a obrigação de a Comissão proteger as informações confidenciais que figuram no processo em matéria de concorrência, provenientes das outras partes, como resulta, em substância, do artigo 27.o, n.o 2, terceiro período, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 (v., igualmente, neste sentido, n.o 24 da Comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo da Comissão).

175    Daqui resulta que, em circunstâncias como as do caso em apreço, o procedimento de sala de dados constituía uma ferramenta adequada para conciliar os interesses legítimos que a Comissão estava obrigada a proteger, a saber, por um lado, os interesses de confidencialidade que podiam invocar os bancos que forneceram informações cujo acesso tinha sido pedido pelas recorrentes e, por outro, os direitos de defesa destas últimas, como salientou, em substância, o auditor nas suas Decisões de 2 de outubro de 2014 e de 16 de setembro de 2016.

176    Todavia, as recorrentes contestam que as informações em causa continuem a ser abrangidas pela confidencialidade, uma vez que são antigas e de caráter limitado, tornando impossível identificar eventuais informações confidenciais, como a identidade dos clientes. Por conseguinte, consideram que estas informações poderiam ter sido divulgadas diretamente ao Crédit agricole, o que, contrariamente ao acesso concedido apenas aos consultores externos na sala de dados, teria garantido o exercício efetivo dos direitos de defesa.

177    A este respeito, primeiro, resulta da jurisprudência em que as recorrentes se baseiam que as informações que eram secretas ou confidenciais, mas que datam de há cinco anos ou mais, pelo decurso do tempo, em princípio, são históricas e perderam, por esse facto, o seu caráter secreto ou confidencial, a menos que, excecionalmente, a parte que invoca esse caráter demonstre que, apesar da sua antiguidade, tais informações ainda constituem elementos essenciais da sua posição comercial ou de terceiros (Acórdão de 14 de março de 2017, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P, EU:C:2017:205, n.o 64).

178    Na sua Decisão de 16 de setembro de 2016, o auditor teve em conta um argumento semelhante do Crédit agricole apresentado durante o procedimento administrativo. Considerou, em substância, que, devido à sua natureza, os dados em causa não tinham perdido o seu caráter confidencial apesar da sua antiguidade. Com efeito, segundo o auditor, a complexidade, a especificidade e o volume desses dados eram tais que não se assemelham a simples volumes de negócios dos bancos em causa. Tendo em conta esta natureza dos dados, o auditor considerou corretamente que o simples decurso do tempo não era, por si só, suscetível de diminuir de forma suficiente o risco de prejudicar seriamente os interesses legítimos destes bancos se essas informações fossem divulgadas diretamente aos especialistas do Crédit agricole.

179    Além disso, há que recordar, à semelhança da Comissão, que, no que diz respeito à determinação do montante das coimas, os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante ela pela possibilidade de as referidas empresas apresentarem as suas observações sobre a duração, a gravidade e o caráter anticoncorrencial dos factos imputados, mas não necessitam, em contrapartida, que essa possibilidade abranja a forma como a Comissão tenciona recorrer aos critérios imperativos da gravidade e da duração da infração para efeitos dessa determinação (v. Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 428 e 439 e jurisprudência referida). Este elemento deve ser tido em conta na ponderação dos interesses das outras partes na confidencialidade de certos dados que tinham apresentado com vista à determinação do montante da coima que lhes diz respeito, como no caso em apreço dados que permitem calcular o valor das vendas, com os direitos de defesa das outras partes, como salientou, em substância, o auditor nas suas Decisões de 4 de março de 2015 e de 16 de setembro de 2016.

180    As recorrentes não apresentam nenhum argumento destinado a demonstrar que o exercício efetivo dos seus direitos de defesa devia, no caso em apreço, prevalecer sobre os interesses legítimos de confidencialidade que os outros bancos poderiam invocar relativamente às informações em causa. Assim, não demonstraram que as conclusões do auditor nas suas Decisões de 2 de outubro de 2014, de 4 e 27 de março de 2015 e de 16 de setembro de 2016, recordadas nos n.os 171, 178 e 179, supra, estavam erradas.

[Omissis]

2.      Quanto à existência de um comportamento ilícito imputável às recorrentes (terceiro, quarto e oitavo fundamentos da petição)

[Omissis]

a)      Quanto ao terceiro fundamento da petição, relativo à participação do Crédit agricole nos comportamentos relativos às manipulações da Euribor

[Omissis]

1)      Quanto à contestação da participação do Crédit agricole nas práticas de manipulação da taxa Euribor

[Omissis]

213    A este respeito, importa salientar que resulta das trocas entre os traders referidas na decisão impugnada, conforme resumidas nos n.os 203 a 210, supra, que a Comissão dispunha de elementos que permitiam considerar a participação dos traders do Crédit agricole nas trocas relativas à manipulação da taxa Euribor.

214    Com efeito, em primeiro lugar, na discussão de 1 de março de 2007, o trader do Crédit agricole tomou a iniciativa de pedir ao trader do Barclays uma submissão do seu banco ao painel Euribor no seu interesse («tenho interesse em que suba»), o que este último aceitou fazer («de acordo, vou dizer‑lhes»).

215    Segundo, nas discussões de 16 de outubro, 13 de novembro e 5 de dezembro de 2006 e de 16 e 19 de março de 2007, o trader do Barclays pediu ao trader do Crédit agricole que solicitasse à tesouraria do seu banco uma submissão num determinado sentido, o que este último aceitou fazer ou até informou já o ter feito, especificando o nível de contribuição sugerido ou visado pela tesouraria [v. trocas de 16 de outubro de 2006 às 7 h 33 («disse‑lhes para tentarem o 3.36») e às 7 h 46 («eles vão contribuir com 3.36»), de 13 de novembro de 2006 («ok, não há problema, não tenho, eu faço‑o» e, em seguida, «disse‑lhes para porem trinta e sete»), de 16 de março de 2007 às 14 h 06 («Disse‑lhe que era do nosso interesse baixar. Disse ok, vou tomar nota») e de 19 de março de 2007 às 14 h 24 («Sim, eu disse‑lhes uma coisa, eles queriam pôr 91 (...) disseram‑me “bem, hum, vamos ver o que podemos fazer”»)].

216    Terceiro, resulta inequivocamente da troca de 16 de novembro de 2006 que os traders do Barclays e do Crédit agricole comunicaram as suas preferências quanto ao nível de fixação Euribor‑3M nesse dia e às suas posições de negociação (trading) associadas. Tal comunicação foi feita com o objetivo de verificar se os seus interesses convergiam com vista a prosseguir, sendo caso disso, a sua concertação destinada a influenciar as submissões à Euribor dos seus respetivos bancos no sentido desses interesses. Isto é confirmado pelo facto de o trader do Barclays ter lamentado que os seus interesses e o do trader do Crédit agricole relativos ao nível da fixação fossem opostos. No entanto, indicou ao trader do Crédit agricole que ia «verificar» depois de o ter questionado sobre o nível da taxa Euribor que lhe convinha.

217    Quarto, na conversa telefónica de 14 de fevereiro de 2007, o trader do Barclays informou o trader do Crédit agricole dos elementos essenciais da manipulação prevista em 19 de março de 2007. Além disso, resulta da troca de 16 de março de 2007 que o trader do Crédit agricole estava disposto a beneficiar desta manipulação, confirmando que o seu interesse no que dizia respeito à fixação Euribor‑3M nesse dia coincidia com o interesse que aí tinha o trader do Barclays («todos temos interesse em que seja baixa», «também temos um interesse sério») e ao confirmar a este último, na troca de 19 de março de 2007, que também tinha ganhado um determinado montante em dinheiro com essa fixação («ganhei 156 000 euros graças a isto»).

218    Quinto, após os prazos das submissões, os traders agradeceram pelas suas implicações recíprocas nas práticas em causa e felicitaram‑se com o êxito dos seus planos (v., nomeadamente, troca de 19 de março de 2007) seguindo assim o resultado ou os efeitos esperados das suas ações concertadas.

219    A participação dos traders do Crédit agricole nos comportamentos que visam a manipulação da taxa Euribor não é posta em causa pelos argumentos das recorrentes.

220    Primeiro, as recorrentes alegam que não foi demonstrado que o trader do Crédit agricole tinha efetivamente contactado a sua tesouraria para dar seguimento à promessa feita ao seu interlocutor e que poderia ter mentido a este último, relatando tê‑lo feito. A participação do Crédit agricole nos comportamentos que visam a manipulação das taxas de referência não foi demonstrada, dada a inexistência de elementos de prova da implicação efetiva, nos referidos comportamentos, do seu departamento de tesouraria.

221    A este respeito, importa salientar, antes de mais, que, como sustenta, em substância, a Comissão, os comportamentos anticoncorrenciais imputados ao Crédit agricole não consistem na manipulação da Euribor enquanto tal, mas em trocas de informações entre os traders que refletem a sua intenção de influenciar as submissões dos seus bancos ao painel Euribor no sentido dos seus próprios interesses. Com efeito, como resulta do considerando 113, alíneas a) a f), do considerando 358, alíneas a) a f), e do considerando 392, alíneas a) a f), da decisão impugnada, acima resumidos no n.o 15, essas trocas diziam respeito às preferências por um nível da taxa Euribor, por vezes acompanhadas da comunicação das posições de negociação (trading) detidas, à possibilidade de alinhar as posições de negociação (trading) e as submissões à Euribor, uma promessa por parte do trader em causa de contactar uma pessoa responsável pelas submissões à Euribor no seu banco a fim de lhe solicitar uma submissão numa determinada direção ou a um nível específico e um relatório da resposta deste último.

222    Ora, as trocas entre os traders revelam claramente a comunicação das preferências de taxas, das posições de negociação (trading) associadas e de uma oferta ou de uma intenção dos traders do Crédit agricole de influenciar a submissão do seu banco.

223    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a participação de uma empresa numa reunião anticoncorrencial cria uma presunção do caráter ilícito dessa participação, presunção que essa empresa deve ilidir fazendo prova de um distanciamento público que deve ser entendido como tal pelos outros participantes (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 81 e 82 e jurisprudência referida, e de 3 de maio de 2012, Comap/Comissão, C‑290/11 P, não publicado, EU:C:2012:271, n.os 74 a 76 e jurisprudência referida). A razão subjacente a este princípio de direito é que, tendo participado na referida reunião sem se distanciar publicamente do seu conteúdo, a empresa deu a entender aos outros participantes que subscrevia o seu resultado e que atuaria em conformidade com ele (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 82, e de 25 de janeiro e 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.o 48).

224    No caso em apreço, resulta das trocas tidas em conta pela Comissão, conforme resumidas nos n.os 214 e 218, supra, que o trader do Crédit agricole esteve, numa ocasião, na origem do pedido de submissão ao painel Euribor segundo o seu interesse e com vista a uma manipulação dessa taxa e que, noutras ocasiões, longe de se distanciar publicamente dos pedidos do trader do Barclays, deu a entender a este que o seu banco submeteria ou tinha efetivamente submetido uma contribuição ao painel Euribor segundo o que tinha sido acordado e confirmou‑o na ideia de que tinha falado aos seus responsáveis pelas submissões, chegando mesmo a comunicar‑lhe o conteúdo exato dessas conversas.

225    Mais especificamente, o facto de, na conversa de 14 de fevereiro de 2007, o trader do Crédit agricole se ter mostrado cético quanto ao êxito do plano de manipulação de 19 de março de 2007 não constitui a demonstração de um distanciamento claro do comportamento cujo plano lhe tinha sido explicado pelo trader do Barclays.

226    Os considerandos 125, 135 e 634 da decisão impugnada, nos quais se baseiam as recorrentes, não põem em causa o que precede. Com efeito, nos referidos considerandos, a Comissão considerou, em substância, que os acordos entre os traders tinham sido completados e executados através de comunicações entre eles e os responsáveis pelas propostas nos departamentos de tesouraria dos seus bancos e, «ocasionalmente», por uma cotação efetivamente apresentada por estes últimos das taxas Euribor comunicadas, coordenadas ou acordadas. Assim, é com razão que a Comissão sustenta que os argumentos das recorrentes relativos à não implicação da tesouraria do Crédit agricole nas práticas destinadas a influenciar a taxa Euribor são, quando muito, suscetíveis de demonstrar uma falta de execução do comportamento anticoncorrencial pela tesouraria do banco, em vez de uma falta de participação dos traders no referido comportamento (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1991, Atochem/Comissão, T‑3/89, EU:T:1991:58, n.o 100).

227    O mesmo é válido para o argumento relativo ao facto de as cotações efetivamente apresentadas pelo Crédit agricole nas datas pertinentes terem sido coerentes com as suas outras contribuições e com o mercado e de serem mesmo contrárias ao interesse do cartel. Com efeito, atendendo ao alcance da decisão impugnada e aos comportamentos imputados ao Crédit agricole, que dizem respeito aos «acordos» entre os traders com vista a influenciar as taxas de referência segundo os seus interesses, mas não a uma manipulação efetiva das referidas taxas com a implicação das tesourarias, estes argumentos são inoperantes para contestar a participação do Crédit agricole nos referidos comportamentos que a Comissão lhe imputou.

228    Neste contexto, importa salientar que, em todo o caso, vários elementos de prova considerados pela Comissão permitem demonstrar que os traders do Crédit agricole tentaram influenciar o nível de contribuição da tesouraria do seu banco ou que, pelo menos, se vangloriaram por tê‑lo feito. Com efeito, nas trocas de 16 de outubro, 13 de novembro e 5 de dezembro de 2006 e de 16 e 19 de março de 2007, o trader do Crédit agricole comunicou ao trader do Barclays a resposta que tinha obtido após ter solicitado a sua tesouraria (v. n.o 215, supra). Além disso, resulta das trocas de 27 de outubro (considerando 191 da decisão impugnada) e 5 de dezembro de 2006 (considerando 224 da decisão impugnada), bem como de 19 de março de 2007 (considerando 319 da decisão impugnada), que os operadores consideraram que as suas ações concertadas para manipular a fixação tinham sido bem‑sucedidas e que estavam satisfeitos. Estas trocas, lidas à luz da troca de 16 de março de 2007 entre o trader do Crédit agricole e a responsável pelas submissões deste banco (considerando 305 da decisão impugnada), que demonstra que os traders mantinham contactos com o departamento de tesouraria, em que discutiam o nível das futuras fixações das taxas e dos juros que poderiam ter traders quanto a um nível específico das taxas, são suscetíveis de demonstrar que os traders do Crédit agricole deram seguimento às discussões com o trader do Barclays sobre o nível desejado da taxa Euribor ao estabelecer contactos com os responsáveis pelas submissões do seu banco e implementaram, assim, trocas colusórias.

229    Segundo, há que rejeitar igualmente o argumento das recorrentes pelo qual alegam, baseando‑se num relatório pericial, cuja credibilidade é contestada pela Comissão, que, atendendo às posições de negociação (trading) que detinham, os traders do Crédit agricole não tinham nenhum interesse concreto em participar nas manipulações em causa, nomeadamente na de 19 de março de 2007. Em substância, as recorrentes alegam que a participação nas práticas destinadas a influenciar o nível das taxas de referência «não tinha sentido», a menos que os traders dispusessem da informação em tempo útil para dela poderem beneficiar e que tivessem acumulado «enormes posições de negociação (trading)».

230    Todavia, e independentemente da questão de saber se os dados em que as recorrentes se baseiam são fiáveis, no que respeita às restrições da concorrência por objeto, o que é, segundo a decisão impugnada, o caso das trocas relativas às manipulações das taxas de referência, não é necessário analisar se uma empresa tinha um interesse comercial em participar nelas, uma vez que está demonstrada a participação dessa empresa em comportamentos suscetíveis de restringir a concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.os 44 a 46 e jurisprudência referida).

231    As circunstâncias invocadas pelas recorrentes, admitindo‑as provadas, são, quando muito, suscetíveis de demonstrar que, não dispondo de uma posição de negociação (trading) importante, nomeadamente em 19 de março de 2007, o trader do Crédit agricole não retirou benefícios significativos do plano em que participou e, assim, que as trocas entre os traders não foram seguidas de efeitos anticoncorrenciais no mercado. No entanto, esta questão carece de pertinência no que respeita aos comportamentos restritivos da concorrência por objeto (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.os 123 e 124). Assim, tal argumento poderia, eventualmente, revelar‑se pertinente se as recorrentes demonstrassem que a Comissão cometeu um erro ao considerar que os comportamentos em causa eram restritivos da concorrência por objeto, o que importa examinar no âmbito do quarto fundamento.

232    Na medida em que, ao invocarem tal argumento, as recorrentes pretendem apresentar uma prova em contrário para ilidir a presunção de que, ao participar na concertação com o trader do Barclays e ao estar ativo no mercado, o trader do Crédit agricole teve necessariamente em conta as informações trocadas com o seu concorrente para determinar o seu comportamento nesse mercado, no caso vertente a sua estratégia de negociação (trading), com base na futura manipulação (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.o 121, e de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, EU:C:1999:358, n.o 162), importa salientar que a simples alegação de que o trader não detinha uma posição significativa à data de uma manipulação prevista ou de que o seu banco detinha uma posição contrária na aceção do acordo não constitui uma prova contrária suficiente, na medida em que esses elementos não excluem, por si só, a presunção de que a concertação permitiu ao trader eliminar as incertezas quanto ao seu comportamento no mercado, de modo que a concorrência pôde ser impedida, restringida ou falseada (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Solvay Solexis/Comissão, C‑449/11 P, não publicado, EU:C:2013:802, n.o 39).

233    Terceiro, o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um cartel ou de ter desempenhado um papel secundário nos aspetos em que participou não é relevante para efeitos de determinação da existência de uma infração que lhe é imputável. Estes elementos, relativos ao número e à intensidade dos comportamentos anticoncorrenciais, só devem ser tomados em consideração aquando da apreciação da gravidade da infração ou das circunstâncias atenuantes e, sendo caso disso, da determinação da coima (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 86 e jurisprudência referida, e de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 197 e 199 e jurisprudência referida). Assim, os argumentos apresentados pelas recorrentes destinados a demonstrar o papel menor, do ponto de vista qualitativo e quantitativo, que o Crédit agricole desempenhou nas manipulações em causa, tendo em conta o facto de estas terem sido concebidas, organizadas e executadas por um trader do banco A e um trader do banco D, devem ser julgados inoperantes no âmbito do exame da participação deste nos comportamentos em causa.

234    Do mesmo modo, quarto, o facto de o Crédit agricole ser um operador menor no mercado dos EIRD, admitindo‑o provado, não permite pôr em causa a sua participação nos comportamentos em questão, uma vez que opera no referido mercado. Com efeito, como alega, em substância, a Comissão, as trocas de informações confidenciais relativas às manipulações previstas das taxas de referência permitiram aos participantes nessas trocas, independentemente da posição do seu banco no mercado, adaptar a sua estratégia de negociação (trading) através da composição das suas carteiras especificamente de forma a tirar proveito do seu conhecimento das futuras manipulações e maximizar os seus lucros ou minimizar as suas perdas.

235    Atendendo ao que precede, sem prejuízo da apreciação do quarto fundamento (v. n.os 230 e 231, supra), há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

[Omissis]

3.      Quanto à qualificação de infração única e continuada adotada pela Comissão (quinto, sexto e sétimo fundamentos da petição)

[Omissis]

a)      Quanto ao sexto fundamento da petição, que contesta o conhecimento pelo Crédit agricole da existência de um «plano de conjunto» e a sua vontade de nele participar

[Omissis]

1)      Quanto ao conhecimento, por parte do Crédit agricole, da existência de um «plano de conjunto»

[Omissis]

i)      Quanto ao conhecimento, pelo Crédit agricole, dos comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outras empresas que consistem em tentativas de manipulação da Euribor

[Omissis]

402    Importa salientar, à semelhança da Comissão, que esta última dispõe de provas diretas que demonstram o conhecimento pelo Crédit agricole de que participava numa infração única com outros bancos na medida em que os seus traders sabiam ou podiam razoavelmente prever que as trocas referidas no n.o 401, supra, faziam parte de um «plano de conjunto» que excedia o âmbito das trocas bilaterais.

403    Com efeito, primeiro, é com razão que a Comissão refere, no considerando 467 da decisão impugnada, que a conversa de 16 de outubro de 2006 é reveladora deste conhecimento pelo Crédit agricole da existência de um «plano de conjunto» e da participação de outros bancos nesse plano.

404    Nessa conversa, o trader do Barclays solicitou ao Crédit agricole que solicitasse à sua tesouraria uma submissão Euribor‑1M elevada. Antes de deferir esse pedido, o trader do Crédit agricole perguntou que vantagem poderia daí retirar, ao que o trader do Barclays respondeu que poderia pedir‑lhe o «fixing» de acordo com as suas próprias posições de negociação (trading) («o que quiser, o direito de me pedir fixações onde quiser quando necessitar»). Mais tarde, o trader do Crédit agricole perguntou ao trader do Barclays como este se tinha comportado apesar do baixo nível da Euribor. Em resposta, o trader do Barclays agradeceu‑lhe pela sua cooperação em relação à submissão do seu banco ao declarar que, graças às submissões elevadas de alguns bancos («parceiros»), tinha podido contrabalançar as submissões baixas dos outros bancos («se alguns parceiros não tivessem estado presentes […] teria pelo menos quatro bancos contra mim nesta questão»).

405    A leitura destas conversas revela, por um lado, que o trader do Crédit agricole estava consciente de que a submissão elevada que tinha prometido solicitar à sua tesouraria fazia parte de um «plano de conjunto» destinado a manipular o nível da Euribor‑1M nesse dia, aumentando‑o através das submissões coordenadas de vários bancos. Contribuiu assim, com o seu comportamento, para a realização desse plano. Por outro lado, ao indicar‑lhe que lhe podia pedir noutros momentos «fixings» segundo os seus próprios interesses, o trader do Barclays fez compreender ao trader do Crédit agricole que não se tratava de uma tentativa de manipulação da taxa Euribor isolada, mas antes de uma prática que poderia ser repetida.

406    Do mesmo modo, segundo, é também com razão que a Comissão refere, no considerando 461 da decisão impugnada, que a conversa de 14 de fevereiro de 2007 é igualmente reveladora do conhecimento pelo Crédit agricole tanto da existência de um «plano de conjunto» como da participação dos outros bancos.

407    Com efeito, por um lado, resulta desta discussão que o trader do Barclays revelou ao trader do Crédit agricole os elementos constitutivos da manipulação prevista para a data IMM de 19 de março de 2007, pedindo‑lhe que a mantivesse secreta, a saber, uma manipulação do spread entre dois produtos derivados, os «futuros» indexados à Euribor‑3M e os swaps baseados na EONIA em 19 de março de 2007 [«a base vai ser apertada», «spread a quatro» (ou seja, o spread entre a EONIA e a Euribor‑3M iria diminuir para quatro pontos de base). Informou‑a igualmente dos outros elementos do plano suscetíveis de contribuir para o seu sucesso, indicando‑lhe que havia que proceder a um aumento progressivo das posições «compradoras» sobre os «futuros» indexados à Euribor‑3M, fazendo baixar o mercado à vista através de uma ação concertada («paga a EONIA e compra futuros […] no IMM; no dia do IMM baixa o dinheiro […]»), isto é, criar posições «vendedoras» na EONIA e posições «compradoras» na Euribor com vista à fixação em 19 de março de 2007 e baixar o mercado à vista no dia da fixação). Por outro lado, o trader do Barclays informou o trader do Crédit agricole de que o Deutsche Bank participava nesse «plano de conjunto» («a tesouraria do Deutsche») e indicou‑lhe que seria vantajoso envolver quatro ou cinco bancos no plano («se conseguirmos envolver quatro‑cinco tesourarias, está a ver?»).

408    Daqui resulta que o trader do Crédit agricole teve conhecimento da participação do Deutsche Bank no plano assim descrito. Além disso, ainda que a identidade dos outros bancos não tenha sido revelada ao trader do Crédit agricole, este último tinha conhecimento de que o trader do Barclays pretendia envolver um certo número de bancos nesse plano.

409    Consequentemente, foi com razão que a Comissão concluiu que o Crédit agricole tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos previstos ou adotados por outros participantes no cartel com o objetivo de alterar os fluxos de tesouraria através das ações concertadas destinadas a manipular a taxa Euribor em 16 de outubro de 2006 e 19 de março de 2007.

410    Além disso, mesmo que a Comissão não dispusesse de provas diretas que demonstrassem que os traders do Crédit agricole tinham conhecimento da participação de outros bancos noutras tentativas de manipulação da taxa Euribor que tinham sido consideradas a seu respeito, podia considerar que estes traders podiam razoavelmente prever essa participação, na aceção da jurisprudência referida no n.o 354, supra, tendo em conta o facto de o Crédit agricole estar informado da participação dos outros bancos neste tipo de comportamento a partir de 16 de outubro de 2006. O Crédit agricole podia, por isso, ter razoavelmente previsto que quaisquer novas tentativas de manipulação só seriam efetuadas através de uma ação concertada de vários bancos. Por conseguinte, as recorrentes não têm razão quando alegam que o conhecimento, pelos traders, da participação dos outros bancos nas tentativas de manipulação das taxas devia ser limitado apenas às manipulações de 16 de outubro de 2006 e de 19 de março de 2007 ou a um determinado período da participação do Crédit agricole na infração única constatada pela Comissão.

411    Neste contexto, carece de pertinência o facto de o Crédit agricole não ter tido conhecimento da intensidade e da regularidade diária dos contactos, nomeadamente entre os traders do Barclays e do Deutsche Bank, nem do caráter mais ou menos intenso dos contactos que o trader do Barclays mantinha com os outros bancos envolvidos.

412    Carece igualmente de pertinência o facto de o trader do Crédit agricole se ter mostrado cético quanto à viabilidade do plano de manipulação de 19 de março de 2007. Com efeito, não acreditar no sucesso do plano, o que, contudo, não é unívoco na sua declaração, uma vez que afirma «em todo o caso, vale a pena tentar», não demonstra de modo algum que desconhecia a participação do Deutsche Bank e, eventualmente, dos outros bancos na execução desse plano.

ii)    Quanto ao conhecimento, pelo Crédit agricole, dos outros comportamentos abrangidos pela infração única planeados ou adotados por outras empresas

413    Quanto à questão de saber se a Comissão podia imputar ao Crédit agricole, a título da sua participação na infração única, todos os comportamentos dos outros bancos em causa, refira‑se que, ao contrário do que acontece com o conhecimento pelo Crédit agricole da existência de um plano de conjunto destinado à manipulação, nas diferentes datas, da taxa Euribor através das ações concertadas de vários bancos (v. n.os 402 a 408, supra), a Comissão não apresentou, na decisão impugnada, nenhuma prova direta que permita demonstrar que o Crédit agricole tinha conhecimento ou devia ter tido conhecimento de que as trocas que os seus traders tinham com o trader do Barclays sobre as informações relativas às estratégias ou às intenções em matéria de fixação dos preços iam além das trocas bilaterais e faziam parte de um «plano de conjunto» no qual participavam outros bancos.

414    Do mesmo modo, as provas indiretas consideradas na sua totalidade enquanto conjunto de indícios não permitem demonstrar de forma juridicamente bastante que o Crédit agricole tinha ou devia ter tido conhecimento de tal plano de conjunto, ou que podia razoavelmente prever a sua existência, suscetível de justificar que lhe fossem imputados todos os comportamentos dos outros bancos abrangidos pelo referido objetivo único, quer nele tenha participado diretamente ou não.

415    A este respeito, a decisão impugnada contém unicamente, nos seus considerandos 457 a 465, fundamentos relativos à própria natureza do cartel e ao funcionamento do mercado dos EIRD, fundamentos que dizem respeito a todos os bancos que participam no cartel e que foram recordados no n.o 396, supra. Estes motivos, considerados individualmente ou no seu conjunto, não permitem imputar ao Crédit agricole os comportamentos dos outros bancos em que, segundo a decisão impugnada, não participou diretamente, além dos referidos nos n.os 409 e 410, supra, sem violar a jurisprudência referida no n.o 360, supra.

416    Com efeito, é com razão que as recorrentes sustentam que a Comissão não estabelece nenhuma ligação entre, por um lado, o contexto específico em que operam os traders, recordado no considerando 458 da decisão impugnada, a saber, o facto de serem registados e controlados, de os contactos serem exclusivamente bilaterais, de utilizarem uma linguagem codificada e de se contactarem mutuamente e de forma regular, sempre para o mesmo tipo de operações, e, por outro, o conhecimento que o Crédit agricole tinha ou deveria ter tido dos comportamentos dos outros bancos relativos às estratégias e às intenções em matéria de fixação dos preços em que não participou.

417    A este respeito, a Comissão alega que o considerando 458 da decisão impugnada deve ser lido em conjugação com os considerandos 459 a 464. No entanto, há que salientar, antes de mais, que as razões apresentadas nos considerandos 459 a 462 da decisão impugnada poderiam, no máximo, sustentar que os traders deveriam ter conhecimento da participação de outros bancos em comportamentos destinados a manipular as taxas Euribor, mas não em comportamentos que consistem em trocas de estratégias ou de intenções de fixação de preços.

418    Em primeiro lugar, a constatação, que figura no considerando 459 da decisão impugnada, segundo a qual, através dos seus contactos bilaterais, os traders sabiam que os traders de outros bancos estavam dispostos a participar no mesmo tipo de comportamentos colusórios relativos às componentes de fixação dos preços e de outras condições de negociação dos EIRD só é verdadeira em relação ao Crédit agricole no que respeita às trocas relativas às manipulações da Euribor (v. n.os 403 a 408, supra). Em contrapartida, em nenhuma das conversas bilaterais sobre as estratégias de fixação dos preços, o trader do Barclays revelou ao trader do Crédit agricole que os outros traders participavam nessas trocas ou que as mesmas informações tinham sido trocadas com os outros traders.

419    Em segundo lugar, a referência, que figura no considerando 460 da decisão impugnada, ao «conhecimento generalizado» entre os operadores do mercado de que o processo de determinação das taxas de referência ser declarativo e, por conseguinte, de as submissões poderem ser alteradas pelos bancos membros do painel em função do seu interesse no momento da submissão, admitindo‑a demonstrada, só é pertinente no que respeita às práticas destinadas à manipulação das referidas taxas de referência. O mesmo se aplica, admitindo que é relevante para demonstrar o conhecimento do envolvimento dos outros bancos nas práticas colusórias, à circunstância referida nos considerandos 461 e 462 da decisão impugnada, segundo a qual os traders não podiam ignorar que, se mais bancos alterassem as suas submissões no mesmo dia e para o mesmo prazo da Euribor, o impacto potencial na taxa de juro de referência aumentaria proporcionalmente ao número de bancos implicados, pelo que o grau de sucesso das práticas colusórias dependia, em larga medida, do envolvimento de mais bancos. Em contrapartida, não pode ser estabelecida nenhuma ligação entre o processo de determinação do nível da Euribor através das comunicações dos membros do painel, visado por estas afirmações, e os comportamentos referidos no considerando 358, alínea g), da decisão impugnada e referentes às trocas relativas às intenções e às estratégias em matéria de fixação dos preços, como as «runs» ou os «mids».

420    Em seguida, os factos, referidos no considerando 463 da decisão impugnada, segundo os quais, primeiro, os traders dos bancos em causa estavam ativos no setor dos EIRD há vários anos, segundo, os contactos bilaterais foram mantidos com os traders dos bancos que estavam entre os operadores mais importantes do mercado e, terceiro, os traders não demonstraram surpresa quando foram abordados com vista a uma concertação, são desprovidos de pertinência para demonstrar o conhecimento dos comportamentos em que o Crédit agricole não participou diretamente. Por outro lado, como alegam as recorrentes, o conhecimento do «poder da rede que estava por detrás do trader que mantinha com elas discussões anticoncorrenciais», ao qual é igualmente feita referência no considerando 463 da decisão impugnada, procede de uma simples especulação que não é apoiada por nenhum elemento de prova desse conhecimento pelo Crédit agricole da existência e do poder dessa rede e que não pode ser deduzido da troca de 14 de fevereiro de 2007 entre o trader do Crédit agricole e o trader do Barclays, invocado pela Comissão em apoio desta consideração. Com efeito, esta troca revela claramente que o trader do Crédit agricole teve conhecimento do envolvimento do Deutsche Bank nas tentativas de manipulação das taxas e da intenção do trader do Barclays de envolver mais bancos (v. n.os 406 a 408, supra). Todavia, daí não se pode deduzir que tinha assim tomado conhecimento do envolvimento dos outros bancos em comportamentos diferentes dos destinados à manipulação das taxas e, ainda menos, da existência de uma rede de contactos destinada a trocar informações sensíveis sobre as estratégias ou intenções em matéria de fixação dos preços.

421    Por último, a circunstância salientada pela Comissão no considerando 465 da decisão impugnada, segundo a qual os registos dos traders facilitam a deteção, pelo banco, do comportamento ilícito dos seus trabalhadores, salienta, quando muito, a questão de saber se os comportamentos em que participavam os traders deste último lhe podem ser imputados, questão que foi afastada no âmbito da apreciação do oitavo fundamento (v. n.o 350, supra). Todavia, como resulta do n.o 413, supra, nenhum elemento de prova proveniente, eventualmente, dos registos das trocas bilaterais entre o trader do Barclays e os traders do Crédit agricole sobre as informações relativas às estratégias ou às intenções em matéria de fixação dos preços permite considerar que essas trocas iam além das trocas bilaterais e faziam parte de um «plano de conjunto» no qual participavam outros bancos.

422    A Comissão parece ainda sustentar que, uma vez que todos os comportamentos em causa prosseguiam o mesmo objetivo (questão objeto do quinto fundamento), o facto de ter demonstrado que o Crédit agricole tinha ou devia ter tido conhecimento do envolvimento dos outros bancos na tentativa de manipulação da taxa Euribor bastava para chegar à mesma conclusão no que dizia respeito ao conhecimento, por parte do Crédit agricole, da participação dos outros bancos nos outros comportamentos.

423    Todavia, resulta da jurisprudência que a declaração da existência de uma infração única é distinta da questão de saber se a responsabilidade por essa infração na sua globalidade é imputável a uma empresa (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 174). Além disso, a simples identidade de objeto entre um acordo no qual participou uma empresa e um cartel global não basta para imputar a essa empresa a participação no cartel global. Com efeito, importa recordar que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE não se aplica exceto quando haja uma convergência de vontades entre as partes em causa. A empresa em causa deve, assim, conhecer o alcance geral e as características essenciais do cartel global (v. Acórdão de 10 de outubro de 2014, Soliver/Comissão, T‑68/09, EU:T:2014:867, n.os 62 e 64 e jurisprudência referida).

424    Daqui resulta que, no caso em apreço, o Crédit agricole não pode ser considerado responsável por todos os comportamentos ilícitos que fazem parte da infração única, incluindo as trocas relativas às estratégias e intenções em matéria de fixação dos preços em que não participou diretamente, unicamente pelo facto de, por um lado, ter tido conhecimento dos comportamentos dos outros bancos no que respeita à manipulação da taxa Euribor e, por outro, estas práticas prosseguirem o mesmo objetivo que as relativas às estratégias e às intenções em matéria de fixação dos preços.

425    Consequentemente, há que concluir que o conjunto de indícios em que se baseia a Comissão, apreciado globalmente e com as provas diretas do conhecimento dos comportamentos ilícitos previstos ou adotados por outras empresas que consistem em tentativas de manipulação da Euribor, acima analisadas nos n.os 402 a 412, não constituem elementos de prova sérios, precisos e concordantes que permitam demonstrar sem qualquer dúvida que o Crédit agricole tinha conhecimento do facto de as trocas que tinha tido com o Barclays relativas às intenções e às estratégias em matéria de fixação dos preços ultrapassarem o quadro bilateral e fazerem parte de um plano de conjunto que envolvia igualmente outros bancos ou que podia razoavelmente prevê‑lo e aceitar o risco.

426    À luz do que precede, há que concluir que a participação do Crédit agricole numa infração única só podia ser apreciada em relação, por um lado, aos seus comportamentos específicos a título da referida infração e, por outro, dos comportamentos dos outros bancos que se inserem no âmbito das tentativas de manipulação da taxa Euribor.

427    A este respeito, importa ainda recordar que o Tribunal de Justiça declarou que era possível dividir uma decisão da Comissão que qualifica um cartel global de infração única e continuada unicamente se, por um lado, a referida empresa tivesse podido, durante o procedimento administrativo, compreender que lhe era também imputado cada um dos comportamentos que compõem a infração, e, portanto, defender‑se quanto a esse aspeto, e se, por outro, essa decisão fosse suficientemente clara a esse respeito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 46). No caso em apreço, a Comissão estabeleceu claramente uma distinção, tanto na comunicação de objeções como na decisão impugnada (v. n.o 15, supra), entre os diferentes comportamentos imputados aos bancos participantes no cartel, entre os quais o Crédit agricole, que compunham a infração única e continuada. Além disso, como foi recordado, em substância, no n.o 363, supra, resulta, nomeadamente, dos considerandos 365, 387, 393 e 442 da decisão impugnada que a Comissão entendeu que estes comportamentos tinham por objetivo restringir a concorrência não apenas coletivamente, mas também numa base individual.

428    É, portanto, com razão que, no âmbito do sexto fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão imputou erradamente ao Crédit agricole comportamentos diferentes dos identificados no n.o 426, supra. Por conseguinte, a primeira parte do sexto fundamento é parcialmente procedente.

[Omissis]

B.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada e ao pedido de redução da coima

[Omissis]

1.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada

[Omissis]

a)      Quanto à utilização das receitas em numerário atualizadas para efeitos do cálculo do valor das vendas

[Omissis]

1)      Quanto à determinação do fator de redução de 98,849 % aplicado pela Comissão

[Omissis]

i)      Quanto ao respeito do dever de fundamentação no que respeita à determinação, na decisão impugnada, do fator de redução

[Omissis]

512    Atendendo ao que precede, há que concluir que a decisão impugnada carece de fundamentação suficiente no que respeita à determinação do fator de redução em 98,849 %.

513    Todavia, a presente acusação da quarta parte do nono fundamento pode ser desprovida de fundamento se se verificar que a Comissão supriu a insuficiência de fundamentação assim constatada ao adotar a decisão de alteração (v. n.os 21 a 23, supra). Por conseguinte, há que examinar os fundamentos invocados pelas recorrentes no âmbito do articulado de adaptação destinado a contestar a adoção pela Comissão desta última decisão.

ii)    Quanto à decisão de alteração

[Omissis]

516    A este respeito, as recorrentes alegam que a Comissão não tinha competência para suprir a insuficiência de fundamentação da decisão impugnada, constatada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 24 de setembro de 2019, HSBC Holdings e o./Comissão (T‑105/17, EU:T:2019:675), através da decisão de alteração.

517    As recorrentes salientam que, embora a Comissão possa, em princípio, alterar uma decisão posteriormente à sua adoção, não tem, em contrapartida, competência para adotar, como no caso em apreço, uma decisão que corrija ou complete a fundamentação insuficiente da decisão impugnada durante o processo jurisdicional destinado à anulação dessa decisão, sem readotar um dispositivo desta última decisão. A incompetência da Comissão para adotar a decisão de alteração impõe‑se ainda mais na medida em que, na realidade, apresenta uma fundamentação diferente da da decisão impugnada.

518    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes e considera que podia adotar, no respeito das formalidades e dos procedimentos previstos a este respeito pelo Tratado, a decisão de alteração a fim de completar os fundamentos da decisão impugnada, explicitando melhor a metodologia utilizada para determinar o fator de redução, sem a alterar. Em seu entender, a jurisprudência relativa à impossibilidade de regularizar a fundamentação deficiente de uma decisão individual no decurso do processo contencioso não é aplicável no caso em apreço. Tendo a adoção da decisão modificativa dado às recorrentes a possibilidade de adaptarem a sua petição a fim de contestarem a validade da metodologia em causa, os seus direitos processuais foram assim salvaguardados e o Tribunal Geral pode exercer plenamente a sua fiscalização jurisdicional.

519    A este respeito, há que salientar, à semelhança da Comissão, que o seu poder de adotar um ato determinado deve necessariamente implicar o poder de o alterar, no respeito das disposições relativas à sua competência e no respeito das formalidades e dos procedimentos previstos a esse respeito no Tratado (Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Lucchini/Comissão, T‑91/10, EU:T:2014:1033, n.o 108), o que é admitido pelas recorrentes.

520    Todavia, há que salientar, como as recorrentes, que resulta expressamente do dispositivo da decisão de alteração, bem como dos seus considerandos 11 a 13, que esta apenas visa completar os fundamentos da decisão impugnada, sem alterar o dispositivo dessa decisão, e que, por conseguinte, o artigo 1.o, alínea a), e o artigo 2.o, alínea a), da mesma «permanecem em vigor».

521    Resulta do exposto que, ao adotar a decisão de alteração, a Comissão não adotou uma decisão de alteração do dispositivo da decisão impugnada, mas apenas completou a fundamentação alegadamente subjacente ao dispositivo adotado na decisão impugnada, o que confirma, em substância, perante o Tribunal Geral (v. n.o 518, supra).

522    Daqui resulta que a decisão de alteração não pode ser considerada uma nova decisão que altera a decisão impugnada na aceção da jurisprudência referida no n.o 519, supra, mas deve ser equiparada a um complemento de fundamentação apresentado pela recorrida no âmbito do processo judicial. Ora, segundo jurisprudência constante, a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que a decisão lesiva. A falta de fundamentação não pode ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo perante os órgãos jurisdicionais da União (Acórdãos de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 149; de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão, C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479, n.o 74, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 46).

523    Não existe um direito de as instituições da União regularizarem perante o juiz da União as suas decisões insuficientemente fundamentadas, nem uma obrigação de este último tomar em consideração as explicações complementares fornecidas apenas no decurso da instância pelo autor do ato em causa, para apreciar o respeito do dever de fundamentação. Semelhante estado do direito poderia desvirtuar a repartição de competências entre a Administração e o juiz da União, enfraquecer a fiscalização da legalidade e comprometer o exercício do direito de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, Comissão/Di Bernardo, C‑114/19 P, EU:C:2020:457, n.o 58).

524    Os esclarecimentos prestados pelo autor de uma decisão impugnada, no decurso do processo contencioso, que completam uma fundamentação que em si mesma já é suficiente, não se integram, em rigor, no respeito do dever de fundamentação, ainda que possam ser úteis à fiscalização interna dos fundamentos da decisão, exercida pelo juiz da União, na medida em que permitem à instituição explicar as razões que estão na base da sua decisão. Assim, explicações adicionais, que excedem as exigências do dever de fundamentação, podem permitir às empresas conhecer detalhadamente o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada e, de uma forma mais geral, servir a transparência da ação administrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal Geral da sua competência de plena jurisdição, permitindo‑lhe apreciar, além da legalidade da decisão impugnada, o caráter adequado da coima aplicada. No entanto, esta faculdade não é suscetível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, EU:C:2000:626, n.os 45 e 47).

525    No caso em apreço, como resulta do n.o 512, supra, a decisão impugnada carece de fundamentação suficiente no que respeita à determinação do fator de redução. A Comissão não alegou a existência de nenhuma circunstância destinada a demonstrar que se encontrava na impossibilidade prática de fundamentar de forma juridicamente bastante a decisão impugnada e que permite aceitar, a título excecional, um complemento da fundamentação apresentada durante o processo jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, Comissão/Di Bernardo, C‑114/19 P, EU:C:2020:457, n.o 59). Por conseguinte, e sem que seja necessário examinar a questão de saber se a metodologia explicitada de forma mais detalhada na decisão de alteração era efetivamente a subjacente à decisão impugnada e, consequentemente, adotar a medida de instrução proposta pela Comissão, há que considerar que, em aplicação da jurisprudência acima referida nos n.os 522 a 524, o complemento de fundamentação da decisão impugnada apresentado pela Comissão no decurso da instância não pode ser aceite.

526    Nestas circunstâncias, julgando procedentes os argumentos apresentados pelas recorrentes no âmbito do primeiro fundamento do articulado de adaptação, há que afastar a fundamentação complementar apresentada pela decisão de alteração no decurso da instância, sem que seja necessário examinar os outros pedidos, acusações e fundamentos apresentados pelas recorrentes no âmbito desse articulado ou adotar a medida de organização do processo que propuseram, uma vez que esta se refere ao mérito das afirmações na decisão de alteração relativas à determinação do fator de redução.

527    Resulta de tudo o que precede que a acusação relativa à insuficiência de fundamentação da decisão impugnada no que respeita à determinação do fator de redução é procedente.

b)      Quanto à incoerência dos métodos de cálculo dos valores de vendas utilizados pelos bancos e à violação dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento devido à falta de controlo pela Comissão sobre este ponto

[Omissis]

1)      Quanto à alegação de violação do princípio da boa administração devido a uma verificação insuficiente dos dados fornecidos pelos bancos

557    No âmbito da segunda parte do nono fundamento, as recorrentes acusam a Comissão de ter violado o princípio da boa administração, na medida em que não controlou a coerência das respostas ao questionário sobre o valor das vendas e não procedeu a nenhuma medida de investigação complementar à receção dos dados para garantir o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento.

558    A Comissão sustenta ter tomado «todas as precauções para evitar discrepâncias entre os valores comunicados pelos bancos», uma vez que apresentou o mesmo pedido de informações preciso e pormenorizado a todas as partes, assegurou a coordenação e exigiu que as respostas fossem acompanhadas de uma nota metodológica e que uma auditoria externa independente atestassem a exatidão dos cálculos apresentados.

559    A este respeito, há que recordar que não existe uma obrigação geral de a Comissão verificar as informações fornecidas em resposta a um pedido de informações na falta de indícios que indiquem a inexatidão das referidas informações (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Spira/Comissão, T‑108/07 e T‑354/08, EU:T:2013:367, n.o 104 e jurisprudência referida).

560    No caso em apreço, refira‑se que vários indícios na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 559 deveriam ter levado a Comissão a duvidar do caráter suficientemente uniforme das metodologias seguidas pelos bancos em causa para fornecer os dados solicitados.

561    Em primeiro lugar, a Comissão não contesta o facto de ter sido informada pelas partes das dificuldades que estas tinham tido em responder ao questionário. Além disso, contrariamente ao que a Comissão sustenta, o facto de as recorrentes terem alegado que a Société Générale (considerando 703 da decisão impugnada, v. n.o 11, supra) e a JP Morgan (considerando 680 da decisão impugnada) apresentaram espontaneamente dados corrigidos com revisões substanciais dos dados inicialmente apresentados demonstra a existência dessas dificuldades. Importa salientar que esses dados revistos foram aceites pela Comissão.

562    Em segundo lugar, é igualmente com razão que as recorrentes salientam as diferenças entre as notas metodológicas fornecidas por cada um dos bancos em causa tanto no que respeita à sua significativa diferença de extensão como à heterogeneidade do nível das informações fornecidas pelos bancos.

563    Em terceiro lugar, as recorrentes realçam as incoerências entre os montantes nocionais declarados pelos bancos em causa como indício das incoerências nos dados apresentados pelas partes em resposta ao pedido de informações. É certo que, como constatou a Comissão no considerando 700 da decisão impugnada, no caso em apreço, não baseou o valor das vendas em montantes nocionais, mas nas receitas em numerário. No entanto, resulta do relatório sobre o valor das vendas que os montantes nocionais e as receitas em numerário entregues pelos diferentes bancos não se afiguram coerentes entre si. Daqui resulta que o nível dos montantes nocionais não é totalmente irrelevante enquanto indício de uma incoerência nas metodologias seguidas para responder ao pedido de informações da Comissão, incluindo no que respeita à determinação das receitas em numerário dos bancos.

564    Neste contexto, importa ainda sublinhar que, na audição, as recorrentes tinham chamado a atenção da Comissão para a existência de certas contradições nas respostas das outras partes aos pedidos de informações (v., n.os 58 e 60, supra).

565    Perante tais indícios, cabia à Comissão prosseguir a sua investigação, no respeito do princípio da boa administração e, em especial, do seu dever de exame diligente, com vista a assegurar que os dados relativos às receitas em numerário que constituem uma base de cálculo da coima fossem calculados segundo metodologias suficientemente uniformes para responder de forma adequada ao pedido de informações.

566    Ora, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão admitiu não ter pedido nenhum esclarecimento às partes sobre os elementos das suas respostas ao pedido de informações ou sobre os métodos utilizados para calcular os dados exigidos.

567    Na medida em que a Comissão se refere ao relatório de auditoria que acompanhava cada uma das respostas dos bancos em causa e alega, em substância, que cabia aos auditores verificar o caráter adequado dos métodos seguidos para responder aos pedidos de informações (considerando 678 da decisão impugnada), este argumento também não pode ser acolhido.

568    Com efeito, resulta da secção I.2. ii), das instruções que acompanham o pedido de informações que os «dados» solicitados deviam ser verificados por uma sociedade de auditoria ou por um auditor e que a resposta devia ser acompanhada de uma certidão indicando que os «dados» tinham sido verificados. Contrariamente ao que resulta do considerando 678 da decisão impugnada, essa instrução não pode necessariamente ser entendida no sentido de que relatórios ou opiniões dos auditores independentes devem confirmar, além da exatidão dos dados fornecidos, que a metodologia seguida para os calcular é adequada para responder ao pedido de informações. As recorrentes baseiam‑se, a este respeito, nas observações incluídas nos relatórios de auditoria elaborados por uma sociedade de auditoria no que respeita aos seus cálculos e aos que foram elaborados, designadamente, para o banco A, o banco C e a JP Morgan, cuja materialidade não é contestada pela Comissão. Resulta destas observações que os auditores independentes consideraram que a sua missão consistia em verificar a correta aplicação do método escolhido por um banco, e não em questionar esse método face aos perímetros resultante do pedido de informações.

569    Atendendo ao que precede, há que concluir que, apesar de existirem indícios suficientes para duvidar da uniformidade das metodologias seguidas pelos bancos em causa para calcular as suas receitas em numerário, a Comissão não adotou medidas de investigação suplementares, em violação da sua obrigação de exame diligente nos termos da jurisprudência no n.o 537, supra. No entanto, nas circunstâncias do caso em apreço, essa violação do princípio da boa administração só seria suscetível de conduzir à anulação da decisão impugnada na condição de as recorrentes demonstrarem que as divergências metodológicas em causa tiveram como consequência que os montantes de base das coimas aplicadas tivessem sido calculados em violação do princípio da igualdade de tratamento.

2)      Quanto ao respeito pelo princípio da igualdade de tratamento no cálculo do montante da coima

570    As recorrentes sustentam, em substância, que uma violação do princípio da boa administração resultou, no caso em apreço, numa violação, pela Comissão, do princípio da igualdade de tratamento, na medida em que, sem as investigações complementares, determinou os montantes das coimas tendo em conta os dados que não eram suficientemente fiáveis e coerentes para servirem de base ao cálculo das coimas.

571    No entanto, as recorrentes não demonstram que, no caso presente, a aplicação pelos bancos de metodologias diferentes para calcular as suas receitas em numerário, aceites pela Comissão, a levou a reter dados não comparáveis de um banco para outro e, assim, a determinar o montante da coima em relação ao Crédit agricole em violação do princípio da igualdade de tratamento.

572    Com efeito, em primeiro lugar, importa recordar que, segundo a Comissão, a existência de divergências relativas, primeiro, à extensão dos fluxos tidos em conta pelo banco A, na medida em que este excluiu dos seus cálculos a parte fixa de um contrato de swap quando este continha simultaneamente uma parte fixa e uma parte variável, segundo, à extensão das compensações (netting) entre os fluxos pagos e recebidos nas transações e, terceiro, à exclusão dos produtos «exóticos» tinha apenas um impacto negligenciável no resultado dos cálculos das receitas em numerário e, assim, na determinação do valor das vendas (cf. n.os 549, 551 e 554, supra).

573    As recorrentes contestam o caráter negligenciável do impacto das divergências metodológicas no nível das receitas em numerário.

574    Primeiro, consideram que a conclusão da Comissão na decisão impugnada segundo a qual o impacto da metodologia seguida pelo banco A no valor das suas receitas em numerário no que respeita à exclusão das partes fixas no que se refere aos contratos que dispõem simultaneamente da parte fixa e da parte variável era apenas de 0,1 % e, por isso, era negligenciável não é verificável. Alegam, em substância, que o acesso aos dados financeiros das outras partes que obtiveram através do procedimento de sala de dados não era suficiente para lhes permitir efetuar tais cálculos, à semelhança da Comissão, tendo em conta a exclusão dos peritos do Crédit agricole do acesso aos dados em causa e o tempo de acesso limitado.

575    A este respeito, há que salientar, antes de mais, que a Comissão calculou o impacto do método aplicado pelo banco A no valor das suas receitas em numerário em 0,1 % baseando‑se nas folhas de cálculos que contêm certos códigos, apresentadas por esse banco com a sua resposta ao pedido de informações (considerando 685 da decisão impugnada). Os consultores jurídicos e económicos das recorrentes tiveram acesso a esses documentos no âmbito do procedimento de sala de dados (v. nota de pé de página n.o 720 da decisão impugnada).

576    Além disso, por um lado, resulta da análise das acusações relativas à recusa de acesso aos dados relativos ao valor das vendas que a Comissão não violou os direitos de defesa das recorrentes ao instituir um sistema de acesso misto aos dados em causa que consiste em conceder acesso aos dados confidenciais apenas aos consultores externos do Crédit agricole através do procedimento de sala de dados (v. n.os 173 a 180, supra). Por outro lado, embora as recorrentes considerassem que o tempo de acesso assim concedido aos consultores externos não era suficiente, nada as impedia de dirigir aos serviços da Comissão ou ao auditor um pedido de extensão do tempo de acesso ou um pedido de acesso suplementar segundo o mesmo procedimento. Ora, não apresentaram esse pedido.

577    Os argumentos apresentados pelas recorrentes não são, por conseguinte, suscetíveis de pôr em causa a conclusão da Comissão, na decisão impugnada, segundo a qual a incidência de 0,1 % sobre o valor das receitas em numerário do banco A era negligenciável.

578    Segundo, no que respeita às diferenças dos métodos de compensação, importa salientar, antes de mais, que as recorrentes não contestam que a compensação diária, tal como aplicada pelo Crédit agricole, é uma norma no mercado. Além disso, as recorrentes nem sequer tentam demonstrar que a aplicação de uma compensação mensal em vez de diária teve um impacto significativo nos seus próprios dados relativos às receitas em numerário.

579    Por outro lado, as recorrentes consideram que a conclusão da Comissão que figura no considerando 702 da decisão impugnada, segundo a qual o facto de os bancos seguirem métodos de compensação diferentes não implicou diferenças significativas nem causou desigualdade de tratamento, é contrariada pelo facto de a coima da Société générale ter sido reduzida para metade no âmbito da decisão retificativa.

580    Todavia, por um lado, resulta do considerando 703 da decisão impugnada que a Comissão adotou uma decisão que altera a decisão de transação no que respeita à Société générale quando esta a informou de que não tinha procedido à compensação relativamente a uma parte substancial das suas transações, e não porque teria revisto os seus dados aplicando outro método de compensação. Por outro lado, resulta do considerando 702 da decisão impugnada que os resultados dos cálculos segundo as duas abordagens (a saber, a compensação diária e a compensação mensal) efetuadas pelo banco C revelam uma diferença de cerca de 0,4 %. As recorrentes não contestam o caráter negligenciável dessa diferença.

581    Terceiro, importa salientar, à semelhança da Comissão, que as recorrentes não apresentam nenhum argumento destinado a contestar as explicações do banco A, resultantes do considerando 694 da decisão impugnada, quanto ao impacto negligenciável da exclusão por este dos seus cálculos dos produtos «exóticos».

582    Quarto, as recorrentes também se baseiam nos dados revistos apresentados à Comissão em 14 de outubro de 2016, calculados segundo o que consideravam ser a metodologia seguida pelo banco A, a saber, a «neutralização» da parte fixa e a exclusão dos produtos «exóticos».

583    A este respeito, importa salientar que, no considerando 687 da decisão impugnada, a Comissão fundamentou a recusa em aceitar os dados revistos apresentados pelo Crédit agricole, indicando que o método que esta tinha seguido para apresentar esses dados era inadequado e que os referidos dados eram inexatos. A este respeito, a Comissão salientou que o método proposto não correspondia às instruções do pedido de informações nem ao método seguido pelo banco A e tinha sido submetido sem confirmação por parte do auditor. Segundo a Comissão, as recorrentes tinham, nomeadamente, excluído dos seus cálculos as receitas em numerário da parte fixa dos swaps, mas não tinham revisto os montantes das receitas em numerário obtidos por compensação entre a parte variável e a parte fixa, o que conduziria a receitas em numerário mais baixas. A Comissão concluiu que o impacto do método proposto pelo Crédit agricole nas suas receitas em numerário seria de cerca de 43 %, pelo que conduziria a diferenças significativas. Estes elementos são suficientes para permitir às recorrentes compreender os motivos que levaram a Comissão a recusar aceitar os dados revistos e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização jurisdicional na aceção da jurisprudência referida no n.o 255, supra. Por conseguinte, a alegação relativa à violação do dever de fundamentação deve ser julgada improcedente.

584    Além disso, há que salientar que, segundo a Comissão (considerando 687 da decisão impugnada), o impacto da metodologia seguida nos dados do Crédit agricole ascende a 43 %, o que resulta igualmente, em substância, do pedido dirigido pelas recorrentes ao Tribunal Geral no sentido de reduzir a este montante, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, o montante da coima do Crédit agricole.

585    Admitindo que as recorrentes tentam assim demonstrar que o impacto da metodologia seguida pelo banco A nos seus próprios dados relativos às receitas em numerário não era negligenciável, e não que lhes fosse aplicada a metodologia seguida por este último banco (v. n.o 588, infra), este argumento também não pode ser acolhido. Com efeito, por um lado, é facto assente entre as partes que a metodologia aplicada pelo banco A não está em conformidade com o pedido de informações.

586    Por outro lado, e em todo o caso, as recorrentes não demonstram que a metodologia que seguiram para apresentar esses dados revistos era a aplicada pelo banco A. A este respeito, não contestam de modo algum a conclusão da Comissão enunciada no considerando 687 da decisão impugnada (v. n.o 583, supra) e nem sequer tentam demonstrar que a «neutralização» das partes fixas recetoras a que procederam para calcular os dados revistos resultava apenas da exclusão da parte fixa dos contratos swap que dispunham simultaneamente de uma parte fixa e de uma parte variável, como na metodologia seguida pelo banco A, e não, além disso, da compensação das partes fixas pagas com as partes variáveis recetoras, como foi salientado, em substância, pela Comissão no considerando 687 da decisão impugnada.

587    Por conseguinte, há que concluir que as recorrentes não demonstram que foi sem razão que a Comissão considerou que as divergências nas metodologias aplicadas pelos bancos para calcular as suas receitas em numerário tinham conduzido a divergências nos dados apresentados que são negligenciáveis. Ora, essas divergências negligenciáveis não são suscetíveis de conduzir a uma violação do princípio da igualdade de tratamento, na medida em que não levam a considerar valores não comparáveis para calcular o montante das coimas.

588    Em segundo lugar, tendo em conta que a metodologia seguida pelo banco A para calcular as receitas em numerário não corresponde ao pedido de informações, não pode ser acolhido o argumento das recorrentes segundo o qual o respeito do princípio da igualdade de tratamento deveria ter levado a Comissão a permitir‑lhes apresentar os dados calculados segundo a metodologia aplicada pelo banco A ou aceitar os dados revistos apresentados em 14 de outubro de 2006. A este respeito, basta salientar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito da legalidade, por força do qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de um terceiro (v. Acórdão de 16 de junho de 2016, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, C‑155/14 P, EU:C:2016:446, n.o 58 e jurisprudência referida). Ora, o argumento das recorrentes equivale, na realidade, a exigir que a Comissão lhes aplique uma metodologia que não está em conformidade com o pedido de informações.

589    Daqui resulta que as recorrentes não demonstraram que, no caso em apreço, a aceitação pela Comissão dos dados calculados segundo metodologias diferentes a tinha levado a considerar dados relativos às receitas em numerário não comparáveis e, assim, a calcular a coima do Crédit agricole em violação do princípio da igualdade de tratamento. Por conseguinte, esta acusação deve ser julgada improcedente tal como a segunda acusação da primeira parte do nono fundamento e a segunda parte deste fundamento.

[Omissis]

2.      Quanto ao pedido de redução do montante da coima

[Omissis]

657    No caso em apreço, mesmo que o pedido a título principal de anulação do artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada tenha sido julgado procedente, o Tribunal Geral considera que está habilitado a exercer a sua competência de plena jurisdição na medida em que a questão do montante da coima foi submetida à sua apreciação, mesmo que o pedido de redução do montante da coima tenha sido apresentado a título subsidiário relativamente ao pedido de anulação do artigo 2.o, alínea a), da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑827/14, EU:T:2018:930, n.os 551 a 562).

[Omissis]

662    No caso em apreço, para determinar o montante da coima que visa punir o comportamento ilícito do Crédit agricole, como resulta da análise dos oito primeiros fundamentos, há que ter em conta as seguintes circunstâncias.

663    Em primeiro lugar, quanto à gravidade e à duração da infração, refira‑se o seguinte.

664    Primeiro, afigura‑se oportuno utilizar a metodologia que, como a seguida no caso em apreço pela Comissão, identifique num primeiro momento o montante de base da coima, suscetível, num segundo momento, de ser ajustado em função das circunstâncias próprias do processo.

665    Antes de mais, no que respeita ao valor das vendas como dado inicial, as receitas em numerário reduzidas devem ser tidas em conta como valor de substituição. Com efeito, como resulta da análise da primeira parte do nono fundamento, o valor das receitas em numerário reduzidas é suscetível, no caso em apreço, de constituir um ponto de partida adequado para a determinação do montante da coima, na medida em que esse valor reflete a importância económica e o peso da empresa na infração.

666    A este respeito, é certo que se constatou, no âmbito da análise da primeira parte do nono fundamento, que a determinação, pelos bancos, das receitas em numerário tinha dado origem, em certos casos, a abordagens diferentes. Como resulta do n.o 571, supra, essas divergências não implicam, contudo, uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

667    Além disso, o Tribunal Geral considera que outra metodologia de cálculo das receitas em numerário, como a seguida pelas recorrentes para determinar os dados revistos apresentados à Comissão em 14 de outubro de 2006, não é mais adequada para determinar as receitas em numerário. Com efeito, uma metodologia que implica a exclusão das partes fixas dos contratos que têm simultaneamente partes fixas e partes variáveis, a exclusão dos produtos «exóticos» ou a aplicação de uma compensação mensal e não diária não é mais adequada para determinar, no caso em apreço, o valor das vendas relacionadas com a infração punida e refletir assim de forma adequada a realidade e a amplitude económica desta, bem como a posição das empresas nessa infração. Com efeito, primeiro, no que respeita aos contratos EIRD que dispõem simultaneamente de uma parte fixa e de uma parte variável, o fluxo de tesouraria reflete a diferença entre a taxa fixa e a taxa variável na data da fixação, como resulta do n.o 188, supra. O Tribunal Geral considera que não existe nenhum motivo para excluir, em especial, os fluxos decorrentes de uma das duas «partes» desses EIRD. Segundo, nada justifica excluir os produtos «exóticos» dos cálculos das receitas em numerário, quando estes também fazem parte do mercado relevante dos EIRD. Terceiro, embora as partes concordem que a compensação diária é a norma de mercado, não há uma circunstância específica do presente processo que justifique que dela se afaste.

668    Atendendo a estas circunstâncias, o Tribunal Geral decide tomar em consideração, no âmbito da determinação do montante da coima, o valor das receitas em numerário do Crédit agricole considerado pela Comissão na decisão impugnada.

669    Além disso, importa salientar que é facto assente entre as partes que o facto de considerar, como base de cálculo da coima, apenas as receitas em numerário conduziria à aplicação de uma coima demasiado dissuasiva. Por conseguinte, as partes concordam que é necessário reduzir estas receitas em numerário através da aplicação de um fator de redução.

670    Na decisão impugnada, a Comissão aplicou um fator de redução uniforme fixado em 98,849 %.

671    Quanto à determinação deste fator de redução, importa salientar que este é o resultado de um exercício complexo que reflete vários elementos, nomeadamente a compensação inerente à negociação dos produtos derivados em geral, bem como as especificidades da compensação desses produtos e, mais especificamente, dos EIRD. Trata‑se, por isso, de uma aproximação de um valor determinado. Assim, por definição, não existe um único fator de redução possível, o que é, aliás, confirmado pelo facto de as próprias recorrentes terem apresentado, nos seus articulados, vários fatores de redução diferentes.

672    Assim, por exemplo, de acordo com um estudo anexo à petição, um fator de redução alternativo de 99,849 % «poderia ser igualmente justificado». Além disso, no âmbito de outro estudo anexo ao articulado de adaptação dos pedidos, as recorrentes propõem vários fatores de redução alternativos, calculados segundo uma abordagem individualizada, que varia entre 99,54 % e 99,90 %. No entanto, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o valor probatório desses estudos nem sobre o mérito das metodologias de determinação desses fatores de redução alternativos propostas pelas recorrentes, o Tribunal Geral considera que a aplicação de tais fatores de redução alternativos particularmente elevados, ou mesmo excessivos, poderia esvaziar de sentido a sanção, tornando‑a negligenciável e prejudicando desta forma a necessidade de assegurar o caráter suficientemente dissuasivo da coima. A aplicação de tais fatores de redução alternativos preconizados pelas recorrentes conduziria, por isso, à aplicação de uma coima que não refletia nem a importância económica da infração nem o peso relativo do Crédit agricole na mesma.

673    Em todo o caso, por um lado, é facto assente entre as partes que o fator de redução ascende a, pelo menos, 98,849 %. Por outro lado, o Tribunal Geral recorda que a fixação de uma coima no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição não é um exercício aritmético preciso.

674    Segundo, no que respeita à gravidade da infração, o Tribunal Geral considera adequado ter em consideração a natureza da infração, o seu âmbito geográfico e se a infração foi ou não praticada.

675    Quanto à natureza da infração, na medida em que os comportamentos em causa incidiam sobre os fatores pertinentes para a determinação dos preços dos EIRD, estão, pela sua natureza, entre as restrições de concorrência mais graves. Além disso, importa sublinhar que as práticas em causa são particularmente graves e nocivas, na medida em que são suscetíveis não só de falsear a concorrência no mercado dos produtos EIRD, mas também, mais amplamente, de comprometer a confiança no sistema bancário e nos mercados financeiros no seu conjunto, bem como a sua credibilidade.

676    Com efeito, como salientou a Comissão no considerando 721 da decisão impugnada, sem que esses elementos sejam contestados pelas recorrentes, os índices de referência em causa refletidos no estabelecimento de preços dos EIRD aplicam‑se a todos os operadores no mercado dos EIRD. Além disso, uma vez que se baseiam no euro, estas taxas são de importância crucial para a harmonização das condições financeiras no mercado interno e para as atividades bancárias nos Estados‑Membros.

677    Quanto à extensão geográfica da infração, como resulta dos considerandos 47 e 721 da decisão impugnada, o cartel abrangia, pelo menos, todo o EEE, pelo que os comportamentos em causa eram suscetíveis de ter impacto nas atividades bancárias em todos os Estados‑Membros.

678    Importa igualmente tomar em consideração o facto de os traders do Crédit agricole terem confessado pôr em prática os comportamentos acordados com o trader do Barclays, estabelecendo contactos com os responsáveis pelas submissões do seu banco (v. n.o 641, supra).

679    Terceiro, há que ter em conta a duração da participação das recorrentes na infração conforme resulta da decisão impugnada, uma vez que esta não foi contestada pelas recorrentes e não é afetada pela conclusão, que figura no n.o 426, supra, relativa à participação do Crédit agricole na infração única em causa.

680    Em segundo lugar, no que respeita às circunstâncias atenuantes, o Tribunal Geral constata que o Crédit agricole desempenhou um papel menos importante na infração do que os operadores principais, nomeadamente o banco D e o banco A. Do mesmo modo, a intensidade dos contactos em que participaram os traders do Crédit agricole era menor do que a dos referidos operadores principais. Além disso, não está demonstrado que o Crédit agricole tinha conhecimento ou podia razoavelmente ter presumido que outros bancos participavam nas trocas relativas às intenções e às estratégias em matéria de fixação dos preços que não tiveram lugar na perspetiva das manipulações das taxas.

681    Todavia, não deixa de ser verdade que a participação do Crédit agricole nos comportamentos ilícitos foi intencional e que as recorrentes não demonstram que deveriam beneficiar, no caso em apreço, da circunstância atenuante relativa à negligência. Além disso, como resulta do n.o 675, supra, os comportamentos em causa caracterizam‑se por uma gravidade acrescida. Por conseguinte, o impacto sobre o montante final da coima das circunstâncias atenuantes relativas à menor intensidade da participação do Crédit agricole na infração em causa e à menor importância do seu papel na referida infração relativamente ao dos operadores principais só pode ser marginal.

682    Em terceiro lugar, o montante da coima determinado pelo Tribunal Geral tem devidamente em conta a necessidade de aplicar ao Crédit agricole uma coima de montante dissuasivo, em conformidade com os princípios recordados nos n.os 618 a 624, supra.

683    Atendendo a todas as considerações precedentes, o Tribunal Geral considera que se fará uma justa apreciação das circunstâncias do caso em apreço à luz do princípio da individualização da sanção e da proporcionalidade desta, fixando o montante da coima em 110 000 000 euros, coima pela qual a Crédit agricole SA e a CACIB são consideradas solidariamente responsáveis.

[Omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      O artigo 2.o, alínea a), da Decisão C(2016) 8530 final da Comissão, de 7 de dezembro de 2016, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE [processo AT.39914 — Derivados de taxas de juro em euros (EIRD)], é anulado.

2)      O montante da coima, pela qual a Crédit agricole SA e a Crédit agricole Corporate and Investement Bank são solidariamente responsáveis, é fixado em 110 000 000 euros.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Papasavvas

Kornezov

Buttigieg

Kowalik‑Bańczyk

 

      Hesse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de janeiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.