Language of document : ECLI:EU:T:2024:247

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

12 de abril de 2024 (*)

«Variedades vegetais — Concessão do direito comunitário de proteção das variedades vegetais para a variedade de batatas Melrose — Não pagamento da taxa anual nos prazos — Anulação da proteção — Pedido de restituição integral — Condições de notificação das decisões e comunicações do ICVV»

No processo T‑2/23,

Romagnoli Fratelli SpA, com sede em Bolonha (Itália), representada por E. Truffo e A. Iurato, advogados,

recorrente,

contra

Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV), representado por M. García‑Moncó Fuente e Á. Martínez López, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: F. Schalin, presidente, I. Nõmm (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos,

visto as partes não terem requerido a marcação de audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, a Romagnoli Fratelli SpA, pede a anulação da Decisão do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais (ICVV) de 7 de novembro de 2022 (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 10 de dezembro de 2009, a recorrente apresentou um pedido de proteção comunitária de uma variedade vegetal no ICVV, nos termos do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO 1994, L 227, p. 1). Esse pedido foi registado sob o número 2009/2240.

3        A variedade vegetal para a qual se pediu a proteção comunitária é a variedade de batatas Melrose, pertencente à espécie Solanum tuberosum L.

4        Por Decisão do ICVV de 20 de fevereiro de 2012, a proteção comunitária foi concedida para a variedade vegetal em causa.

5        Em 27 de outubro de 2021, foi emitida uma nota de débito relativa ao pagamento da taxa anual para a proteção comunitária da variedade vegetal em causa, e enviada à recorrente pelo ICVV para o espaço pessoal desta última, designado «MyPVR».

6        Uma vez que a nota de débito não foi paga no prazo fixado, foi enviado um recordatório formal à recorrente em 10 de janeiro de 2022, em conformidade com o artigo 83.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, através do espaço pessoal MyPVR. No âmbito desse recordatório, o ICVV notificava formalmente a recorrente do pedido de pagamento do montante devido a título da taxa anual num prazo de um mês para evitar a anulação da proteção comunitária para a variedade vegetal em causa em conformidade com o artigo 21.o, n.o 2, alínea c), do referido regulamento.

7        Em 16 de fevereiro de 2022, não tendo os documentos relativos à taxa anual sido descarregados pela recorrente no espaço pessoal MyPVR, o ICVV enviou a esta última outro recordatório por correio eletrónico, sem, no entanto, prolongar o prazo de pagamento.

8        Em 21 de março de 2022, o ICVV, já que a taxa anual não tinha sido paga no prazo fixado, anulou a proteção comunitária da variedade vegetal em causa. A decisão relativa a esta anulação foi notificada à recorrente em 22 de março de 2022.

9        Em 6 de maio de 2022, a recorrente apresentou um requerimento de restituição integral, ao abrigo do artigo 80.o do Regulamento n.o 2100/94, relativo ao prazo de pagamento da taxa anual referida.

10      Em 6 de maio de 2022, a recorrente procedeu ao pagamento da taxa anual devida até ao momento.

11      Através da decisão impugnada, o ICVV não deferiu o pedido de restituição integral da recorrente. O referido pedido foi indeferido, porque, por um lado, não reunia as condições previstas no artigo 80.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94 e, por outro, a recorrente não tinha demonstrado que se deparara com circunstâncias imprevisíveis e que observara todos os cuidados exigidos para que as condições previstas no artigo 80.o, n.o 1, do referido regulamento fossem cumpridas.

 Pedidos das partes

12      A recorrente conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o ICVV nas despesas.

13      O ICVV conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

14      O ICVV pede que o recurso seja considerando inadmissível, uma vez que não tem nenhum fundamento jurídico nem no Regulamento n.o 2100/94 nem no Regulamento (CE) n.o 874/2009 da Comissão, de 17 de setembro de 2009, que estabelece normas de execução do Regulamento n.o 2100/94 no que respeita ao processo no ICVV (JO 2009, L 251, p. 3). Além disso, tendo em conta a falta de fundamento jurídico nesses regulamentos, contesta também a aplicabilidade do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

15      A recorrente contesta os argumentos do ICVV.

16      Segundo o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

17      O artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE dispõe que os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas.

18      Segundo jurisprudência constante, podem constituir objeto de um recurso de anulação todas as disposições ou todas as medidas adotadas pelas instituições, pelos órgãos ou pelos organismos da União Europeia, seja qual for a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de uma pessoa singular ou coletiva, alterando de maneira caracterizada a sua situação jurídica (v. Acórdão de 31 de janeiro de 2019, International Management Group/Comissão, C‑183/17 P e C‑184/17 P, EU:C:2019:78, n.o 51 e jurisprudência referida).

19      A este respeito, basta salientar que, em primeiro lugar, a recorrente é a destinatária da decisão impugnada e que, em segundo, com a referida decisão, o ICVV enunciou sem ambiguidade a sua posição final relativamente ao requerimento de restituição integral em causa, produzindo assim efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses da recorrente.

20      Todavia, o ICVV defende que o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE legitima a sua capacidade de decidir dos requerimentos de restituição integral sem possibilidade de recurso para a Câmara de Recurso do ICVV ou para o Tribunal Geral, uma vez que esse recurso não é previsto nem pelo Regulamento n.o 2100/94 nem pelo Regulamento n.o 874/2009, que constituem as «condições e regras específicas» na aceção do quinto parágrafo do referido artigo. Logo, salienta que a decisão impugnada não pode ser objeto de recurso no Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

21      A este respeito, há que lembrar que resulta do artigo 2.o TUE que a União se funda, nomeadamente, nos valores da igualdade e do Estado de direito. Ora, a própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 58 e jurisprudência referida).

22      O artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça da União Europeia o ónus de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional efetiva que os litigantes retiram desse direito, detendo o Tribunal de Justiça uma competência exclusiva para fornecer a interpretação definitiva do referido direito (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 59 e jurisprudência referida).

23      Além disso, nos termos do artigo 256.o, n.o 1, primeiro período, TFUE, o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância dos recursos referidos nos artigos 263.o, 265.o, 268.o, 270.o e 272.o TFUE, com exceção dos atribuídos a um tribunal especializado criado nos termos do artigo 257.o do mesmo Tratado e dos que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia reservar para o Tribunal de Justiça.

24      Assim, o sistema jurisdicional da União é constituído por um conjunto completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 60 e jurisprudência referida).

25      Por conseguinte, embora as «condições e regras específicas» referidas no artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE permitam, é certo, o estabelecimento, por uma instituição, por um órgão ou por um organismo da União, de condições e de regras internas, prévias a um recurso jurisdicional, que regulam, nomeadamente, o funcionamento de um mecanismo de autofiscalização ou o desenrolar de um procedimento de resolução amigável, essas condições e essas regras não podem ser interpretadas no sentido de que autorizam uma instituição da União a excluir os litígios que implicam a interpretação ou a aplicação do direito da União da competência do juiz da União (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 62 e jurisprudência referida).

26      Além disso, decorre do artigo 81.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 que, na falta de qualquer disposição processual no referido regulamento ou nas disposições adotadas em sua execução, o ICVV aplicará os princípios de direito processual geralmente reconhecidos nos Estados‑Membros.

27      A este propósito, há que reconhecer que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — que prevê a possibilidade de um recurso contra atos das instituições, dos órgãos e dos organismos da União — traduz precisamente esse «[princípio] de direito processual geralmente [reconhecido] nos Estados‑Membros» previsto no artigo 81.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94. Por conseguinte, embora o Regulamento n.o 2100/94 não preveja explicitamente uma via de recurso para a Câmara de Recurso do ICVV nem diretamente para o Tribunal Geral relativamente às decisões adotadas pelo ICVV na sequência de um requerimento de restituição integral apresentado ao abrigo do artigo 80.o do Regulamento n.o 2100/94, existe, no entanto, uma via de recurso ao abrigo do artigo 81.o, n.o 1, do referido regulamento e do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

28      Em todo o caso, importa constatar que a atribuição ao ICVV de uma competência exclusiva para interpretar e aplicar o Regulamento n.o 2100/94 e, em particular, o artigo 80.o do mesmo regulamento colide com a jurisprudência referida nos n.os 21 a 25, supra (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 64).

29      À luz do exposto, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade do ICVV.

 Quanto ao mérito

30      O recurso assenta, em substância, em dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 e, o segundo, à violação do artigo 65.o do Regulamento n.o 874/2009.

 Quanto à admissibilidade dos elementos de prova apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral

31      Importa observar que resulta do processo do ICVV que os anexos 1, 8 a 12, 14 a 16 e 23 a 25, juntos ao requerimento, não foram apresentados pela recorrente durante o procedimento administrativo no ICVV.

32      A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a instituição podia dispor no momento em que o adotou. Assim, ninguém pode invocar perante o juiz da União elementos de facto que não foram invocados no procedimento administrativo (v. Acórdão de 8 de março de 2023, Novasol/ECHA, T‑70/22, não publicado, EU:T:2023:106, n.o 22 e jurisprudência referida).

33      Logo, na medida em que os anexos mencionados no n.o 31, supra, foram apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral, não podem ser tomados em consideração para efeitos da fiscalização da legalidade da decisão impugnada e devem, pois, ser excluídos.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94

34      No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente faz, em substância, duas acusações, relativas, a primeira, à força maior ou às circunstâncias imprevisíveis causadas pela pandemia de COVID‑19 que justificam o desrespeito do prazo de pagamento da taxa anual fixada pelo ICVV e, a segunda, à interpretação errada, pelo ICVV dos elementos de prova que apresentou.

35      O ICVV contesta os argumentos da recorrente.

36      Nos termos do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94, se, apesar de ter observado todos os cuidados exigidos pelas circunstâncias, o requerente do reconhecimento de um direito comunitário de proteção de uma variedade vegetal ou o titular ou qualquer outra parte num processo perante o ICVV não tiver podido respeitar um prazo perante este, os seus direitos serão, mediante requerimento, restabelecidos, se o incumprimento do prazo tiver tido como consequência direta, por força do presente regulamento, a perda de um direito ou de um meio de recurso.

37      Resulta do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94 que a restituição integral está subordinada a duas condições cumulativas, sendo a primeira que a pessoa em causa tenha agido com toda a diligência exigida atendendo às circunstâncias e, a segunda, que o impedimento da referida pessoa tenha tido como consequência direta a perda de um direito ou de um meio de recurso [v., por analogia, Acórdão de 15 de setembro de 2011, Prinz Sobieski zu Schwarzenberg/IHMI — British‑American Tobacco Polska (Romuald Prinz Sobieski zu Schwarzenberg), T‑271/09, não publicado, EU:T:2011:478, n.o 53 e jurisprudência referida].

38      Além disso, o respeito pelos prazos é de ordem pública e a restituição integral pode prejudicar a segurança jurídica. Por conseguinte, as condições de aplicação da restituição integral devem ser interpretadas de forma estrita [v., neste sentido e por analogia, Despacho de 9 de dezembro de 2022, AMO Development/EUIPO (Instrumentos médicos), T‑311/22, não publicado, EU:T:2022:822, n.o 20 e jurisprudência referida].

39      No caso em apreço, no âmbito do primeiro fundamento, a recorrente contesta, em substância, a apreciação do ICVV quanto à primeira condição mencionada no n.o 37, supra, na medida em que concluiu que a aquela não tinha demonstrado que, por um lado, se deparava com circunstâncias imprevisíveis e, por outro, tinha observado todos os cuidados exigidos nessas circunstâncias.

40      Em primeiro lugar, a recorrente afirma que tais circunstâncias imprevisíveis foram demonstradas, por um lado, devido à situação inesperada de pandemia de COVID‑19 que acarretou a ausência da sua única empregada encarregada da correspondência com o ICVV e, por outro, devido ao ciberataque de que foi alvo.

41      Quanto ao alegado ciberataque sofrido pela recorrente, há que reconhecer que nem este argumento nem os elementos de prova que o apoiam foram submetidos ao ICVV no momento do requerimento de restituição integral. Assim, à luz da jurisprudência referida no n.o 32, supra, este argumento deve ser rejeitado.

42      No que respeita às circunstâncias imprevisíveis decorrentes da pandemia de COVID‑19 e que acarretaram a ausência da sua única empregada que estava encarregada da correspondência com o ICVV, a recorrente submeteu um elemento de prova único, ou seja, um certificado de 7 de junho de 2022 do Confcommercio Ascom Bologna que declara que, durante o período compreendido entre outubro de 2021 e abril de 2022, o seu pessoal de escritório se tinha ausentado 600 horas por causa de doença relacionada com a COVID‑19. Além disso, na sua mensagem de correio eletrónico para o ICVV de 7 de junho de 2022, a recorrente especificou que a referida empregada se tinha ausentado duas vezes nos cinco meses anteriores devido à COVID‑19.

43      A este propósito, importa observar que o certificado de 7 de junho de 2022 do Confcommercio Ascom Bologna, que atesta o número total de horas de trabalho incumpridas por todo o pessoal da recorrente, não indica nem o número de horas ou dias nem o período durante os quais a única empregada encarregada da correspondência com o ICVV se ausentou, estando assim impossibilitada de cumprir as tarefas que lhe tinham sido confiadas, relativas à correspondência com o ICVV. Deste modo, importa salientar que a recorrente não apresentou elementos de prova que permitam demonstrar que a referida empregada se ausentou e que tinha assim enfrentado circunstâncias específicas devido à pandemia de COVID‑19 que a impediam de observar o prazo de pagamento da taxa anual.

44      Em segundo lugar, a recorrente afirma que, tendo em conta a sua média dimensão, não dispunha de meios financeiros para contratar pessoal suplementar para substituir o pessoal em licença por doença.

45      A este respeito, há que declarar que, no seu pedido de restituição integral, a recorrente não forneceu outros elementos de prova além do certificado de 7 de junho de 2022 do Confcommercio Ascom Bologna mencionado no n.o 42, supra. Logo, na falta de qualquer elemento de prova a este respeito, a simples constatação relativa à insuficiência de meios financeiros para contratar pessoal suplementar não pode bastar, por si só, para demonstrar que a recorrente se deparou com circunstâncias imprevisíveis e que observou todos os cuidados exigidos nestas circunstâncias para respeitar o prazo de pagamento da taxa anual fixada pelo ICVV.

46      Além disso, importa constatar que a recorrente não explicou as razões pelas quais não tinham sido aplicadas outras soluções possíveis para colmatar a falta da sua empregada que estava encarregada da correspondência com o ICVV. Por exemplo, mesmo que se tivesse demonstrado a ausência desta empregada, o que não aconteceu no caso em apreço, a recorrente de modo nenhum explicou ou demonstrou com elementos de prova o que a tinha impedido de transmitir as tarefas da referida empregada e os identificadores que lhe permitiam aceder ao espaço pessoal MyPVR a outro membro do seu pessoal durante um período de cerca de cinco meses.

47      Aliás, em 16 de fevereiro de 2022 o ICVV enviou à recorrente uma mensagem de correio eletrónico adicional, convidando‑a a consultar o seu espaço pessoal MyPVR e dando conta da sua disponibilidade para fornecer qualquer informação suplementar relativa ao acesso ao mesmo. Ora, admitindo que a recorrente tenha tido problemas para aceder ao MyPVR, há que constatar que nem reagiu a essa mensagem nem pediu ajuda a este respeito. A recorrente não chegou, portanto, a demonstrar que tinha agido com todos os cuidados exigidos na aceção do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2100/94.

48      Por conseguinte, após ter tomado em consideração os elementos de facto que lhe tinham sido fornecidos no momento do requerimento da restituição integral, o ICVV concluiu corretamente que a recorrente não tinha demonstrado que tinha feito face a circunstâncias específicas nem que tinha agido com todos os cuidados exigidos pelas mesmas.

49      Tendo em conta o que precede, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 65.o do Regulamento n.o 874/2009

50      No âmbito do segundo fundamento a recorrente alega, em primeiro lugar, que não recebeu o recordatório enviado pelo ICVV, em 10 de janeiro de 2022, relativo à taxa anual devida, e censura este último por ter violado o artigo 65.o do Regulamento n.o 874/2009, na medida em que não apresentou a prova da notificação efetiva e da receção desse recordatório. Em segundo lugar, contesta, de maneira geral, o facto de o espaço pessoal MyPVR ser considerado uma via oficial de notificação de documentos ou de decisões na aceção do Regulamento n.o 2100/94 e do Regulamento n.o 874/2009 e, por conseguinte, põe em questão a aplicabilidade das condições gerais relativas à utilização dos sistemas eletrónicos de comunicação proveniente do ICVV e a ele destinada (a seguir «condições gerais do MyPVR»), como definidos na Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV.

51      O ICVV contesta os argumentos da recorrente.

52      Em primeiro lugar, há que analisar se o espaço pessoal MyPVR se pode considerar uma via oficial de notificação de documentos ou de decisões na aceção dos Regulamentos n.os 2100/94 e 874/2009. No caso em apreço, já que a nota de débito de 27 de outubro de 2021 e o lembrete de 10 de janeiro de 2022 foram notificados através do espaço pessoal MyPVR, importa analisar a validade desse espaço pessoal como via oficial de notificação para esses dois documentos.

53      Nos termos do artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94, o ICVV procederá por sua própria iniciativa à notificação de todas as decisões e citações, bem como das notificações e comunicações que façam correr prazo ou cuja notificação esteja prevista noutras disposições do referido regulamento ou em disposições adotadas por força do referido regulamento ou seja ordenada pelo presidente do ICVV. As notificações poderão ser efetuadas por intermédio dos organismos competentes em matéria de variedades vegetais nos Estados‑Membros.

54      Há que salientar que, no caso em apreço, uma vez que a nota de débito de 27 de outubro de 2021 e o recordatório de 10 de janeiro de 2022 fixaram ambos um prazo a respeitar pela recorrente, há que considerá‑los «notificações [ou] comunicações que fa[ze]m correr um prazo» na aceção do artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94.

55      Nos termos do artigo 64.o, n.o 4, do Regulamento n.o 874/2009, os documentos ou cópias de documentos referentes a medidas cuja notificação esteja prevista no artigo 79.o do regulamento de base devem ser notificados por via eletrónica segundo as regras a definir pelo presidente do ICVV ou por via postal, através de carta registada com aviso de receção.

56      Resulta da redação do artigo 64.o, n.o 4, do Regulamento n.o 874/2009 que, por um lado, as comunicações e as notificações do ICVV que façam correr um prazo, na aceção do artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94, podem ser notificadas por via eletrónica e, por outro, que as regras da referida notificação por via eletrónica são determinadas pelo presidente do ICVV.

57      Em conformidade com o artigo 64.o, n.o 4, do Regulamento n.o 874/2009, em 20 de dezembro de 2016, o presidente do ICVV adotou uma decisão relativa às comunicações eletrónicas provenientes do ICVV e a ele destinadas.

58      O artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV dispõe que o ICVV disponibilizará uma plataforma de comunicação eletrónica, no seu sítio Internet «www.cpvo.europa.eu», que permitirá aos utilizadores receber, visualizar, imprimir e registar todos os documentos e todas as notificações disponíveis por via eletrónica transmitidos pelo ICVV e a resposta às notificações e aos pedidos de processo e outros documentos. Este espaço de comunicação eletrónica («Espaço pessoal») é um sistema restrito e será designado «MyPVR».

59      O artigo 3.o, quarto parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV prevê que, uma vez concluído o seu desenvolvimento, o MyPVR proporá a possibilidade de receber por via eletrónica todas as comunicações provenientes do ICVV. Se o utilizador escolher esta opção, o ICVV enviar‑lhe‑á todas as notificações por via eletrónica através deste espaço pessoal, exceto em caso de impossibilidade técnica.

60      Nos termos do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV, a partir do momento em que o utilizador ative a opção que permite comunicar com o ICVV por via eletrónica, todas as notificações oficiais do ICVV disponíveis sob forma eletrónica são‑lhe transmitidas por intermédio do MyPVR. Os documentos que contêm atos para os quais o artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94 prevê uma notificação oficiosa serão notificados por intermédio do MyPVR.

61      Nos termos do artigo 6.o da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV, as condições gerais de utilização que constam no sítio Internet do ICVV relativas às comunicações eletrónicas provenientes do ICVV e a ele destinadas, efetuadas por intermédio do MyPVR, pormenorizarão as diligências eletrónicas, as condições a elas relativas e as regras técnicas a que estão sujeitas as notificações e/ou comunicações eletrónicas provenientes do ICVV e a ele destinadas, assim como os compromissos de utilização que os utilizadores devem subscrever.

62      Importa observar que, ao contrário do que alega a recorrente, resulta do artigo 3.o, primeiro e quarto parágrafos, e do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV, mencionados nos n.os 58 a 60, supra, que todas as comunicações e notificações, incluindo as abrangidas pelo artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94, podem ser efetuadas por intermédio do espaço pessoal MyPVR, desde que o utilizador tenha ativado a opção que permite ao ICVV comunicar com ele por via eletrónica.

63      Além disso, o artigo 6.o da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV, referido no n.o 61, supra, prevê que as condições gerais do MyPVR pormenorizarão as diligências eletrónicas, as condições a elas relativas e as regras técnicas a que estão sujeitas as notificações e/ou as comunicações eletrónicas provenientes do ICVV. Por conseguinte, a aplicabilidade destas condições gerais não pode ser posta em causa.

64      Acresce que o ponto 4, alínea b), da versão 3.0 das condições gerais do MyPVR reafirma que, quando o utilizador optou pela comunicação eletrónica, o ICVV notifica‑lhe validamente as decisões, as comunicações e os outros documentos por via eletrónica por intermédio do espaço pessoal, a não ser que se afigure impossível por razões técnicas ou no caso de certas funcionalidades do referido espaço estarem a ser desenvolvidas. Nestes casos, as comunicações eletrónicas através de correio eletrónico ou por qualquer outro meio de comunicação válido poderão ser admitidas como meio de notificação autorizado.

65      Assim, a acusação relativa à ilegalidade do espaço pessoal MyPVR, na medida em que constitui uma das vias de notificação oficiais, não pode colher.

66      Todavia, resulta do artigo 3.o, quarto parágrafo, e do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 2016 do presidente do ICVV, e do ponto 4, alínea b), da versão 3.0 das condições gerais do MyPVR que a utilização deste como via de notificação oficial está sujeita à condição de o utilizador ter ativado a opção que permite ao ICVV comunicar com ele por via eletrónica.

67      A este propósito, importa notar que não é contestado pelas partes que a recorrente tinha optado pela comunicação por via eletrónica através do MyPVR, na aceção das disposições referidas no n.o 66, supra. Além disso, resulta do anexo C.2 da contestação do ICVV de 19 de setembro de 2023 que, em 12 de fevereiro de 2021, a recorrente tinha aceitado a versão 3.0 das condições gerais do MyPVR, confirmando assim a decisão de optar pela comunicação por via eletrónica.

68      Segundo o ponto 2 da versão 3.0 das condições gerais do MyPVR, os utilizadores comprometem‑se a utilizar o espaço pessoal para, nomeadamente, receber notificações e documentos enviados pelo ICVV. As comunicações eletrónicas através de correio eletrónico apenas podem ser admitidas como meio de comunicação autorizado nos casos em que a plataforma resulte inadequada. Além disso, a segunda alínea desse ponto dispõe que, ao utilizar o espaço pessoal, o utilizador se compromete a conformar‑se às obrigações enunciadas na primeira alínea do referido ponto.

69      Assim, não há nenhuma dúvida de que, ao utilizar o espaço pessoal e ao aceitar as condições gerais do MyPVR, a recorrente aceitou receber comunicações e notificações do ICVV através do espaço pessoal MyPVR.

70      À luz do exposto, há que rejeitar a acusação relativa à ilegalidade do MyPVR como via de notificação oficial no que respeita à recorrente.

71      Em segundo lugar, quanto à alegada violação do artigo 65.o do Regulamento n.o 874/2009 por o ICVV não ter apresentado a prova da notificação efetiva e da receção do recordatório enviado em 10 de janeiro de 2022, há que observar que resulta do processo do ICVV que este foi enviado através do MyPVR. Logo, o artigo 65.o do Regulamento n.o 874/2009, relativo às notificações enviadas por via postal, não se pode aplicar ao caso em apreço. A este respeito, importa referir o artigo 64.o‑A do Regulamento n.o 874/2009, relativo às notificações apresentadas por via eletrónica ou outro meio técnico.

72      O artigo 64.o‑A, n.o 1, do Regulamento n.o 874/2009 dispõe que a notificação por via eletrónica se deve efetuar por transmissão de uma cópia digital do documento a notificar. Considerar‑se‑á que a notificação foi efetuada na data em que a comunicação tenha sido recebida pelo destinatário. O presidente do ICVV deve definir as regras aplicáveis à notificação por via eletrónica. Segundo o artigo 64.o‑A, n.o 3, do mesmo regulamento, o presidente do ICVV deve definir as regras aplicáveis à notificação por outros meios técnicos de comunicação.

73      À semelhança dos n.os 67 a 69, supra, há que recordar novamente que a recorrente aceitou receber as comunicações e as notificações do ICVV através do MyPVR. A este título, importa também recordar que, segundo o artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 1996 do presidente do ICVV, a partir do momento em que o utilizador ative a opção para comunicar com o ICVV por via eletrónica, todas as notificações oficiais do ICVV disponíveis eletronicamente, incluindo os documentos que contêm atos para os quais está prevista uma notificação no artigo 79.o do regulamento n.o 2100/94, lhe são notificadas por intermédio do MyPVR. Assim, este deve considerar‑se a única via oficial de comunicação das notificações oficiais, incluindo as previstas no artigo 79.o do Regulamento n.o 2100/94.

74      Por conseguinte, nos termos do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 1996 do presidente do ICVV, este notificou à recorrente através do MyPVR, em primeiro lugar, em 27 de outubro de 2021, uma nota de débito relativa ao pagamento da taxa anual, seguida, em 28 de outubro de 2021, de uma menagem de correio eletrónico e, em segundo, em 10 de janeiro de 2022, o recordatório em causa convidando‑a a pagar a taxa devida em conformidade com o artigo 83.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2100/94, seguido, em 11 de janeiro de 2022, de uma mensagem de correio eletrónico automática.

75      No que respeita à notificação efetiva do recordatório de 10 de janeiro de 2022, o artigo 4.o, quarto parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 1996 do presidente do ICVV especifica que uma decisão ou qualquer outro documento se consideram notificados no termo do sétimo dia seguinte àquele em que foi enviada uma mensagem de correio eletrónica ao utilizador para o avisar de que a cópia digital da decisão ou do documento foi carregada pelo ICVV no espaço pessoal. No caso em apreço, resulta do mesmo que o recordatório de 10 de janeiro de 2022 deve ser considerado notificado em 18 de janeiro de 2022, ou seja, o sétimo dia seguinte a 11 de janeiro de 2022, data do envio da mensagem de correio eletrónico a informar a recorrente do carregamento do documento em causa no espaço pessoal MyPVR.

76      Além disso, em conformidade com o artigo 4.o, quinto parágrafo, da Decisão de 20 de dezembro de 1996 do presidente do ICVV, se um utilizador não conseguir consultar uma decisão ou qualquer outro documento, incumbe‑lhe informar sem demora o ICVV desse facto. Há que observar que, no caso em apreço, a recorrente não informou o ICVV de qualquer problema de acesso aos documentos em causa.

77      Por conseguinte, não se pode censurar o ICVV por não ter notificado o recordatório de 10 de janeiro de 2022. Na falta de prova em contrário por parte da recorrente, o recordatório em causa considera‑se recebido por esta em 18 de janeiro de 2022. Esta acusação deve, pois, ser também julgada improcedente.

78      Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente o segundo fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

79      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

80      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido do ICVV.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Romagnoli Fratelli SpA é condenada nas despesas.

Schalin

Nõmm

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de abril de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.