Language of document : ECLI:EU:T:2013:490

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

9 de setembro de 2013 (*)

«Recurso de anulação — Auxílios de Estado — Regime de auxílios que permite a amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que não ordena a recuperação dos auxílios — Ato que contém medidas de execução — Falta de afetação individual — Falta de obrigação de restituição — Inadmissibilidade»

No processo T‑400/11,

Altadis, SA, com sede em Madrid (Espanha), representada por J. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro, M. Muñoz de Juan e R. Calvo Salinero, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por R. Lyal, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.° C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO L 135, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: L. Truchot (relator), presidente, M. E. Martins Ribeiro e A. Popescu, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Antecedentes do litígio

1        Através de várias perguntas escritas colocadas em 2005 e em 2006 (E‑4431/05, E‑4772/05, E‑5800/06 e P‑5509/06), alguns membros do Parlamento Europeu interrogaram a Comissão das Comunidades Europeias sobre a qualificação de auxílio de Estado do dispositivo previsto no artigo 12.°, n.° 5, da Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades), aditado à mesma pela Lei n.° 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei n.° 24/2001 que institui medidas fiscais, administrativas e de caráter social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.° 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado no Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo n.° 4/2004 que aprova o texto reformulado da Lei relativo ao imposto sobre o rendimento das sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.° 61, de 11 de março de 2004, p. 10951) (a seguir «regime controvertido»). A Comissão respondeu, no essencial, que, segundo as informações de que dispunha, o regime controvertido não parecia estar abrangido pelo âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado.

2        Por ofícios de 15 de janeiro e 26 de março de 2007, a Comissão convidou as autoridades espanholas a fornecer‑lhe informações que lhe permitissem determinar o alcance e os efeitos do regime controvertido. Por ofícios de 16 de fevereiro e 4 de junho de 2007, o Reino de Espanha enviou à Comissão as informações pedidas.

3        Por fax de 28 de agosto de 2007, a Comissão recebeu uma denúncia de um operador privado, o qual alegava que o regime controvertido correspondia a um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum.

4        Por decisão de 10 de outubro de 2007 (resumo no JO C 311, p. 21), a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação relativamente ao regime controvertido.

5        Por ofício de 5 de dezembro de 2007, a Comissão recebeu as observações do Reino de Espanha sobre essa decisão de dar início ao procedimento formal. Entre 18 de janeiro e 16 de junho de 2008, a Comissão recebeu igualmente as observações de 32 partes interessadas, entre as quais as da recorrente, Altadis, SA. Por ofícios de 30 de junho de 2008 e 22 de abril de 2009, o Reino de Espanha apresentou os seus comentários às observações das partes interessadas.

6        Em 18 de fevereiro de 2008, 12 de maio e 8 de junho de 2009, realizaram‑se reuniões técnicas com as autoridades espanholas. Também se realizaram outras reuniões técnicas com algumas das 32 partes interessadas, entre as quais a recorrente.

7        Por ofício de 14 de julho de 2008 e por correio eletrónico de 16 de junho de 2009, o Reino de Espanha enviou informações adicionais à Comissão.

8        A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas na União Europeia, com a sua Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras, Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07), aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48). Esta decisão declara o regime controvertido, que consiste numa vantagem fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) resultante de uma aquisição de participações em empresas estrangeiras, incompatível com o mercado comum, quando aplicado a aquisições de participações em sociedades estabelecidas na União. A Comissão manteve aberto o procedimento no que diz respeito à aquisição de participações realizadas fora da União, comprometendo‑se as autoridades espanholas a fornecer elementos novos relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças fora da União.

9        O Reino de Espanha comunicou à Comissão informações relativas aos investimentos diretos realizados por sociedades espanholas fora da União em 12, 16 e 20 de novembro de 2009 e em 13 de janeiro de 2010. A Comissão recebeu igualmente as observações de várias partes interessadas.

10      Em 27 de novembro de 2009, 16 e 29 de junho de 2010, realizaram‑se reuniões técnicas entre os serviços da Comissão e as autoridades espanholas.

11      Em 12 de janeiro de 2011, a Comissão adotou a Decisão 2011/282/UE, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.° C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO L 135, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

12      A decisão impugnada declara o regime controvertido incompatível com o mercado interno, quando se aplica às aquisições de participações em empresas estabelecidas no exterior da União (artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada). Contudo, o artigo 1.°, n.os 2 e 3, da decisão impugnada permite que o regime controvertido continue a aplicar‑se, ao abrigo do princípio da proteção da confiança legítima, às aquisições de participações realizadas antes da publicação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação no Jornal Oficial da União Europeia, ocorrida em 21 de dezembro de 2007, e às aquisições de participações cuja realização, subordinada a uma autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação foi notificada antes dessa data, foi irrevogavelmente iniciada antes de 21 de dezembro de 2007. O artigo 1.°, n.os 4 e 5 da decisão impugnada, por outro lado, permite a continuação da aplicação do regime controvertido às aquisições de participações em empresas estabelecidas na China, na Índia e noutros países em que tenha sido demonstrada ou seja possível demonstrar a existência de obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiras de empresas realizadas até à publicação da referida decisão no Jornal Oficial da União Europeia, em 21 de maio de 2011, e às aquisições de participações cuja realização, sujeita à autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação foi notificada antes dessa data, foi irrevogavelmente iniciada antes de 21 de maio de 2011.

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de julho de 2011, a recorrente interpôs o presente recurso.

14      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de novembro de 2011, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

15      Em 6 de janeiro de 2012, a recorrente apresentou as suas observações quanto à questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

16      Em 5 de outubro e 13 de dezembro de 2012, o Tribunal Geral pediu, ao abrigo das medidas de organização do processo, respetivamente, à recorrente, para indicar as consequências que entendia retirar, para efeitos do presente recurso, do acórdão do Tribunal Geral de 8 de março de 2012, Iberdrola/Comissão (T‑221/10), e do despacho do Tribunal Geral de 21 de março de 2012, Modelo Continente Hipermercados/Comissão (T‑174/11), e, à Comissão, para apresentar as suas observações sobre a resposta da recorrente a esta questão. A recorrente e a Comissão responderam a estas questões nos prazos fixados.

17      A recorrente conclui pedindo, no essencial, que o Tribunal Geral se digne:

¾        Declarar o recurso admissível e ordenar a ulterior tramitação do processo;

¾        Anular o artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada;

¾        Subsidiariamente, anular o artigo 4.° da decisão impugnada, na medida em que prevê uma obrigação de recuperação dos auxílios concedidos para operações anteriores a 21 de maio de 2011;

¾        A título ainda mais subsidiário, anular o artigo 1.°, n.° 1, e, subsidiariamente, o artigo 4.° da decisão impugnada, na medida em que se refere a operações realizadas em Marrocos;

¾        Condenar a Comissão Europeia nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        Julgar o recurso inadmissível;

¾        Condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

19      Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma das partes pedir, o Tribunal Geral pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Em conformidade com o n.° 3 do referido artigo, a tramitação ulterior do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal Geral. No caso em apreço, o Tribunal Geral considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos e decide que não há lugar à abertura da fase oral do processo.

20      A Comissão alega que o presente recurso é inadmissível, porquanto a recorrente não demonstrou que tinha interesse em agir nem que a decisão impugnada lhe dizia individualmente respeito.

21      Cumpre começar por examinar o segundo fundamento de inadmissibilidade apresentado pela Comissão.

22      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, «[q]ualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução».

23      Uma vez que a decisão impugnada foi adotada no termo de um procedimento formal de investigação e não estava endereçada à recorrente, o facto de lhe dizer individualmente respeito deve ser apreciado segundo os critérios definidos no acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colet.,1962‑1964, pp. 279, 284). Assim, a recorrente deve demonstrar que a decisão impugnada a afeta devido a determinadas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a caraterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑a, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colet., p. I‑4087, n.° 36 e jurisprudência referida).

24      A título principal, a recorrente invoca, no essencial, a sua qualidade de beneficiário do regime controvertido para demonstrar que a decisão impugnada, que declara o referido regime ilegal e incompatível com o mercado interno, lhe diz individualmente respeito.

25      Segundo jurisprudência assente, uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios setorial se essa decisão apenas lhe diz respeito em virtude de pertencer ao setor em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, esta decisão apresenta‑se, em relação a essa empresa, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objetivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstrato (v. acórdão Itália/Comissão, já referido, n.° 37 e jurisprudência referida, e acórdão do Tribunal Geral de 11 de junho de 2009, Acegas/Comissão, T‑309/02, Colet., p. II‑1809, n.° 47 e jurisprudência referida).

26      Todavia, a partir do momento em que a empresa recorrente não só é afetada pela decisão em causa enquanto empresa do setor em questão, potencialmente beneficiária do regime de auxílios, mas também enquanto beneficiária efetiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão, é individualmente afetada pela referida decisão e o recurso que interpôs dessa decisão deve ser julgado admissível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, C‑15/98 e C‑105/99, Colet., p. I‑8855, n.os 34 e 35, e acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2009, Banco Comercial dos Açores/Comissão, T‑75/03, não publicado na Coletânea, n.° 44).

27      Há, pois, que verificar se a recorrente tem a qualidade de beneficiário efetivo de um auxílio individual concedido ao abrigo do regime de auxílios objeto da decisão impugnada e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, Colet., p. I‑4727, n.° 53 e jurisprudência referida, e acórdão Iberdrola/Comissão, já referido, n.° 27).

28      No caso em apreço, a recorrente demonstrou a sua qualidade de beneficiário efetivo do regime controvertido. Com efeito, anexou à petição um documento que prova que aplicou o regime controvertido a aquisições de participações, em 2003 e em 2006, numa sociedade estabelecida em Marrocos. Todavia, por força do artigo 1.°, n.° 2, e do artigo 4.°, n.° 1, da decisão impugnada, não está abrangida pela obrigação de recuperação prevista nesta decisão.

29      A este respeito, a recorrente alega, em primeiro lugar, com base na jurisprudência, que a sua qualidade de beneficiário efetivo do regime controvertido basta para demonstrar que é individualmente afetada, não constituindo a obrigação de reembolso dos auxílios recebidos em aplicação do referido regime uma condição indispensável a este reconhecimento. A recorrente deduz nomeadamente do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, que se pode considerar que uma empresa é individualmente afetada quando beneficia de um auxílio concedido no âmbito de um regime de auxílios cuja recuperação foi ordenada de maneira geral, sem que ela própria seja visada pela referida obrigação de restituição.

30      Há que recordar, a este respeito, o n.° 53 do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, no qual a recorrente baseia a sua argumentação:

«[…] os beneficiários efetivos de auxílios individuais concedidos ao abrigo de um regime de auxílios cuja recuperação tenha sido ordenada pela Comissão são, por este motivo, individualmente afetados […]»

31      Ora, esta passagem foi interpretada nas decisões do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral que a referiram no sentido de que se considera que o beneficiário efetivo de um regime de auxílios é individualmente afetado por uma decisão da Comissão relativa a esse regime unicamente se beneficiou de um auxílio abrangido pelo âmbito de aplicação da obrigação de recuperação prevista pela referida decisão (v., neste sentido, acórdão Itália e Sardegna Lines/Comissão, já referido, n.os 31 e 34; acórdão do Tribunal Geral de 11 de junho de 2009, AEM/Comissão, T‑301/02, Colet., p. II‑1757, n.os 46 a 48, e despacho Modelo Continente Hipermercados/Comissão, já referido, n.° 30). A recuperação a que faz referência o n.° 53 do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, visa assim o auxílio de que beneficiou a recorrente em causa e não de maneira geral os auxílios pagos em virtude do regime de auxílios em causa.

32      Esta interpretação é, de resto, confirmada pelo n.° 56 do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, cujos termos são os seguintes:

«[…] a injunção de recuperação diz individualmente respeito a todos os beneficiários do regime em causa, na medida em que, desde o momento da adoção da decisão controvertida, ficam expostos ao risco de os auxílios que receberam virem a ser recuperados, encontrando‑se assim afetados na sua situação jurídica. Por conseguinte, os beneficiários fazem parte de um círculo restrito […], sem que seja necessário examinar as condições suplementares, relativas às situações em que a decisão da Comissão não vem acompanhada de uma injunção de recuperação. Além disso, a eventualidade de, ulteriormente, auxílios declarados ilegais não virem a ser recuperados junto dos seus beneficiários não significa que estes não sejam individualmente afetados.»

33      Resulta, por um lado, das primeira e segunda frases deste número do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, conjugadas com o n.° 55 que o precede, que o Tribunal de Justiça se limitou a examinar o caso, único em causa neste acórdão, em que o ato impugnado previa uma obrigação de recuperação que visava a recorrente. Com efeito, o Tribunal de Justiça constata, na primeira frase, que a injunção de recuperação diz individualmente respeito a todos os beneficiários do regime de auxílios em causa expostos ao risco de ter de restituir os auxílios recebidos e exclui, na segunda frase, o exame da situação em que a decisão da Comissão não é acompanhada por uma injunção de recuperação. Por outro lado, resulta da terceira frase do n.° 56 do acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, lida igualmente à luz do seu n.° 55, que a referida obrigação de recuperação que afeta uma recorrente é suficiente para a individualizar, sem que seja necessário examinar se essa ordem terá efeitos a nível nacional (despacho Modelo Continente Hipermercados/Comissão, já referido, n.° 29).

34      O Tribunal de Justiça, no acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, invocado pela recorrente, inferiu assim a afetação individual da recorrente, no processo em causa, da instituição, pelo ato impugnado, de uma obrigação de recuperação que visava os auxílios por si recebidos, independentemente do cumprimento dessa obrigação. Portanto, não se pode daqui concluir que a qualidade de beneficiário efetivo de um regime de auxílios é suficiente para individualizar o referido beneficiário, quando este não é visado pela obrigação de recuperação dos auxílios pagos ao abrigo do referido regime previsto pelo ato impugnado.

35      Também não é pertinente a este respeito o acórdão do Tribunal Geral de 21 de maio de 2010, França e o./Comissão (T‑425/04, T‑444/04, T‑450/04 e T‑456/04, Colet., p. II‑2099). É certo que, como alega a recorrente, o Tribunal Geral declarou, no n.° 123 deste acórdão, que a anulação da disposição da decisão impugnada que declara a incompatibilidade com o mercado comum do auxílio em causa teria por consequência ficar nula e não produzir efeitos a constatação da ilegalidade da medida de auxílio em causa, que é uma medida individual a favor do recorrente, o que constitui uma consequência jurídica que modifica a sua situação jurídica e lhe confere uma vantagem. Todavia, como sublinha corretamente a Comissão, neste número, o Tribunal Geral tomou posição sobre a condição de admissibilidade do interesse em agir, que se distingue nomeadamente da condição de afetação individual pelo facto de esta visar o benefício obtido pelo recorrente pelo resultado do seu recurso e não o nexo particular que une o referido recorrente e a decisão objeto do recurso (v. n.° 23, supra, e, igualmente, n.° 38, infra).

36      Finalmente, deve ser rejeitado o argumento relativo ao risco patrimonial para o beneficiário efetivo de um auxílio concedido ao abrigo de um regime declarado incompatível, que resultaria dos efeitos possíveis dessa declaração de incompatibilidade sobre a aplicação das regras em matéria de cúmulo de auxílios e de auxílios de minimis, uma vez que a recorrente se confinou a uma mera afirmação a esse respeito, não fornecendo explicações relativas aos efeitos possíveis acima referidos e, consequentemente, ao risco patrimonial invocado.

37      A recorrente alega, em segundo lugar, que, supondo que a obrigação de recuperação dos auxílios de que beneficiou é necessária para que se considere que foi afetada individualmente pela decisão impugnada, estaria sujeita à referida obrigação no caso em apreço. Com efeito, a exclusão de operações anteriores a 21 de dezembro de 2007 do âmbito de aplicação da obrigação de recuperação nos termos do princípio da proteção da confiança legítima não é definitiva, devido ao recurso interposto pela Deutsche Telekom AG no processo T‑207/10 contra essa parte do dispositivo da decisão impugnada.

38      Com esta argumentação, a recorrente confunde igualmente a condição de admissibilidade da afetação individual com a do interesse em agir. Com efeito, embora possa ser estabelecido um interesse em agir ou, pelo contrário, eliminado, graças, nomeadamente, a acontecimentos estranhos à recorrente e à decisão impugnada ocorridos após a interposição do recurso para o tribunal da União, a afetação individual de uma pessoa singular ou coletiva é apreciada à data da interposição do recurso e depende apenas da decisão impugnada. Assim, uma pessoa a quem uma decisão que declara um auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação diz individualmente respeito continua a ser destinatário individual dessa mesma decisão, mesmo que em seguida se afigure que o reembolso não lhe será pedido (v., neste sentido, acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, n.° 56, e conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak nesse processo, Colet., p. I‑4732, n.os 81 e 82; v., igualmente, n.° 33, supra).

39      Além disso, há que recordar que, para que o ato impugnado lhe diga individualmente respeito, o recorrente tem de demonstrar que faz parte de um círculo restrito, isto é, de um grupo que já não pode ser aumentado após a adoção do ato impugnado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colet., p. I‑2477, n.° 11, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, Colet., p. I‑5479, n.° 63).

40      No caso em apreço, a eventual anulação do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada pelo Tribunal Geral no processo T‑207/10 e a subsequente recuperação dos auxílios controvertidos junto da recorrente, para além de serem puramente hipotéticas, não permitem considerar que a decisão lhe diz individualmente respeito (v., neste sentido, acórdão Iberdrola/Comissão, já referido, n.° 42)

41      Resulta do exposto que a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente.

42      Todavia, a recorrente alega que, no caso em apreço, não tem que demonstrar que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito, uma vez que esta decisão pode ser qualificada como ato regulamentar que não contém medidas de execução, na aceção do artigo 263.°,quarto parágrafo, TFUE.

43      A Comissão contrapõe que a decisão impugnada não constitui um ato regulamentar que não contém medidas de execução, invocando várias medidas de execução nacionais da decisão impugnada e, em particular, a revogação do regime controvertido pelo legislador espanhol, a recuperação, pelas autoridades fiscais, dos auxílios ilegais concedidos ao abrigo do regime controvertido junto dos seus beneficiários e o reconhecimento ou a recusa da concessão da vantagem fiscal em causa pelas referidas autoridades.

44      A recorrente considera, em contrapartida, que as medidas invocadas pela Comissão não constituem medidas de execução na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. Com efeito, as medidas de recuperação invocadas não podem ser consideradas como tal, uma vez que a ordem de recuperação contida na decisão impugnada é vinculativa para o Reino de Espanha em todos os seus elementos, sem que este disponha de uma margem de apreciação. Do mesmo modo, a revogação do regime controvertido declarado incompatível e o reconhecimento ou a recusa da concessão da vantagem fiscal em causa já estavam determinadas na decisão impugnada e são apenas a consequência jurídica da mesma.

45      A este respeito, que há que recordar, por força do artigo 288.°,quarto parágrafo, TFUE, uma decisão, como a do caso em apreço, é obrigatória em todos os seus elementos apenas para os destinatários que designa. Assim, a obrigação de recusar a concessão do benefício do regime controvertido, de anular as vantagens fiscais concedidas e de recuperar os auxílios pagos em virtude deste regime são as consequências jurídicas obrigatórias da decisão impugnada para o Reino de Espanha, que é o destinatário desta.

46      Em contrapartida, a decisão impugnada não produz os referidos efeitos jurídicos relativamente aos beneficiários do regime controvertido. O artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada não define as consequências da incompatibilidade do regime controvertido com o mercado interno a respeito de cada um dos beneficiários do referido regime, uma vez que esta declaração de incompatibilidade não implica, em si mesma, nenhuma interdição ou injunção para os referidos beneficiários. Além disso, a incidência da incompatibilidade não é necessariamente a mesma para cada um dos beneficiários do regime controvertido. As consequências da incompatibilidade devem, assim, ser individualizadas por um ato jurídico emanado das autoridades nacionais competentes, como um aviso de cobrança, que constitui uma medida de execução do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

47      A este respeito, como salienta a recorrente, é indiferente que o Reino de Espanha não disponha de margem de apreciação na execução da decisão impugnada. A inexistência de poder de apreciação é um critério que deve certamente ser examinado para verificar se a condição de afetação direta de um recorrente está preenchida (v. acórdão do Tribunal Geral de 26 de setembro de 2000, Starway/Conselho, T‑80/97, Colet., p. II‑3099, n.° 61 e jurisprudência referida). No entanto, a exigência de um ato que não necessita de medidas de execução constante do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE constitui uma condição diferente da relativa à afetação direta (despachos do Tribunal Geral de 4 de junho de 2012, Eurofer/Comissão, T‑381/11, ainda não publicado na Coletânea, n.° 59, e de 5 de fevereiro de 2013, BSI/Conselho, T‑551/11, n.° 56).

48      De onde resulta que a decisão impugnada contém medidas de execução e que, como tal, não pode ser qualificada de ato regulamentar que não contém medidas de execução, na aceção do artigo 263.°,quarto parágrafo, TFUE. O argumento da recorrente baseado na última parte da frase desta disposição deve portanto ser rejeitado.

49      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente relativo ao desconhecimento do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, na medida em que ela não pode interpor recurso da declaração de incompatibilidade do regime controvertido que figura no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada.

50      Com efeito, há que recordar, a este respeito, que a União é uma união de direito cujas instituições estão submetidas à fiscalização da conformidade dos respetivos atos com o Tratado e com os princípios gerais de direito, de que fazem parte os direitos fundamentais. Portanto, os particulares devem poder beneficiar de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos que lhes são conferidos pela ordem jurídica da União (v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑443/08 e T‑455/08, Colet., p. II‑1311, n.° 55 e jurisprudência referida). Todavia, no caso em apreço, a recorrente não está de forma alguma privada de tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, mesmo que o presente recurso seja declarado inadmissível, nada impede que a recorrente conteste as medidas de execução da decisão impugnada perante o juiz nacional e, nomeadamente, os avisos de cobrança que recusam a concessão do benefício do regime controvertido. O juiz nacional poderá então fiscalizar a título incidental a validade do artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada e, sendo o caso, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça a respeito da validade do artigo 267.° TFUE (v., neste sentido e por analogia, despacho Eurofer/Comissão, já referido, n.° 60).

51      Tendo em conta o exposto, há, portanto, que julgar o recurso inadmissível, sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento de inadmissibilidade apresentado pela Comissão, relativo à falta de interesse em agir da recorrente.

 Quanto às despesas

52      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Altadis, SA é condenada nas despesas.

Feito no Luxemburgo, em 9 de setembro de 2013.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      L. Truchot


* Língua do processo: espanhol.