Language of document :

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

23 de Maio de 2000 (1)

«Artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE) conjugado com os artigos 34.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 29.° CE) e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE) - Directiva 75/442/CEE - Regulamento (CEE) n.° 259/93 - Direito especial ou exclusivo de recolher os resíduos de obras de construção - Protecção do ambiente»

No processo C-209/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Østre Landsret (Dinamarca), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Entreprenørforeningens Affalds/Miljøsektion (FFAD), actuando por conta de Sydhavnens Sten & Grus ApS

e

Københavns Kommune,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE), conjugado com os artigos 34.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 29.° CE) e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), dos artigos 36.° e 130.°-R, n.° 2, do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 30.° CE e 174.°, n.° 2, CE), e dos artigos 7.°, n.° 3, e 10.° da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32), bem como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1), nomeadamente dos seus artigos 2.°, alínea j), e 13.°,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida, D. A. O. Edward e L. Sevón, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, P. Jann, H. Ragnemalm (relator) e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: P. Léger,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação de Entreprenørforeningens Affalds/Miljøsektion (FFAD), actuando por conta de Sydhavnens Sten & Grus ApS, por M. S. Hansen, advogado em Copenhaga,

-    em representação de Københavns Kommune, por F. Schwarz, advogado em Copenhaga,

-    em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. C. Støvlbæk, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Entreprenørforeningens Affalds/Miljøsektion (FFAD), actuando por conta de Sydhavnens Sten & Grus ApS, representada por M. S. Hansen, da Københavns Kommune, representada por K. Gravesen e L. Groesmeyer, advogados em Copenhaga, do Governo dinamarquês, representado por J. Molde, do Governo neerlandês, representado por J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. C. Støvlbæk, na audiência de 1 de Junho de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de Outubro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 27 de Maio de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de Junho seguinte, o Østre Landsret submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), três questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE), conjugado com os artigos 34.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 29.° CE) e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), dos artigos 36.° e 130.°-R, n.° 2, do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 30.° CE e 174.°, n.° 2, CE), e dos artigos 7.°, n.° 3, e 10.° da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32, a seguir «Directiva 75/442»), bem como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1), nomeadamente dos seus artigos 2.°, alínea j), e 13.°

2.
    Estas questões foram suscitadas no quadro de uma acção intentada pela sociedade dinamarquesa Sydhavnens Sten & Grus ApS (a seguir «Sydhavnens Sten & Grus») contra a Københavns Kommune (o município de Copenhaga), a propósito do sistema de recolha de resíduos não perigosos de obras de construção organizado pelo recorrido no processo principal.

A regulamentação comunitária

A Directiva 75/442

3.
    O artigo 4.°, primeiro parágrafo, da Directiva 75/442 dispõe:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente...»

4.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442:

«Os Estados-Membros poderão tomar as medidas necessárias para impedir a circulação de resíduos não conformes com os seus planos de gestão dos mesmos. Comunicarão essas medidas à Comissão e aos Estados-Membros.»

5.
    O artigo 10.° da Directiva 75/442 determina:

«Para efeitos de aplicação do artigo 4.°, qualquer estabelecimento ou empresa que efectue as operações referidas no anexo II B deverá obter uma autorização para o efeito.»

6.
    As operações referidas no anexo II B da Directiva 75/442 são aquelas de que resulta uma possibilidade de aproveitamento dos resíduos.

O regulamento

7.
    Nos termos do artigo 2.°, alínea j), do regulamento, entende-se por «centro autorizado», para efeitos deste regulamento «qualquer estabelecimento ou empresa autorizado ou aprovado em conformidade com o artigo 6.° da Directiva 75/439/CEE, com os artigos 9.°, 10.° e 11.° da Directiva 75/442/CEE, ou com o artigo 6.° da Directiva 76/403/CEE».

8.
    O artigo 13.° do regulamento refere-se às transferências de resíduos dentro dos Estados-Membros. Estipula, nomeadamente, que os títulos II, VII e VIII do regulamento não são aplicáveis às transferências dentro de um Estado-Membro mas que, não obstante, os Estados-Membros podem aplicá-los nos territórios sob a sua jurisdição.

9.
    Nos termos do artigo 13.°, n.° 2, do regulamento:

«Não obstante, os Estados-Membros devem criar um sistema apropriado de fiscalização e controlo das transferências de resíduos nos territórios sob a sua jurisdição. Esse sistema deve atender à necessidade de assegurar a compatibilidade com o sistema comunitário criado pelo presente regulamento.»

O litígio no processo principal

10.
    A Sydhavnens Sten & Grus é uma sociedade cuja actividade consiste, desde 1983, por um lado em comprar e vender materiais extraídos do domínio marítimo ou de saibreiras e, por outro, em reciclar resíduos de obras de construção que não representem perigo para o ambiente, sob a forma de betão, tijolos e asfalto.

11.
    Em 1993, a Sydhavnens Sten & Grus solicitou, ao abrigo do artigo 33.° da miljøbeskyttelseslov (lei dinamarquesa sobre a protecção do ambiente), uma autorização para poder exercer as suas actividades no território do município de Copenhaga, em particular as de reciclagem de resíduos de obras de construção.

12.
    A Sydhavnens Sten & Grus obteve do município de Copenhaga a autorização solicitada, por carta de 7 de Julho de 1994, e celebrou um contrato com o Københavns Havn (porto de Copenhaga) com o fim de criar, em Prøvestenen, no território do município de Copenhaga, instalações de triagem e de trituração dos resíduos de obras construção.

13.
    Por força desta autorização, a Sydhavnens Sten & Grus ficou qualificada no plano ambiental para tratar os resíduos de obras de construção, sem no entanto dispor do direito de tratar os resíduos produzidos no território do município de Copenhaga. Para isto, ela devia ainda ser especificamente autorizada para esse efeito pelo município.

14.
    Em 29 de Agosto de 1994, a Sydhavnens Sten & Grus solicitou ao município de Copenhaga que lhe desse a necessária autorização.

15.
    Em 28 de Dezembro de 1994, o município de Copenhaga indeferiu o pedido de autorização, indicando que o tratamento dos resíduos de obras de construção produzidos no seu território devia ter lugar principalmente numa estação de tratamento situada em Grøften.

16.
    A Sydhavnens Sten & Grus reiterou o seu pedido em 13 de Janeiro de 1995, mas foi-lhe em resposta notificada uma recusa definitiva por parte do município de Copenhaga. A Sydhavnens Sten & Grus apenas pode, portanto, receber os resíduos de obras de construção dos municípios vizinhos e não tem, em princípio, acesso aos produzidos no município Copenhaga, apesar de as suas instalações neste serem situadas.

Os regulamentos municipais de 1992 e de 1998

17.
    Na Dinamarca, os municípios têm competência em matéria dos resíduos produzidos no seu território. A este título, o município de Copenhaga adoptou sucessivamente dois regulamentos, o primeiro entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1992 (a seguir o «regulamento municipal de 1992»), e o segundo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1998 (a seguir «regulamento municipal de 1998»), com base nos quais recusou conceder a autorização à Sydhavnens Sten & Grus. Estes dois regulamentos municipais estabelecem um regime de recolha de resíduos de obras de construção destinado à sua valorização que implica a celebração, pelo demandado no processo principal, de acordos com um número limitado de empresas relativos à recepção e ao tratamento dos resíduos produzidos no seu território. As outras estações de recepção, como a que é explorada pela Sydhavnens Sten & Grus, estão, por esta razão, excluídas do mercado de tratamento de resíduos de obras de construção produzidos no território do municípiode Copenhaga. A lei sobre a protecção do ambiente e os regulamentos municipais prevêem uma excepção, destinada a preservar os acordos de reciclagem já celebrados.

18.
    Os regulamentos municipais instituem um regime de recolha diferente do que é normalmente aplicável aos demais tipos de resíduos, pelo menos no que respeita ao tratamento dos resíduos. O regime habitual tem a forma de contratos celebrados entre o município de Copenhaga e todas as empresas privadas de transporte e de recepção de resíduos que dêem cumprimento às exigências ambientais.

19.
    No que se refere às exportações e às importações de resíduos de obras de construção, o regulamento municipal de 1992 não contém disposições específicas. Em contrapartida, o regulamento municipal de 1998 determina expressamente que elas não estão abrangidas pelo regime municipal. São, portanto, em princípio livres.

20.
    Estes regulamentos municipais seguiram-se à adopção de um plano de região destinado à instalação, em Grøften, de uma estação de trituração de grande capacidade para os resíduos de obras de construção originários da região da grande Copenhaga.

O plano de região

21.
    O plano de região foi elaborado pelo Hovedstadsråd (conselho da capital) com base num pedido formulado em 1988 pelo Ministério do Ambiente. Este constatara que cerca de um terço dos resíduos de obras de construção, correspondente a 20% do total dos resíduos de toda a Dinamarca, era produzido na região da grande Copenhaga e que as poucas instalações móveis de trituração que operavam na região só estavam em condições de se ocupar de uma parte relativamente pequena desses resíduos.

22.
    Segundos os cálculos do município de Copenhaga, em 1988 só cerca de 16% da quantidade estimada de resíduos de obras de construção produzidos no município, avaliada em 382 000 toneladas por ano, tinham sido objecto de reciclagem, enquanto os 84% restantes tinham sido enterrados em descargas.

23.
    O Hovedstadsråd explorou as possibilidades e as condições de reutilização dos resíduos de obras de construção na região da grande Copenhaga. Concluiu que, para obter a melhor qualidade de reciclagem, era indispensável recorrer a estações de tratamento de envergadura adequada, de modo que o número de estações de reutilização dos resíduos devia, por razões de investimento e de rentabilidade, ser limitado a um mínimo.

A criação de uma sociedade gestora do centro de tratamento

24.
    Paralelamente a estes estudos, as autoridades competentes previram a criação de uma sociedade destinada à gestão de uma estação de retratamento regional. Um grupo de trabalho, composto por representantes da Miljøstyrelsen (direcção do ambiente) e do Hovedstadsråd, publicou, em Junho de 1989, um comunicado de imprensa pelo qualtodas as pessoas, públicas ou privadas, interessadas em participar no projecto eram convidadas a manifestar-se.

25.
    Só três empresas declararam participar na subscrição de acções aquando da criação da sociedade, denominada Råstof og Genanvendelse Selskabet af 1990 A/S (a seguir «RGS»), encarregada da estação de retratamento regional implantada em Grøften (a seguir «centro de Grøften»). Actualmente a RGS só tem dois accionistas, a Entreprenørbilerne A/S e a Renholdningsselskabet af 1898. Esta última é uma instituição autónoma criada por associações de proprietários dos municípios de Copenhaga e de Frederiksberg, mas estes dois municípios têm representantes no seio dos órgãos dirigentes da instituição.

Os contratos celebrados pelo município de Copenhaga

26.
    Resulta do despacho de reenvio que, de acordo com os regulamentos municipais de 1992 e de 1998, que prevêem a celebração de acordos, com um número limitado de empresas, para o tratamento dos resíduos de obras de construção, o município de Copenhaga concluiu com três empresas que gerem instalações de recepção, entre as quais a RGS, que destas é o principal beneficiário, acordos que têm por objecto a recepção e o tratamento de resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente produzidos no seu território. Estes acordos têm por efeito excluir a possibilidade de outras empresas, no entanto qualificadas, como a Sydhavnens Sten & Grus, tratarem os referidos resíduos.

27.
    O projecto de plano de gestão dos resíduos elaborado pelo município de Copenhaga para o ano de 2000 prevê que o direito quase exclusivo conferido à RGS deve ser objecto de um reexame no termo do período normal de amortização das instalações do centro de Grøften.

A acção e as questões prejudiciais

28.
    Em 21 de Novembro de 1995, a Sydhavnens Sten & Grus intentou uma acção contra o município de Copenhaga no Østre Landsret, com o fim de obter a declaração, a título principal, de que o município de Copenhaga não está autorizado a impedir a transferência de resíduos de obras de construção, por um terceiro, para a estação de recepção explorada pela Sydhavnens Sten & Grus com vista à sua reutilização. A título subsidiário, pede ao Østre Landsret que emita uma injunção dirigida ao município de Copenhaga no sentido de este admitir o local explorado pela Sydhavnens Sten & Grus como estação de recepção no quadro do regime da recolha organizado pelo demandado no processo principal.

29.
    Foi nestas circunstâncias que o Østre Landsret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    a)    O artigo 90.° do Tratado conjugado com os artigos 34.° e 86.° deve ser interpretado no sentido que aquela disposição, quando é afastada uma eventual aplicação do artigo 36.° do Tratado ou não são tomadas em consideração outras razões meritórias, conforme a questão 1 c, se opõe ao estabelecimento de um regime municipal que - com o objectivo de garantir a empresas escolhidas especificamente, tendo em conta uma utilização adequada e racional dos resíduos do ponto de vista económico, um acesso suficientemente amplo a resíduos de construção não perigosos para o ambiente e destinados a valorização (recovery) provenientes de construtores civis privados - exclui outras empresas da actividade de recolha e recepção da mesma espécie de resíduos provenientes da construção dentro do território do município em questão, mesmo que essas outras empresas tenham obtido a autorização para tratamento do tipo de resíduos em causa em conformidade com o artigo 10.° da Directiva 75/442 na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156?

    b)    (Solicita-se resposta, no caso de a questão 1 a) ser respondida afirmativamente):

        Um regime como o descrito na questão 1 a) será contrário ao artigo 90.°, conjugado com os artigos 34.° e 86.° do Tratado CE, no caso de as disposições administrativas municipais que lhe servem de base estabelecerem que os resíduos que são exportados ou importados não estão abrangidos pelo regime municipal referido na questão 1 a)?

    c)    (Solicita-se a resposta no caso de a questão 1 a) ser respondida afirmativamente):

        O artigo 36.° do Tratado ou outras razões meritórias, como o interesse da reparação na fonte dos danos causados ao ambiente e da criação das condições necessárias para o tratamento e a eliminação, conforme o artigo 130.° R, n.° 2, do Tratado, constituem base legal para que seja estabelecido um regime municipal como o descrito supra na questão 1 a), quando este regime e a obrigação dos produtores de resíduos de o observarem se baseia no interesse em promover a valorização dos resíduos abrangidos pelo regime, designadamente com o objectivo de garantir a necessária capacidade de tratamento?

2)    A disposição do artigo 10.° da Directiva 75/422, na redacção dada pela Directiva 91/156, conjugada com os artigos 13.° e 2.°, alínea j), do Regulamento 259/93, deve ser interpretada no sentido de que obriga as autoridades públicas a tratar em plano de igualdade as empresas que obtiveram uma autorização como a referida na disposição, no que se refere à celebração de contratos relativos à recepção e valorização de resíduos de construção não perigosos para o ambiente?

3)    a)    O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442, na redacção dada pela Directiva 91/156, deve ser interpretado no sentido de que esta disposiçãoe a possibilidade aí prevista de impedir a circulação de resíduos constituem base legal para um regime municipal como o descrito na questão 1 a) e, em consequência, que o município impeça a circulação de resíduos da construção não perigosos para o ambiente no caso de tal circulação não ser conforme com o plano de gestão de resíduos aprovado pelo município?

    b)    O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442, na redacção dada pela Directiva 91/156, deve ser interpretado no sentido de que as medidas tomadas por um Estado-Membro ou por uma autoridade competente do mesmo e que são necessárias para impedir a circulação de resíduos não conformes com os seus planos de gestão de resíduos só são válidas e só podem ser mantidas relativamente aos particulares ou empresas a quem as medidas interessam no caso de essas medidas terem sido comunicadas à Comissão?»

Quanto à primeira questão

30.
    Deve declarar-se, a título liminar, que a primeira questão, tomada no seu conjunto, incide sobre a compatibilidade de uma regulamentação municipal, como a constante dos regulamentos municipais de 1992 e de 1998, com, em primeiro lugar, as regras relativas à liberdade de exportação referidas no artigo 90.°, conjugado com o artigo 34.°, do Tratado, e, em segundo lugar, as regras sobre a concorrência referidas nos artigos 90.° e 86.° do Tratado.

Quanto às regras relativas à liberdade de exportação

31.
    Para verificar a compatibilidade de uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, com as regras sobre a liberdade de exportação, há que realçar que, uma vez que as disposições do artigo 34.° do Tratado visam directamente os Estados-Membros e que a aplicação da derrogação enunciada no artigo 90.°, n.° 2, do Tratado não foi suscitada no despacho de reenvio nem evocada pelas partes no processo principal para justificar uma eventual restrição das exportações, basta examinar a regulamentação à luz do artigo 34.° do Tratado, sem que seja necessário conjugá-lo com o artigo 90.° do mesmo Tratado.

32.
    A questão colocada deve, portanto, ser compreendida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância e em primeiro lugar, se o artigo 34.° do Tratado se opõe a um regime de recolha e recepção de resíduos não perigosos de obras de construção destinados a ser valorizados, como o estabelecido pelo município de Copenhaga, por força do qual só um número limitado de empresas está autorizado a tratar os resíduos produzidos no município, e, se se opuser, se tal regime se pode justificar quer por uma das excepções referidas no artigo 36.° do Tratado quer a título da protecção do ambiente, por força, nomeadamente, das disposições do artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado.

33.
    O órgão jurisdicional de reenvio propõe ao Tribunal de Justiça que considere, na sua resposta, duas distintas hipóteses, segundo o referido regime se aplique ou não às exportações e às importações.

34.
    Deve recordar-se que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 34.° do Tratado proíbe todas as medidas nacionais que tenham por objecto ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e estabelecer assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado-Membro e o seu comércio de exportação, de modo a assegurar uma vantagem especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado interessado (v. o acórdão de 10 de Março de 1983, Inter-Huiles e o., 172/82, Recueil, p. 555, n.° 12).

35.
    A Sydhavnens Sten & Grus sustenta que, ao reservar a exclusividade do tratamento dos resíduos a um número limitado de empresas encarregadas de os reciclar tanto quanto possível no mesmo lugar, a regulamentação em causa tem por efeito restringir as exportações de um modo contrário ao Tratado.

36.
    O município de Copenhaga argumenta que o regulamento municipal de 1998 determina que as exportações são livres e que este era já o caso no domínio do regulamento municipal de 1992, de modo que o regime em causa não é contrário ao artigo 34.° do Tratado.

37.
    Há que considerar, a título liminar, que o simples facto de a exclusividade de tratamento dos resíduos de obras de construção produzidos num município ser conferida a um número limitado de empresas não tem necessariamente por efeito criar um entrave às exportações contrário ao artigo 34.° do Tratado, uma vez que os produtores de resíduos conservam a faculdade de os exportar (v., neste sentido, o acórdão Inter-Huiles e o., já referido, n.° 11).

38.
    Há que examinar o regime aplicável segundo cada um dos dois regulamentos municipais.

39.
    O regulamento municipal de 1992 não contém qualquer disposição expressa relativa às exportações. Resulta, no entanto, do processo que ele impõe aos produtores de resíduos não perigosos de obras de construção que confiem os seus resíduos a um transportador aprovado, ele próprio obrigado a entregá-los unicamente a um dos três centros autorizados.

40.
    Há que considerar que, na ausência de uma derrogação expressa relativa às exportações, uma regulamentação como o regulamento municipal de 1992 é susceptível de ser interpretado no sentido de conter uma proibição implícita de exportar, contrária ao artigo 34.° do Tratado (v., neste sentido, o acórdão de 7 de Fevereiro de 1985, Comissão/França, 173/83, Recueil, p. 491, n.° 7). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se era este o caso no processo principal.

41.
    Quanto ao regulamento municipal de 1998, a Sydhavnens Sten & Grus considera que ele, embora preveja expressamente a possibilidade de exportar os resíduos, restringe as exportações tanto como o precedente. O facto de conter uma exoneração formal das exportações não põe fim à infracção ao artigo 34.° do Tratado. Só seria de outro modo, segundo a Sydhavnens Sten & Grus, se estivesse assegurado aos intermediários um acesso real à recolha e à revenda dos resíduos de construção.

42.
    A este respeito, há que declarar que uma regulamentação municipal que impede intermediários, embora qualificados, de participar na recolha dos resíduos em causa com vista a revendê-los noutros Estados-Membros constitui um entrave às exportações contrário ao artigo 34.° do Tratado (v., neste sentido, o acórdão de 9 de Fevereiro de 1984, Rhône-Alpes Huiles, 295/82, Recueil, p. 575).

43.
    A questão de saber se, no processo principal, os produtores de resíduos podem recorrer a intermediários para exportar os seus resíduos foi objecto de afirmações contrárias por parte dos intervenientes no processo perante o Tribunal de Justiça. Segundo a Sydhavnens Sten & Grus, os intermediários qualificados, como ela própria, não podem ter acesso à recolha dos resíduos de obras de construção com vista à sua exportação. O município de Copenhaga afirma, pelo contrário, que as exportações podem ser efectuadas através de intermediários. Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a regulamentação em causa, quer resulte do regulamento municipal de 1992 quer do regulamento municipal de 1998, permite aos produtores de resíduos não perigosos de obras de construção exportar os seus resíduos, utilizando, se o desejarem, intermediários.

44.
    Na hipótese de se entender que a regulamentação em causa tem por efeito restringir as exportações de modo contrário ao artigo 34.° do Tratado, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão da possibilidade de a justificar invocando, por um lado, o artigo 36.° do Tratado e, por outro, a protecção do ambiente, tal como prevista, em especial, no artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado.

45.
    No que respeita à derrogação prevista no artigo 36.° do Tratado, deve realçar-se que uma tal justificação seria pertinente se o transporte dos resíduos de obras de construção a mais longa distância, em razão da sua exportação, e o seu tratamento noutro Estado-Membro, diferente daquele em que eles são produzidos, constituíssem um perigo para a saúde e a vida das pessoas ou dos animais ou para a preservação das plantas.

46.
    É no entanto forçoso constatar que, no caso vertente, se trata de resíduos não perigosos e que não foi alegado qualquer elemento destinado a demonstrar a existência de um perigo para a saúde e a vida das pessoas ou dos animais ou para a preservação das plantas, tendo-se os intervenientes no processo perante o Tribunal de Justiça limitado, sobre este ponto, a mencionar que um eventual entrave, contrário ao artigo 34.° do Tratado, seria justificado por aplicação do artigo 36.° do Tratado.

47.
    Daqui resulta que a excepção referida no artigo 36.° do Tratado, relativa à saúde e à vida das pessoas e dos animais e à preservação das plantas, não pode, nestas condições, justificar uma restrição às exportações contrária ao artigo 34.° do Tratado.

48.
    Quanto à justificação baseada na protecção do ambiente e, nomeadamente, no princípio da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, referido no artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado, há que sublinhar que a protecção do ambiente não permite justificar todas as restrições às exportações, nomeadamente no caso de resíduos destinados a valorização (v., neste sentido, o acórdão de 25 de Junho de 1998, Dusseldorp e o., C-203/96, Colect., p. I-4075, n.° 49). É assim, a fortiori, quando estão em causa, como no processo principal, resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente.

49.
    Ora, resulta do processo que não foi apresentado qualquer argumento destinado a demostrar que a exportação dos resíduos em causa constituía um dano causado ao ambiente.

50.
    Nestas circunstâncias, as restrições às exportações contrárias ao artigo 34.° do Tratado, como as alegadas no litígio principal, não podem justificar-se pela necessidade de proteger o ambiente, nomeadamente pela aplicação do princípio da correcção, prioritariamente na fonte, referido no artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado.

51.
    Deve pois responder-se à primeira parte da primeira questão que o artigo 34.° do Tratado se opõe a um regime de recolha e de recepção de resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização por força do qual só um número limitado de empresas está autorizado a tratar os resíduos produzidos num município, quando tal regime constitua, de direito ou de facto, um entrave à exportação, no sentido de não permitir que os produtores de resíduos os exportem, nomeadamente através de intermediários. Um tal entrave não pode justificar-se com base no artigo 36.° do Tratado nem nas finalidades de protecção do ambiente, nomeadamente por aplicação do princípio da correcção, prioritariamente na fonte, referido no artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado, na ausência que qualquer indício de perigo para a saúde ou para a vida das pessoas ou dos animais ou para a preservação das plantas, ou de um perigo para o ambiente.

Quanto às regras de concorrência referidas nos artigos 90.° e 86.° do Tratado

52.
    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância e em segundo lugar, se o artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.° do mesmo Tratado, se opõe à instauração de um regime local, como o regime em causa no processo principal, que determina que só um número limitado de empresas especialmente escolhidas pode proceder ao tratamento dos resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente e destinados a valorização, produzidos na zona em causa, assim permitindo garantir um fluxo suficientemente importante de tais resíduos para essas empresas, e que impede outras empresas, apesar de qualificadas, de efectuar o referido tratamento.

53.
    Deve realçar-se, por um lado, que, por força da regulamentação em causa no processo principal, três empresas foram autorizadas a receber os resíduos de obras de construção produzidos no território do município de Copenhaga, com vista à sua valorização, e que às outras empresas, nomeadamente a Sydhavnens Sten & Grus, não foi concedida tal autorização. Para além destas três empresas, nenhuma empresa pode receber, na Dinamarca, resíduos de obras de construção produzidos no município, com vista ao seu tratamento.

54.
    Daqui resulta que estas três empresas devem ser consideradas empresas investidas pelo Estado-Membro em causa de um direito exclusivo, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado (v., neste sentido, os acórdãos de 19 de Maio de 1993, Corbeau, C-320/91, Colect., p. I-2533, n.° 8, e de 10 de Fevereiro de 2000, Deutsche Post, C-147/97 e C-148/97, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37).

55.
    Há que recordar, por outro lado, que, por força do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado e no que respeita às empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos, os Estados-Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, designadamente em matéria de concorrência.

56.
    A fim de examinar se uma regulamentação, como a regulamentação em causa no processo principal, é contrária ao artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.° do mesmo Tratado, há que verificar se ela cria uma posição dominante a favor do beneficiário do direito especial ou exclusivo e se ela ocasiona um abuso.

Quanto à existência de uma posição dominante

57.
    No que respeita à eventual existência de uma posição dominante, o Tribunal de Justiça sublinhou, por várias vezes, que deve ser dada uma importância fundamental à determinação do mercado em causa e à determinação da parte substancial do mercado comum na qual a empresa possa eventualmente cometer práticas abusivas susceptíveis de obstar a uma concorrência efectiva (v., por exemplo, o acórdão de 17 de Julho de 1997, GT-Link, C-242/95, Colect., p. I-4449, n.° 36).

58.
    Segundo a Sydhavnens Sten & Grus, o mercado em causa é o mercado da recepção e tratamento de resíduos de obras de construção produzidos no território do município de Copenhaga. Este mercado forma uma parte substancial do mercado comum, dada a importância da parte do território dinamarquês em causa e o facto de o centro de Grøften ser uma das maiores instalações da Europa.

59.
    O município de Copenhaga e o Governo dinamarquês consideram que o Tribunal de Justiça não possui informações suficientes para lhe permitir pronunciar-se sobre a questão e que compete ao órgão jurisdicional de reenvio a ela responder.

60.
    A este respeito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio definir o mercado em causa face aos elementos de facto de que dispõe, por um lado em função das característicasespecíficas do produto ou serviço em causa e, por outro, por referência à zona geográfica claramente definida na qual é comercializado e onde as condições de concorrência são suficientemente homogéneas para se poder apreciar o efeito do poder económico da ou das empresas em questão (v. o acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 11).

61.
    No que respeita ao produto ou serviço em causa, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, em especial, verificar se o tratamento dos resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente constitui um mercado distinto do tratamento de outros tipos de resíduos.

62.
    No que respeita ao mercado geográfico, deverá ter-se em conta o facto de ter sido concedida uma exclusividade a três empresas, entre as quais a RGS, gestionária do centro de Grøften, que dele é o principal beneficiário. Os produtores de resíduos do município só podem, se quiserem fazer tratar os seus resíduos na Dinamarca, dirigir-se a uma destas três empresas. Esta circunstância pode ter o efeito de restringir o mercado à zona na qual se aplica a exclusividade.

63.
    Dada, no entanto, a importância do município de Copenhaga na região da grande Copenhaga, cujos resíduos de obras de construção representam cerca de um terço de todos os resíduos de obras de construção produzidos na Dinamarca, o tribunal a quo deverá verificar se a exclusividade pode ter o efeito de restringir a concorrência efectiva não apenas na zona do município mas também numa zona mais ampla.

64.
    Uma vez definidos os limites da zona afectada, será necessário examinar se esta zona constitui uma parte substancial do mercado comum, tendo especialmente em conta o volume de resíduos de obras de construção produzidos e tratados no município de Copenhaga e a importância que eles têm face ao conjunto das actividades de tratamento de resíduos de obras de construção na Dinamarca (v., neste sentido, os acórdãos de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n.° 15, e GT-Link, já referido, n.° 37).

65.
    Será só no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que as empresas em causa detêm uma posição dominante num mercado assim definido que será necessário examinar a questão de um eventual abuso.

Quanto à existência de um abuso

66.
    Deve recordar-se que o simples facto de se criar uma posição dominante através da concessão de direitos especiais ou exclusivos, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, não é, por si só, incompatível com o artigo 86.° do Tratado. Um Estado-Membro só viola as proibições estabelecidas nestas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo ou quando esses direitos possam criar uma situação em que essa empresa seja levada a cometer essesabusos (v., por exemplo, o acórdão de 21 de Setembro de 1999, Brentjens', C-115/97 a C-177/97, ainda não publicado na Colectânea, n.° 93).

67.
    Assim o Tribunal de Justiça declarou que um Estado-Membro podia, sem infringir o artigo 86.° do Tratado, conceder direitos exclusivos a determinadas empresas, na medida em que estas não explorassem a sua posição dominante de forma abusiva ou não fossem necessariamente levadas a cometer tais abusos (v. o acórdão de 18 de Junho de 1998, Corsica Ferries France, C-266/96, Colect., p. I-3949, n.° 41).

68.
    A este respeito, há que começar por realçar que a concessão de um direito exclusivo numa parte do território nacional com objectivos ambientais, tais como a criação da capacidade necessária para a reciclagem de resíduos de obras de construção, não constitui, em si mesma, um abuso de posição dominante.

69.
    Deve seguidamente examinar-se se o direito exclusivo conduz, no entanto, a um abuso de posição dominante.

70.
    Segundo o município de Copenhaga, a regulamentação em causa não leva a qualquer violação das regras de concorrência referidas no artigo 86.° do Tratado, quer no que se refere aos preços quer no que se refere a outras condições comerciais aplicadas pelas três empresas investidas do direito exclusivo.

71.
    No que se refere aos preços praticados por essas três empresas, deve sublinhar-se que o município de Copenhaga argumenta, sem ser contraditado, que eles eram fixados livremente pelas empresas em causa e que, nos casos em que o município considerava que os preços eram excessivos, ele podia solicitar a intervenção das autoridades da concorrência. Além disso, no que se refere às outras condições comerciais, nenhum comportamento abusivo foi invocado.

72.
    Segundo a Sydhavnens Sten & Grus, a exclusividade conduz, no entanto, a um abuso de posição dominante, ao limitar os mercados e ao favorecer o centro de Grøften em detrimento dos concorrentes.

73.
    O Governo dinamarquês argumenta que, mesmo que a exclusividade desse lugar a uma restrição da concorrência, ela seria justificada, por força do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, pela necessidade de garantir o cumprimento de uma tarefa de interesse económico geral, consistente na gestão dos resíduos de obras de construção. Segundo o Governo dinamarquês, esta tarefa implicava criar as capacidades suficientes para o tratamento dos resíduos de obras de construção produzidos no município de Copenhaga.

74.
    A este respeito, há que realçar que resulta, com efeito, da conjugação dos n.os 1 e 2 do artigo 90.°, que o n.° 2 pode ser invocado para justificar a concessão, por um Estado-Membro, a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos exclusivos contrários nomeadamente ao artigo 86.° doTratado, na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade [v., no que respeita aos direitos exclusivos contrários ao artigo 37.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 31.° CE), o acórdão de 23 de Outubro de 1997, Comissão/França, C-159/94, Colect., p. I-5815, n.° 49].

75.
    Deve entender-se que a gestão de determinados resíduos pode ser objecto de um serviço de interesse económico geral, em especial quando tal serviço tem por finalidade fazer face a um problema ambiental.

76.
    Resulta dos autos que o município de Copenhaga confiou a três empresas, de acordo com a legislação nacional, o encargo de tratar os resíduos de obras de construção produzidos no município e que tais empresas têm a obrigação de receber esses resíduos e de os tratar para efeitos da sua reutilização, sempre que esta for possível. Nestas condições, é forçoso reconhecer que a estas empresas foi confiada uma missão de interesse económico geral.

77.
    Há, seguidamente, que examinar se a exclusividade concedida às três empresas é necessária para o cumprimento, em condições economicamente aceitáveis, da missão de interesse económico geral que lhes foi confiada (v. os acórdãos Corbeau, já referido, n.os 14 e 16, e Brentjens', já referido, n.° 107).

78.
    Resulta dos elementos trazidos ao conhecimento do Tribunal de Justiça que, quando foi criado o centro de Grøften e quando foi concedida uma exclusividade a um número limitado de empresas, o município de Copenhaga fazia face a uma problema ambiental considerado sério, consistente no enterramento da maior dos resíduos de obras de construção, quando tais resíduos poderiam ter sido reciclados. A reciclagem não podia ocorrer em razão de uma falta de empresas susceptíveis de tratar os referidos resíduos. A fim de se encarregar dos volumes de resíduos produzidos no município e de os reciclar com garantia de uma alta qualidade de reciclagem, o município considerou que era necessário criar um centro de grande capacidade. Além disso, a fim de garantir a rentabilidade desse centro, criado de novo, considerou que era necessário garantir-lhe um fluxo significativo de resíduos, para isso lhe concedendo a exclusividade do seu tratamento.

79.
    É verdade que a exclusividade tem por efeito excluir empresas que desejam entrar no mercado e para isso são qualificadas, como a Sydhavnens Sten & Grus. No entanto, na ausência de empresas capazes de tratar os resíduos em causa no processo principal, o município de Copenhaga tinha o direito de considerar necessário criar um centro de capacidade importante. Além disso, para garantir que houvesse empresas interessadas em participar na gestão de um centro de grande capacidade, ela tinha também o direito de considerar necessária uma exclusividade limitada, quer no tempo, ao período de amortização previsível dos investimentos, quer no espaço, ao território do município.

80.
    Com efeito, uma medida com efeito menos restritivo sobre a concorrência, como uma regulamentação que impusesse simplesmente às empresas a reciclagem dos seus resíduos, não teria necessariamente garantida a reciclagem da maior parte dos resíduos produzidos no município, em razão da insuficiência das capacidades de tratamento dos referidos resíduos.

81.
    Em tais condições, deve considerar-se que, mesmo na hipótese de a concessão da exclusividade conduzir a uma restrição de concorrência numa parte substancial do mercado comum, tal exclusividade podia ser considerada necessária ao cumprimento de uma missão de serviço de interesse económico geral.

82.
    De resto, nada nos autos indica que a exclusividade concedida no caso vertente seja de natureza a levar necessariamente as empresas em causa a explorar a sua posição dominante de modo abusivo.

83.
    Assim, deve responder-se à segunda parte da primeira questão que o artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.° do mesmo Tratado, não se opõe à instauração de um regime local, como o regime em causa no processo principal, que, a fim de resolver um problema ambiental resultante da ausência de capacidade de tratamento dos resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização, determina que só um número limitado de empresas especialmente escolhidas pode proceder ao tratamento de tais resíduos produzidos na zona em causa, assim permitindo garantir um fluxo suficientemente importante desses resíduos para essas empresas, e exclui outras empresas, embora qualificadas, da possibilidade de efectuar o referido tratamento.

Quanto à segunda questão

84.
    Pela sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Directiva 75/422 e o regulamento devem ser interpretados no sentido de impor aos Estados-Membros a celebração de contratos com todas as empresas autorizadas, na acepção do artigo 10.° da Directiva 75/442, para efeitos da recepção e da valorização dos resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente.

85.
    No que respeita à Directiva 75/442, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho (C-155/91, Colect., p. I-939, n.° 20), que a harmonização prevista no artigo 1.° da Directiva 75/442 tem por objectivo principal, no intuito de proteger o ambiente, garantir a eficácia da gestão de resíduos na Comunidade, independentemente da sua origem, e apenas acessoriamente afecta as condições da concorrência e do comércio.

86.
    O artigo 10.° da Directiva 75/442 impõe aos Estados-Membros que estipulem que só as empresas autorizadas possam efectuar determinadas operações de valorização. Este artigo exige, portanto, que os Estados-Membros prevejam um processo de autorização para efeitos da protecção do ambiente, mas não os obriga a tratar com todas as empresas autorizadas.

87.
    No que se refere ao regulamento, este também não se destina a harmonizar as condições da concorrência, não contendo disposições para este efeito. Como resulta, em especial, dos seus quarto, quinto e sexto considerandos, ele tem por objectivo organizar a vigilância e o controlo das transferências transfronteiriças e estabelecer critérios mínimos comuns em matéria de fiscalização e controlo das transferência de resíduos dentro de um Estado-Membro da Comunidade.

88.
    Deve, pois, responder-se à segunda questão que nem a Directiva 75/422 nem o regulamento impõem aos Estados-Membros a celebração de contratos com todas as empresas autorizadas, na acepção do artigo 10.° da Directiva 75/442, para efeitos de recepção e valorização dos resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente.

Quanto à terceira questão

89.
    A terceira questão incide, em primeiro lugar, sobre a faculdade de os Estados-Membros adoptarem, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442, medidas que proíbam determinados transportes de resíduos não perigosos de obras de construção e, em segundo lugar sobre as consequências da obrigação que incide sobre os Estados-Membros, por força do mesmo artigo, de informar a Comissão de tais medidas.

Quanto à proibição das operações de transporte não conformes com os planos de gestão

90.
    Pela primeira parte da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de permitir a um Estado-Membro tomar as medidas relativas ao transporte de resíduos, incluindo as medidas de proibição de transporte de resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização, quando o transporte não for conforme com o seu plano de gestão.

91.
    Segundo a Sydhavnens Sten & Grus, resulta da Directiva 75/442 e do regulamento que a transferência de resíduos não perigosos destinados a valorização não pode ser objecto de restrições. O município de Copenhaga não pode, portanto, impedir um transporte de resíduos não perigosos de obras de construção que não seja conforme com o seu plano de gestão.

92.
    Deve realçar-se que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 autoriza expressamente os Estados-Membros a tomarem as medidas necessárias para impedir a circulação de resíduos não conformes com os seus planos de gestão, tal como definidos no artigo 7.°, n.os 1 e 2. Aquela disposição prevê, portanto, que os Estados-Membros podem tomar medidas vinculativas para garantir a aplicação dos seus planos de gestão. Ela deve, portanto, ser interpretada no sentido de autorizar a proibição de efectuar determinadas transferências de resíduos.

93.
    Daqui resulta que uma medida que proíbe o transporte de resíduos não perigosos de obras de construção que não seja conforme com um plano de gestão dos resíduos deve ser considerada lícita desde que tal plano seja compatível com as regras do Tratado e da Directiva 75/442.

94.
    A compatibilidade de um regime, como o estabelecido pelo município de Copenhaga, com as regras do artigo 34.° do Tratado e com as do artigo 90.° do Tratado foi examinada nos n.os 30 a 83 do presente acórdão, no quadro da resposta à primeira questão. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esse regime respeita também as disposições da Directiva 75/442.

95.
    Deve, portanto, responder-se à primeira parte da terceira questão que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que permite a um Estado-Membro tomar as medidas relativas ao transporte de resíduos, incluindo medidas de proibição de transporte de resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização, quando o transporte não é conforme com o seu plano de gestão, sob reserva de tal plano ser compatível com as regras do Tratado e da Directiva 75/442.

Quanto à obrigação de informar a Comissão

96.
    Pela segunda parte da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de conferir aos particulares um direito susceptível de ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais em oposição a uma medida destinada a impedir os movimentos de resíduos não conformes com um plano de gestão de resíduos, com o fundamento de tal medida não ter sido comunicada à Comissão.

97.
    Segundo a Sydhavnens Sten & Grus, um Estado-Membro não pode aplicar as medidas destinadas a impedir os movimentos de resíduos que não sejam conformes com o seu plano de gestão se não informou a Comissão de tais medidas, de acordo com o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442. Em apoio da sua interpretação, faz referência ao artigo 6.°, n.° 6, da Directiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, relativa a embalagens e resíduos de embalagens (JO L 365, p. 10), que determina que a Comissão deve confirmar determinadas medidas instauradas pelos Estados-Membros em matéria de reciclagem e de valorização das embalagens.

98.
    É, no entanto, necessário reconhecer que, contrariamente ao disposto no artigo 6.°, n.° 6, da Directiva 94/62, a Directiva 75/442 não impõe qualquer obrigação específica à Comissão, na sequência de uma comunicação de informação. Limita-se a impor aos Estados-Membros a obrigação de comunicar à Comissão as medidas que tomaram, sem fixar qualquer procedimento de controlo comunitário de tais medidas e sem subordinar a sua entrada em vigor ao acordo ou à ausência de oposição da Comissão.

99.
    A obrigação imposta aos Estados-Membros pelo artigo 7.°, n.° 3, da 75/442 destina-se a permitir à Comissão ser informada sobre as medidas nacionais em causa, a fim de apurar se elas são compatíveis ou não com o direito comunitário e de, sendo caso disso, tirar as consequências pertinentes.

100.
    Nem a redacção nem a finalidade dessa disposição permitem, portanto, considerar que o incumprimento da obrigação de comunicação prévia que incumbe aos Estados-Membros implica, por si só, a ilegalidade das medidas assim adoptadas (v., neste sentido, no que se refere ao artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 75/442, na sua versão anterior à Directiva 91/156, o acórdão de 13 de Julho de 1989, Enichem Base e o., 380/87, Colect., p. 2491, n.° 22).

101.
    Resulta do que precede que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 diz respeito às relações entre os Estados-Membros e a Comissão, mas que não origina, em contrapartida, para os particulares, qualquer direito que seja susceptível de ser lesado em caso de violação, por um Estado-Membro, da obrigação de comunicação à Comissão das medidas em causa.

102.
    Há pois que responder à segunda parte da terceira questão que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442 deve ser interpretado no sentido de que não confere aos particulares qualquer direito susceptível de ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais com o fim de se oporem a uma medida destinada a impedir os movimentos de resíduos não conformes com um plano de gestão, com o fundamento de que tal medida não foi comunicada à Comissão.

Quanto às despesas

103.
    As despesas efectuadas pelos Governos dinamarquês e neerlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Østre Landsret, por despacho de 27 de Maio de 1998, declara:

1.
    O artigo 34.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 29.° CE) opõe-se a um regime de recolha e de recepção dos resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização por força do qual só um número limitado de empresas está autorizado a tratar osresíduos produzidos num município, quando tal regime constitua, de direito ou de facto, um entrave à exportação, no sentido de não permitir que os produtores de resíduos os exportem, nomeadamente através de intermediários. Um tal entrave não pode justificar-se com base no artigo 36.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 30.° CE) nem nas finalidades de protecção do ambiente, nomeadamente por aplicação do princípio da correcção, prioritariamente na fonte, referido no artigo 130.°-R, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 174.°, n.° 2, CE), na ausência de qualquer indício de perigo para a saúde ou para a vida das pessoas ou dos animais ou para a preservação das plantas, ou de um perigo para o ambiente.

2.
    O artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE), conjugado com o artigo 86.° do mesmo Tratado CE (actual artigo 82.° CE), não se opõe à instauração de um regime local, como o regime em causa no processo principal, que, a fim de resolver um problema ambiental resultante da ausência de capacidade de tratamento dos resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização, determina que só um número limitado de empresas especialmente escolhidas pode proceder ao tratamento de tais resíduos produzidos na zona em causa, assim permitindo garantir um fluxo suficientemente importante desses resíduos para essas empresas, e exclui outras empresas, embora qualificadas, da possibilidade de efectuar o referido tratamento.

3.
    Nem a Directiva 75/422/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, nem o Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade, impõem aos Estados-Membros a celebração de contratos com todas as empresas autorizadas, na acepção do artigo 10.° da referida directiva, para efeitos de recepção e valorização dos resíduos de obras de construção não perigosos para o ambiente.

4.
    O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156, deve ser interpretado no sentido de que permite a um Estado-Membro tomar as medidas relativas ao transporte de resíduos, incluindo medidas de proibição de transporte de resíduos não perigosos de obras de construção destinados a valorização, quando o transporte não é conforme com o seu plano de gestão, sob reserva de tal plano ser compatível com as regras do Tratado e da referida directiva.

5.
    O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 75/442, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156, deve ser interpretado no sentido de que não confere aos particulares qualquer direito susceptível de ser invocado nos órgãosjurisdicionais nacionais com o fim de se oporem a uma medida destinada a impedir os movimentos de resíduos não conformes com um plano de gestão, com o fundamento de que tal medida não foi comunicada à Comissão.

Rodríguez Iglesias
Moitinho de Almeida
Edward

            Sevón                    Kapteyn

Gulmann

Jann

            Ragnemalm            Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Maio de 2000.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: dinamarquês.