Language of document : ECLI:EU:T:2023:833

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção Alargada)

20 de dezembro de 2023 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelas autoridades italianas à Banca Tercas — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Prescrição — Dano continuado — Inadmissibilidade parcial — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares — Nexo de causalidade»

No processo T‑415/21,

Banca Popolare di Bari SpA, com sede em Bari (Itália), representada por A. Zoppini, G. M. Roberti, I. Perego, G. Parisi e D. Gallo, advogados,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, I. Barcew, A. Bouchagiar e D. Recchia, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção Alargada),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, S. Gervasoni, N. Półtorak (relatora), I. Reine e T. Pynnä, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos,

visto não terem as partes requerido a marcação de uma audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar a ação prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio da sua ação intentada ao abrigo do artigo 268.o TFUE, a demandante, Banca Popolare di Bari SpA, pede o ressarcimento do prejuízo que alegadamente sofreu em consequência da adoção da Decisão (UE) 2016/1208 da Comissão, de 23 de dezembro de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.39451 (2015/C) (ex 2015/NN) que a Itália executou a favor do Banco Tercas (JO 2016, L 203, p. 1; a seguir «Decisão Tercas»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 30 de abril de 2012, sob proposta da Banca d’Italia (Banco de Itália), que tinha assinalado irregularidades na Banca Tercas (Banco Tercas; a seguir «Tercas»), o Ministério da Economia e das Finanças italiano decidiu colocar o Tercas sob administração extraordinária.

3        Em outubro de 2013, depois de ter avaliado diferentes opções, o comissário extraordinário, nomeado pelo Banco de Itália, encetou negociações com a demandante, que tinha manifestado interesse em subscrever um aumento de capital do Tercas, na condição de ser realizada uma auditoria prévia ao Tercas e de o Fondo interbancario di tutela dei depositi (Fundo Interbancário de Garantia de Depósitos, Itália) (a seguir «FITD») cobrir integralmente o défice patrimonial deste banco.

4        Em 28 de outubro de 2013, na sequência de um pedido do comissário extraordinário do Tercas, a Comissão Executiva do FITD decidiu conceder medidas de apoio ao Tercas, que foram aprovadas pelo Banco de Itália.

5        Em 18 de março de 2014, o FITD decidiu suspender a intervenção planeada devido a uma discordância entre os seus especialistas e os da demandante. Essa discordância foi posteriormente sanada na sequência de um procedimento de arbitragem.

6        A Comissão Executiva e o Conselho do FITD decidiram, em 30 de maio de 2014, intervir a favor do Tercas.

7        Em 7 de julho de 2014, o Banco de Itália autorizou a intervenção do FITD a favor do Tercas. Esta intervenção previa três medidas, a saber, primeiro, uma contribuição de 265 milhões de euros, para cobrir os capitais próprios negativos do Tercas, segundo, uma garantia de 35 milhões de euros para cobrir o risco de crédito associado a certas exposições do Tercas e, terceiro, uma garantia de 30 milhões de euros, para eventuais custos associados ao tratamento fiscal da primeira medida.

8        O administrador extraordinário do Tercas, de acordo com o Banco de Itália, convocou uma Assembleia Geral dos acionistas do Tercas para 27 de julho de 2014 para que estes se pudessem pronunciar sobre a cobertura parcial das perdas descobertas durante a administração extraordinária e sobre um aumento de capital reservado à demandante. Este aumento de capital foi efetuado no próprio dia.

9        Em 1 de outubro de 2014, foi posto termo ao regime de administração extraordinária do Tercas e a demandante nomeou os novos órgãos sociais deste banco.

10      Em dezembro de 2014, a demandante realizou um aumento de capital, que incluía a emissão de novas ações. O aumento de capital destinou‑se a fortalecer os rácios de capital da demandante, afetado pela aquisição do Tercas e da sua filial, a Banca Caripe S.p.A. (a seguir «Caripe»).

11      Em março de 2015, a demandante subscreveu um novo aumento de capital do Tercas, a fim de fazer face a perdas verificadas no quarto trimestre de 2014, de cobrir as despesas de reestruturação efetuadas em 2015 e 2016 e de melhorar os rácios de capital do Tercas.

12      Por carta de 27 de fevereiro de 2015, a Comissão Europeia notificou a República Italiana da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE relativamente à intervenção do FITD a favor do Tercas.

13      Em 23 de dezembro de 2015, a Comissão adotou a Decisão Tercas.

14      Nessa Decisão, a Comissão considerou que a intervenção, autorizada em 7 de julho de 2014 pelo Banco de Itália, do FITD a favor do Tercas, cujos ativos são detidos na sua totalidade, desde 1 de outubro de 2014, pela demandante, constituía um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno que devia ser recuperado junto do seu beneficiário pela República Italiana.

15      Em 4 de fevereiro de 2016, o FITD realizou uma intervenção «voluntária» a favor do Tercas e, em 14 de julho de 2016, a demandante incorporou o Tercas.

16      Por Acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), confirmado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), a Decisão Tercas foi anulada.

17      Por carta de 28 de abril de 2021, a demandante pediu à Comissão, ao abrigo do artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o ressarcimento dos danos pretensamente sofridos devido à adoção da Decisão Tercas, pedindo o pagamento de uma indemnização de 228 milhões de euros.

18      Em 11 de maio de 2021, a Comissão indeferiu este pedido.

 Pedidos das partes

19      A demandante conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        condenar a União Europeia, representada pela Comissão, a pagar‑lhe uma indemnização de 280 milhões de euros ou, a título subsidiário, de 203 milhões de euros, para ressarcimento do prejuízo material pretensamente sofrido, bem como uma indemnização de montante adequado para ressarcimento do prejuízo moral pretensamente sofrido devido à adoção da Decisão Tercas;

–        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar a ação inadmissível;

–        a título subsidiário, julgar a ação improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

21      A Comissão arguiu uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Alega que a ação de indemnização prescreveu, em aplicação do artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. De acordo com a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão (C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.o 47 e jurisprudência referida), o prazo de prescrição da ação fundada em responsabilidade extracontratual começa a correr quando estiverem reunidos todos os requisitos a que a obrigação de reparação está subordinada, nomeadamente, quando o dano a reparar se concretizou.

22      A Comissão sustenta, em substância, que o dia do anúncio da adoção da Decisão Tercas, efetuado através de comunicações institucionais em 23 de dezembro de 2015 e retomado pela imprensa nos dias seguintes, representa o momento em que o prejuízo alegado se concretizou. Por conseguinte, dado que a contagem do prazo de prescrição de cinco anos era em 23 de dezembro de 2015, esse prazo teria expirado em 23 de dezembro de 2020 e a ação de indemnização teria prescrito, uma vez que o pedido de indemnização foi apresentado em 28 de abril de 2021.

23      Além disso, a Comissão sustenta que o prejuízo alegado não tem caráter continuado. Segundo a jurisprudência, e nomeadamente o Acórdão de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão (C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 35), o caráter continuado do prejuízo implica que o mesmo aumente na proporção do tempo decorrido. Ora, embora o prejuízo pretensamente sofrido tenha podido aumentar com o decurso do tempo, esse eventual aumento não foi proporcional ao tempo decorrido. Pelo contrário, o prejuízo alegado pela demandante teve um caráter imediato.

24      Em consequência, o pedido de indemnização que dirigiu à Comissão em 28 de abril de 2021 não pode ser qualificado de ato interruptivo da prescrição.

25      A este respeito, a Comissão observa que o momento em que o prejuízo alegado se concretizou coincide com a data efetiva da recuperação, pelas autoridades nacionais, do auxílio referido na Decisão Tercas. Segundo a Comissão, é a Decisão Tercas que está na origem do prejuízo alegado.

26      Além disso, mesmo considerando que o início do prazo de prescrição é o momento em que a demandante teve oficialmente conhecimento, por carta registada, do facto gerador do prejuízo alegado, esse momento corresponde, o mais tardar, à data de receção dessa carta registada que continha uma cópia da Decisão Tercas, ou seja, 29 de fevereiro de 2016. Nesta hipótese, o prazo de cinco anos também já teria expirado quando a demandante apresentou o seu pedido de indemnização em 28 de abril de 2021.

27      A demandante contesta a argumentação da Comissão.

28      Nos termos do artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia aplicável ao processo no Tribunal Geral em conformidade com o artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, as ações contra a União em matéria de responsabilidade extracontratual prescrevem no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do facto que lhes tenha dado origem.

29      Este prazo tem por função, por um lado, assegurar a proteção dos direitos do lesado, devendo este dispor de tempo suficiente para recolher as informações adequadas com vista à eventual propositura da ação, e, por outro, evitar que o lesado possa retardar indefinidamente o exercício do seu direito à indemnização (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑469/11 P, EU:C:2012:705, n.o 33 e jurisprudência referida, e de 7 de julho de 2021, Bateni/Conselho, T‑455/17, EU:T:2021:411, n.o 62 e jurisprudência referida).

30      Segundo a jurisprudência, o referido prazo começa a correr quando estiverem reunidas todas as condições a que se encontra subordinada a obrigação de reparação e, nomeadamente, quando o dano a reparar se concretizou (Acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/Cantina sociale di Dolianova e o., C‑51/05 P, EU:C:2008:409, n.o 54). Assim, a prescrição começa a correr a partir do momento em que o prejuízo se produziu efetivamente e não a partir da data do facto prejudicial (v. Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão, C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.o 60 e jurisprudência referida).

31      Além disso, há que recordar que o artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia designa como ato interruptivo da prescrição a petição apresentada no Tribunal de Justiça ou o pedido prévio que o lesado pode dirigir à instituição competente (v., neste sentido, Despacho de 14 de dezembro de 2005, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03, EU:T:2005:458, n.o 116).

32      Importa igualmente recordar que, segundo a jurisprudência, quando os danos não tenham sido causados instantaneamente, mas tenham continuado durante um certo período, o direito a uma indemnização incide sobre períodos sucessivos. Em especial, qualquer dano que se repita em períodos sucessivos e que aumente proporcionalmente ao tempo decorrido deve ser considerado como tendo um caráter continuado (Despachos de 4 de setembro de 2009, Inalca e Cremonini/Comissão, T‑174/06, não publicado, EU:T:2009:306, n.os 56 e 57, e de 19 de maio de 2011, Formenti Seleco/Comissão, T‑210/09, não publicado, EU:T:2011:228, n.o 50).

33      Nesse caso, a prescrição referida no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia aplica‑se ao período anterior superior a cinco anos à data do ato interruptivo, sem afetar os direitos constituídos no decurso dos períodos posteriores (v. Despacho de 4 de setembro de 2009, Inalca e Cremonini/Comissão, T‑174/06, não publicado, EU:T:2009:306, n.o 60 e jurisprudência referida).

34      No caso em apreço, a demandante alega ter sofrido um prejuízo decorrente da Decisão Tercas. Em especial, com a sua ação, a demandante pede o ressarcimento do prejuízo alegadamente causado pela Decisão Tercas, que consiste numa deterioração da confiança da clientela a seu respeito, o que causou uma perda de depósitos e de clientela (lucros cessantes), uma ofensa à sua reputação (dano moral) e que gerou despesas para as medidas de atenuação dos efeitos negativos da Decisão Tercas (dano material).

35      Neste contexto, para determinar a admissibilidade da ação, cabe analisar se os prejuízos alegados têm caráter continuado, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 32 e 33, supra, como defende a demandante.

36      Em primeiro lugar, no que respeita ao pretenso lucro cessante, quanto ao início do prazo de prescrição, a demandante não contesta que as perdas de depósitos diretos e de clientela decorrentes da Decisão Tercas ocorreram a partir do seu anúncio, em 23 de dezembro de 2015. Nestas condições, há que considerar que a Decisão Tercas começou a produzir efeitos a este respeito em 23 de dezembro de 2015.

37      Daqui decorre que foi a partir dessa data que os efeitos dos prejuízos materiais alegados começaram efetivamente a produzir‑se e que o prazo de prescrição, previsto no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, começou a correr [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 33, e de 17 de julho de 2008, Comissão/Cantina sociale di Dolianova e o., C‑51/05 P, EU:C:2008:409, n.o 63].

38      A demandante alega que, devido a uma perda de depósitos e de clientela, decorrente de uma redução da sua capacidade de conceder créditos que produziu efeitos negativos em toda a sua atividade e erodiu o seu produto líquido bancário, que se materializou durante o período compreendido entre dezembro de 2015 e abril de 2021, não obteve os rendimentos que podia razoavelmente esperar se a Decisão Tercas não tivesse sido tomada.

39      Assim, o pretenso prejuízo relativo aos lucros cessantes decorrente da perda de depósitos diretos, que a demandante alega ter sofrido, tem caráter continuado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 32, supra, uma vez que os prejuízos materiais alegados a este título não foram causados instantaneamente, tendo continuado durante um certo período e se renovaram durante períodos sucessivos, pelo que o seu montante aumentou na proporção do tempo decorrido devido à persistência dos efeitos de um ato ilegal, a saber, a Decisão Tercas.

40      Além disso, a demandante considera ter sofrido lucros cessantes devido a uma perda de clientela até abril de 2021. Em especial, a demandante perdeu 7783 clientes de 2015 a 2016. Mais, no que respeita às previsões de crescimento constantes do plano industrial 2016‑2020 efetuadas com base nas tendências do mercado, que previa um crescimento do número de novos clientes de 50 000 unidades, a saber, 10 000 por ano, a demandante realizou um crescimento de clientela correspondente a metade das referidas previsões, a saber, 5 000 clientes por ano a partir do exercício de 2017.

41      Segundo a demandante, a Decisão Tercas causou esta perda de clientela, na sequência da qual teria sofrido lucros cessantes que consistiram numa perda de margem de comissão no decurso do período compreendido entre dezembro de 2015 e abril de 2021, um não aumento da clientela previsto no plano industrial 2016‑2020, uma deterioração da margem de comissão sobre os clientes que permaneceram, e a não realização das perspetivas de aumento do produto líquido bancário, de dezembro de 2015 a abril de 2021.

42      Ora, há que salientar que decorre dos estudos apresentados pela demandante, a saber, os relatórios técnicos de uma empresa de auditoria e de um professor universitário, que os pretensos prejuízos associados à perda de clientela se mantiveram até à cessação dos efeitos da Decisão Tercas, ou seja, até abril de 2021. Em especial, sem prejuízo do exame do nexo de causalidade que será efetuado a seguir, a demandante, por um lado, continuou a perder clientes e, por outro, não conseguiu atrair novos clientes. Por conseguinte, os pretensos lucros cessantes que decorreriam dessa perda renovaram‑se em períodos sucessivos e aumentaram na proporção do tempo decorrido. Nesta medida, há que considerar que o prejuízo alegado relativo aos lucros cessantes decorrentes da perda de clientela tem caráter continuado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 32, supra.

43      Assim, o pretenso lucro cessante imputável tanto à perda de depósitos diretos como à perda de clientela não se produziu instantaneamente e na sua totalidade no momento do anúncio da Decisão Tercas. Também não se agravou apenas proporcionalmente ao tempo decorrido. Com efeito, ocorreram novos danos, nomeadamente porque, por um lado, os novos clientes podiam decidir encerrar as suas contas junto da demandante ou levantar os seus depósitos, e, por outro lado, devido a novos lucros cessantes relacionados com a perda de lucros. Ora, uma vez que os danos em causa, admitindo‑os provados, se acumularam e renovaram durante períodos sucessivos, verifica‑se que estão preenchidos os critérios que determinam a existência de um prejuízo continuado, enunciados no n.o 32, supra.

44      Portanto, pode considerar‑se que os prejuízos referentes aos lucros cessantes pretensamente sofridos pela demandante têm caráter continuado.

45      Por outro lado, o argumento da Comissão, segundo o qual os pretensos danos não têm caráter continuado, pois teriam sido causados pelo anúncio da Decisão Tercas, não pode ser acolhido, uma vez que, sem prejuízo da análise relativa ao nexo de causalidade, embora a referida decisão possa constituir o facto gerador dos prejuízos alegados, estes se continuaram a produzir durante vários anos.

46      Por último, a Comissão sustenta que, mesmo que o prejuízo não fosse quantificável com precisão à data da adoção da Decisão Tercas, era real e certo, e, consequentemente, a demandante poderia ter apresentado o seu pedido de indemnização antes de 28 de abril de 2021. A este respeito, a demandante sublinha que, como resulta da análise efetuada na nota técnica por ela apresentada nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, no contexto de incerteza que então existia, as reações dos seus clientes não podiam ser homogéneas ou imediatas, estando ligadas às diferentes avaliações feitas por cada cliente, pelo que os prejuízos não podiam ser previsíveis. Ora, decorre da jurisprudência que o facto de os prejuízos alegados terem começado a ocorrer a partir do anúncio da referida decisão e de a demandante poder ter intentado uma ação de indemnização a partir desse momento não exclui que os referidos prejuízos tenham caráter continuado quando o ato ilegal, que a demandante alega ser a causa dos pretensos prejuízos sofridos, permanece em vigor e a persistência dos seus efeitos é suscetível de causar lucros cessantes que se acumulam em relação ao tempo decorrido [v., neste sentido, Acórdãos de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia, T‑673/15, EU:T:2017:377, n.os 34 a 38, e de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão, T‑28/03, EU:T:2005:139, n.os 68 e 69].

47      Por conseguinte, admitindo‑os provados, resulta dos documentos dos autos e dos n.os 38 a 40, supra, que os alegados prejuízos materiais relativos a lucros cessantes aumentaram na proporção do tempo decorrido no período compreendido entre dezembro de 2015 e abril de 2021. Por conseguinte, os referidos prejuízos têm caráter continuado.

48      A este respeito, decorre dos autos que a demandante, em 28 de abril de 2021, como exigido pelo artigo 46.o, primeiro parágrafo, segunda frase, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentou à Comissão um pedido prévio para efeitos de obtenção de uma indemnização para ressarcimento dos prejuízos causados, ao qual se seguiu a apresentação de um pedido nos dois meses seguintes. Por conseguinte, este pedido pode ser considerado um ato interruptivo da prescrição na aceção do artigo 46.o do referido Estatuto e da jurisprudência referida no n.o 31, supra. Ora, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 33, supra, quando o prejuízo em causa tem caráter continuado, o pedido de indemnização não prescreve, uma vez que visa o ressarcimento de um prejuízo pretensamente sofrido durante os cinco anos que precederam o ato interruptivo, ou seja, no caso vertente, posteriormente a 28 de abril de 2016.

49      Em segundo lugar, no que se refere aos prejuízos morais invocados, a demandante alega que estes decorrem da ofensa à sua reputação causada pela Decisão Tercas.

50      Ora, a jurisprudência qualifica o caráter instantâneo ou continuado dos prejuízos morais que consistem numa ofensa à reputação consoante a sua origem. A este respeito, por um lado, o Tribunal Geral declarou que uma ofensa à reputação devido ao envolvimento em processos administrativos, cíveis ou penais se realiza plenamente na data da instauração do processo e não pode, portanto, ser equiparada a um prejuízo continuado (v., neste sentido, Despachos de 4 de setembro de 2009, Inalca e Cremonini/Comissão, T‑174/06, não publicado, EU:T:2009:306, n.o 78, e de 7 de fevereiro de 2018, AEIM e Kazenas/Comissão, T‑436/16, não publicado, EU:T:2018:78, n.o 35).

51      Por outro lado, o Tribunal Geral reconheceu que, por natureza, o prejuízo moral apresenta um caráter continuado quando a alegada ofensa à reputação não se concretizou de forma instantânea, mas se renovou quotidianamente durante todo o período em que o facto gerador perdura (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2015, Chart/SEAE, T‑138/14, EU:T:2015:981, n.o 93). É o caso quando a ofensa à reputação tem origem quer no comportamento ilícito de uma instituição da União, como uma omissão, quer numa decisão da Comissão que, num primeiro momento, é adotada e tornada pública através de um comunicado de imprensa e que, num segundo momento, é publicada no Jornal Oficial da União Europeia sob a forma de um resumo (Acórdão de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia, T‑673/15, EU:T:2017:377, n.o 42).

52      Com efeito, importa salientar que, neste último caso, segundo a jurisprudência, embora possa revestir diferentes formas, a ofensa à reputação é geralmente um prejuízo que se renova quotidianamente e se prolonga enquanto não tiver sido posto fim à causa dessa ofensa (Acórdão de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia, T‑673/15, EU:T:2017:377, n.o 42).

53      No caso em apreço, o pretenso prejuízo moral decorrente da ofensa à reputação da demandante tem origem, no seu entender, na Decisão Tercas, que, num primeiro momento, foi adotada e tornada pública através de um comunicado de imprensa e que, num segundo momento, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia. Nessa medida, admitindo‑o demonstrado, o referido prejuízo tem caráter continuado.

54      Por conseguinte, a ação de indemnização só prescreve na parte em que visa a reparação de uma ofensa à reputação anterior a 28 de abril de 2016.

55      Em terceiro lugar, a demandante alega ainda ter sofrido um pretenso dano material que consiste em custos adicionais incorridos devido à adoção de medidas de atenuação dos efeitos negativos da Decisão Tercas e, em especial: o plano de incentivo para a saída dos trabalhadores, de 30 de dezembro de 2015, com um objetivo de redução do efetivo de 85 trabalhadores; operações de titularização sintética, de 10 de maio de 2019, devido à necessidade de desenvolver iniciativas de apoio aos fundos próprios para cumprimento dos requisitos de capital na sequência da perda de produtos líquidos bancários decorrentes da contração dos depósitos e da clientela verificada imediatamente após a adoção da decisão e nos anos seguintes; iniciativas de atenuação dos riscos através de duas operações de cessão de empréstimos não produtivos, decididas e/ou executadas, a primeira, em 1 de agosto de 2016 e, a segunda, em 16 de novembro de 2017; medidas comerciais destinadas aos sócios, que visam restaurar a relação, em especial através de descontos sobre as condições normais praticadas pelo banco sobre os empréstimos não garantidos, durante o período compreendido entre 2016 e 2019; despesas relativas aos consultores jurídicos de 21 de janeiro de 2016, 29 de março de 2016, 13 de janeiro de 2017, 11 de novembro de 2019, 26 de maio de 2020 e 7 de junho de 2021.

56      Esse dano, admitindo que está demonstrado, materializou‑se durante vários períodos na sequência da adoção da Decisão Tercas devido às diversas despesas que a demandante teve de suportar.

57      Ora, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 30, supra, o prazo de prescrição começou a correr a partir do momento em que a Decisão Tercas produziu efeitos danosos em relação à demandante. Com efeito, o critério decisivo para se determinar o início do prazo de prescrição não é a ocorrência do facto que esteve na origem do dano, uma vez que, nomeadamente, não se pode opor ao demandante um início da prescrição numa data anterior ao surgimento dos efeitos danosos desse facto (Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão, C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.o 52).

58      No caso em apreço, em primeiro lugar, os danos pretensamente sofridos que consistem em custos resultantes da redução dos efetivos, das operações de titularização sintética e das iniciativas de atenuação dos riscos não têm caráter continuado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 32, supra. Com efeito, estas despesas foram efetuadas instantaneamente, pelo que se materializaram efetivamente na data de cada uma das operações em causa e os seus montantes não aumentaram proporcionalmente ao tempo decorrido.

59      Assim, há que determinar a data a partir da qual se produziu a ocorrência dos efeitos danosos do referido prejuízo em relação à demandante, na aceção da jurisprudência referida no n.o 30, supra. É a partir deste momento que começa a correr o prazo de prescrição, previsto no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

60      A este respeito, como resulta do n.o 55, supra, os danos pretensamente sofridos resultantes das operações de titularização sintética e das iniciativas de atenuação dos riscos ocorreram em 10 de maio de 2019, pelo que o prazo de prescrição de cinco anos não tinha expirado quando a demandante formulou o seu pedido prévio junto da Comissão, a saber, em 28 de abril de 2021. Assim, a ação é admissível no que respeita a estes pretensos danos.

61      Pelo contrário, quanto ao eventual dano relativo à redução do efetivo dos trabalhadores, este resulta do plano de incentivo implementado em 30 de dezembro de 2015. Assim, cabe considerar que foi nesse momento preciso que o pretenso dano se concretizou. Daqui decorre que o prazo de prescrição de cinco anos já tinha expirado quando a demandante apresentou o seu pedido prévio à Comissão e que, por conseguinte, a ação prescreveu no que respeita ao ressarcimento deste prejuízo.

62      Em segundo lugar, no que respeita mais precisamente às despesas efetuadas com os consultores jurídicos em 21 de janeiro de 2016, 29 de março de 2016, 13 de janeiro de 2017, 11 de novembro de 2019, 26 de maio de 2020 e 7 de junho de 2021, decorre da jurisprudência que essas despesas têm, por natureza, caráter instantâneo. Com efeito, realizaram‑se efetivamente numa data precisa e os seus montantes não aumentaram na proporção do tempo decorrido (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2015, Chart/SEAE, T‑138/14, EU:T:2015:981, n.os 82 e 84).

63      No caso em apreço, resulta do documento fornecido pela demandante, que indica as faturas relativas aos custos de assistência jurídica, que estas são relativas, em especial, ao aconselhamento em matéria de auxílios de Estado entre fevereiro e dezembro de 2015, incluindo o exame da Decisão Tercas (faturas de 21 de janeiro de 2016 e de 29 de março de 2016), às atividades relativas ao procedimento no processo registado sob o número T‑196/16 que deu origem ao Acórdão de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167) (fatura de 13 de janeiro de 2017), à atividade de assistência jurídica no âmbito do processo relativo à Decisão Tercas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça até 31 de outubro de 2019 (fatura de 26 de maio de 2020) e ao pagamento de 20 de maio de 2020 relativo ao procedimento relativo à Decisão Tercas (fatura de 7 de junho de 2021).

64      Ora, por um lado, há que salientar que, no que respeita às faturas de 21 de janeiro de 2016 e de 29 de março de 2016 referentes às despesas com o aconselhamento jurídico prestado entre fevereiro e dezembro de 2015, o prazo de prescrição de cinco anos expirou antes de 28 de abril de 2021, data em que a demandante apresentou o seu pedido prévio, pelo que a ação de indemnização prescreveu.

65      Por outro lado, quanto às faturas de 13 de janeiro de 2017, de 26 de maio de 2020 e de 7 de junho de 2021, estas dizem respeito às despesas efetuadas pela demandante com a gestão dos dossiês nos processos relativos à Decisão Tercas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça. Ora, importa salientar que essas despesas têm caráter instantâneo na medida em que são efetivamente suportadas, o mais tardar, no momento em que o consultor da demandante interveio pela primeira vez para dar início a cada um dos processos em causa (Despacho de 7 de fevereiro de 2018, AEIM e Kazenas/Comissão, T‑436/16, não publicado, EU:T:2018:78, n.o 33).

66      Em especial, importa salientar que a petição foi apresentada na Secretaria do Tribunal Geral pelo representante da demandante no processo que deu origem ao Acórdão de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), em 29 de abril de 2016, ao passo que o recurso interposto pela Comissão desse Acórdão do Tribunal Geral, que deu origem ao Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), foi apresentado em 29 de maio de 2019. Como a demandante apresentou o pedido prévio em 28 de abril de 2021, o prazo de prescrição de cinco anos não tinha expirado nessa data, pelo que a ação não prescreveu no que respeita ao pretenso prejuízo ligado aos honorários dos advogados pagos nos dois processos.

67      Em terceiro lugar, no que respeita às medidas comerciais destinadas aos sócios executadas durante o período compreendido entre 2016 e 2019, que consistia na redução sobre os empréstimos sem garantias, afigura‑se que o prejuízo alegado resultante destas era suscetível de se renovar durante esse período e que não podia ser previsível no momento da adoção das referidas medidas ou da sua primeira aplicação. Assim, o dano resultante, se comprovado, pode ser considerado de caráter continuado na aceção da jurisprudência referida no n.o 32, supra, pelo que, na medida em que o pedido de indemnização se refere a um prejuízo ocorrido depois de 28 de abril de 2016, não prescreveu.

68      Daqui resulta que a ação é inadmissível no que respeita aos alegados prejuízos relativos à redução do efetivo dos trabalhadores e às faturas relativas aos custos com a assistência jurídica, com exceção dos relacionados com a instauração de processos judiciais relativos à Decisão Tercas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

69      Em contrapartida, a ação é admissível no que respeita aos pretensos prejuízos decorrentes de lucros cessantes, dos danos morais e dos danos materiais no que se refere à parte relativa às operações de titularização sintética e às iniciativas de atenuação dos riscos, bem como às medidas comerciais destinadas aos acionistas e às despesas com a assistência jurídica relacionadas com a instauração de processos judiciais relativos à Decisão Tercas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

 Quanto ao mérito

70      O artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE prevê que, em matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

71      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a responsabilidade extracontratual da União e o exercício do direito ao ressarcimento do prejuízo sofrido dependem da verificação de um conjunto de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado (Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 32).

72      Quando uma destas condições não está preenchida, a ação deve ser julgada improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, EU:C:1999:498, n.o 65; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, EU:C:1994:329, n.o 81). Além disso, o juiz da União não é obrigado a examinar estas condições segundo uma ordem determinada (v. Acórdão de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 42 e jurisprudência referida).

73      É à luz destes princípios que cabe apreciar o mérito do pedido da demandante.

74      O Tribunal Geral considera oportuno começar por examinar o requisito da responsabilidade extracontratual relativo à ilegalidade do comportamento censurado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 71, supra.

 Quanto à ilegalidade do comportamento

75      Para que uma ilegalidade possa ser declarada a título de responsabilidade extracontratual, na aceção do artigo 340.o TFUE, o ato ou o comportamento da instituição da União em questão deve ser considerado uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares (Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 42).

–       Quanto à violação de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares

76      A demandante alega que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, enquanto disposição que produz efeito direto, pode ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais, em relação com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE e que, por conseguinte, confere direitos aos particulares, pelo menos quando estão em causa auxílios não notificados.

77      Acrescente‑se que, segundo a demandante, a Comissão violou o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e, designadamente, o dever de fundamentação, na medida em que não teve em conta os argumentos e os elementos apresentados pelas partes aquando da adoção da Decisão Tercas.

78      A Comissão contesta estes argumentos. Contrapõe que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não confere direitos aos particulares, limitando‑se a proibir os Estados‑Membros de concederem auxílios às empresas. Esta interpretação é igualmente confirmada pelo facto de, em conformidade com a jurisprudência (Acórdão de 8 de julho de 2004, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T‑198/01, EU:T:2004:222, n.o 192), os interessados, além do Estado‑Membro responsável pela concessão do auxílio, não poderem exigir a participação num debate contraditório com a Comissão.

79      Além disso, a Comissão não negligenciou os argumentos contrários que lhe foram apresentados no âmbito do inquérito relativo à Decisão Tercas, mas chegou a conclusões diferentes, pelo que o dever de fundamentação não foi violado.

80      A título preliminar, há que salientar que resulta da jurisprudência que uma norma jurídica tem por objeto conferir direitos aos particulares, nomeadamente quando se trata de uma disposição que cria direitos que os órgãos jurisdicionais devem salvaguardar — de modo que tem efeito direto —, ou que cria uma vantagem suscetível de ser qualificada de direito adquirido, ou que tem por função proteger os interesses dos particulares ou que procede à atribuição de direitos em benefício dos particulares cujo conteúdo possa ser suficientemente identificado (v. Acórdãos de 16 de outubro de 2014, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑297/12, não publicado, EU:T:2014:888, n.o 76 e jurisprudência referida, e de 9 de fevereiro de 2022, QI e o./Comissão e BCE, T‑868/16, EU:T:2022:58, n.o 90 e jurisprudência referida).

81      Além disso, segundo jurisprudência assente, estes direitos não nascem apenas quando sejam atribuídos expressamente por disposições do direito da União, mas também quando obrigações positivas ou negativas sejam impostas de forma bem definida por disposições do direito da União tanto aos particulares como aos Estados‑Membros ou às instituições da União. A violação de semelhantes obrigações positivas ou negativas, por um Estado‑Membro, é suscetível de prejudicar o exercício, pelos particulares em questão, de direitos que lhes são implicitamente conferidos através das disposições do direito da União em causa, e que estes devem poder invocar a nível nacional, e podem assim alterar a situação jurídica que essas disposições visam instituir para esses particulares. É por este motivo que a plena eficácia dessas normas do direito da União e a proteção dos direitos que estas visam conferir exigem que os particulares tenham a possibilidade de ser indemnizados, independentemente da questão de saber se as disposições em causa produzem efeito direto, qualidade esta que, por si só, não é necessária nem é suficiente em si mesma para que seja preenchido o requisito para a responsabilização da União decorrente da violação de uma norma jurídica da União que confere direitos aos particulares [v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Ministre de la Transition écologique et Premier ministre (Responsabilidade do Estado pela poluição atmosférica), C‑61/21, EU:C:2022:1015, n.os 46 e 47 e jurisprudência referida].

82      Importa recordar que, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, «salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

83      Ora, há que observar, em primeiro lugar, que, na medida em que fornece uma definição do conceito de auxílio de Estado incompatível com o mercado interno a fim de garantir uma concorrência leal entre as empresas dos Estados‑Membros, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE visa proteger os interesses dos particulares e, nomeadamente, das empresas.

84      A este respeito, há que recordar, por analogia, que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que visa proibir os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera jurídica destes. Em especial, esta disposição confere direitos aos particulares (Acórdão de 6 de junho de 2013, Donau Chemie e o., C‑536/11, EU:C:2013:366, n.os 21 e 31).

85      Em segundo lugar, para determinar se o artigo 107.o, n.o 1, TFUE tem por objeto conferir direitos aos particulares, a interpretação desta disposição deve atender‑se não só aos termos dessa disposição mas também ao seu contexto e aos objetivos da política da União em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 32 e jurisprudência referida).

86      O Tribunal de Justiça já declarou que os particulares não podem, apenas com fundamento no artigo 107.o TFUE, contestar a compatibilidade de um auxílio com o direito da União, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, nem pedir que estes se pronunciem, a título principal ou incidental, sobre uma eventual incompatibilidade. Este direito existe, no entanto, quando as disposições do artigo 107.o TFUE tenham sido aplicadas pelas disposições gerais previstas no artigo 109.o TFUE ou por decisões específicas adotadas nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 22 de março de 1977, Steinike la Weinlig, 78/76, EU:C:1977:52, n.o 10).

87      A este respeito, há que observar que o conceito de «auxílio de Estado», referido no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deve ser aplicado, em especial, com vista a determinar se uma medida estatal instituída sem ter em conta o procedimento de controlo prévio previsto no artigo 108.o n.o 3, TFUE devia ou não ser‑lhe submetida, e, sendo caso disso, verificar se o Estado‑Membro em causa cumpriu essa obrigação (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 38 e jurisprudência referida).

88      Por conseguinte, a aplicação do conceito de «auxílio de Estado» previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE está ligada à aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Assim, há que recordar que a obrigação de notificação constitui um dos elementos fundamentais do sistema de controlo instituído pelo Tratado FUE no domínio dos auxílios de Estado. No quadro deste sistema, os Estados‑Membros estão obrigados, por um lado, a notificar à Comissão cada medida destinada a criar ou a modificar um auxílio, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e, por outro, a não implementar essa medida, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, enquanto a referida instituição não tiver tomado uma decisão final sobre tal medida (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 56 e jurisprudência referida).

89      A proibição de o Estado‑Membro interessado pôr em execução as medidas de auxílio projetadas aplica‑se a qualquer auxílio instituído sem ter sido notificado. Em caso de notificação, produzirá os seus efeitos durante a fase preliminar e se a Comissão der início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE até à decisão final. No que diz respeito a este período no seu conjunto, ele dá origem a direitos a favor dos litigantes que os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a salvaguardar (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, EU:C:1973:152, n.os 6 e 7).

90      Com efeito, enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob o controlo dos órgãos jurisdicionais da União, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda, até à decisão final da Comissão, dos direitos dos particulares em caso de uma eventual violação, pelas autoridades estatais, da proibição referida no artigo 108.o, n.o 3, TFUE (v. Acórdão de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa, C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 28 e jurisprudência referida).

91      Decorre do efeito direto do artigo 108.o, n.o 3, TFUE que os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir aos particulares que serão retiradas todas as consequências de uma violação desta disposição, em conformidade com o direito nacional, tanto no que diz respeito à validade dos atos de execução como à restituição dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição ou de eventuais medidas provisórias (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1996, SFEI e o., C‑39/94, EU:C:1996:285, n.os 39 e 40; de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias, C‑690/13, EU:C:2015:235, n.o 52; e de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen, C‑505/14, EU:C:2015:742, n.os 23 e 24).

92      Com efeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que a proibição de execução dos projetos de auxílio prevista no artigo 108.o, n.o 3, última frase, TFUE tem efeito direto e que a natureza imediatamente aplicável da proibição de execução contida nessa disposição abrange qualquer auxílio que tenha sido executado sem ser notificado (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 88 e jurisprudência referida).

93      O artigo 108.o, n.o 3, TFUE pode, portanto, ser invocado pelos particulares para fazer valer os seus direitos decorrentes da aplicação do mesmo, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 92, supra. Ora, como indicado no n.o 87, supra, é para efeitos da aplicação do referido conceito de «auxílio de Estado», previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, que o artigo 108.o TFUE confere à Comissão o poder de se pronunciar sobre a compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno quando examina os auxílios existentes, quando adota decisões relativas a auxílios novos ou alterados e quando toma medidas em caso de incumprimento das suas decisões ou do dever de notificação. É com base nesta disposição que o procedimento instituído em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE é suscetível de afetar os direitos dos particulares, como concorrentes dos beneficiários de um auxílio ou como beneficiários deste.

94      Além disso, a aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE pela Comissão pode ser contestada nos órgãos jurisdicionais da União pelos beneficiários do auxílio, pelos seus concorrentes e pelos Estados‑Membros.

95      No caso em apreço, com efeito, a Comissão adotou a Decisão Tercas em violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que esta instituição concluiu erradamente que as medidas em causa, que tinham sido autorizadas em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, constituíam auxílios de Estado (Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 24). Daqui decorre, mais precisamente, que, no caso em apreço, a aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE afeta os direitos da demandante enquanto beneficiária das medidas em causa que foram erradamente qualificadas como um auxílio de Estado e cujo montante foi recuperado.

96      Tendo em conta estas considerações, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser qualificado de norma que tem por objeto conferir direitos aos particulares, como a demandante, na aceção da jurisprudência referida no n.o 80, supra.

97      A demandante também responde que a violação pela Comissão do artigo 107.o, n.o 1, TFUE causou igualmente uma violação do artigo 41.o da Carta e, em particular, do dever de fundamentação, na medida em que esta instituição negligenciou, sem fundamentar, os elementos apresentados pelas partes interessadas durante o inquérito que conduziu à adoção da Decisão Tercas.

98      A este respeito, importa salientar que, segundo a jurisprudência, o princípio da boa administração, quando constitui a expressão de um direito específico como o direito a que os processos sejam tratados de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável, na aceção do artigo 41.o da Carta, deve ser considerado uma norma de direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares (v. Acórdão de 6 de junho de 2019, Dalli/Comissão, T‑399/17, não publicado, EU:T:2019:384, n.o 200 e jurisprudência referida).

99      Por conseguinte, só no âmbito de um direito específico que exprime o princípio do direito a uma boa administração é que a apreciação de uma eventual ilegalidade do comportamento da Comissão poderá ser analisada.

100    Ora, resulta do artigo 41.o da Carta que o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. Assim, uma eventual violação do dever de fundamentação deve ser considerada como uma violação de uma norma do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares, na aceção do artigo 340.o, n.o 2, TFUE.

–       Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada

101    A demandante refere, em primeiro lugar, que a simples inobservância do artigo 107.o TFUE pode ser suficiente para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada, dado que a margem de apreciação da Comissão nesse âmbito é limitada. Segundo a demandante, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, nos seus Acórdãos, respetivamente, de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), confirmaram que a Comissão cometeu erros manifestos e graves de apreciação «das circunstâncias de direito e de facto» quando aplicou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ignorando a jurisprudência pertinente. Assim, trata‑se de uma violação suficientemente caracterizada. Esta violação é tanto mais grave quanto a Comissão violou, além disso, o dever de fundamentação que lhe incumbia.

102    A Comissão contesta os argumentos da demandante.

103    Quanto ao requisito relativo ao comportamento ilegal de uma instituição, só uma ilegalidade de uma instituição que dê origem a essa violação suficientemente caracterizada é suscetível de desencadear a responsabilidade da União. A este respeito, cabe recordar que o critério decisivo para considerar que existe uma violação do direito da União suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição da União, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 43, e de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 30).

104    Esta exigência de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União visa evitar que o risco que consiste em ter de suportar os danos alegados pelas pessoas em questão entrave a capacidade da instituição em causa de exercer plenamente as suas competências no interesse geral, tanto no âmbito da sua atividade normativa ou de política económica como na esfera da sua competência administrativa, sem, porém, fazer recair sobre os particulares o ónus das consequências de incumprimentos flagrantes e indesculpáveis (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2011, Sison/Conselho, T‑341/07, EU:T:2011:687, n.o 34 e jurisprudência referida).

105    Assim, só a constatação de uma irregularidade que, em circunstâncias análogas, uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido permite desencadear a responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 43).

106    Em especial, resulta da jurisprudência que a abordagem do Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual da União tem nomeadamente em conta a complexidade das situações a abordar, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos e, mais particularmente, a margem de apreciação de que dispõe o autor do ato em causa (v. Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Vakakis kai Synergates/Comissão, T‑292/15, EU:T:2018:103, n.o 64 e jurisprudência referida).

107    Decorre da jurisprudência que, quando instituição em questão apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito da União pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada. Em contrapartida, a situação é diferente quando essa instituição dispõe de um amplo poder de apreciação. Com efeito, nesse caso, o critério decisivo para considerar que uma violação de direito da União é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição ou pelo órgão da União em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, EU:C:2002:736, n.o 54 e jurisprudência referida).

108    Importa igualmente precisar que não existe nenhum nexo automático entre, por um lado, a inexistência de poder de apreciação da instituição em causa e, por outro, a qualificação da infração como violação suficientemente caracterizada (v. Acórdão de 23 de novembro de 2011, Sison/Conselho, T‑341/07, EU:T:2011:687, n.o 36 e jurisprudência referida).

109    A este respeito, por um lado, é necessário constatar que o conceito de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, é um conceito jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por esta razão, o juiz da União deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe foi submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização integral relativamente à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 111, e de 30 de novembro de 2016, Comissão/France e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 87).

110    Por outro lado, quando as apreciações levadas a cabo pela Comissão têm caráter técnico ou complexo no que respeita à questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a fiscalização jurisdicional é limitada (v. Acórdão de 30 de novembro de 2016, Comissão/France e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 88 e jurisprudência referida).

111    Além disso, para determinar se um comportamento ilegal de uma instituição da União constitui uma violação suficientemente caracterizada, o exame do Tribunal Geral é, em si mesmo, mais exigente do que aquele que se impõe no âmbito de um recurso de anulação, no qual o Tribunal Geral se contenta, dentro dos limites dos fundamentos apresentados pela demandante, em examinar a legalidade da decisão impugnada para se certificar que a Comissão analisou corretamente os diferentes elementos que lhe permitem declarar que as medidas em causa eram imputáveis ao Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Deste modo, simples erros de apreciação e a falta de provas suficientes não bastam, por si sós, para qualificar uma violação manifesta e grave dos limites que se impõem ao poder de apreciação da Comissão (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão, T‑212/03, EU:T:2008:315, n.o 85).

112    Saliente‑se também que o Tribunal Geral declarou que a capacidade da Comissão para exercer plenamente a função de regulador da concorrência confiada pelos Tratados ficaria comprometida se o conceito de «violação suficientemente caracterizada» fosse entendido no sentido de incluir todos os erros ou atuações culposas que, embora apresentem um certo grau de gravidade, não são alheios ao comportamento normal de uma instituição incumbida de velar pela aplicação das regras de concorrência, que são complexas, delicadas e estão sujeitas a uma ampla margem de interpretação. Em contrapartida, existe o direito ao ressarcimento dos danos resultantes do comportamento da instituição quando este se traduz num ato manifestamente contrário à norma jurídica e gravemente prejudicial aos interesses de terceiros à instituição e não encontra justificação nem explicação nas limitações específicas que objetivamente se impõem ao serviço no quadro de um funcionamento normal (Acórdãos de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão, T‑351/03, EU:T:2007:212, n.os 122 e 124; de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão, T‑212/03, EU:T:2008:315, n.o 40 e de 25 de janeiro de 2023, Società Navigazione Siciliana/Comissão, T‑666/21, não publicado, EU:T:2023:20, n.o 95).

113    É à luz destas observações que importa apreciar a natureza da violação cometida pela Comissão no presente processo e, designadamente, a sua gravidade. A este respeito, há que ter em conta a complexidade das situações a resolver (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.o 161).

114    No caso em apreço, resulta dos Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), que, ao adotar a Decisão Tercas, a Comissão não aplicou corretamente o conceito de «concedido pelo Estado ou proveniente de recursos estatais».

115    Ora, o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça consideraram que a ilegalidade da Decisão Tercas resulta de um erro conceptual ligado à confusão entre a condição relativa à imputabilidade do auxílio e a relativa aos recursos estatais (Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 63, e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão, T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167, n.o 70). Além disso, decorre do facto de essa instituição não ter comprovado nem ter fornecido elementos de prova suficientes de que a medida em causa era imputável ao Estado (Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 67, e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão, T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167, n.os 87 a 90). Em conclusão, considerou‑se que a Comissão cometeu um erro na apreciação dos indícios tidos em conta e não provou de forma juridicamente suficiente o envolvimento das autoridades públicas italianas na adoção da medida em causa nem, consequentemente, a imputabilidade dessa medida ao Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

116    Embora o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça tenham reconhecido que a Comissão violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, esta violação não é, necessariamente, só por este facto, «suficientemente caracterizada», na aceção da jurisprudência referida nos n.os 106 e 107, supra. Com efeito, o erro de apreciação cometido pela Comissão e constatado nos Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), não constitui, por si só, uma circunstância suficiente para constituir uma violação suficientemente caracterizada na aceção da jurisprudência referida no n.o 107, supra.

117    A este respeito, há que salientar que, para determinar a imputabilidade ao Estado de uma medida de auxílio adotada por uma empresa pública, a Comissão deve ter em conta um conjunto de indícios resultantes das circunstâncias do caso concreto e do contexto em que essa medida ocorreu (v. Acórdão de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland, C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.o 32 e jurisprudência referida).

118    Ora, o erro de apreciação cometido pela Comissão diz respeito à análise dos elementos considerados para demonstrar que as autoridades italianas tinham exercido um controlo público substancial na definição da intervenção do FITD a favor do Tercas.

119    Com efeito, no âmbito da adoção da Decisão Tercas, a Comissão estava obrigada, como decorre dos n.os 68 e 69 do Acórdão de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), a dispor de um conjunto de indícios resultantes das circunstâncias do caso concreto para demonstrar o grau de envolvimento das autoridades públicas na concessão das medidas em causa que tinham sido atribuídas por uma entidade privada.

120    Há que salientar que a Comissão devia aplicar o conceito de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, num contexto jurídico e factual particularmente complexo, no qual as medidas de auxílio eram concedidas por uma entidade privada, apreciando assim as circunstâncias e os elementos que permitiam deduzir a imputabilidade da medida, o contexto factual e jurídico das medidas nacionais visadas pela Decisão Tercas, o envolvimento dos representantes do Estado nas diferentes etapas da intervenção, bem como o mandato público de que o FITD estava investido.

121    O facto de, nestas circunstâncias jurídicas e factuais complexas, a Comissão, como já foi declarado, não ter provado, na Decisão Tercas, de forma juridicamente bastante, o envolvimento das autoridades públicas italianas na adoção da medida em causa nem, por conseguinte, a imputabilidade dessa medida ao Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 84, e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão, T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167, n.o 132), não é suficiente para qualificar esse erro de apreciação de uma violação manifesta e grave dos limites do poder de apreciação da Comissão.

122    Com efeito, a irregularidade cometida pela Comissão no caso em apreço não é alheia ao comportamento normal, prudente e diligente de uma instituição incumbida de velar pela aplicação das regras de concorrência, na aceção da jurisprudência referida no n.o 112, supra.

123    Consequentemente, a Comissão não cometeu uma violação suficientemente caracterizada do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

124    Além disso, o argumento da demandante relativo à pretensa violação do artigo 41.o da Carta e, designadamente, do dever de fundamentação, deve ser rejeitado, uma vez que, por um lado, não fornece nenhum elemento concreto a este respeito e, por outro, não resulta da decisão impugnada nem dos Acórdãos de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o./Comissão (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), e de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), que a Comissão não teve em conta os elementos e argumentos das partes no inquérito, sem indicar razões justificativas. O facto de a Comissão ter chegado a conclusões diferentes das apresentadas pela demandante não pode conduzir à constatação de uma violação do dever de fundamentação. Assim, há que concluir que também não cometeu uma violação suficientemente caracterizada do artigo 41.o da Carta.

125    Por conseguinte, o requisito relativo à existência de uma violação suficientemente caracterizada não está preenchido e, por isso, há que declarar que este primeiro requisito para desencadear a responsabilidade da União não está preenchido.

 Quanto à existência de um nexo de causalidade

126    O Tribunal Geral considera oportuno examinar igualmente o requisito relativo à existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre o comportamento pretensamente ilegal da Comissão e os prejuízos alegados.

127    A demandante alega que se verificou uma deterioração da confiança da clientela em virtude da sua perceção de incerteza quanto à sua capacidade de concluir o processo de incorporação do Tercas. Segundo a demandante, o nexo de causalidade determinante, tendo em conta, também, a inexistência de outros fatores concomitantes possíveis, seria a Decisão Tercas, que introduziu um elemento de descontinuidade no projeto de integração do Tercas e do Caripe, previsto no plano industrial de 2015‑2019, como, aliás, confirmaram os relatórios técnicos que apresenta em anexo.

128    Resulta dos referidos relatórios técnicos que, enquanto a clientela tinha plena confiança na solidez do banco, nos meses que se seguiram à adoção da Decisão Tercas, verificou‑se e prolongou‑se no tempo a perda de depósitos e de clientela. Este fenómeno era contrário não apenas à evolução dos depósitos diretos da demandante durante o período anterior, mas também à tendência do mercado bancário italiano durante esse mesmo período.

129    Além disso, a demandante especifica que, ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao Acórdão de 30 de junho de 2021, Fondazione Cassa di Risparmio di Pesaro e o./Comissão (T‑635/19, EU:T:2021:394), a Comissão impediu a realização do seu plano industrial de 2015‑2019, que já tinha sido aprovado pelas autoridades nacionais no momento da adoção da Decisão Tercas, originando uma situação precária e incerta, uma vez que, devido a esta decisão, nem as autoridades nacionais nem o banco estavam em condições de dar seguimento à intervenção segundo as modalidades previstas, dado que já não dispunham de qualquer margem de manobra.

130    A demandante acrescenta que nenhum outro elemento, designadamente a reforma dos bancos populares levada a cabo para dar resposta aos problemas relacionados com a governança e com a estrutura do sistema bancário e que diz respeito à forma jurídica e à governança, as sanções aplicadas à sua direção, o envolvimento da sua direção em processos penais, a existência de perdas no balanço de 2015 e o estado de insolvência do Tercas, teve incidência nos prejuízos alegados. Do mesmo modo, o documento redigido pelo Banco de Itália, apresentado pela Comissão, demonstra que o prejuízo sofrido pela demandante é imputável à Decisão Tercas.

131    A Comissão contesta os argumentos da demandante.

132    Quanto ao requisito relativo ao nexo de causalidade previsto no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, resulta da jurisprudência que tem por objeto a existência de um nexo suficientemente direto de causa e efeito entre o comportamento das instituições da União e o dano, nexo que cabe ao demandante provar, pelo que o comportamento censurado deve ser a causa determinante do prejuízo (v. Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 32 e jurisprudência referida).

133    Mais concretamente, o prejuízo deve decorrer de modo suficientemente direto do comportamento ilícito o que exclui, em especial, os danos que sejam apenas uma consequência remota desse comportamento (Acórdão de 5 de setembro de 2019, União europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 135, e Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 40).

134    É necessário que o referido dano tenha sido efetivamente causado pelo comportamento censurado às instituições. Com efeito, mesmo no caso de uma eventual contribuição das instituições para o prejuízo cuja indemnização é pedida, essa contribuição pode ser demasiado remota devido a outros fatores e, nomeadamente, a uma responsabilidade que incumbe a outras pessoas, eventualmente aos demandantes, nomeadamente no que respeita às escolhas das empresas ou outros operadores em causa na sequência do comportamento ilícito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 59).

135    É à luz destes princípios jurisprudenciais que cabe determinar se a demandante, sobre a qual recai o ónus da prova em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 132, supra, demonstrou a existência de um nexo de causalidade direto entre o comportamento da Comissão, a saber, a adoção da Decisão Tercas, e os prejuízos pretensamente sofridos.

136    No caso em apreço, a demandante alega, em substância, que a Decisão Tercas da Comissão, e nomeadamente a considerável mediatização que se lhe seguiu, causou uma deterioração da confiança da clientela a seu respeito devido a uma incerteza sobre a sua capacidade para concluir o processo de fusão por incorporação do Tercas, o que teria causado uma perda de depósitos e de clientela (lucros cessantes), uma ofensa à sua reputação (dano moral), bem como os custos das medidas de atenuação dos efeitos negativos da Decisão Tercas (dano material). Tal é o resultado de uma violação pela Comissão do conceito de «auxílio de Estado», na medida em que considerou erradamente que, não obstante o seu caráter privado, as intervenções do FITD a favor do Tercas constituíam medidas imputáveis ao Estado Italiano e comportavam recursos estatais.

137    Antes de mais, há que precisar que a demandante não distingue a sua clientela da clientela do Tercas e que não apresenta argumentos específicos que visam determinar se a perda de clientela e de depósitos diretos do Tercas era imputável à Decisão Tercas. Quanto aos prejuízos pretensamente sofridos, a demandante refere a sua perda de clientes e de depósitos diretos, bem como as perdas do Tercas e do Caripe, sem, todavia, especificar os valores imputáveis a uma ou a outro. Por outro lado, não alega ter sofrido um prejuízo económico devido à recuperação do auxílio ilegalmente pedido pela Comissão.

138    A este respeito, em primeiro lugar, é importante salientar que, embora com a Decisão Tercas a Comissão tenha exigido erradamente que as medidas de intervenção do FITD autorizadas pelo Banco de Itália a favor do Tercas deviam ser recuperadas enquanto auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não deixa de ser verdade que as decisões dos clientes da demandante, que causaram o prejuízo alegado, foram tomadas no quadro das apreciações e avaliações feitas por estes à luz dos seus interesses financeiros.

139    Com efeito, os clientes da demandante não tinham nenhuma obrigação decorrente da referida decisão, dado que esta implicava unicamente a restituição do auxílio. Além disso, esta decisão não continha nenhum elemento destinado a apresentar a demandante como não estando em condições de adotar medidas de intervenção voluntária alternativas a favor do Tercas ou destinadas a diminuir a credibilidade da demandante e a confiança dos seus clientes perante ela. Pelo contrário, a partir do anúncio da Decisão Tercas, o Governo Italiano e a demandante informaram que as medidas de intervenção voluntária a favor desta estavam prontas para substituir as medidas anteriormente previstas e que, por conseguinte, não teriam efeitos negativos.

140    Importa salientar a este respeito que as circunstâncias do presente processo são diferentes das que deram origem ao Acórdão de 8 de novembro de 2011, Idromacchine e o./Comissão (T‑88/09, EU:T:2011:641, n.os 60 e 65), também relativas à matéria dos auxílios de Estado, no qual o Tribunal Geral reconheceu a existência de um nexo de causalidade direto porque a demandante não teria sofrido nenhuma ofensa à sua imagem e à sua reputação se a Comissão não tivesse divulgado, na decisão controvertida, factos e apreciações que a mencionavam pelo nome e como não estando em condições de fornecer produtos conformes com as normas em vigor nem de respeitar as suas obrigações contratuais.

141    A este respeito, no que se refere mais especificamente ao dano moral alegado, há que acrescentar que a demandante não demonstrou que a Decisão Tercas teve uma consequência negativa sobre a sua reputação. Limita‑se, sem mais precisões, a alegar que assim é. Pelo contrário, os artigos de imprensa que apresentou informam o público de que os efeitos dessa decisão serão neutralizados mediante a adoção de medidas de intervenção voluntária.

142    Em segundo lugar, o argumento relativo à coincidência temporal entre a perda de clientes e de depósitos diretos e a Decisão Tercas não é suscetível de provar a existência de um nexo de causalidade direto. Com efeito, o quadro, que figura num dos relatórios técnicos fornecidos pela demandante, mostra que, durante o período tomado em consideração nesse relatório, a saber, o período compreendido entre maio de 2015 e maio de 2016, houve uma diminuição progressiva dos depósitos diretos, com uma queda a partir de janeiro de 2016.

143    No entanto, como salienta a Comissão, vários elementos poderiam ter causado esta degradação da confiança da clientela da demandante, não permitindo, pois, determinar que esta decisão tenha sido a causa direta do prejuízo alegado pela demandante.

144    Com efeito, primeiro, resulta do relatório do Banco de Itália apresentado pela Comissão que os maus resultados do exercício de 2015 da demandante, publicados em abril de 2016, conduziram, em ligação com a reforma dos bancos populares, prevista na Lei n.o 33, de 24 de março de 2015 (Legge n.o 33 del 24 marzo 2015, Conversione in legge, con modificazioni, del decreto‑legge 24 gennaio 2015, n.o 3, recante misure urgenti per il sistema bancario e gli investimenti) (GURI n.o 70, du 25 mars 2015, supplemento ordinario n.o 15), que impunha a transformação da demandante em sociedade anónima, a Assembleia Geral dos acionistas a decidir, aquando da aprovação do balanço de 2015, a redução do valor unitário das ações de 9,53 para 7,50 euros, o que causou, segundo este relatório do Banco de Itália, fornecido pela Comissão, um descontentamento da clientela. A este respeito, importa constatar que a Decisão Tercas, tendo sido adotada em dezembro de 2015, não pode ter tido qualquer impacto nos resultados operacionais de 2015. Além disso, resulta deste mesmo relatório do Banco de Itália que, a partir de 2014, ano em que a demandante adquiriu o Tercas, até 2015, os indicadores financeiros da demandante só se agravaram.

145    Segundo, decorre das decisões da Commissione Nazionale per le Società e la Borsa (Consob) (Comissão Nacional das Sociedades e da Bolsa, Itália) transmitidas pela Comissão que, entre novembro de 2014 e junho de 2015, no quadro dos aumentos de capital que tiveram lugar, a demandante não informou os investidores do método utilizado e fixou o preço das ações num nível superior ao fixado pelo perito encarregado de o determinar, pelo que a direção da demandante foi objeto de sanções administrativas e de investigações penais a partir de 2017.

146    Terceiro, saliente‑se, como fez a Comissão, que o facto de o Tercas ser um banco em situação de insolvência, razão pela qual, em outubro de 2013, foram encetadas negociações com a demandante, que subscreveu o aumento do seu capital (Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.os 15 e 20), pode ter tido um impacto na relação de confiança entre a demandante e os seus clientes. Com efeito, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, ou seja, antes da adoção da Decisão Tercas, mas após a integração do Tercas pela demandante, esta já tinha perdido 4,9 % dos seus depósitos diretos.

147    A este respeito, importa observar que a fusão do Tercas com a demandante teve lugar em julho de 2016 e que os levantamentos mais significativos de depósitos diretos ocorreram entre julho e setembro de 2016. Consequentemente, a referida fusão pode também ter tido um impacto na relação de confiança com a sua clientela.

148    Quarto, a demandante não explica por que razão a Decisão Tercas a impediu de atrair novos clientes, quando a intervenção voluntária que substituiu a intervenção do FITD a favor do Tercas, que não foi autorizada pela referida decisão, já tinha sido decidida em fevereiro de 2016, ou seja, dois meses depois da Decisão Tercas.

149    Quinto, no que respeita ao dano material e, em particular, quanto aos custos gerados pelas medidas de atenuação dos pretensos efeitos negativos da Decisão Tercas, estes não são diretamente imputáveis à referida decisão. Com efeito, estes custos resultam de decisões de gestão feitas pela demandante. Além disso, mesmo que essas medidas pudessem ser uma consequência direta da perda de clientes e de depósitos, resulta do que precede que não foi demonstrado que a Decisão Tercas constitui a causa determinante desses pretensos prejuízos.

150    Por outro lado, quanto ao argumento da demandante de que a existência de um nexo de causalidade direto é confirmada pelo Acórdão de 30 de junho de 2021, Fondazione Cassa di Risparmio di Pesaro e o./Comissão (T‑635/19, EU:T:2021:394), importa salientar que existe uma conexão factual entre o presente processo e o que deu origem ao referido acórdão. Neste último processo, as demandantes pretendiam desencadear a responsabilidade extracontratual da União nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, pelo facto de a Comissão ter impedido, através de um comportamento pretensamente ilegal, nomeadamente por pressões ilícitas exercidas sobre as autoridades italianas, em especial sobre o Banco de Itália, o resgate da Banca delle Marche, do qual os demandantes eram acionistas e titulares de obrigações subordinadas, o que lhes causou um prejuízo. Mais precisamente, a Comissão impediu esse resgate pelo FITD, o que levou as autoridades italianas, e nomeadamente o Banco de Itália, na sua qualidade de autoridade nacional competente, a dar início a um processo de resolução da Banca delle Marche.

151    Neste contexto, o Tribunal Geral considerou que as tomadas de posição da Comissão, que se verificaram antes do início do procedimento de resolução da Banca dele Marche, tinham unicamente caráter processual, recordando às autoridades italianas a necessidade de notificação prévia e de não aplicarem possíveis medidas de auxílio a favor, designadamente, deste banco. Estas tomadas de posição não se debruçavam sobre uma medida concreta, uma vez que ainda não tinha sido claramente definida ou notificada nenhuma medida concreta, nem sobre a forma precisa como a Comissão interpreta o conceito de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE a este respeito (Acórdão de 30 de junho de 2021, Fondazione Cassa di Risparmio di Pesaro e o./Comissão, T‑635/19, EU:T:2021:394, n.o 55). Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que o requisito relativo à existência de um nexo de causalidade não estava preenchido.

152    Ora, embora seja verdade que, no presente processo, a Comissão não se limitou a interrogar‑se sobre a compatibilidade da intervenção prevista, mas adotou efetivamente a Decisão Tercas na qual considerou que as medidas de intervenção em questão constituíam auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, contrariamente ao que sustenta a demandante, não resulta dos autos que, ao adotar a referida decisão, a Comissão tenha impedido a execução do plano industrial 2015‑2019.

153    Com efeito, é precisado, incluindo num relatório técnico de 9 de julho de 2021 fornecido pela demandante, que a substituição do referido plano pelo plano industrial 2016‑2020 não foi causada exclusivamente pela Decisão Tercas, mas que resultava de vários fatores ocorridos em 2015, a saber, a alteração do modelo de governança, uma vez que o lugar de administrador delegado substituiu o lugar, extinto, de diretor‑geral; a aprovação da reforma dos bancos populares, que incluía a transformação da forma jurídica em sociedade anónima; a evolução do contexto regulamentar, caracterizado por um novo mecanismo único de supervisão; um cenário económico e financeiro «difícil» e em constante evolução e o lançamento de um processo de inovação do modelo económico.

154    Além disso, quanto ao pretenso prejuízo relativo aos honorários de advogados incorridos nos procedimentos relativos ao processo que deu origem ao Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o. (C‑425/19 P, EU:C:2021:154), e ao processo que deu origem ao Acórdão de 19 de março de 2019, Itália e o./Comissão (T‑98/16, T‑196/16 e T‑198/16, EU:T:2019:167), resulta da jurisprudência que essas despesas não constituem prejuízos indemnizáveis na aceção do artigo 340.o TFUE (v. Acórdão de 8 de novembro de 2011, Idromacchine e o./Comissão, T‑88/09, EU:T:2011:641, n.os 98 e 99 e jurisprudência referida). Por conseguinte, não é necessário analisar se o requisito relativo ao nexo de causalidade está preenchido no caso em apreço no que respeita a essas despesas.

155    Em terceiro lugar, no que se refere aos elementos de prova juntos aos autos, não resulta dos dados que figuram nos relatórios técnicos apresentados pela demandante que esta tenha fornecido elementos de prova dos quais resulte que o comportamento censurado é a causa direta e determinante da perda de confiança da sua clientela e, por conseguinte, do prejuízo alegado a este título.

156    Com efeito, antes de mais, o relatório técnico da empresa de auditoria baseia‑se em três considerações. Em primeiro lugar, a Decisão Tercas era apta a causar de forma exclusiva ou, pelo menos, determinante o prejuízo alegado pelo facto de ter enfraquecido a confiança dos clientes do banco e impedido a concretização do plano industrial 2015‑2019; em segundo lugar, entre maio de 2015 e maio de 2016, sofreu uma diminuição dos depósitos diretos concomitante com a adoção da Decisão Tercas; e, em terceiro lugar, não resulta dos dados fornecidos pela demandante nem dos documentos open sources que tenha havido outros eventos que pudessem ter causado o prejuízo alegado. Todavia, indica‑se, nesse mesmo relatório, que uma parte, e pelo menos 50 % das perdas sofridas pela demandante entre junho de 2016 e dezembro de 2016 seria devida à Decisão Tercas. Ora, além de resultar dos n.os 144 e 145, supra, que outros eventos poderiam ter causado os prejuízos alegados pela demandante, estes argumentos constituem considerações de ordem geral e não fornecem elementos de prova que demonstrem que a Decisão Tercas constitui a causa direta e determinante do prejuízo alegado, na aceção da jurisprudência referida no n.o 133, supra. Além disso, na introdução do referido relatório técnico, precisa‑se que essas análises se limitam aos aspetos de natureza económica, contabilística e financeira, não figurando aí nenhuma consideração jurídica sobre o nexo de causalidade.

157    Além disso, é afirmado na introdução deste relatório e depois repetido por diversas vezes, que as análises técnicas foram efetuadas com base em documentos fornecidos pela demandante ou adquiridos em fontes públicas, a saber, extratos das contas fornecidas pelo Conselho de Administração da demandante relativos ao período compreendido entre 2015 a 2016; comunicados de imprensa redigidos pela demandante; plano industrial 2016‑2020; e dados de gestão transmitidos pela demandante. Acrescentou‑se que essas análises não contêm uma auditoria dos elementos sobre os quais foram efetuadas.

158    Em seguida, no relatório técnico do professor universitário, é afirmado que a demandante dispunha de uma posição muito favorável no mercado italiano antes da abertura do processo de inquérito pela Comissão. Esta e a Decisão Tercas modificaram a imagem da demandante no mercado, a confiança dos seus clientes e as expectativas de crescimento. O comportamento da Comissão causou, por si só, uma perda de clientes e de depósitos diretos, dificultou a integração do Tercas e da Carpise, prevista no plano industrial de 2015‑2019, e determinou a necessidade de encontrar outra solução para prosseguir o projeto de integração em curso. Todavia, também é referido nesse mesmo relatório que o balanço de 2015 da demandante, relativo ao período anterior à Decisão Tercas, comportava uma perda de 296 milhões de euros e que, a partir do final de 2016, a referida decisão era apenas uma das causas do prejuízo pretensamente sofrido. Por conseguinte, a conclusão de que a Decisão Tercas foi a causa direta e determinante do prejuízo invocado é enfraquecida pelo reconhecimento, nesse mesmo relatório, dos elementos mencionados. Acrescente‑se que, na introdução do referido relatório, se precisa claramente que as informações com base nas quais foi redigido foram transmitidas pela demandante, sem que tenha sido efetuada nenhuma auditoria, e que as análises se limitam aos aspetos de natureza económica e financeira, excluindo os de natureza jurídica.

159    Por último, consequentemente, os relatórios técnicos acima mencionados limitam‑se a ter em conta os dados fornecidos pela própria demandante, sem efetuar nenhum controlo sobre os mesmos, não analisam a incidência de outras eventuais causas dos prejuízos alegados, entre as quais o comportamento da demandante, pelo que não são suficientes, enquanto tais, para provar que o referido prejuízo é uma consequência direta do comportamento da Comissão. Nessa medida, os referidos relatórios não provam que a Decisão Tercas foi a causa direta e determinante dos referidos prejuízos.

160    Tendo em conta todas estas considerações, as alegações da demandante segundo as quais o comportamento pretensamente ilícito censurado à Comissão provocou a perda de depósitos e de clientela, ao impedir a realização do plano industrial de 2015‑2019, e foi a causa direta dos prejuízos pretensamente sofridos por ela não podem ser acolhidas. Com efeito, a apreciação global dos elementos de prova pertinentes permite ao Tribunal Geral concluir que, embora a Decisão Tercas tenha podido desempenhar um determinado papel no processo de perda da confiança da clientela da demandante, esta perda foi também induzida por outros fatores, pelo que a referida decisão não pode ser considerada a causa determinante e direta dos prejuízos alegados, na aceção da jurisprudência referida no n.o 134, supra.

161    Daqui resulta que a demandante não demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento pretensamente ilícito da Comissão e os prejuízos alegados.

162    Em face de todo o exposto anteriormente, há que salientar que os requisitos da responsabilidade extracontratual relativos, por um lado, à existência de uma violação suficientemente caracterizada e, por outro, à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento censurado e o prejuízo invocado não estão preenchidos.

163    Por conseguinte, a ação deve ser julgada improcedente, sem que seja necessário examinar o requisito da responsabilidade extracontratual da União relativo à existência do dano.

 Quanto às despesas

164    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as demandantes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Banca Popolare di Bari SpA é condenada nas despesas.

Da Silva Passos

Gervasoni

Półtorak

Reine

 

      Pynnä

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de dezembro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.